Quem diria, hein, Cooper? Agora muito mais afastado de seus papeis na comédia, como nos pastelões “Penetras Bons de Bico” ou a trilogia “Se Beber Não Case”, Bradley Cooper apresenta seu primeiro trabalho como diretor, num filme impressionantemente maduro, e que sabe exatamente aonde quer chegar. É claro que, de lá pra cá, o ator evoluiu muito. Tendo sido indicado ao Oscar três vezes, Bradley se envolveu em projetos cada vez mais sérios – de “Trapaça” a “Sniper Americano”, por exemplo, ambos indicados ao prêmio de Melhor Filme do ano. A STAR IS BORN é a sua estreia como diretor e também roteirista de um longa, e que estreia impactante! A produção tem grandes acertos nos cortes secos, que tornam toda a experiência muito concisa e por isso mesmo melhor aproveitada – não parece se alongar em nenhum momento. Possui boa dinâmica, sabendo dosar direitinho seus altos e baixos, e Cooper ainda privilegia detalhes em detrimento de pirotecnias, com um bom trabalho de fotografia intimista. A edição de som e trilha sonora também são pontos altos, que quem assistir no cinema certamente vai curtir. Lady Gaga, após várias aparições em séries (como “American Horror Story” e “RuPaul’s Drag Race”) dessa vez atua num longa de quase 2 horas e meia, um desafio que ela consegue dar conta com moderada facilidade. É nítido, porém, o contraste entre os protagonistas em suas áreas (ela, a cantora “iniciante” que na verdade é profissional, e ele, um ator que não sabe cantar, mas precisa parecer mais experiente que ela!). A diferença de domínio de ambos, em suas respectivas ocupações, causa um estranhamento saudável, sobretudo para quem já conhece o trabalho pop de Stefani Germanotta. No mais, ambos estão entregues nos papeis de Ally e Jackson Cooper, superando notáveis dificuldades. Num balanço geral, o saldo é positivo: Bradley e Gaga possuem boa química desde o início, e as canções grudam mesmo na cabeça. Como divertimento, é um romance chiclete que super funciona, apesar de por vezes cair em clichês, sendo didático demais em situações que não exigem didática, sobretudo no final. Mas o filme não se prejudica por isso, sendo então uma produção bastante sonora, que certamente há de reverberar nos próximos anos – como também fez seu contemporâneo “La La Land”, à sua maneira. Uma lindeza!
“Jack: Olha, talento vem de toda parte, mas ter algo a dizer para pessoas que possam ouvir, isso é uma outra parada. E se você não tentar, nunca vai saber. Essa é a verdade. E há uma razão para estarmos aqui, que é dizer algo para que pessoas possam ouvir. Então se firme isso, não peça desculpas, e não se preocupe por que eles estão ouvindo, ou por quanto tempo vão ouvir. Apenas diga a eles o que você quer dizer. Você entende o que estou falando? Ally: Sim, eu não gosto disso, mas eu entendo. Jack: Ah, eu acho que você gosta um pouco sim.”
Esse cara manja de cinema, mané. Tá louco. ALPEIS é o quarto longa de Yorgos Lanthimos, que dá continuidade ao trabalho experimental que realizou em “Dente Canino” (2009), seu primeiro grande sucesso. Depois da exposição que teve como diretor notável do cinema grego, Lanthimos buscou retrabalhar algumas ideias e propor um roteiro similar na abordagem, sendo menos bem sucedido que o filme anterior. Na real, pensei que fosse ser bem pior do que foi: há, aqui, um argumento bastante interessante – pessoas que não lidam com o luto contratam atores para substituir seus entes queridos. O filme em si não é exatamente crítico à prática (como KYNODONTAS também não foi), mas é uma situação que Yorgos procura explorar, com seus possíveis desdobramentos e questões problemáticas. Chega um ponto na trama que você começa a se perguntar se mesmo a relação central de pai e filha é real, ou uma outra atuação. A realidade, nos filmes de Lanthimos, vira peça questionável do arranjo cinematográfico. O notável uso da cor branca, característico de seu cinema, e o hábito de apresentar primeiro as situações, e depois os rostos das personagens, torna todo o processo de “Alpes” bastante palatável. Quem já estava acostumado com os seus roteiros estadunidenses vai achar este filme até mais conciso – são os filmes em grego do diretor os mais curtos, e por isso mesmo os que (pra mim) acabam falando mais. Apesar de ter uma condução menos gloriosa, ALPEIS tem seu valor no contexto da filmografia. Não vai tão longe quanto “Dente Canino” nem seus filmes estadunidenses, mas o profundo estranhamento da situação que o quarteto encara é digno de ser assistido pelo menos uma vez, e reforça a sensação de que estamos, indubitavelmente, diante de um filme mais artístico que os demais em sua obra. Entre eles, afinal, fico só com o KYNODONTAS mesmo, e olhe lá. Mediano.
“Ginasta: Não fale com Mont Blanc sobre isso. Por favor. Ele não me dará a garota do acidente de carro se falar sobre.”
A produtora A24 tem sido muito bem-sucedida na empreitada de produzir o cinema recente. Depois do estouro de “O Quarto de Jack”, em 2015, eles trouxeram nada menos que “A Bruxa” (2016), “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017) e “Moonlight”, que chegou a levar o Óscar daquele ano. Fruto de uma fortuita parceria com o diretor Ari Aster, HEREDITARY é um longa de estreia absolutamente desconfortável, e no melhor sentido da palavra. Este não é exatamente um filme de “Terror”, pelo menos como o gênero é conhecido. A impressão é que ele, junto de RAW, GET OUT e THE WITCH, faz parte de um contexto totalmente diferente – como se, de 2015 pra cá, assistíssemos ao surgimento de um subgênero, que tem sido chamado por muitos de “pós-Terror”. Tratam-se de filmes tensos e perturbadores, que não contém exatamente os elementos mais caricatos do gênero, não entregando uma história fechada e com desfechos fáceis de assimilar. Aqui e ali, é claro, há jumpscares e a exploração do escuro/sombras, mas a ausência de trilha sonora nas seções das noites é uma parada absurdamente desesperadora – a gente chega a não querer ver/ouvir o que tá pra acontecer, tamanha a angústia que esses momentos causam. Em boa parte do tempo, o longa não cai em clichês, e a edição disso aqui é nota dez – sobretudo os cortes rápidos, que são parte da linguagem do filme. Há momentos muito interessantes de contrastes dia/noite e de atuação, sobretudo da Toni Collette, que também está absolutamente fantástica. A comparação com “A Bruxa” é inevitável. Não só por ter a mesma produção, mas porque se assemelha principalmente na maneira “plácida” como o suspense é construído, sem montanhas russas de reviravoltas ou pirotecnias esdrúxulas. A caminhada da autodescoberta de cada personagem é muito bem feita, e mesmo a morte de um deles, logo na primeira meia hora, não torna o filme monótono (pelo contrário, só catalisa a explosão que vai rolar lá na frente). Mas, diferentemente d‘“A Bruxa”, que é um filme interessante no sentido de criar esse “pacing”, “Hereditário” consegue ser ainda mais envolvente, talvez por conter mais núcleos e cenários, aliados também a uma fotografia impecável. A ideia de trabalhar com o “medo do desconhecido”, aquilo que “não é visto” ou “não está na tela”, remete inevitavelmente a “O Bebê de Rosemary”, do Polanski, com sua incrível cena final. O terror que aquilo que não vemos produz nos personagens nos aterroriza mais ainda, porque o monstro, quando não está visível, fica do tamanho do nosso próprio medo. Como o Stephen King fala, há uma diferença: o Horror é a criatura, o monstro, o vilão do filme, mas o Terror é o que o monstro FAZ, muitas vezes sem aparecer. E, em HEREDITARY, é tudo sobre o que a criatura "faz", e é por isso que é um filme tão bom. Tirando aqui e ali certos deslizes na construção da família principal, o filme é um sopro de ar fresco pro gênero, que merece ser conferido por todos os seus entusiastas! Foda demais.
“Charlie: Quem vai tomar conta de mim? Annie: Ahn, com licença? Não acha que eu vou tomar conta de você? Charlie: Mas e quando você morrer?”
Este aqui ficou tedioso muito rápido. Para um filme que foi planejado por 15 anos, e pós-produzido por um ano inteiro, ENTER THE VOID não se tornou afinal uma experiência tão proveitosa. Tendo sido ovacionado por 15 minutos em Cannes, o filme de Gaspar Noé foi orçado em 13 milhões de euros e rendeu, no mundo todo, 2 milhões. A quantidade de tempo e investimento neste projeto não parece ter resultado em algo maior que a confirmação da paixão para seus fãs, e a dor de cabeça em todos os outros entusiastas de seu cinema. Não, o filme não é “maluco”, pelo contrário. Há bastante ordem no caos que Noé apresenta, e é até tranquilo de assimilar: o recurso da câmera subjetiva-etérea nos coloca no lugar do protagonista, em todo o tempo e até depois de sua morte, quando acompanhamos o trajeto de sua “alma” pelas realidades paralelas que encontra através do Vazio (“Void”). O espectro das cores lisérgicas pode ser lindo, mas as vidas dessas pessoas que ele encontra não têm cor, e estão recheadas de violência, e num geral a descrença em um propósito maior pra vida – o niilismo que cobre a face do abismo... Aqui, o diretor dá continuidade ao trabalho polêmico pelo qual ficou conhecido nos anteriores “Sozinho Contra Todos” e “Irreversível”. Mais uma vez ele aborda a violência nos antros das exceções, buscando um retrato chocante da realidade das drogas. Abusa de cores fortes e vibrantes, neste que pode ser considerado seu roteiro mais complexo e ambicioso, por ter mais núcleos e desenvolver até o limite a sua abordagem estética. É isto que o filme é, no final das contas; ESTÉTICA. A intenção não é trazer um roteiro almodovariano, mas produzir um material imagético que seja tão forte quanto a narrativa – e ele consegue ser até mais forte que ela. O problema é que, justamente, um filme não é só estética, e de grandes realizações visuais o cinema já está cheio. Para esta história em particular, não eram necessárias quase três horas para destrinchar seus desdobramentos – e menos ainda pra desenvolver sua estética. Se o filme tivesse quase uma hora e vinte a menos, teria sido muito mais conciso e continuaria forte, mas Noé optou, como costuma optar, pela maneira mais desconfortável possível de apresentar um filme para o espectador – como se tivéssemos que nos obrigar a assistir até o final, uma vez que é tudo tão aflitivo em seu cinema. Há misoginia em todo canto aqui, e também muita homofobia – temas que não são abordados de maneira crítica, mas mais como a “normalidade das situações”. O lugar secundário em que todas as mulheres do filme são colocadas confirma o fetiche que o diretor tem pelo silenciamento delas, de sua história e mesmo de sua sexualidade. A irmã de Oscar, Linda, por exemplo, tem uma história tão importante quanto a dele, mas quase não sabemos o que acontece com ela depois que desaparece de sua vida, na infância, para depois retornar, anos mais tarde. Assim é com todas as personagens que não são o protagonista – pessoas que não têm passado, e portanto também não têm profundidade. O filme aborda o Vazio em outro sentido, o Vazio Existencial, mas cada um de seus personagens, à exceção de Oscar, carrega em si vazios proporcionais à sua importância no enredo. Aspectos que confirmam o péssimo gosto de Gaspar Noé aqui incluem as várias referências a si mesmo (incluindo seu nome, seus filmes anteriores e tomadas idênticas à final de “Irreversível”), e também a quantidade desnecessária de nudez feminina – frontal, de costas e mesmo uma tomada que entra dentro da vulva da irmã do protagonista. O sexo, em Noé, seguiu como um artifício para exaltar este mesmo niilismo que ecoa no filme inteiro, em relações vazias como o seu roteiro propositalmente é. Mas eu fico com a opinião de Jen Chaney, do Washington Post, publicada em novembro de 2010: “O problema [de “Enter The Void”] é que é uma das sessões mais excruciantes da história recente do cinema. E não, o fato de que é intencionalmente excruciante não o torna menos excruciante.”. É isso. Não é porque é proposital que é menos cansativo e tedioso. Que dor de cabeça...
“Alex: Encontrei com a sua irmã. Oscar: É? Alex: É. Junto com aquele babaca, Mario. Oscar: Eu odeio aquele cara. Alex: Não acredito que ela tá saindo com ele, sabe? Oscar: Se ela ficar grávida, eu mato o bebê. Eu juro por Deus.”
