A inventividade da new wave tcheca é assombrosa e quando você vê na tela uma espécie de super-homem quebrar uma parede, cair em uma sala qualquer com um piano e executar Tchaikovsky é porque você está diante de uma obra-prima. "Liberdade aos sonhos" é a mensagem desse filme. Aos sonhos erótico, perversos, santíssimos e livres. A ciência unida ao poder fascista de controlar os indivíduos, fazendo-os mais produtivos e menos perturbadores é a ciência unida ao que há de mais perverso nos sistemas políticas que reinaram no século passado. Este filme é uma sátira brilhante sobre esses temas, unindo a cultura pop com o cinema de vanguarda e transformando-a em dispositivo crítico. Maravilhoso!
O virtuosismo técnico encontra a poética devastadora de imagens capturadas com uma perfeição grandiosa. Soy Cuba é êxtase, grandiloquência, perfeição. "Escolherás a estrela" - Escolherei Soy Cuba.
Este filme é uma obra-prima da pintura: todos os frames em separado são obras pictóricas em potencial. É uma explosão de técnica e cor, de beleza e melancolia. Pirosmani parece um pintor extremamente orgânico, inserido na vida da mesma maneira que uma árvore inserida no solo. Para além disso: é um retrato do artista enquanto pária, ser de exceção. Mesmo profundamente ligado ao seu solo, Pirosmani está separado para sempre dos homens e do mundo devido ao seu metafísico, etéreo e sobrenatural comportamento perante a vida.
Os filmes de Jancsó são escandalosamente coreografadas e, especialmente nesse, humanos e cavalos parecem se deslocar da encenação para cair na obsessão dos dançarinos no palco: Miklós filmou um musical, a dança da morte.
Eu não sei o que é mais impressionante neste filme: o uso escandaloso e luxurioso das cores em que cada cena parece ter sido feita à mão por um virtuose da pintura ou se a interpretação quase metahumana da atriz que interpreta a irmã Ruth. Aqui a História ocidental se inverte: o colonizador é colonizado pela atmosfera do lugar, é invadido mentalmente por desejos esquecidos que imagens pictóricas sensualíssimas fazem surgir no psicológico de cada uma das irmãs. Todos os símbolos religiosos são convertidos em simbolos sensuais: a cena da Irmã Ruth batendo o sino com uma lubricidade febril é a incontrolável força humana do corpo sobrepujando a força da tradição.
Eis aqui uma aula no sentido literal da palavra. Abandonando qualquer didatismo obtuso e biografismos ordinários, Russell apresenta a obra musical de Debussy em sintonia com sua vida... de forma completamente desvariada, ou seja: genial e original. Fascinante do começo ao fim!
A atuação desse menino é soberba. Carol Reed ignora o noir vulgar e cria um filme sobre a incursão de um menino em um mundo assoberbado de segredos, mentiras e - vejam só! - verdades.
O cinema tcheco da década de 60 é um caixa de obras-primas. Lemonade Joe é o tiro final no agonizante cinema-faroeste. Este poderoso filme desmonta o gênero e exibe o seu esqueleto ideológico, satirizando o american way of life com uma virulência estarrecedora. O herói é revelado em sua faceta sincera: abstêmio, evangelizador, capitalista nefasto, idiotizado, vendedor, empresário e propagandista da kolaloka (anagrama de Coca-Cola) Esta última exerce o papel definidor do filme como denúncia de um sistema: a kolaloka, através da propaganda excessiva de Joe, se torna o Messias, capaz de salvar os homens e ressuscitar os lázaros. O final é estarrecedor do ponto de vista de denúncia. Eis aqui uma bomba relógio implantada no coração do gênero faroeste, filme-denúncia que mostra como uma narrativa de entretenimento pode ser o recipiente de uma ideologia de répteis.