Depois do aclamadíssimo “O Discurso do Rei”, Tom Hooper retorna às telonas com LES MISÉRABLES, adaptação da obra de Victor Hugo com o mesmo nome. A odisseia, que possui incríveis 2 horas e meia de duração, passa com fluidez e sem barrigas no roteiro. Há muita consistência no design de produção, na indumentária, fotografia e na fantástica trilha sonora. O filme, em si, não possui problemas técnicos, mas há alguns detalhes que não passam despercebidos... Primeiro, a quantidade de números musicais; são 20 canções, e 43 números ao todo. Só a trilha sonora dura 2 horas inteiras; eu entendo que o gênero Musical abrange toda a musicalidade possível em cena, seja no teatro ou cinema, mas alguns momentos podiam ser, sim, diálogos mais curtos ao invés de desembocar em mais reprises, exaurindo o espectador. Para além disso, o privilégio de protagonistas conhecidos como Hugh Jackman e Russell Crowe comprometeu a qualidade dos cantos – ambos são bons ATORES, mas não CANTORES. Aquele solo do Jackman, “Bring Him Home”, é quase inaceitável em seus agudos nasalados e timbre sujo. Por ser uma produção comercial, poucos atores do teatro musical foram cotados – como a Samantha Barks, que vive a Éponine nos palcos. Então, há uma diferença nítida entre os atores conhecidos e os que vieram do teatro, que sabem cantar de verdade. Porém, em alguns outros casos, há boas surpresas, como a Anne Hathaway com sua voz melodiosa em “I Dreamed a Dream”. Um último detalhe não se pode deixar passar: o contexto inicial do filme é a Batalha de Waterloo, em 1815, a última batalha de Napoleão, que resultou em sua derrota e consequente exílio. Mais pra frente, no longa, barricadas se formam e uma revolta ocorre, e neste momento, Marius (Eddie Redmayne) brada que “somos a Revolução Francesa!”... Na verdade, a Revolução Francesa rolou entre 1789 e 1799 (antes mesmo da batalha de Napoleão). No livro de Victor Hugo, a revolta retratada é na verdade a Rebelião de Junho, de 1832. Ela e a Revolução Francesa se assemelham, mas não são a mesma coisa. Fica um pouco anacrônico inserir a uma revolta e chama-la de outra, né? De qualquer forma, “Os Miseráveis” é envolvente, emocionante e interessante o suficiente pra se assistir até o final. A estética contribui muito para que o filme seja “facilmente gostável”, e isso é também muito bom. Seria só melhor, talvez, se fosse inteiramente falado em francês, como é o idioma do livro, e da própria França, rs. Uma lindeza!
“Gavroche: This is the land I fought for liberty, now when we fight, we fight for bread... here is the thing about equality, everyone's equal when they're dead.”
Teria sido super legal se não fosse tão raso... THE SHACK é uma produção milionária dirigida por Stuart Hazeldine, cujo último sucesso foi o questionável “Presságio”, de 2009. Tendo em sua filmografia poucas produções expressivas, já não era de se esperar um filme INCRÍVEL sobre a religiosidade cristã, ainda que o marketing tenha sido o de um filme “fora da caixa” e de visão “ampla”. Há, aqui, citações diretas da Bíblia, tanto nos diálogos como nas ações dos protagonistas, e uma fotografia impressionante, mas o filme tem tantos problemas estruturais que acaba perdendo o seu potencial. Com um roteiro simples demais, e abusando de clichês do gênero pra nos comover, "A Cabana" parece imaturo, apesar da seriedade do tema. É difícil dizer se o público a quem THE SHACK se dirige é religioso ou não – o filme fica em cima do muro justamente no posicionamento de Deus sobre o assassinato da filha, e o Seu silêncio pode ser interpretado, por pessoas sem contato com a religião, como uma crítica velada a ela mesma. O longa não é, porém, de todo ruim. A caracterização da Santíssima Trindade não é a “clássica”, o que é um verdadeiro sopro de vida nos filmes religiosos: Deus não é um ‘homem velho’, Jesus não é um ‘branco barbudo de cabelão’ e o Espírito Santo não é uma ‘pomba alada’. Aqui e ali, distribuídos espaçadamente, há também diálogos interessantes que refrescam a representação do Cristianismo: o de Mackenzie com Jesus, quando estão no cais, e o tapa na cara que a Sabedoria dá no protagonista, quando conversam sobre o Juízo. De qualquer maneira, os pontos altos do filme são abafados pela trilha sonora absolutamente enjoativa e as atuações meia-boca de quase todo o elenco (salvam-se Octavia Spencer e a querida Alice Braga, sempre excelentes). De resto, THE SHACK não faz muito nem pros que têm contato com a religião, nem pros que pretendem ter. Achava que as críticas ao longa, por parte dos ateus, tinham alguma razão pessoal contra ele, mas estava errado; o filme é só ruim mesmo. Ainda prefiro aquela adaptação de 2014 do Evangelho, “O Filho de Deus”. Aquilo ali é interessante até pros ateus... E tenho dito...
Este aqui é certamente o filme mais fraco da saga. “A Batalha do Planeta dos Macacos” é o quinto e último longa da franquia clássica PLANET OF THE APES, sendo o filme mais emocional, mais curto e direto ao ponto deles: aqui, o foco é, unicamente, a guerra que ocorre após a revolução protagonizada por César, o primeiro macaco falante capaz de comandar seus semelhantes no filme anterior. Acompanhamos o protagonista na Cidade dos Macacos, onde eles moram, e assistimos ao desenrolar (pessimamente introduzido e conduzido) da batalha entre as duas raças. O filme tem várias falhas. Primeiro, o clímax, que parece ocorrer cedo demais, usando os mesmos recursos de ação desde o início, apresentando assim certa inconsistência de gradação. Depois, a ausência de comentários sociais (não há, praticamente, colocações novas sobre o preconceito), que é profundamente sentida neste que é o menos promissor dos cinco roteiros. Ainda, “A Batalha...” foca tanto no embate físico entre as raças que perde todo o potencial para ser o filme anti-guerra que podia ter sido: a Guerra do Vietnã, que ocorria em 1973, estava em seus tempos mais sombrios, com mais de 50 mil estadunidenses mortos, e este filme fracassa até em fazer um posicionamento decente a respeito da violência, a exemplo do próprio César estar envolvido na morte de um personagem: “deverá uma morte ser vingada com outra?”, ele questiona, mais tarde, sem saber dizer. O antagonista-homem, Governador Kolp, não tem nenhum carisma, além de ser unidimensional e vazio: ele só busca a vingança em nome dos humanos, e por isso mesmo não convence e acaba estragando o filme. Mesmo o confronto final entre as raças não dá certo e o filme acaba saindo mais no prejuízo que a própria Cidade dos Macacos. O antagonista-macaco, General Aldo, tem talvez energia demais para comandar um exército, e é tão ferrenho opositor de César que não chega a convencer mesmo nos maiores diálogos. No fim das contas, o saldo d’A Batalha é negativo, apesar de aqui e ali haver relances do que foram os filmes anteriores, no sentido de “humanizar” a discussão sobre a violência, o preconceito e a origem do mal, que reside afinal em todos nós. Pretendo re-assistir à saga recente, de 2011 pra cá, não com o pensamento de que haverá roteiros melhores que “Planeta...” ou “Conquista...”, mas porque certamente serão filmes melhores que este. Não valeu o esforço. Fico com o 1, 3 e 4!
“Mandemus: Qual é a natureza do conhecimento que você não pode procurar sem armas?”
O Haiti é aqui. Pensei que não podia ficar mais surpreso depois do desfecho da “Fuga...”, mas “Conquista do Planeta dos Macacos” supera o filme anterior com tranquilidade, e dá prosseguimento ao comentário social pelo qual a saga ficou conhecida, desta vez com uma riquíssima analogia histórica e uma edição voraz. Inicialmente, a impressão é de que o longa vai focar mais na origem do macaco César que no seu caminho para a liderança, mas não é assim. Vemos o protagonista em algumas cenas dando exemplos de natural influência diante dos demais, e o fato de ter herdado a fala de seus pais, Zira e Cornelius, faz com que César seja um elemento perigosíssimo para o seu contexto social, uma vez que os macacos vivem sob um regime de escravidão. A ligação com o Haiti é quase imediata. A revolução do país, que foi oficializada em 1804, teve como protagonistas os escravos, que travaram uma luta armada contra o governo francês, que detinha o poder sobre a colônia. Os escravos se uniram e, coletivamente, rejeitaram a escravidão, que passou a ficar ilegal depois do estabelecimento da república do Haiti. Não apenas o filme destrincha uma maneira deste processo existir, como também detalha a personalidade intempestiva (e por isso mesmo perigosa) de um líder de revolução. As estruturas das sociedades tremem diante da iminência daquele mesmo fantasma... Para além de quaisquer defeitos técnicos, “Conquista...” é dinâmico e dá seu recado tirando onda. Absolutamente digerível, divertido e até marxista, o filme tem ainda uns três ou quatro diálogos fantásticos que discutem opressão, revolução, a imortalidade de uma ideia e mesmo o nascimento de uma nova ordem, com o domínio de uma espécie pela outra baseado na compaixão. Assistam!
Mantive este diálogo porque ele é simplesmente demais: “MacDonald: Como você acha que vão ganhar esta liberdade? Caesar: Pela única maneira que nos resta. Revolução. MacDonald: Mas está fadada ao fracasso! Caesar: Talvez. Dessa vez. MacDonald: E na próxima. Caesar: Talvez. MacDonald: E você vai continuar tentando? Caesar: Você, acima de todas as pessoas, deveria entender; nós não podemos ser livres enquanto não tivermos poder! De que outra maneira poderemos alcançá-lo?”
Poxa... O cineasta grego Yorgos Lanthimos nos entrega THE LOBSTER, um filme de primor técnico mas com certas dificuldades para caminhar sozinho. Talvez pelo proposital maniqueísmo dos personagens, ou pela repetição incessante da trilha sonora, “O Lagosta”, premiado em Cannes e indicado ao Oscar de melhor roteiro, não ressoou em mim tanto quanto podia ter feito. Sobre o primor técnico: é como se os filmes dele fossem um estudo de caso do “A Igualdade é Branca”, do Kieslowski... O notável uso da cor branca, sempre muito presente nas cenas, torna a cinematografia facilmente reconhecível, aliada a um roteiro que geralmente se pretende desafiador e intrigante, mas que aqui acabou não indo muito longe... Há certo humor bizarro em algumas situações de “O Lagosta”, que parece caracterizar a verve satírica do diretor. Curto muito o estranhamento de filmes assim, e a sensação de que algo está fora do lugar, algo que provavelmente não deveria estar ali... Gosto da sensação de “não saber para onde a história vai”, porque torna seu decorrer sempre uma surpresa: o final em aberto, inclusive, lembrou muito o fim de “Dente Canino”, produção que catapultou o diretor como representante do cinema de seu país nos festivais mundiais. O próprio Yorgos disse em entrevista que achava este o filme “mais morno” de sua carreira. E é verdade. Ali pelos 70% do filme temos algumas das seções mais longas e tediosas da narrativa, que se estendem para além do tempo necessário para se fazer entender. A sensação que dá é que, depois de entrar para o circuito “mainstream”, e adotar elenco de peso como Colin Farrell e Nicole Kidman, Lanthimos passou a ter mais recursos estéticos e mais tempo de longa para preencher, passando então a ficar com 2 horas de duração sem necessidade, em contraste com seus filmes em grego “Alpes” e “Dente Canino”, cada um com uma hora e meia – que, por isso mesmo, são mais concisos. A premissa deste filme é absurda, super chamativa e tal, mas não foi bem executada. Da metade para o final, THE LOBSTER se perde em seus núcleos e acaba entregando um desfecho meio chocho, mesmo para quem já esperava algo desse tipo vindo de seu diretor. Naturalmente seus filmes são todos diferentes, mas entre eles, sigo preferindo o KYNODONTAS a qualquer outra produção. Mas seguiremos na filmografia! Mediano e decepcionante.
“Mulher com miopia: [narrando] Ele não começou a chorar e não pensou que a primeira coisa que as pessoas fazem quando percebem que alguém não as ama é chorar.”
Eita. O Nacionalismo de Yorgos Lanthimos grita em “O Sacrifício de um Cervo Sagrado”, filme baseado na tragédia grega “Ifigênia em Áulide”, de Eurípedes. Como em seu outro longa, “Dente Canino”, baseado no “Mito da Caverna” de Platão, mais uma vez o diretor nos presenteia com um filme muito bem escrito, nacionalista, bem filmado e (na maior parte do tempo) bem conduzido, sobre uma difícil decisão a tomar devido a escolhas do passado... Gosto muito do estranhamento que filmes como este evocam. Existe certo incômodo que é próprio da linguagem de filmes assim, “sem gênero específico”, em que não entendemos de primeira para onde vão seus personagens, ou por onde o roteiro planeja nos dar sua porrada. THE KILLING OF A SACRED DEER tem, na maior parte do tempo, fôlego para nos tirar o fôlego, com uma trama misteriosa que envolve vingança e redenção, mas também possui uma barriga inegável, ali pelo último quarto de duração, que sentimos fisicamente depois de tanto esperar. O movimento da história é até simples; algo ocorreu no passado, portanto algo no presente deverá ocorrer também. Quem será o cervo não importa – e sim a maneira como esta decisão se dará. Como chegar a um denominador comum ali, numa família que (aparentemente) se ama e se quer bem? Quem seria desumano a ponto de condicionar alguém a ter de escolher uma dessas pessoas, seus entes queridos? E pra quê...? Ao contrário do KYNODONTAS, aqui temos respostas suficientes para encerrar as perguntas principais, sobre a trama em si, e alguns detalhes da relação entre Steven e Martin. O problema geral é que o processo pelo qual elas são respondidas acaba se estendendo demais, tornando a sessão (que até ¾ do filme estava fantástica) monótona, para além do necessário pra sua fruição. O marasmo é importante para termos os ecos das palavras e dos silêncios (e a ausência de trilha sonora ajuda muito nisso), mas chega um momento em que o filme deixa de ser interessante – seu dilema moral, seu questionamento, sua referência à literatura são sobrepujados por uma boa barriga de quase meia hora de duração até o final. Sem buscar uma solução diferente da que também se esperava do título, “O Sacrifício de um Cervo Sagrado” acaba caindo, apesar de suas excelentes tentativas de evitar, no final mais previsível que tinha a oferecer. É como se a história desse uma volta imensa, salpicada por alguns bons diálogos aqui e ali, e recheada pela atuação incrível da Nicole Kidman, e acabasse caindo no mesmo lugar aonde todos estávamos esperando. Quem conheceu a tragédia de Eurípedes antes de assistir ao filme não deve ter curtido tanto, justamente por conhecer o final original. Vale ressaltar que “Dente Canino” chamou atenção não apenas pela estética (d’as impurezas do branco) ou pelo roteiro, mas pela maneira como finalizou o impasse da Caverna de Platão em sua última cena. Aqui, infelizmente, não é o caso – recebemos aquilo que já esperávamos desde o início, e então o acordo prévio entre cineasta e público é cumprido à risca, apesar de toda a “subversão” do filme em sua forma; Eu esperava um pouco mais de você, Yorgos. Se tivesse vinte minutos a menos, o filme seria outro, e teria um impacto muito maior. Mediano.
O que chama atenção sobre este filme é que ele não é de Terror. RAW chegou a Cannes e levou o prêmio da crítica, e no festival de Toronto entrou pra seleção oficial de 2016. O marketing feito sobre como “pessoas desmaiaram nas primeiras sessões do filme” deu certo e o alavancou nas bilheterias – o que garantiu seu lugar também no catálogo da Netflix, tornando-o ainda mais acessível. Porém, ao contrário do que muitos esperavam (eu inclusive), “Grave” não é um filme padrão terror-gore-trash, ou algo similar. Primeiramente, por estética. Temos aqui um filme super bem trabalhado com cores e fotografia (existem cenas tão bem filmadas que parecem irreais, como o pesadelo debaixo das cobertas e o cadáver do cachorro no necrotério). O filme merece reconhecimento por seu trabalho visual, sua simetria e movimento, mas não para por aí. RAW também não é exatamente violento: o que está em jogo não é o canibalismo pela violência, mas O QUÊ o canibalismo significa para AQUELA FAMÍLIA, tradicionalmente vegetariana e com uma criação basicamente conservadora. A relação que o filme cria entre a ingestão de carne pela filha mais nova e o amadurecimento feminino é impressionante. A todo tempo vemos como estão intrinsecamente ligados o ato de comer (um peixe, um hambúrguer, uma pessoa) e a exploração da sexualidade (o prazer erótico, a descoberta de si mesma, o orgasmo). Mesmo a mordida que Justine dá em si durante o sexo evidencia como na verdade o filme não trata de uma mulher canibal (como seria o caso do péssimo “Garota Infernal”, com a Megan Fox), mas de um discurso sobre a auto-aceitação num contexto extremamente repressivo. Comer carne não é exatamente comer carne aqui; trata-se de uma metáfora para a aceitação de si. Até o desfecho, vai ficando mais pronunciada a qualidade de um filme que mescla gêneros (drama + terror) quando dirigido por uma mulher, e tendo duas mulheres como protagonistas de seu enredo: toda a ação se dá num ambiente feminino e com todas as características culturais que envolvem o crescimento da chamada “menina-mulher”. Dá até pra falar em sororidade ao pensar na relação dessas duas irmãs, mesmo com todos os embates próprios da relação entre irmãos. Esse caráter “sem gênero” realmente tem crescido. Depois de “Corra!”, venho percebendo como é uma constante filmes de Terror não serem exatamente de terror, mas assimilarem outras abordagens para se fazer relevantes. Contra-exemplos são vários, como o recente fiasco “A Freira”, que recicla uma fórmula exaurida pela indústria, mas filmes como “Grave” têm causado barulho por frustrarem justamente este mesmo público, insatisfeito com filmes formulaicos como aquele. Espera-se de “Grave” exatamente o que se recebe em filmes comuns, como jumpscares e violência gratuita, e é justamente por não entregar esses elementos que RAW se destaca com louvor. Do cinema recente do gênero, junto de “Corra!”, é um dos filmes mais expressivos e profundos que vi. Tem inclusive certa poesia intrínseca, que merece ser revisitada. Este não é um filme de terror. É um filme sobre ser irmã. Kudos, Julia Ducournau! Já quero mais!
“Pai: Tenho certeza que você vai encontrar uma solução, querida.”
Nunca pensei que fosse falar isso, mas a frase é essa: Close errado. PORNOCRACY tinha tudo para ser um filme contestador e informativo sobre a pornografia: ele se mune de vários dados, pesquisas, apuração jornalística e até depoimentos dos próprios produtores sobre a prática, mas não coloca a pornografia como o problema, e sim a sua “piratização”. Em diversos momentos, a documentarista Ovidie (que inclusive é ex-atriz pornô) descreve os horrores pelos quais mulheres passam em cena, mas nunca questiona a natureza dessa mesma violência. Demorei pra entender que o documentário não se trata dos males da pornografia, mas de como a indústria pornográfica foi ficando para trás, por causa da “uberização” de seu consumo através dos “tubes” (sites pornôs gratuitos). Por causa disso, produtores de “conteúdo original” se viram perdendo muito dinheiro ou falindo, e PORNOCRACY é uma busca por um culpado para este processo. Parece ser mais importante falar da grana que não está chegando aos produtores “de verdade” do que os danos que a pornografia representa, tanto a ‘trabalhadoras’ quanto a consumidores. A escandalização dos produtores que dizem que os “tubes” são um absurdo só me soa hipócrita. “Este é um conteúdo adulto, para ser acessado apenas por adultos”, é mesmo? Então por que boa parte do fetichismo é por meninas “novinhas”, ou pais transando com filhas e coisas do tipo? Alguém fala isso no doc: “Se você não pode fazer propaganda do seu produto, você não deveria vendê-lo”, e é bem por aí. O hardcore e as versões extremas (o filme cita sexo anal com 5 homens numa mesma mulher) são produtos de uma crise que afetou a indústria, e fez com que as grandes produtoras passassem a trabalhar com nichos, quase sempre muito específicos e violentos. Este tipo de produto só existe porque eles precisam de uma alternativa para fazer dinheiro num contexto em que a pornografia ficou absolutamente gratuita. “Para quê pagar pelo que você pode ter de graça?”, “poucos consumidores estão considerando fazer a coisa certa, que é pagar pelo nosso serviço”. Mas a coisa certa não é pagar, e sim rechaçar a prática! Não há meio-termo. Que caiam todos. Ninguém no documentário (nem a própria ex-atriz) questiona a lógica por trás disso, que a violência no set é também causada pela decisão desses mesmos homens em continuar na indústria, vendendo produtos de nicho cada vez mais violentos. Ninguém fala que, na verdade, não dá para estipular um preço para uma mulher ficar pelada numa câmera, transmitindo sozinha ou com vários homens um trabalho que na verdade não é um trabalho, e não deveria ser pensado assim. Quem defende a “liberdade de expressão” e “possibilidade de lucro” sobre esses corpos na verdade defende que a exploração às mulheres (capitalista por natureza) continue hegemônica, minimizando os movimentos anti-pornografia como vêm ocorrendo em todas as partes do mundo. Se o direito de um produtor pornô é mais importante que o de uma mulher de ter sua integridade física respeitada, aí realmente estamos partindo de duas situações absolutamente diferentes. Não se trata de pagar pelo trabalho devido aos produtores, mas de parar de pagar porque precisamos parar de consumir este tipo de violência. Nenhuma coisa diferente disso. Se o consumo parar, todos eles caem. A única saída é parar a produção, e pra isso é preciso primeiro parar o consumo. E tenho dito.
"So they destroy the girls. The girls will have to go to hospital, her ass will hurt and she won't want to work anymore. She's become like exclusive. Those people deserve to be shot."
MARVIN é um filme que trata da auto-aceitação de um homossexual e a consequente superação de seus traumas. Estrelado por Finnegan Oldfield, o longa tem uma evolução lenta, mas com ritmo definido, e faz boas escolhas ao intercalar cenas da infância com o tempo “atual”, em que Marvin, mais velho, é protagonista de sua peça autobiográfica. O peso do ódio a si, o preconceito da família, o bullying no colégio, todos os processos importantes da descoberta da sexualidade são explorados no longa de maneira bastante delicada; ele não nos violenta com cenas gráficas demais, o que confere um ponto positivo: não se trata de expor um problema sem saber como trabalhá-lo, mas entender o propósito de cada momento e concedê-lo o peso merecido. Em termos, é possível pensar neste filme como um “Moonlight” branco e francês – o clima, a contemplatividade e a trilha sonora lembram muito o vencedor do Oscar do ano anterior. E o segundo título, “La Belle Éducation”, uma referência ao filme do Almodóvar, “La Mala Educación”, já dá uma boa ideia de qual é o tema e como será abordada a homossexualidade no contexto da repressão familiar. A única questão que me incomoda, e já de alguns anos, é que mesmo sendo um sucesso na comunidade (ganhou o Queer Lion do ano passado de melhor filme LGBT), o filme segue com um desfecho “trágico”, digamos assim. Parece que mesmo entre as obras que os próprios gays/lésbicas protagonizam, nunca há uma em que o casal fica junto e dá tudo certo: “Starcrossed”, do Burkhammer, “O Tempo que Resta”, do Ozon, “Brokeback Mountain”, de Ang Lee, “Azul é a Cor Mais Quente”, do Kechiche e mesmo o “Moonlight”, de Barry Jenkins, não fogem à regra. Parece que no ambiente do cinema a homossexualidade ainda é um problema insolúvel, inadiável, inescapável. Não gosto desse pessimismo mesmo se estiver vestido de poesia. Sobretudo por essa questão, o filme não se destaca dos outros tantos que, para mim, enterram a narrativa gay sob a alcunha de “mostrar a realidade como ela é”. Não, nem sempre tudo acaba em morte, traição ou suicídio, e a própria comunidade LGBT é prova viva de e resposta plena a isso. Datado.
“O Teatro existe porque a vida não basta. É ele que dá a abertura para sermos quem somos.”
Este tipo de comédia envelheceu mal à beça... O DITADOR é um show de racismo, misoginia e homofobia. Daquele tipo de humor que defende que “toda piada deve ofender alguém”, o filme é repleto de piadas étnicas e de gênero. Aqui e ali, raramente, algo engraçado ocorre, devido à (notável) imprevisibilidade do roteiro de Cohen, mas na maior parte das vezes o que sentimos é vergonha alheia pelo humor forçado que ele nos entrega. Uma comédia deve fazer rir, mas se você sedimenta o teu ponto de quebra exatamente no que temos de diferente – em nossos tabus, ancestralidade, nosso passado e tradições – é só natural que apenas um grupo vá realmente curtir este tipo de humor. E todos sabemos que grupo é esse. Não costumo defender (nem acho que deva existir) arte censurável, ou que toda obra deva ser “politicamente correta”, mas este filme é uma comédia tão fraca que nem precisa disso – só a falta de força do roteiro já o torna esquecível. Me pergunto até que ponto rir do outro não é rir de uma diferença que é fundamental pra sedimentar qualquer democracia. Quando tratamos as pessoas com os estereótipos que são sempre velhos (todo muçulmano é terrorista, todo negro é escravo, toda mulher é burra), a gente está rindo do quê? Quando a pessoa não mora conosco, não nos conhece ou não fala a nossa língua, a gente tá rindo do quê, exatamente? Alguém podia pensar que este filme seria uma sátira às ditaduras, ou uma crítica ácida exatamente ao modelo de poder totalitário que ilustra, mas está muito atrás disso: trata-se da manutenção de uma situação em que o branco pode rir do negro, o americano pode rir do chinês e o homem pode rir da mulher, mas nunca o contrário. O humor como instrumento de legitimação de uma categoria X (à qual eu também pertenço) que, para o tempo de hoje, já ficou para trás. Não vi “Brüno”, mas pelo que me recordo, “Borat” não está muito atrás de O DITADOR. Sacha Baron Cohen confirma seu péssimo gosto e desserviço à diversidade, sedimentando estereótipos sobre os mesmos grupos sociais já tão terrivelmente saturados deles. Vai chegar um dia em que escrever um roteiro com piadas sobre “negros como Morgan Freeman” e “que pena que nasceu, é uma menina” vai ser crime. Cês podem falar o que quiser sobre “humor negro” e “liberdade de expressão”, mas este dia vai chegar, e ele vem a galope. E digo mais, cês só riem porque não é com vocês. Se fosse sobre a nossa cultura, estereótipos do Brasil, os homens e mulheres daqui, tava todo mundo puto que nem estiveram naquele episódio d’“Os Simpsons” no Rio de Janeiro. Este humor é segmentado e tem cor – branca. É dirigido por e para nós, brancos, para que riamos das pessoas que são diferentes da gente. Mas um dia nós seremos a piada. Vou esperar todos vocês rindo também, ok? Tamo junto.
“General Aladeen: Você parece bem-educada. Zoey: Sim, eu estudei em Amherst. General Aladeen: Eu amo quando mulheres vão para a escola. É como se fosse um macaco em patins: não significa nada pra elas, mas é tão adorável pra nós...”