Buñuel foi feroz e sua garra afiada cortou fundo: este filme é a maior sátira ao gênero noir e aos romances policiais vulgares que eu já vi. Não se trata apenas de construir um filme cômico, se trata aqui de ironizar, bestificar, infantilizar e massacrar um gênero de filmes insípidos como o filme noir vulgar e o seu público. Ao infantilizar Archibaldo, Buñuel infantiliza também o público de Archibaldo. Reduzidos a uma infância eterna em busca de mistérios e histórias instigantes. Precisamos escapar do castelo da infância e adentrar no mundo adulto, mundo esse onde o herói pode ser vilão e vice-versa; Buñuel nos convida a jogar a caixinha de música no rio para crescermos.
Choramos por Veronika como choramos por Édipo ou pelo Gilgamesh da epopéia suméria: não importa o quão afastados historicamente estamos desses dramas extremamente contextualizados, sempre iremos nos transportar mentalmente para esse outro mundo e lá vivenciar as dores de seres que não são nós e não estão em nosso tempo. Acredito que esse seja um dos grandes méritos da arte: criar uma ponte para alcançar o passado que muitos julgam, de forma precipitada e presunçosa, praticamente morto. Eis que "Quando voam as cegonhas" nos diz o contrário. O filme é tecnicamente impecável(a cena do piano e sua sequência como a corrida de Veronika freneticamente filmada são, de forma isolada no filme, obras-primas) e textualmente belo. Por trás daquela vivência das pessoas enquanto organismo social está a pergunta de Veronika: qual é o sentido da vida? - cuja resposta foi cortada pela lâmina da história.
Um panorama do absurdo do mundo. A câmera de Zulawski é esquizofrênica e a realidade extraída está a um passo de se desfigurar. Ao retratar uma Polônia ocupada por nazistas, Zulawski conseguiu fazer disso o próprio apocalipse - demonstrando a insanidade de um mundo onde a lei se inverteu, onde a parte maldita do gênero humano vem a superfície sem qualquer escrúpulo. Tudo isso permeado por tomadas esteticamente refinadas, cores exuberantes de uma realidade tétrica. No final da película podemos fazer coro ao personagem de Conrad em Coração Das Trevas: "O horror! O horror! O horror!"
PS: A cena do parto foi uma das mais impressionantes que eu já vi no cinema. Só fiquei tão chocado assim na cena do aborto em Trabalhos Ocasionais De Uma Escrava, do Alexander Kluge.
O mérito de Verhoeven é construir um melodrama cru, incluindo na película aquilo que outros realizadores gostam de expurgar: o lado fisiológico da vida. É um filme forte, nada metafísico, voltado com carga dramática e total para o lado mais humano dos seres. É como se Boccaccio encontrasse uma câmera e, deixando de lado a pena, filmasse um dos seus contos. Tem metáforas visuais lindas (é impossível esquecer a cena em que, ao retirar as flores, visualizamos os vermes sobre o peito de Olga). Um ótimo filme!
Ainda estou sob o efeito idiossincrático desta obra. É impossível não ser desafiado por este labirinto vertiginoso construído por Losey. O jogo do duplo, construído com genialidade por Dostoiévski no seu livro O Duplo, é elevado ao paroxismo nesta parábola aterradora sobre a indiferença política das pessoas diante da barbárie generalizada de um mundo em ruínas. Cenas como a macabra apresentação no Cabaré ou quando o ônibus chafurdado de judeus a caminho do campo de concentração passa por uma cidade que continua a tomar o seu dia-a-dia apesar disso são chocantes. "A festa continuou" - mesmo diante do rosto hediondo do mal.
A epopeia do herói do nosso tempo. Accattone é o irmão espiritual de Michel Poiccard (Acossado): ambos tem o mesmo destino. O lirismo de Pasolini atinge um naturalismo brilhante.
Miklós Jancsó é um esteta imperdível, consegue extrair do enquadramento de cada cena a paisagem interna de seus personagens. Protagonista antonioniano que vaga por um mundo imenso de questionamentos acompanhado por imagens soberbas e alegóricas, esbanjando um apuro estético indizível. A natureza e a metrópole com suas árvores de pedra são indiferentes ao destino dos homens, mas o expectador não poderá se tornar cúmplice da indiferença intrínseca do mundo neste filme, ele embarcará rumo ao abismo de Ambrus. Viva Jancsó!
O primeiro Antonioni é tão cáustico quanto o último. A Dama Sem Camélias é um retrato doloroso sobre o cinema. A busca da autotranscendência de uma jovem atriz, a luta final desenfreada para escapar das ruínas da indústria do entretenimento e do cinema como prostituição dos corpos é dolorosa. Aqui Antonioni denuncia o cinema de entretenimento como algo vazio, sem vida. É um filme de transição, em que um homem como diretor da sétima arte buscará, no futuro, transformar o cinema num potente meio de comunicar aos humanos ideias que refletem os problemas do mundo. Parabéns ao Antonioni que conseguiu fazer um filme que deixa Belíssima de Visconti meio sem jeito e se une lado-a-lado com O Crepúsculo Dos Deuses para denunciar a decadência do cinema não como algo isolado, mas reflexo da condição contemporânea do humano no mundo.
A cena da leitura da carta é de um lirismo imagético soberbo! Ainda estou em profunda comoção diante desta obra que, com uma narrativa lenta e exuberante, constrói imagens que conseguem transmitir todos os sentimentos dos personagens. Belo e triste!
Nem os historiadores seriam capazes de igualar Visconti na descrição de uma espécie de nazismo: não o Nazismo como partido político perverso que inverteu o Estado transformando-o em máquina de destruição e assassinato em massa, mas o nazismo ordinário de cada um, o nazismo infiltrado na alma desses seres repugnantes que destroem a si mesmos em busca de um poder revoltante e medíocre. O personagem de Aschenbach é o único carrasco completo na história. Os outros personagens oscilam entre vítima/carrasco, exercendo um jogo macabro de dominação e destruição no âmago daquilo que conhecíamos tão insipidamente como família. O drama edipiano retorna dos confins da Grécia antiga com uma máscara aterradora e uma suástica escarlate.
A beleza suprema confronta a violência absoluta de um mundo em ruínas, dilacerado pela aleatoriedade histórica. O idílio de Joseph e Kolya em meio ao inferno da guerra revela mais do que diz - a muralha linguística faz mais do que suprimir o contato verbal entre os dois, ela sublima algo mais que a tela, na década de 60, poderia contar. A cena entre as estátuas gregas é outro desses vestígios misteriosos deixados por Jancsó sobre a verdadeira identidade da relação entre os protagonistas. Para além daquilo que o filme esconde: a paisagem é uma personagem explorada quase psicologicamente, é horrenda de tão bonita, silenciosa e devastadora. Maravilhosa obra-prima!
Diálogos brilhantes em uma narrativa fragmentada e caleidoscópica. Uma das raras tentativas do cinema em produzir um expectador participante e criativo, afinal, é necessário um jogo de sinapses para construir os significados da história. A pesquisa sobre a memória e o tempo continuam presentes nessa obra de Resnais. Um ótimo filme!
Alguém consegue escapar da virulência desse filme? Alguém não é atingido por ele com um soco no estômago? Os burgueses que queimam Emily Brontë são os homens que destroem a cultura, a verdade cultura, para abraçar a destruição. Ninguém, ninguém é inocente diante deste filme. É uma acusação lançada contra todos. Para além de marxismo, comunismo ou qualquer bobagem panfletária, é um filme que denuncia nossa apatia e pouca inteligência diárias perante os problemas do mundo.
PS: A sequência da história do adultério é fantástica, usando como referência explícita o maravilhoso e desconcertante livro do Bataille, História Do Olho.
Quem quer matar Jessie?
4.0 6 Assista AgoraA inventividade da new wave tcheca é assombrosa e quando você vê na tela uma espécie de super-homem quebrar uma parede, cair em uma sala qualquer com um piano e executar Tchaikovsky é porque você está diante de uma obra-prima. "Liberdade aos sonhos" é a mensagem desse filme. Aos sonhos erótico, perversos, santíssimos e livres. A ciência unida ao poder fascista de controlar os indivíduos, fazendo-os mais produtivos e menos perturbadores é a ciência unida ao que há de mais perverso nos sistemas políticas que reinaram no século passado. Este filme é uma sátira brilhante sobre esses temas, unindo a cultura pop com o cinema de vanguarda e transformando-a em dispositivo crítico. Maravilhoso!