Larry Clark sabe colocar a juventude como um problema, mas não sabe o que fazer com isso. KIDS é o primeiro longa do diretor, e sua primeira parceria com Harmony Korine (roteirista). Trata-se de um retrato do hedonismo juvenil, sua inconsequência e busca por um lugar-para-ser. Eu já era familiarizado com a obra do Korine, sobretudo os longas “Gummo” e “Trash Humpers”, mas KIDS, embora tente uma abordagem parecida, não consegue chegar muito longe... Trata-se de um filme bastante cru, que não consegue superar a crueza de “Gummo” na própria linguagem – que se propõe suja, pois o tema é sujo, mas que tem a fotografia incoerentemente limpa, perfeita. KIDS entrega o que se propõe como retrato da juventude dos anos 90 usuária de drogas, frequentadora de festinhas e caindo pra casa dos amigos, mas mesmo assim, a obra em si fala pouco, não parecendo saber o que fazer as informações que nos coloca. A intenção de crítica jaz no título, “Crianças”, que nos instiga a um olhar quase paternalista para elas – até porque a maior parte desses jovens não têm pais à vista, e boa parte dos adultos no filme são “problemáticos” também. O distanciamento dos jovens da realidade (privilégio burguês) e a ausência de um sentimento de responsabilidade (afetiva, relacional, social) são reflexos da completa falta de referências que eles têm. A ausência de propósito, o afundamento na droga e a incomunicabilidade entre meninos e meninas são aspectos muito fortes no longa, que nos lembra o tempo todo de que eles são ‘crianças’, mesmo quando têm relances de maturidade. Há muita misoginia, e moderados racismo e homofobia nas atitudes dos rapazes que aqui se apresentam. Todo o sistema machista que prepara meninos para “se tornarem machos” (através da bebida, do sobrepujamento de outro macho, ou do sexo com uma mulher) está em KIDS muito bem sublinhado: inconscientemente, o filme dialoga sobre a masculinidade tóxica com grande poder. Meninos que desde muito pequenos aprendem a usar maconha como um método de ascensão social, ao crescerem, passam a reproduzir os mesmos comportamentos que um dia seus irmãos mais velhos e os amigos reproduziram a partir de outros ainda mais antigos. É um filme interessante porque explora, em parte, as violências que se espalham nesses ambientes caóticos, mas a experiência em si não se apresenta tão impactante assim. Trata-se de um filme com uma boa pegada, mas não na maior parte do tempo – e o tanto que ele podia ter falado, não falou. Segue alarmante, mas meramente expositivo. Mediano.
“Telly: Quando se é jovem, nada importa. Se você encontra alguma coisa que te importa, é tudo que você tem. À noite, você sonha com xoxotas. Quando acorda, é a mesma coisa. Elas estão aí, você não pode escapar. Às vezes você só pode ir pra dentro. Isso é tudo. Eu gosto de trepar, se tirarem isso de mim, não tenho nada.”
Documentário que se faz super importante no tempo que se apresenta. Responsável por nos modificar o pensamento acerca do plástico - e sua incoerente indestrutibilidade - A PLASTIC OCEAN é um filme que pontua as questões centrais que envolvem o material, que a cada minuto se espalha mais pelo oceano, afetando a vida de milhares de peixes, aves e povos nativos de ilhas. O lixo "descartável" não é descartável na medida em que demora 450 anos para ser destruído pelas causas naturais. Todo plástico já produzido segue no planeta, nos oceanos, como névoas de microplástico que afetam centenas de espécies - e são responsáveis pelas mortes por sufocamento que acometem vários animais. Como muito bem pontua um pesquisador no filme, "se não houver consumo de plástico, haverá baixa na produção". A ideia que A PLASTIC OCEAN representa não é de retirar todo o plástico que se lançou no oceano ao longo de décadas, mas de uma redução de danos em relação ao material, começando pela nossa recusa em usar canudos, e se estendendo até buscarmos alternativas para os invólucros dos produtos, para assim diminuir a produção do lixo que se esvai nos mares, "tornando-se finas camadas de plástico" que impactam de forma traumática a natureza. A situação das pardelas, citada no meio do longa, e das populações ribeirinhas que são entrevistadas revelam de que maneira galões de água, usados quase sempre uma única vez, interferem diretamente na vida de pessoas do outro lado do mundo. Os chamados "plásticos de uso único" duram até 12 minutos nas mãos das pessoas antes de serem descartados, e seguirão existindo nos oceanos por quase cinco séculos depois disso. É preciso politizar o nosso uso deste material e entender de que maneira todos podemos ajudar, uma vez que nos é dada a oportunidade de fazê-lo. Recusemos o canudo.
"Dr. George Bittner: Mais de 90% de todos os plásticos que não contém BPA de qualquer maneira liberam substâncias químicas com poderosa atividade de estrogêneo."
Na raia de documentários contestadores, que sentenciam definitivamente uma questão política, BLACKFISH se insere com a sumária “é preciso fechar os parques aquáticos”. Concordando ou não com a tese inicial, somos levados, ao curso de menos de 20 minutos, a consentir com a sentença. O “acidente” que causou a morte de Dawn Brancheau pela orca Tilikum, passa a ser encarado como uma reação natural ao cativeiro (que duraria 34 anos) pelo qual passou o animal, mudando de companhia em companhia, enclausurado no mesmo tanque 2/3 da vida. Recentemente, a orca faleceu dentro do SeaWorld, que segue operante, o que reacendeu o debate a respeito da vida marinha e o tratamento que tais animais recebem nos bastidores dos parques aquáticos. Realmente, colocar uma barreira entre os treinadores e os animais muda de alguma forma a vida que estes levam, removidos de suas famílias e tendo que repetir diariamente os mesmos truques para não passar fome nas mãos dos treinadores? É difícil de assistir, mas super necessário e em boa hora. BLACKFISH pega carona nos debates sobre os direitos dos animais e tem muito ainda para nadar. Me deixou esperançoso para que pensemos também na relação que se estabeleceu entre a sociedade e os zoológicos tradicionais, que no Brasil ainda temos aos montes, e seguem o mesmo modus operandi. Que este fechamento se estenda, também, aos zoológicos do mundo. E que assim seja.
“Howard Garrett: There is no record of an orca doing any harm to a human in the wild.”
Tá aí um filme que sabe pra onde vai! “Os Excêntricos Tenenbaums” é o segundo longa de Wes Anderson (o primeiro que causou grande impacto) e não fez por menos: aqui, a direção veloz, o humor ácido, as cores análogas e um poderoso uso da trilha sonora orquestral entram em comunhão para trazer um filme com muito fôlego sobre uma família aos pedaços, que respira com a ajuda de aparelhos. Destaque para Danny Glover e Ben Stiller, em papéis que não são comumente associados, e a ótima Gwyneth Paltrow na interpretação de Margot. THE ROYAL TENENBAUMS é uma espécie de “doze é demais moral”, com as diversões que uma grande família causa como comédia, mas alguns momentos muito sérios, que incluem tentativa de suicídio e abandono parental. É da pegada de Anderson trabalhar a tragédia com ironia e doçura, mesmo quando há traição e mortes, e o choque entre esses dois elementos (o trágico e o cômico) traz a seu cinema inquestionável riqueza: alguém vai dizer que a vida, por vezes, não é assim? Com grande humanidade e uma talentosa edição, THE ROYAL TENENBAUMS se destaca na filmografia de Anderson como um de seus grandes filmes, divertido e ágil como poucos do gênero – a exemplo do excelente “Pequena Miss Sunshine” que veio depois, e certamente bebeu desta fonte. Lindo. Dá pra ver de novo.
“Royal: I'm very sorry for your loss. Your mother was a terribly attractive woman.”
Assistindo uma segunda vez, não tem tanto assim para cativar... MOONRISE KINGDOM foi o primeiro do Wes Anderson a que assisti – não tinha ainda a noção da valorização da simetria que ele põe em seus filmes, e a utilização das cores vivas, misturadas com atuações “involuntariamente cômicas” e um corte ferino, para tornar tudo mais dinâmico. Mesmo que seu cinema, até aqui, pareça uma mistura divertida de elementos, por vezes, malucos, MOONRISE KINGDOM perde a mão e se torna “doce demais”, sobretudo em seu final. Entendo que há assinaturas cinematográficas – determinado uso da grua, a cenografia simbólica, a rapidez com que tudo flui – mas, infelizmente, esses atributos não contribuem o suficiente para sobrepujar o roteiro inescapavelmente simples e unidimensional que temos aqui. Bruce Willis, Edward Norton e Frances Mcdormand trabalham bem, mas não basta – as crianças não têm química, e mesmo os arqui-inimigos não convencem em sua batalha ao fim. O filme tem sua dose de realismo e materialidade, sobretudo quando aborda em que pé anda, depois, a vida de Sam, mas mesmo o seu desfecho não nos tira mais que um “fofo” da boca, quando a sessão acaba. Me lembrou a direção colorida de “Pushing Daisies”, e as escolhas de tratar um assunto tão pesado (como a rejeição de um adotado por sua família adotiva) com doses homeopáticas de um humor à lá “Amélie Poulain” – da gracinha, da doçura, das pequenas ironias. Dos que assisti de Wes Anderson, este segue abaixo da média – não chega a ser ruim ou algo do tipo, só não vai mais longe que filmes como “Os Excêntricos Tenenbaums”, por exemplo. Bonitinho – mas só.
“Sam: Why do you always use binoculars? Suzy: It helps me see things closer. Even if they're not very far away. I pretend it's my magic power. Sam: That sounds like poetry. Poems don't always have to rhyme, you know. They're just supposed to be creative.”
Difícil a PIXAR errar, é foda. “Os Incríveis 2” é uma sequência para um dos grandes sucessos do estúdio de animação, que segue como referência da Academia, da crítica e do público – que hoje chega a virar gerações assistindo aos seus filmes. Sou da época em que a PIXAR lançava “Toy Story” para vídeo cassete, e via em casa, apaixonado. De lá para cá, é possível dizer que pouco mudou para a empresa: vieram novas franquias, trilogias e sequências que só têm desbancado qualquer outro estúdio que tente chegar perto para concorrer. Falo por exemplo dos excelentes “Divertida Mente” e “Viva! A Vida é Uma Festa”, premiados com o Oscar de Melhor Animação em edições recentes. INCREDIBLES 2 segue a linha das continuações da PIXAR, pegando o conceito do filme original e retrabalhando-o: torna-o mais cômico, emocionante e efetivo em todos os momentos da família Pêra. O comentário social que “Os Incríveis 2” faz sobre a situação das mulheres é uma coisa linda: há inclusão e representatividade em muitos personagens, há heróis LGBTs e o filme em si passa no Teste de Bechdel (pois tem cenas em que duas mulheres conversam entre si, e o assunto não é um homem!). A importância da maternidade, e a valorização das relações entre as mulheres, encontram neste filme um forte eco. O antagonista da história, aliás, surge como outro questionamento pertinente a respeito dessa relação. Comentar qualquer outra coisa é chover no molhado, o filme é ótimo: bom entretenimento para todos, e a PIXAR segue comprovando o seu merecimento no primeiro lugar como estúdio de animação do mundo, estando onde nenhum outro (nem a Disney) conseguiu chegar. Excelente!
“Helena Pêra: [Para Beto] É muito louco, né? Para ajudar minha família, devo deixá-la, para consertar a Lei, devo quebrá-la. Beto Pêra: Você deve fazer isso, para que nossas crianças tenham esta opção.”
Muito embora possua momentos questionáveis ao colocar a mulher como “necessitada de um homem” para se sentir completa, L’AMANT DOUBLE, de François Ozon, consegue escapar, com alguma habilidade, da perigosa alcunha de “mais um filme machista sobre psicanálise”. Trechos da nova obra de Ozon sublinham, por exemplo, a teoria psicanalítica (publicada em 1933) de que a feminilidade se baseia, segundo Freud, na inveja das mulheres pelo pênis. Quando o psicanalista coloca que a formação da mulher passa necessariamente por um processo de desejar-o-que-não-tem (falo), e a isto chama inveja do pênis (ou masculinidade, status, poder), é possível traçar um claro paralelo com seu estudo e este filme, em que é explorada a complexa relação entre uma mulher e dois gêmeos psicólogos. “O Amante Duplo” às vezes soa como uma mistura de “O Bebê de Rosemary”, do Polanski, com “Um Método Perigoso”, do Cronenberg. Alguns elementos estilísticos também trazem à mente a violenta direção do Aronofsky, sobretudo em seu sucesso “Cisne Negro”. Existem escolhas de silêncios, cortes rápidos e sonoplastia minimalista que lembram muitos trabalhos com esta pegada mais “terror psicológico”, Lynchiano, surrealista. Há, aqui, cenas simbólicas que muito ilustram a respeito da trama (como a incrível tomada inicial, do interior do canal vaginal “se tornando” o olho da paciente, com o efeito de tratar a sexualidade de Chloé como a maneira pela qual ela enxergará o mundo). Filmes dirigidos por homens, porém, que abordam frigidez ou histeria, costumam apresentar sérios problemas – e neste, Ozon cai numa infelicidade ao tratar os abusos sexuais cometidos pelo amante como momentos lógicos da trama, com certa violência ao discursar sobre a própria relação dos dois, “como se a protagonista merecesse ou mesmo procurasse ser tratada de tal maneira”. Apesar de ser, de fato, um suspense sufocante, aqui e ali são perceptíveis deslizes tanto de leitura quanto de exposição das questões que ele aborda – sobretudo quando trata do tema central, que é a própria protagonista. “O Amante Duplo” entretém, na medida em que nos deixa retidos na cadeira, estáticos, esperando seu final retumbante, mas atravessa um caminho tortuoso na maneira de tratar sua protagonista (que é, afinal, o verdadeiro centro da história, e não a sua sexualidade). Ozon não chega a ser um Noé ou von Trier da vida com seu fetichismo pela musa, mas claramente não tem consciência de quão mal interpretada pode vir a ser sua obra, se observada de um ponto de vista menos “científico”, e mais machista mesmo. Bom, mas perigoso. Muito perigoso.
“Chloé Fortin: Quando você me olha desse jeito, eu sinto que existo.”
Vergonha, a vergonha da guerra, o horror. VERGONHA é um dos filmes mais ágeis do Bergman. Não se prendendo por demasiado em detalhes, mas aprofundando o olhar sempre que necessário, o filme discorre sobre a natureza humana, covarde e impiedosa, e o desdobramento de tais escolhas em nós. A obra, porém, não se basta nisso, explorando com cuidado o casamento em frangalhos de Jan e Eva, e toda a relação que defendem, apesar de estar numa verdadeira encruzilhada (de suas emoções, mas também na vida real). A corrupção, inerente à guerra, gera mais corrupção – e seres humanos, originariamente bons, passam a se converter, aos poucos, a outras versões de si mesmos. O contraste é claro: a guerra em questão não é apenas física – mas moral, uma guerra de princípios. Eva e Jan são opostos de maneira profunda, e é interessante notar em que tipo de conflito Bergman está pensando quando se percebe o contexto em que o filme foi lançado (1968, plena revolução cultural, marchando para o futuro e a modernização). De certa maneira, os dois são pilares de uma mesma edificação, ying e yang entre o altruísmo e o egoísmo, a piedade e a covardia, a saúde e a doença. Eva, no começo, mostra-se indiferente às questões do marido, e ele, um homem muito sensível, a incomoda ao chorar. Ao longo da película, notamos moderadas transformações de comportamento entre eles – e a fome, a miséria e as surpresas da guerra os tornam cada vez mais inversos de si mesmos. Eva passa a ser altruísta e solidária, e Jan afunda cada vez mais em seu egoísmo, até a última gota de sangue derramada. Violência, abuso e traição: os efeitos da guerra sob os humanos que estão nos campos de batalha, mas que não morrem por defender nações, partidos ou estados. O medo da bomba cair do céu, dos aviões que sobrevoam, dos comboios que chegam. A desinformação, o distanciamento voluntário, o afastamento dos grandes centros e a chegada do inesperado – mais de uma vez, para desestabilizar tudo. As questões que o acaso acarreta, em que desembocam os incertos caminhos dos refugiados que tentam escapar justamente do próprio destino – a cultura da morte, da insuficiência, do exílio de si. Décadas depois, Kubrick lançaria o seu “Nascido para Matar”, com uma pegada bem diferente, mas em certos aspectos muito semelhante ao que “Vergonha” tangencia. A guerra não faz sentido. Que sigamos sempre os ensinamentos daquela mesma revolução de 68, que perguntava “se todos dermos as mãos, quem sacará as armas?”. Que não nos esqueçamos do que aconteceu com Jan e Eva. Fantástico.
"Eva Rosenberg: Às vezes é tudo como um sonho. Mas não meu sonho, o de alguém, em que eu tenho que estar. O que acontecerá quando o sonhador acordar, se envergonhará?”
O abismo, você olha para ele, e ele olha de volta para você. HOT GIRLS WANTED é um filme pesado. Tema super pertinente, levantando a bandeira (ainda hoje pouco falada) do movimento Anti-Pornografia e aproximando o espectador, através do estudo de caso, um pouco mais do universo imundo em que tais produções ocorrem, para ser consumidas aos milhões por uma parcela majoritariamente masculina, que pouco se importa com quem são aquelas mulheres de verdade. Dá pra perceber o desconforto nos depoimentos delas, procurando afirmações como “já tem gente assistindo mesmo” e “melhor que seja eu atuando do que esses homens fazendo isso com garotas de verdade” para justificar sua estadia na casa de um produtor pornô bem sucedido, assinando contratos e fazendo cenas com homens de todas as idades para receber dinheiro... Mas... “Será que eu precisava tanto assim do dinheiro?” A relação que a prática da pornografia para jovens mulheres tem com o abuso sexual é inegável, e todos os tipos de violação encontram na produção pornô a manutenção de seus ideais, para uma cultura arcaica e machista, cunhada no domínio completo, através dos tempos, do homem sobre aquela com quem ele se deita. A violência contra a mulher é inseparável da pornografia; “tem que ter o fator de violência”, uma delas chega a dizer. E completa: “um tapa na cara, uma simulação de não-consentimento, um ‘estupro fingido’. Chega uma hora que eu sempre penso ‘é só o meu trabalho’.” Quanto pode uma pessoa suportar em nome do dinheiro rápido? É possível seguir recebendo abusos faciais, corporais, lidar com doenças, assaduras e a sempre possível gravidez enquanto o seu “sustento” é este tipo de trabalho? A consumação do próprio corpo por um homem com quem você assinou um documento para transar em vídeo. “Violação consentida”, como algumas chamam. Isto vale a pena, afinal? HOT GIRLS WANTED é importante na medida em que dá voz a essas jovens mulheres, que contam seus motivos para optar por este trabalho e sua percepção a respeito da indústria em si. O desejo de sair de casa, buscar independência, fugir dos pais, tudo ligado à promessa de prosperidade à qual todas elas se firmam, na esperança de um dia poder de fato escapar disso. Tendo feito cerca de 100 mil reais em quatro meses, uma delas, ao final, explica que, com todos os gastos de passagens, manicure, maquiagem, comida e aluguel, sobraram cerca de 8 mil reais para ela. Aí, volta a pergunta: “será que eu precisava tanto assim do dinheiro?”... As entrevistas com a família são ótimas na medida em que são reais: aqui é quando “a menina do vídeo” não está “fazendo as coisas do vídeo”, quando ela deixa de ser importante para o pornô, e se torna uma pessoa real. Quanto mais se afasta da fantasia (e se aproxima da realidade), menos sexy, interessante e merecedora de atenção a mulher deve ser. Quanto mais distante das câmeras pornográficas, menos relevante elas devem ser, e este filme busca justamente explorar este “antes e depois” das cenas que elas têm que gravar, dando especial atenção aos momentos em que estão juntas, conversando entre si sobre cenas que fizeram e trocando ideias sobre suas histórias. E ainda tem dados sobre o tamanho do problema. A quantidade de acessos, seguidores, o dinheiro que esta indústria movimenta. Informativo, e anti-pornográfico no melhor sentido, HOT GIRLS WANTED é daqueles filmes que quase ninguém fala, porque diz algo que ninguém tem coragem de dizer (e com moderado sucesso). O abismo fala através das vozes delas. Não é o melhor, mas vale a pena. Confiram.
“Ava Kelly: I think that what i do is an outlet for something that's already there. Supply and demand. That's there because somebody wanted it.”
“Eu quero fazer um filme que combine sangue, esperma e lágrimas”. Mesmo depois das críticas pelos excessos em “Irreversível” e “Viagem Alucinante”, Gaspar Noé retorna aos longas com mais um filme “de difícil digestão”: LOVE. Ele foi lançado em 2015 como uma experiência impactante e, mesmo que tenha profundidade discutível, há certos aspectos que devem ser abordados a seu respeito, tanto em relação ao diretor quanto ao contexto do próprio filme. Logo na cena inicial entendemos o objetivo do filme (apesar do didatismo): abordar o amor no contexto do sexo real, tratando a intimidade do casal como a tônica da história. Acontece que, por estarem os dois nus em grande parte do tempo, contemplando um vazio niilista ou abismo nietzschiano, o filme em si não vai muito longe – exercita pouco sua capacidade discursiva, tangenciando aqui e ali situações de discussão (os vícios, o pornô, o ménage, a casa de swing, a travesti) mas nunca indo mais longe do que a exposição propriamente dita. LOVE é extremamente expositivo, contendo uma espécie de "radicalismo através da exposição", muitas vezes sem aviso: exemplos disso são os genitais masculinos e femininos que simplesmente “aparecem” (com direito a uma “gozada” direto na nossa cara). Já se sabia que Gaspar Noé tem uma pegada mais violenta e até questionável (a cena de nove minutos de estupro em “Irreversível” ilustra bem o quão longe ele foi 15 anos atrás). Assim como seu sucesso anterior, LOVE é também um filme extremamente colorido, que trabalha as cores quentes e seus tons vizinhos, com muita exposição dos corpos e tudo que tiver direito com eles – mas não necessariamente com isso construindo algum discurso. O que se percebe aqui é, sobretudo, como Noé se tornou um diretor extremamente autorreferente: “Gaspar” é o nome do filho do casal, e “Noe”, o primeiro namorado de Electra; passando pelas diversas citações à fotografia de “Irreversível”, e a ambição do jovem cineasta de fazer "um filme sobre sangue, esperma e lágrimas", combinando amor com sexo como se estes ainda fossem indivisíveis. Ele começa bem, montando as cenas e reencaixando-as em outro cenário – mas rapidamente abandona esta ideia para trabalhar cenas extensas de sexo explícito – o que acaba, querendo ou não, sufocando um pouco da força contemplativa de seu trabalho. A questão não é nem o sexo em si, mas a maneira como ele é filmado a todo tempo: violentamente, expositivamente, pornograficamente. O filme busca “o amor que jaz no sexo”, onde um reside no outro, mas até a forma de filmar o ato denota a visão distorcia do diretor sobre o tema; a sensação que dá é de que tem muita cena jogada, um mosaico que interpola nudez e sexo explícito com festas, discussões e momentos em família – como se o sexo fizesse tanto parte do relacionamento dos dois que não se pode falar a respeito dele sem citá-lo. Gaspar Noé não é muito feliz nesta busca, uma vez que a abordagem acaba sendo violenta demais – e a mensagem que se podia passar acaba ficando em segundo plano, para se priorizar cada tomada de penetração possível. Os diálogos não têm enriquecimento – são coloquialismo banal. Não há grandes reflexões acerca da própria relação, apenas grandes promessas – pouca profundidade de fato. A atuação do protagonista é fraca, sobretudo quando chora, e a cadência de acontecimentos chega a ficar desinteressante do meio pro final. Sem contar com o recurso das letras capitais na cena, que acontece uma vez no início e uma no final da obra: podia ter sido melhor aproveitada. Noé uma vez disse que este filme iria “deixar Ninfomaníaca no chinelo”. Ao que tudo indica, a intenção era, mesmo, causar polêmica pelo fator gráfico, e não exatamente fazer “uma ode ao sexo jovial de forma alegre”, como ele também colocou. Com doses de oportunismo, pretensão, marasmo e um péssimo gosto para cenas de intimidade, LOVE apresenta um mosaico esteticamente completo, mas substancialmente insuficiente, de uma relação doente entre um rapaz egoísta e narcisista e uma menina avoada e sonhadora (que quase não tem background). Mas apontar tudo isso chega a ser redundante, porque o problema real do filme está na sua tese: o amor, como energia criadora, não está “tão assim” ligado ao sexo. Fazê-lo codepender do carnal é subtraí-lo de sua real dimensão transformadora, que, no fim das contas, é aonde o filme deveria ter chegado. Se o amor é essa doença, essa morte, esse arrependimento, então que lugar ocupa o sexo, se eles vêm juntos? Resta saber o quanto que este filme não é, também, autobiográfico, né, Gaspar? Shame on you!
“Murphy: Secrets make you stronger. Electra: No. Secrets make you darker.”
Nasce Uma Estrela
4.0 2,4K Assista AgoraQuem diria, hein, Cooper?
Agora muito mais afastado de seus papeis na comédia, como nos pastelões “Penetras Bons de Bico” ou a trilogia “Se Beber Não Case”, Bradley Cooper apresenta seu primeiro trabalho como diretor, num filme impressionantemente maduro, e que sabe exatamente aonde quer chegar.
É claro que, de lá pra cá, o ator evoluiu muito. Tendo sido indicado ao Oscar três vezes, Bradley se envolveu em projetos cada vez mais sérios – de “Trapaça” a “Sniper Americano”, por exemplo, ambos indicados ao prêmio de Melhor Filme do ano. A STAR IS BORN é a sua estreia como diretor e também roteirista de um longa, e que estreia impactante! A produção tem grandes acertos nos cortes secos, que tornam toda a experiência muito concisa e por isso mesmo melhor aproveitada – não parece se alongar em nenhum momento. Possui boa dinâmica, sabendo dosar direitinho seus altos e baixos, e Cooper ainda privilegia detalhes em detrimento de pirotecnias, com um bom trabalho de fotografia intimista. A edição de som e trilha sonora também são pontos altos, que quem assistir no cinema certamente vai curtir.
Lady Gaga, após várias aparições em séries (como “American Horror Story” e “RuPaul’s Drag Race”) dessa vez atua num longa de quase 2 horas e meia, um desafio que ela consegue dar conta com moderada facilidade. É nítido, porém, o contraste entre os protagonistas em suas áreas (ela, a cantora “iniciante” que na verdade é profissional, e ele, um ator que não sabe cantar, mas precisa parecer mais experiente que ela!). A diferença de domínio de ambos, em suas respectivas ocupações, causa um estranhamento saudável, sobretudo para quem já conhece o trabalho pop de Stefani Germanotta.