Eu Sou Cuba
4.5 62O virtuosismo técnico encontra a poética devastadora de imagens capturadas com uma perfeição grandiosa. Soy Cuba é êxtase, grandiloquência, perfeição. "Escolherás a estrela" - Escolherei Soy Cuba.
Pirosmani
4.0 10Este filme é uma obra-prima da pintura: todos os frames em separado são obras pictóricas em potencial. É uma explosão de técnica e cor, de beleza e melancolia. Pirosmani parece um pintor extremamente orgânico, inserido na vida da mesma maneira que uma árvore inserida no solo. Para além disso: é um retrato do artista enquanto pária, ser de exceção. Mesmo profundamente ligado ao seu solo, Pirosmani está separado para sempre dos homens e do mundo devido ao seu metafísico, etéreo e sobrenatural comportamento perante a vida.
Vermelhos e Brancos
4.0 18Os filmes de Jancsó são escandalosamente coreografadas e, especialmente nesse, humanos e cavalos parecem se deslocar da encenação para cair na obsessão dos dançarinos no palco: Miklós filmou um musical, a dança da morte.
Narciso Negro
4.0 77 Assista AgoraEu não sei o que é mais impressionante neste filme: o uso escandaloso e luxurioso das cores em que cada cena parece ter sido feita à mão por um virtuose da pintura ou se a interpretação quase metahumana da atriz que interpreta a irmã Ruth. Aqui a História ocidental se inverte: o colonizador é colonizado pela atmosfera do lugar, é invadido mentalmente por desejos esquecidos que imagens pictóricas sensualíssimas fazem surgir no psicológico de cada uma das irmãs. Todos os símbolos religiosos são convertidos em simbolos sensuais: a cena da Irmã Ruth batendo o sino com uma lubricidade febril é a incontrolável força humana do corpo sobrepujando a força da tradição.
Euforia
3.7 17A câmera-pássaro do diretor é perfeita em seu zooformismo e explora a paisagem como um personagem.
The Debussy Film
3.8 3Eis aqui uma aula no sentido literal da palavra. Abandonando qualquer didatismo obtuso e biografismos ordinários, Russell apresenta a obra musical de Debussy em sintonia com sua vida... de forma completamente desvariada, ou seja: genial e original. Fascinante do começo ao fim!
O Ídolo Caído
4.0 18 Assista AgoraA atuação desse menino é soberba. Carol Reed ignora o noir vulgar e cria um filme sobre a incursão de um menino em um mundo assoberbado de segredos, mentiras e - vejam só! - verdades.
Lemonade Joe
4.0 7 Assista AgoraO cinema tcheco da década de 60 é um caixa de obras-primas. Lemonade Joe é o tiro final no agonizante cinema-faroeste. Este poderoso filme desmonta o gênero e exibe o seu esqueleto ideológico, satirizando o american way of life com uma virulência estarrecedora. O herói é revelado em sua faceta sincera: abstêmio, evangelizador, capitalista nefasto, idiotizado, vendedor, empresário e propagandista da kolaloka (anagrama de Coca-Cola) Esta última exerce o papel definidor do filme como denúncia de um sistema: a kolaloka, através da propaganda excessiva de Joe, se torna o Messias, capaz de salvar os homens e ressuscitar os lázaros. O final é estarrecedor do ponto de vista de denúncia. Eis aqui uma bomba relógio implantada no coração do gênero faroeste, filme-denúncia que mostra como uma narrativa de entretenimento pode ser o recipiente de uma ideologia de répteis.
Dillinger Morreu
3.5 6A sequência de músicas brasileiras é puro amor. Para além disso, um filme desconcertante como só Ferreri sabe fazer.