No mais, ambos estão entregues nos papeis de Ally e Jackson Cooper, superando notáveis dificuldades. Num balanço geral, o saldo é positivo: Bradley e Gaga possuem boa química desde o início, e as canções grudam mesmo na cabeça. Como divertimento, é um romance chiclete que super funciona, apesar de por vezes cair em clichês, sendo didático demais em situações que não exigem didática, sobretudo no final. Mas o filme não se prejudica por isso, sendo então uma produção bastante sonora, que certamente há de reverberar nos próximos anos – como também fez seu contemporâneo “La La Land”, à sua maneira.
Uma lindeza!
“Jack: Olha, talento vem de toda parte, mas ter algo a dizer para pessoas que possam ouvir, isso é uma outra parada. E se você não tentar, nunca vai saber. Essa é a verdade. E há uma razão para estarmos aqui, que é dizer algo para que pessoas possam ouvir. Então se firme isso, não peça desculpas, e não se preocupe por que eles estão ouvindo, ou por quanto tempo vão ouvir. Apenas diga a eles o que você quer dizer. Você entende o que estou falando?
Ally: Sim, eu não gosto disso, mas eu entendo.
Jack: Ah, eu acho que você gosta um pouco sim.”
Alpes
3.5 89 Assista AgoraEsse cara manja de cinema, mané. Tá louco.
ALPEIS é o quarto longa de Yorgos Lanthimos, que dá continuidade ao trabalho experimental que realizou em “Dente Canino” (2009), seu primeiro grande sucesso. Depois da exposição que teve como diretor notável do cinema grego, Lanthimos buscou retrabalhar algumas ideias e propor um roteiro similar na abordagem, sendo menos bem sucedido que o filme anterior.
Na real, pensei que fosse ser bem pior do que foi: há, aqui, um argumento bastante interessante – pessoas que não lidam com o luto contratam atores para substituir seus entes queridos. O filme em si não é exatamente crítico à prática (como KYNODONTAS também não foi), mas é uma situação que Yorgos procura explorar, com seus possíveis desdobramentos e questões problemáticas.
Chega um ponto na trama que você começa a se perguntar se mesmo a relação central de pai e filha é real, ou uma outra atuação. A realidade, nos filmes de Lanthimos, vira peça questionável do arranjo cinematográfico. O notável uso da cor branca, característico de seu cinema, e o hábito de apresentar primeiro as situações, e depois os rostos das personagens, torna todo o processo de “Alpes” bastante palatável. Quem já estava acostumado com os seus roteiros estadunidenses vai achar este filme até mais conciso – são os filmes em grego do diretor os mais curtos, e por isso mesmo os que (pra mim) acabam falando mais. Apesar de ter uma condução menos gloriosa, ALPEIS tem seu valor no contexto da filmografia.
Não vai tão longe quanto “Dente Canino” nem seus filmes estadunidenses, mas o profundo estranhamento da situação que o quarteto encara é digno de ser assistido pelo menos uma vez, e reforça a sensação de que estamos, indubitavelmente, diante de um filme mais artístico que os demais em sua obra.
Entre eles, afinal, fico só com o KYNODONTAS mesmo, e olhe lá.
Mediano.
“Ginasta: Não fale com Mont Blanc sobre isso. Por favor. Ele não me dará a garota do acidente de carro se falar sobre.”
Hereditário
3.8 3,0K Assista AgoraA produtora A24 tem sido muito bem-sucedida na empreitada de produzir o cinema recente. Depois do estouro de “O Quarto de Jack”, em 2015, eles trouxeram nada menos que “A Bruxa” (2016), “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017) e “Moonlight”, que chegou a levar o Óscar daquele ano. Fruto de uma fortuita parceria com o diretor Ari Aster, HEREDITARY é um longa de estreia absolutamente desconfortável, e no melhor sentido da palavra.
Este não é exatamente um filme de “Terror”, pelo menos como o gênero é conhecido. A impressão é que ele, junto de RAW, GET OUT e THE WITCH, faz parte de um contexto totalmente diferente – como se, de 2015 pra cá, assistíssemos ao surgimento de um subgênero, que tem sido chamado por muitos de “pós-Terror”. Tratam-se de filmes tensos e perturbadores, que não contém exatamente os elementos mais caricatos do gênero, não entregando uma história fechada e com desfechos fáceis de assimilar.
Aqui e ali, é claro, há jumpscares e a exploração do escuro/sombras, mas a ausência de trilha sonora nas seções das noites é uma parada absurdamente desesperadora – a gente chega a não querer ver/ouvir o que tá pra acontecer, tamanha a angústia que esses momentos causam. Em boa parte do tempo, o longa não cai em clichês, e a edição disso aqui é nota dez – sobretudo os cortes rápidos, que são parte da linguagem do filme. Há momentos muito interessantes de contrastes dia/noite e de atuação, sobretudo da Toni Collette, que também está absolutamente fantástica.
A comparação com “A Bruxa” é inevitável. Não só por ter a mesma produção, mas porque se assemelha principalmente na maneira “plácida” como o suspense é construído, sem montanhas russas de reviravoltas ou pirotecnias esdrúxulas. A caminhada da autodescoberta de cada personagem é muito bem feita, e mesmo a morte de um deles, logo na primeira meia hora, não torna o filme monótono (pelo contrário, só catalisa a explosão que vai rolar lá na frente). Mas, diferentemente d‘“A Bruxa”, que é um filme interessante no sentido de criar esse “pacing”, “Hereditário” consegue ser ainda mais envolvente, talvez por conter mais núcleos e cenários, aliados também a uma fotografia impecável.
A ideia de trabalhar com o “medo do desconhecido”, aquilo que “não é visto” ou “não está na tela”, remete inevitavelmente a “O Bebê de Rosemary”, do Polanski, com sua incrível cena final. O terror que aquilo que não vemos produz nos personagens nos aterroriza mais ainda, porque o monstro, quando não está visível, fica do tamanho do nosso próprio medo. Como o Stephen King fala, há uma diferença: o Horror é a criatura, o monstro, o vilão do filme, mas o Terror é o que o monstro FAZ, muitas vezes sem aparecer. E, em HEREDITARY, é tudo sobre o que a criatura "faz", e é por isso que é um filme tão bom.
Tirando aqui e ali certos deslizes na construção da família principal, o filme é um sopro de ar fresco pro gênero, que merece ser conferido por todos os seus entusiastas!
Foda demais.
“Charlie: Quem vai tomar conta de mim?
Annie: Ahn, com licença? Não acha que eu vou tomar conta de você?
Charlie: Mas e quando você morrer?”
Enter The Void: Viagem Alucinante
4.0 870Este aqui ficou tedioso muito rápido.
Para um filme que foi planejado por 15 anos, e pós-produzido por um ano inteiro, ENTER THE VOID não se tornou afinal uma experiência tão proveitosa. Tendo sido ovacionado por 15 minutos em Cannes, o filme de Gaspar Noé foi orçado em 13 milhões de euros e rendeu, no mundo todo, 2 milhões. A quantidade de tempo e investimento neste projeto não parece ter resultado em algo maior que a confirmação da paixão para seus fãs, e a dor de cabeça em todos os outros entusiastas de seu cinema.
Não, o filme não é “maluco”, pelo contrário. Há bastante ordem no caos que Noé apresenta, e é até tranquilo de assimilar: o recurso da câmera subjetiva-etérea nos coloca no lugar do protagonista, em todo o tempo e até depois de sua morte, quando acompanhamos o trajeto de sua “alma” pelas realidades paralelas que encontra através do Vazio (“Void”). O espectro das cores lisérgicas pode ser lindo, mas as vidas dessas pessoas que ele encontra não têm cor, e estão recheadas de violência, e num geral a descrença em um propósito maior pra vida – o niilismo que cobre a face do abismo...
Aqui, o diretor dá continuidade ao trabalho polêmico pelo qual ficou conhecido nos anteriores “Sozinho Contra Todos” e “Irreversível”. Mais uma vez ele aborda a violência nos antros das exceções, buscando um retrato chocante da realidade das drogas. Abusa de cores fortes e vibrantes, neste que pode ser considerado seu roteiro mais complexo e ambicioso, por ter mais núcleos e desenvolver até o limite a sua abordagem estética.
É isto que o filme é, no final das contas; ESTÉTICA. A intenção não é trazer um roteiro almodovariano, mas produzir um material imagético que seja tão forte quanto a narrativa – e ele consegue ser até mais forte que ela. O problema é que, justamente, um filme não é só estética, e de grandes realizações visuais o cinema já está cheio. Para esta história em particular, não eram necessárias quase três horas para destrinchar seus desdobramentos – e menos ainda pra desenvolver sua estética. Se o filme tivesse quase uma hora e vinte a menos, teria sido muito mais conciso e continuaria forte, mas Noé optou, como costuma optar, pela maneira mais desconfortável possível de apresentar um filme para o espectador – como se tivéssemos que nos obrigar a assistir até o final, uma vez que é tudo tão aflitivo em seu cinema.
Há misoginia em todo canto aqui, e também muita homofobia – temas que não são abordados de maneira crítica, mas mais como a “normalidade das situações”. O lugar secundário em que todas as mulheres do filme são colocadas confirma o fetiche que o diretor tem pelo silenciamento delas, de sua história e mesmo de sua sexualidade. A irmã de Oscar, Linda, por exemplo, tem uma história tão importante quanto a dele, mas quase não sabemos o que acontece com ela depois que desaparece de sua vida, na infância, para depois retornar, anos mais tarde. Assim é com todas as personagens que não são o protagonista – pessoas que não têm passado, e portanto também não têm profundidade. O filme aborda o Vazio em outro sentido, o Vazio Existencial, mas cada um de seus personagens, à exceção de Oscar, carrega em si vazios proporcionais à sua importância no enredo.
Aspectos que confirmam o péssimo gosto de Gaspar Noé aqui incluem as várias referências a si mesmo (incluindo seu nome, seus filmes anteriores e tomadas idênticas à final de “Irreversível”), e também a quantidade desnecessária de nudez feminina – frontal, de costas e mesmo uma tomada que entra dentro da vulva da irmã do protagonista. O sexo, em Noé, seguiu como um artifício para exaltar este mesmo niilismo que ecoa no filme inteiro, em relações vazias como o seu roteiro propositalmente é.
Mas eu fico com a opinião de Jen Chaney, do Washington Post, publicada em novembro de 2010: “O problema [de “Enter The Void”] é que é uma das sessões mais excruciantes da história recente do cinema. E não, o fato de que é intencionalmente excruciante não o torna menos excruciante.”.
É isso. Não é porque é proposital que é menos cansativo e tedioso.
Que dor de cabeça...
“Alex: Encontrei com a sua irmã.
Oscar: É?
Alex: É. Junto com aquele babaca, Mario.
Oscar: Eu odeio aquele cara.
Alex: Não acredito que ela tá saindo com ele, sabe?
Oscar: Se ela ficar grávida, eu mato o bebê. Eu juro por Deus.”
Os Miseráveis
4.1 4,2K Assista AgoraDepois do aclamadíssimo “O Discurso do Rei”, Tom Hooper retorna às telonas com LES MISÉRABLES, adaptação da obra de Victor Hugo com o mesmo nome. A odisseia, que possui incríveis 2 horas e meia de duração, passa com fluidez e sem barrigas no roteiro. Há muita consistência no design de produção, na indumentária, fotografia e na fantástica trilha sonora. O filme, em si, não possui problemas técnicos, mas há alguns detalhes que não passam despercebidos...
Primeiro, a quantidade de números musicais; são 20 canções, e 43 números ao todo. Só a trilha sonora dura 2 horas inteiras; eu entendo que o gênero Musical abrange toda a musicalidade possível em cena, seja no teatro ou cinema, mas alguns momentos podiam ser, sim, diálogos mais curtos ao invés de desembocar em mais reprises, exaurindo o espectador.
Para além disso, o privilégio de protagonistas conhecidos como Hugh Jackman e Russell Crowe comprometeu a qualidade dos cantos – ambos são bons ATORES, mas não CANTORES. Aquele solo do Jackman, “Bring Him Home”, é quase inaceitável em seus agudos nasalados e timbre sujo. Por ser uma produção comercial, poucos atores do teatro musical foram cotados – como a Samantha Barks, que vive a Éponine nos palcos. Então, há uma diferença nítida entre os atores conhecidos e os que vieram do teatro, que sabem cantar de verdade. Porém, em alguns outros casos, há boas surpresas, como a Anne Hathaway com sua voz melodiosa em “I Dreamed a Dream”.
Um último detalhe não se pode deixar passar: o contexto inicial do filme é a Batalha de Waterloo, em 1815, a última batalha de Napoleão, que resultou em sua derrota e consequente exílio. Mais pra frente, no longa, barricadas se formam e uma revolta ocorre, e neste momento, Marius (Eddie Redmayne) brada que “somos a Revolução Francesa!”... Na verdade, a Revolução Francesa rolou entre 1789 e 1799 (antes mesmo da batalha de Napoleão). No livro de Victor Hugo, a revolta retratada é na verdade a Rebelião de Junho, de 1832. Ela e a Revolução Francesa se assemelham, mas não são a mesma coisa. Fica um pouco anacrônico inserir a uma revolta e chama-la de outra, né?
De qualquer forma, “Os Miseráveis” é envolvente, emocionante e interessante o suficiente pra se assistir até o final. A estética contribui muito para que o filme seja “facilmente gostável”, e isso é também muito bom. Seria só melhor, talvez, se fosse inteiramente falado em francês, como é o idioma do livro, e da própria França, rs.