Ensaio de um Crime
4.0 34 Assista AgoraBuñuel foi feroz e sua garra afiada cortou fundo: este filme é a maior sátira ao gênero noir e aos romances policiais vulgares que eu já vi. Não se trata apenas de construir um filme cômico, se trata aqui de ironizar, bestificar, infantilizar e massacrar um gênero de filmes insípidos como o filme noir vulgar e o seu público. Ao infantilizar Archibaldo, Buñuel infantiliza também o público de Archibaldo. Reduzidos a uma infância eterna em busca de mistérios e histórias instigantes. Precisamos escapar do castelo da infância e adentrar no mundo adulto, mundo esse onde o herói pode ser vilão e vice-versa; Buñuel nos convida a jogar a caixinha de música no rio para crescermos.
Quando Voam as Cegonhas
4.3 72Choramos por Veronika como choramos por Édipo ou pelo Gilgamesh da epopéia suméria: não importa o quão afastados historicamente estamos desses dramas extremamente contextualizados, sempre iremos nos transportar mentalmente para esse outro mundo e lá vivenciar as dores de seres que não são nós e não estão em nosso tempo. Acredito que esse seja um dos grandes méritos da arte: criar uma ponte para alcançar o passado que muitos julgam, de forma precipitada e presunçosa, praticamente morto. Eis que "Quando voam as cegonhas" nos diz o contrário. O filme é tecnicamente impecável(a cena do piano e sua sequência como a corrida de Veronika freneticamente filmada são, de forma isolada no filme, obras-primas) e textualmente belo. Por trás daquela vivência das pessoas enquanto organismo social está a pergunta de Veronika: qual é o sentido da vida? - cuja resposta foi cortada pela lâmina da história.
A Terça Parte da Noite
3.8 35Um panorama do absurdo do mundo. A câmera de Zulawski é esquizofrênica e a realidade extraída está a um passo de se desfigurar. Ao retratar uma Polônia ocupada por nazistas, Zulawski conseguiu fazer disso o próprio apocalipse - demonstrando a insanidade de um mundo onde a lei se inverteu, onde a parte maldita do gênero humano vem a superfície sem qualquer escrúpulo. Tudo isso permeado por tomadas esteticamente refinadas, cores exuberantes de uma realidade tétrica. No final da película podemos fazer coro ao personagem de Conrad em Coração Das Trevas: "O horror! O horror! O horror!"
PS: A cena do parto foi uma das mais impressionantes que eu já vi no cinema. Só fiquei tão chocado assim na cena do aborto em Trabalhos Ocasionais De Uma Escrava, do Alexander Kluge.
Louca Paixão
3.9 66O mérito de Verhoeven é construir um melodrama cru, incluindo na película aquilo que outros realizadores gostam de expurgar: o lado fisiológico da vida. É um filme forte, nada metafísico, voltado com carga dramática e total para o lado mais humano dos seres. É como se Boccaccio encontrasse uma câmera e, deixando de lado a pena, filmasse um dos seus contos. Tem metáforas visuais lindas (é impossível esquecer a cena em que, ao retirar as flores, visualizamos os vermes sobre o peito de Olga). Um ótimo filme!
Diamantes da Noite
3.9 10A poética da fuga - a resistência humana para preservar o humano. Belo e tenebroso filme. Os velhos caquéticos e perseguidores me deixaram com nojo!
Cidadão Klein
4.0 22Ainda estou sob o efeito idiossincrático desta obra. É impossível não ser desafiado por este labirinto vertiginoso construído por Losey. O jogo do duplo, construído com genialidade por Dostoiévski no seu livro O Duplo, é elevado ao paroxismo nesta parábola aterradora sobre a indiferença política das pessoas diante da barbárie generalizada de um mundo em ruínas. Cenas como a macabra apresentação no Cabaré ou quando o ônibus chafurdado de judeus a caminho do campo de concentração passa por uma cidade que continua a tomar o seu dia-a-dia apesar disso são chocantes. "A festa continuou" - mesmo diante do rosto hediondo do mal.
Accattone - Desajuste Social
3.9 31A epopeia do herói do nosso tempo. Accattone é o irmão espiritual de Michel Poiccard (Acossado): ambos tem o mesmo destino. O lirismo de Pasolini atinge um naturalismo brilhante.
Cantata
4.2 1Miklós Jancsó é um esteta imperdível, consegue extrair do enquadramento de cada cena a paisagem interna de seus personagens. Protagonista antonioniano que vaga por um mundo imenso de questionamentos acompanhado por imagens soberbas e alegóricas, esbanjando um apuro estético indizível. A natureza e a metrópole com suas árvores de pedra são indiferentes ao destino dos homens, mas o expectador não poderá se tornar cúmplice da indiferença intrínseca do mundo neste filme, ele embarcará rumo ao abismo de Ambrus. Viva Jancsó!
A Dama Sem Camélias
3.6 8O primeiro Antonioni é tão cáustico quanto o último. A Dama Sem Camélias é um retrato doloroso sobre o cinema. A busca da autotranscendência de uma jovem atriz, a luta final desenfreada para escapar das ruínas da indústria do entretenimento e do cinema como prostituição dos corpos é dolorosa. Aqui Antonioni denuncia o cinema de entretenimento como algo vazio, sem vida. É um filme de transição, em que um homem como diretor da sétima arte buscará, no futuro, transformar o cinema num potente meio de comunicar aos humanos ideias que refletem os problemas do mundo. Parabéns ao Antonioni que conseguiu fazer um filme que deixa Belíssima de Visconti meio sem jeito e se une lado-a-lado com O Crepúsculo Dos Deuses para denunciar a decadência do cinema não como algo isolado, mas reflexo da condição contemporânea do humano no mundo.
O Amor
4.1 11 Assista AgoraA cena da leitura da carta é de um lirismo imagético soberbo! Ainda estou em profunda comoção diante desta obra que, com uma narrativa lenta e exuberante, constrói imagens que conseguem transmitir todos os sentimentos dos personagens. Belo e triste!
Os Deuses Malditos
4.2 33Nem os historiadores seriam capazes de igualar Visconti na descrição de uma espécie de nazismo: não o Nazismo como partido político perverso que inverteu o Estado transformando-o em máquina de destruição e assassinato em massa, mas o nazismo ordinário de cada um, o nazismo infiltrado na alma desses seres repugnantes que destroem a si mesmos em busca de um poder revoltante e medíocre. O personagem de Aschenbach é o único carrasco completo na história. Os outros personagens oscilam entre vítima/carrasco, exercendo um jogo macabro de dominação e destruição no âmago daquilo que conhecíamos tão insipidamente como família. O drama edipiano retorna dos confins da Grécia antiga com uma máscara aterradora e uma suástica escarlate.
Meu Caminho
4.0 3A beleza suprema confronta a violência absoluta de um mundo em ruínas, dilacerado pela aleatoriedade histórica. O idílio de Joseph e Kolya em meio ao inferno da guerra revela mais do que diz - a muralha linguística faz mais do que suprimir o contato verbal entre os dois, ela sublima algo mais que a tela, na década de 60, poderia contar. A cena entre as estátuas gregas é outro desses vestígios misteriosos deixados por Jancsó sobre a verdadeira identidade da relação entre os protagonistas. Para além daquilo que o filme esconde: a paisagem é uma personagem explorada quase psicologicamente, é horrenda de tão bonita, silenciosa e devastadora. Maravilhosa obra-prima!
Eu te Amo, Eu te Amo
3.8 34Diálogos brilhantes em uma narrativa fragmentada e caleidoscópica. Uma das raras tentativas do cinema em produzir um expectador participante e criativo, afinal, é necessário um jogo de sinapses para construir os significados da história. A pesquisa sobre a memória e o tempo continuam presentes nessa obra de Resnais. Um ótimo filme!
Week-End à Francesa
3.8 109Alguém consegue escapar da virulência desse filme? Alguém não é atingido por ele com um soco no estômago? Os burgueses que queimam Emily Brontë são os homens que destroem a cultura, a verdade cultura, para abraçar a destruição. Ninguém, ninguém é inocente diante deste filme. É uma acusação lançada contra todos. Para além de marxismo, comunismo ou qualquer bobagem panfletária, é um filme que denuncia nossa apatia e pouca inteligência diárias perante os problemas do mundo.
PS: A sequência da história do adultério é fantástica, usando como referência explícita o maravilhoso e desconcertante livro do Bataille, História Do Olho.