Uma lindeza!
“Gavroche: This is the land I fought for liberty, now when we fight, we fight for bread... here is the thing about equality, everyone's equal when they're dead.”
A Cabana
3.6 828 Assista AgoraTeria sido super legal se não fosse tão raso...
THE SHACK é uma produção milionária dirigida por Stuart Hazeldine, cujo último sucesso foi o questionável “Presságio”, de 2009. Tendo em sua filmografia poucas produções expressivas, já não era de se esperar um filme INCRÍVEL sobre a religiosidade cristã, ainda que o marketing tenha sido o de um filme “fora da caixa” e de visão “ampla”.
Há, aqui, citações diretas da Bíblia, tanto nos diálogos como nas ações dos protagonistas, e uma fotografia impressionante, mas o filme tem tantos problemas estruturais que acaba perdendo o seu potencial. Com um roteiro simples demais, e abusando de clichês do gênero pra nos comover, "A Cabana" parece imaturo, apesar da seriedade do tema. É difícil dizer se o público a quem THE SHACK se dirige é religioso ou não – o filme fica em cima do muro justamente no posicionamento de Deus sobre o assassinato da filha, e o Seu silêncio pode ser interpretado, por pessoas sem contato com a religião, como uma crítica velada a ela mesma.
O longa não é, porém, de todo ruim. A caracterização da Santíssima Trindade não é a “clássica”, o que é um verdadeiro sopro de vida nos filmes religiosos: Deus não é um ‘homem velho’, Jesus não é um ‘branco barbudo de cabelão’ e o Espírito Santo não é uma ‘pomba alada’. Aqui e ali, distribuídos espaçadamente, há também diálogos interessantes que refrescam a representação do Cristianismo: o de Mackenzie com Jesus, quando estão no cais, e o tapa na cara que a Sabedoria dá no protagonista, quando conversam sobre o Juízo.
De qualquer maneira, os pontos altos do filme são abafados pela trilha sonora absolutamente enjoativa e as atuações meia-boca de quase todo o elenco (salvam-se Octavia Spencer e a querida Alice Braga, sempre excelentes). De resto, THE SHACK não faz muito nem pros que têm contato com a religião, nem pros que pretendem ter. Achava que as críticas ao longa, por parte dos ateus, tinham alguma razão pessoal contra ele, mas estava errado; o filme é só ruim mesmo. Ainda prefiro aquela adaptação de 2014 do Evangelho, “O Filho de Deus”. Aquilo ali é interessante até pros ateus...
E tenho dito...
“Papa: O amor sempre deixa uma marca.”
A Batalha do Planeta dos Macacos
3.2 127 Assista AgoraEste aqui é certamente o filme mais fraco da saga.
“A Batalha do Planeta dos Macacos” é o quinto e último longa da franquia clássica PLANET OF THE APES, sendo o filme mais emocional, mais curto e direto ao ponto deles: aqui, o foco é, unicamente, a guerra que ocorre após a revolução protagonizada por César, o primeiro macaco falante capaz de comandar seus semelhantes no filme anterior. Acompanhamos o protagonista na Cidade dos Macacos, onde eles moram, e assistimos ao desenrolar (pessimamente introduzido e conduzido) da batalha entre as duas raças.
O filme tem várias falhas. Primeiro, o clímax, que parece ocorrer cedo demais, usando os mesmos recursos de ação desde o início, apresentando assim certa inconsistência de gradação. Depois, a ausência de comentários sociais (não há, praticamente, colocações novas sobre o preconceito), que é profundamente sentida neste que é o menos promissor dos cinco roteiros. Ainda, “A Batalha...” foca tanto no embate físico entre as raças que perde todo o potencial para ser o filme anti-guerra que podia ter sido: a Guerra do Vietnã, que ocorria em 1973, estava em seus tempos mais sombrios, com mais de 50 mil estadunidenses mortos, e este filme fracassa até em fazer um posicionamento decente a respeito da violência, a exemplo do próprio César estar envolvido na morte de um personagem: “deverá uma morte ser vingada com outra?”, ele questiona, mais tarde, sem saber dizer.
O antagonista-homem, Governador Kolp, não tem nenhum carisma, além de ser unidimensional e vazio: ele só busca a vingança em nome dos humanos, e por isso mesmo não convence e acaba estragando o filme. Mesmo o confronto final entre as raças não dá certo e o filme acaba saindo mais no prejuízo que a própria Cidade dos Macacos. O antagonista-macaco, General Aldo, tem talvez energia demais para comandar um exército, e é tão ferrenho opositor de César que não chega a convencer mesmo nos maiores diálogos.
No fim das contas, o saldo d’A Batalha é negativo, apesar de aqui e ali haver relances do que foram os filmes anteriores, no sentido de “humanizar” a discussão sobre a violência, o preconceito e a origem do mal, que reside afinal em todos nós. Pretendo re-assistir à saga recente, de 2011 pra cá, não com o pensamento de que haverá roteiros melhores que “Planeta...” ou “Conquista...”, mas porque certamente serão filmes melhores que este.
Não valeu o esforço. Fico com o 1, 3 e 4!
“Mandemus: Qual é a natureza do conhecimento que você não pode procurar sem armas?”
Conquista do Planeta dos Macacos
3.4 139 Assista AgoraO Haiti é aqui.
Pensei que não podia ficar mais surpreso depois do desfecho da “Fuga...”, mas “Conquista do Planeta dos Macacos” supera o filme anterior com tranquilidade, e dá prosseguimento ao comentário social pelo qual a saga ficou conhecida, desta vez com uma riquíssima analogia histórica e uma edição voraz.
Inicialmente, a impressão é de que o longa vai focar mais na origem do macaco César que no seu caminho para a liderança, mas não é assim. Vemos o protagonista em algumas cenas dando exemplos de natural influência diante dos demais, e o fato de ter herdado a fala de seus pais, Zira e Cornelius, faz com que César seja um elemento perigosíssimo para o seu contexto social, uma vez que os macacos vivem sob um regime de escravidão.
A ligação com o Haiti é quase imediata. A revolução do país, que foi oficializada em 1804, teve como protagonistas os escravos, que travaram uma luta armada contra o governo francês, que detinha o poder sobre a colônia. Os escravos se uniram e, coletivamente, rejeitaram a escravidão, que passou a ficar ilegal depois do estabelecimento da república do Haiti. Não apenas o filme destrincha uma maneira deste processo existir, como também detalha a personalidade intempestiva (e por isso mesmo perigosa) de um líder de revolução. As estruturas das sociedades tremem diante da iminência daquele mesmo fantasma...
Para além de quaisquer defeitos técnicos, “Conquista...” é dinâmico e dá seu recado tirando onda. Absolutamente digerível, divertido e até marxista, o filme tem ainda uns três ou quatro diálogos fantásticos que discutem opressão, revolução, a imortalidade de uma ideia e mesmo o nascimento de uma nova ordem, com o domínio de uma espécie pela outra baseado na compaixão.
Assistam!
Mantive este diálogo porque ele é simplesmente demais:
“MacDonald: Como você acha que vão ganhar esta liberdade?
Caesar: Pela única maneira que nos resta. Revolução.
MacDonald: Mas está fadada ao fracasso!
Caesar: Talvez. Dessa vez.
MacDonald: E na próxima.
Caesar: Talvez.
MacDonald: E você vai continuar tentando?
Caesar: Você, acima de todas as pessoas, deveria entender; nós não podemos ser livres enquanto não tivermos poder! De que outra maneira poderemos alcançá-lo?”
O Lagosta
3.8 1,5K Assista AgoraPoxa...
O cineasta grego Yorgos Lanthimos nos entrega THE LOBSTER, um filme de primor técnico mas com certas dificuldades para caminhar sozinho. Talvez pelo proposital maniqueísmo dos personagens, ou pela repetição incessante da trilha sonora, “O Lagosta”, premiado em Cannes e indicado ao Oscar de melhor roteiro, não ressoou em mim tanto quanto podia ter feito.
Sobre o primor técnico: é como se os filmes dele fossem um estudo de caso do “A Igualdade é Branca”, do Kieslowski... O notável uso da cor branca, sempre muito presente nas cenas, torna a cinematografia facilmente reconhecível, aliada a um roteiro que geralmente se pretende desafiador e intrigante, mas que aqui acabou não indo muito longe...
Há certo humor bizarro em algumas situações de “O Lagosta”, que parece caracterizar a verve satírica do diretor. Curto muito o estranhamento de filmes assim, e a sensação de que algo está fora do lugar, algo que provavelmente não deveria estar ali... Gosto da sensação de “não saber para onde a história vai”, porque torna seu decorrer sempre uma surpresa: o final em aberto, inclusive, lembrou muito o fim de “Dente Canino”, produção que catapultou o diretor como representante do cinema de seu país nos festivais mundiais.
O próprio Yorgos disse em entrevista que achava este o filme “mais morno” de sua carreira. E é verdade. Ali pelos 70% do filme temos algumas das seções mais longas e tediosas da narrativa, que se estendem para além do tempo necessário para se fazer entender. A sensação que dá é que, depois de entrar para o circuito “mainstream”, e adotar elenco de peso como Colin Farrell e Nicole Kidman, Lanthimos passou a ter mais recursos estéticos e mais tempo de longa para preencher, passando então a ficar com 2 horas de duração sem necessidade, em contraste com seus filmes em grego “Alpes” e “Dente Canino”, cada um com uma hora e meia – que, por isso mesmo, são mais concisos.
A premissa deste filme é absurda, super chamativa e tal, mas não foi bem executada. Da metade para o final, THE LOBSTER se perde em seus núcleos e acaba entregando um desfecho meio chocho, mesmo para quem já esperava algo desse tipo vindo de seu diretor. Naturalmente seus filmes são todos diferentes, mas entre eles, sigo preferindo o KYNODONTAS a qualquer outra produção. Mas seguiremos na filmografia!
Mediano e decepcionante.
“Mulher com miopia: [narrando] Ele não começou a chorar e não pensou que a primeira coisa que as pessoas fazem quando percebem que alguém não as ama é chorar.”
O Sacrifício do Cervo Sagrado
3.7 1,2K Assista AgoraEita.
O Nacionalismo de Yorgos Lanthimos grita em “O Sacrifício de um Cervo Sagrado”, filme baseado na tragédia grega “Ifigênia em Áulide”, de Eurípedes. Como em seu outro longa, “Dente Canino”, baseado no “Mito da Caverna” de Platão, mais uma vez o diretor nos presenteia com um filme muito bem escrito, nacionalista, bem filmado e (na maior parte do tempo) bem conduzido, sobre uma difícil decisão a tomar devido a escolhas do passado...
Gosto muito do estranhamento que filmes como este evocam. Existe certo incômodo que é próprio da linguagem de filmes assim, “sem gênero específico”, em que não entendemos de primeira para onde vão seus personagens, ou por onde o roteiro planeja nos dar sua porrada. THE KILLING OF A SACRED DEER tem, na maior parte do tempo, fôlego para nos tirar o fôlego, com uma trama misteriosa que envolve vingança e redenção, mas também possui uma barriga inegável, ali pelo último quarto de duração, que sentimos fisicamente depois de tanto esperar.
O movimento da história é até simples; algo ocorreu no passado, portanto algo no presente deverá ocorrer também. Quem será o cervo não importa – e sim a maneira como esta decisão se dará. Como chegar a um denominador comum ali, numa família que (aparentemente) se ama e se quer bem? Quem seria desumano a ponto de condicionar alguém a ter de escolher uma dessas pessoas, seus entes queridos? E pra quê...?
Ao contrário do KYNODONTAS, aqui temos respostas suficientes para encerrar as perguntas principais, sobre a trama em si, e alguns detalhes da relação entre Steven e Martin. O problema geral é que o processo pelo qual elas são respondidas acaba se estendendo demais, tornando a sessão (que até ¾ do filme estava fantástica) monótona, para além do necessário pra sua fruição. O marasmo é importante para termos os ecos das palavras e dos silêncios (e a ausência de trilha sonora ajuda muito nisso), mas chega um momento em que o filme deixa de ser interessante – seu dilema moral, seu questionamento, sua referência à literatura são sobrepujados por uma boa barriga de quase meia hora de duração até o final.
Sem buscar uma solução diferente da que também se esperava do título, “O Sacrifício de um Cervo Sagrado” acaba caindo, apesar de suas excelentes tentativas de evitar, no final mais previsível que tinha a oferecer. É como se a história desse uma volta imensa, salpicada por alguns bons diálogos aqui e ali, e recheada pela atuação incrível da Nicole Kidman, e acabasse caindo no mesmo lugar aonde todos estávamos esperando. Quem conheceu a tragédia de Eurípedes antes de assistir ao filme não deve ter curtido tanto, justamente por conhecer o final original. Vale ressaltar que “Dente Canino” chamou atenção não apenas pela estética (d’as impurezas do branco) ou pelo roteiro, mas pela maneira como finalizou o impasse da Caverna de Platão em sua última cena. Aqui, infelizmente, não é o caso – recebemos aquilo que já esperávamos desde o início, e então o acordo prévio entre cineasta e público é cumprido à risca, apesar de toda a “subversão” do filme em sua forma;
Eu esperava um pouco mais de você, Yorgos.
Se tivesse vinte minutos a menos, o filme seria outro, e teria um impacto muito maior.
Mediano.
“Bob Murphy: Dad. My legs. I can't move them.”
Grave
3.4 1,1KO que chama atenção sobre este filme é que ele não é de Terror.
RAW chegou a Cannes e levou o prêmio da crítica, e no festival de Toronto entrou pra seleção oficial de 2016. O marketing feito sobre como “pessoas desmaiaram nas primeiras sessões do filme” deu certo e o alavancou nas bilheterias – o que garantiu seu lugar também no catálogo da Netflix, tornando-o ainda mais acessível. Porém, ao contrário do que muitos esperavam (eu inclusive), “Grave” não é um filme padrão terror-gore-trash, ou algo similar.
Primeiramente, por estética. Temos aqui um filme super bem trabalhado com cores e fotografia (existem cenas tão bem filmadas que parecem irreais, como o pesadelo debaixo das cobertas e o cadáver do cachorro no necrotério). O filme merece reconhecimento por seu trabalho visual, sua simetria e movimento, mas não para por aí. RAW também não é exatamente violento: o que está em jogo não é o canibalismo pela violência, mas O QUÊ o canibalismo significa para AQUELA FAMÍLIA, tradicionalmente vegetariana e com uma criação basicamente conservadora.
A relação que o filme cria entre a ingestão de carne pela filha mais nova e o amadurecimento feminino é impressionante. A todo tempo vemos como estão intrinsecamente ligados o ato de comer (um peixe, um hambúrguer, uma pessoa) e a exploração da sexualidade (o prazer erótico, a descoberta de si mesma, o orgasmo). Mesmo a mordida que Justine dá em si durante o sexo evidencia como na verdade o filme não trata de uma mulher canibal (como seria o caso do péssimo “Garota Infernal”, com a Megan Fox), mas de um discurso sobre a auto-aceitação num contexto extremamente repressivo.
Comer carne não é exatamente comer carne aqui; trata-se de uma metáfora para a aceitação de si. Até o desfecho, vai ficando mais pronunciada a qualidade de um filme que mescla gêneros (drama + terror) quando dirigido por uma mulher, e tendo duas mulheres como protagonistas de seu enredo: toda a ação se dá num ambiente feminino e com todas as características culturais que envolvem o crescimento da chamada “menina-mulher”. Dá até pra falar em sororidade ao pensar na relação dessas duas irmãs, mesmo com todos os embates próprios da relação entre irmãos.
Esse caráter “sem gênero” realmente tem crescido. Depois de “Corra!”, venho percebendo como é uma constante filmes de Terror não serem exatamente de terror, mas assimilarem outras abordagens para se fazer relevantes. Contra-exemplos são vários, como o recente fiasco “A Freira”, que recicla uma fórmula exaurida pela indústria, mas filmes como “Grave” têm causado barulho por frustrarem justamente este mesmo público, insatisfeito com filmes formulaicos como aquele. Espera-se de “Grave” exatamente o que se recebe em filmes comuns, como jumpscares e violência gratuita, e é justamente por não entregar esses elementos que RAW se destaca com louvor.
Do cinema recente do gênero, junto de “Corra!”, é um dos filmes mais expressivos e profundos que vi. Tem inclusive certa poesia intrínseca, que merece ser revisitada.
Este não é um filme de terror. É um filme sobre ser irmã.
Kudos, Julia Ducournau! Já quero mais!
“Pai: Tenho certeza que você vai encontrar uma solução, querida.”
Pornocracy: The New Sex Multinationals
3.2 34 Assista AgoraNunca pensei que fosse falar isso, mas a frase é essa: Close errado.
PORNOCRACY tinha tudo para ser um filme contestador e informativo sobre a pornografia: ele se mune de vários dados, pesquisas, apuração jornalística e até depoimentos dos próprios produtores sobre a prática, mas não coloca a pornografia como o problema, e sim a sua “piratização”.
Em diversos momentos, a documentarista Ovidie (que inclusive é ex-atriz pornô) descreve os horrores pelos quais mulheres passam em cena, mas nunca questiona a natureza dessa mesma violência. Demorei pra entender que o documentário não se trata dos males da pornografia, mas de como a indústria pornográfica foi ficando para trás, por causa da “uberização” de seu consumo através dos “tubes” (sites pornôs gratuitos). Por causa disso, produtores de “conteúdo original” se viram perdendo muito dinheiro ou falindo, e PORNOCRACY é uma busca por um culpado para este processo. Parece ser mais importante falar da grana que não está chegando aos produtores “de verdade” do que os danos que a pornografia representa, tanto a ‘trabalhadoras’ quanto a consumidores.
A escandalização dos produtores que dizem que os “tubes” são um absurdo só me soa hipócrita. “Este é um conteúdo adulto, para ser acessado apenas por adultos”, é mesmo? Então por que boa parte do fetichismo é por meninas “novinhas”, ou pais transando com filhas e coisas do tipo? Alguém fala isso no doc: “Se você não pode fazer propaganda do seu produto, você não deveria vendê-lo”, e é bem por aí. O hardcore e as versões extremas (o filme cita sexo anal com 5 homens numa mesma mulher) são produtos de uma crise que afetou a indústria, e fez com que as grandes produtoras passassem a trabalhar com nichos, quase sempre muito específicos e violentos. Este tipo de produto só existe porque eles precisam de uma alternativa para fazer dinheiro num contexto em que a pornografia ficou absolutamente gratuita. “Para quê pagar pelo que você pode ter de graça?”, “poucos consumidores estão considerando fazer a coisa certa, que é pagar pelo nosso serviço”. Mas a coisa certa não é pagar, e sim rechaçar a prática!
Não há meio-termo. Que caiam todos.
Ninguém no documentário (nem a própria ex-atriz) questiona a lógica por trás disso, que a violência no set é também causada pela decisão desses mesmos homens em continuar na indústria, vendendo produtos de nicho cada vez mais violentos. Ninguém fala que, na verdade, não dá para estipular um preço para uma mulher ficar pelada numa câmera, transmitindo sozinha ou com vários homens um trabalho que na verdade não é um trabalho, e não deveria ser pensado assim. Quem defende a “liberdade de expressão” e “possibilidade de lucro” sobre esses corpos na verdade defende que a exploração às mulheres (capitalista por natureza) continue hegemônica, minimizando os movimentos anti-pornografia como vêm ocorrendo em todas as partes do mundo.
Se o direito de um produtor pornô é mais importante que o de uma mulher de ter sua integridade física respeitada, aí realmente estamos partindo de duas situações absolutamente diferentes. Não se trata de pagar pelo trabalho devido aos produtores, mas de parar de pagar porque precisamos parar de consumir este tipo de violência.
Nenhuma coisa diferente disso. Se o consumo parar, todos eles caem. A única saída é parar a produção, e pra isso é preciso primeiro parar o consumo.
E tenho dito.
"So they destroy the girls. The girls will have to go to hospital, her ass will hurt and she won't want to work anymore. She's become like exclusive. Those people deserve to be shot."
Marvin
3.7 71 Assista AgoraMARVIN é um filme que trata da auto-aceitação de um homossexual e a consequente superação de seus traumas. Estrelado por Finnegan Oldfield, o longa tem uma evolução lenta, mas com ritmo definido, e faz boas escolhas ao intercalar cenas da infância com o tempo “atual”, em que Marvin, mais velho, é protagonista de sua peça autobiográfica. O peso do ódio a si, o preconceito da família, o bullying no colégio, todos os processos importantes da descoberta da sexualidade são explorados no longa de maneira bastante delicada; ele não nos violenta com cenas gráficas demais, o que confere um ponto positivo: não se trata de expor um problema sem saber como trabalhá-lo, mas entender o propósito de cada momento e concedê-lo o peso merecido. Em termos, é possível pensar neste filme como um “Moonlight” branco e francês – o clima, a contemplatividade e a trilha sonora lembram muito o vencedor do Oscar do ano anterior. E o segundo título, “La Belle Éducation”, uma referência ao filme do Almodóvar, “La Mala Educación”, já dá uma boa ideia de qual é o tema e como será abordada a homossexualidade no contexto da repressão familiar.
A única questão que me incomoda, e já de alguns anos, é que mesmo sendo um sucesso na comunidade (ganhou o Queer Lion do ano passado de melhor filme LGBT), o filme segue com um desfecho “trágico”, digamos assim. Parece que mesmo entre as obras que os próprios gays/lésbicas protagonizam, nunca há uma em que o casal fica junto e dá tudo certo: “Starcrossed”, do Burkhammer, “O Tempo que Resta”, do Ozon, “Brokeback Mountain”, de Ang Lee, “Azul é a Cor Mais Quente”, do Kechiche e mesmo o “Moonlight”, de Barry Jenkins, não fogem à regra. Parece que no ambiente do cinema a homossexualidade ainda é um problema insolúvel, inadiável, inescapável. Não gosto desse pessimismo mesmo se estiver vestido de poesia.
Sobretudo por essa questão, o filme não se destaca dos outros tantos que, para mim, enterram a narrativa gay sob a alcunha de “mostrar a realidade como ela é”. Não, nem sempre tudo acaba em morte, traição ou suicídio, e a própria comunidade LGBT é prova viva de e resposta plena a isso.
Datado.
“O Teatro existe porque a vida não basta. É ele que dá a abertura para sermos quem somos.”
O Ditador
3.2 1,8K Assista AgoraEste tipo de comédia envelheceu mal à beça...
O DITADOR é um show de racismo, misoginia e homofobia. Daquele tipo de humor que defende que “toda piada deve ofender alguém”, o filme é repleto de piadas étnicas e de gênero. Aqui e ali, raramente, algo engraçado ocorre, devido à (notável) imprevisibilidade do roteiro de Cohen, mas na maior parte das vezes o que sentimos é vergonha alheia pelo humor forçado que ele nos entrega. Uma comédia deve fazer rir, mas se você sedimenta o teu ponto de quebra exatamente no que temos de diferente – em nossos tabus, ancestralidade, nosso passado e tradições – é só natural que apenas um grupo vá realmente curtir este tipo de humor.
E todos sabemos que grupo é esse.
Não costumo defender (nem acho que deva existir) arte censurável, ou que toda obra deva ser “politicamente correta”, mas este filme é uma comédia tão fraca que nem precisa disso – só a falta de força do roteiro já o torna esquecível. Me pergunto até que ponto rir do outro não é rir de uma diferença que é fundamental pra sedimentar qualquer democracia. Quando tratamos as pessoas com os estereótipos que são sempre velhos (todo muçulmano é terrorista, todo negro é escravo, toda mulher é burra), a gente está rindo do quê? Quando a pessoa não mora conosco, não nos conhece ou não fala a nossa língua, a gente tá rindo do quê, exatamente?
Alguém podia pensar que este filme seria uma sátira às ditaduras, ou uma crítica ácida exatamente ao modelo de poder totalitário que ilustra, mas está muito atrás disso: trata-se da manutenção de uma situação em que o branco pode rir do negro, o americano pode rir do chinês e o homem pode rir da mulher, mas nunca o contrário. O humor como instrumento de legitimação de uma categoria X (à qual eu também pertenço) que, para o tempo de hoje, já ficou para trás. Não vi “Brüno”, mas pelo que me recordo, “Borat” não está muito atrás de O DITADOR.
Sacha Baron Cohen confirma seu péssimo gosto e desserviço à diversidade, sedimentando estereótipos sobre os mesmos grupos sociais já tão terrivelmente saturados deles. Vai chegar um dia em que escrever um roteiro com piadas sobre “negros como Morgan Freeman” e “que pena que nasceu, é uma menina” vai ser crime. Cês podem falar o que quiser sobre “humor negro” e “liberdade de expressão”, mas este dia vai chegar, e ele vem a galope.
E digo mais, cês só riem porque não é com vocês. Se fosse sobre a nossa cultura, estereótipos do Brasil, os homens e mulheres daqui, tava todo mundo puto que nem estiveram naquele episódio d’“Os Simpsons” no Rio de Janeiro. Este humor é segmentado e tem cor – branca. É dirigido por e para nós, brancos, para que riamos das pessoas que são diferentes da gente.
Mas um dia nós seremos a piada.
Vou esperar todos vocês rindo também, ok?
Tamo junto.
“General Aladeen: Você parece bem-educada.
Zoey: Sim, eu estudei em Amherst.
General Aladeen: Eu amo quando mulheres vão para a escola. É como se fosse um macaco em patins: não significa nada pra elas, mas é tão adorável pra nós...”
Kids
3.5 665Larry Clark sabe colocar a juventude como um problema, mas não sabe o que fazer com isso.
KIDS é o primeiro longa do diretor, e sua primeira parceria com Harmony Korine (roteirista). Trata-se de um retrato do hedonismo juvenil, sua inconsequência e busca por um lugar-para-ser. Eu já era familiarizado com a obra do Korine, sobretudo os longas “Gummo” e “Trash Humpers”, mas KIDS, embora tente uma abordagem parecida, não consegue chegar muito longe...
Trata-se de um filme bastante cru, que não consegue superar a crueza de “Gummo” na própria linguagem – que se propõe suja, pois o tema é sujo, mas que tem a fotografia incoerentemente limpa, perfeita. KIDS entrega o que se propõe como retrato da juventude dos anos 90 usuária de drogas, frequentadora de festinhas e caindo pra casa dos amigos, mas mesmo assim, a obra em si fala pouco, não parecendo saber o que fazer as informações que nos coloca.
A intenção de crítica jaz no título, “Crianças”, que nos instiga a um olhar quase paternalista para elas – até porque a maior parte desses jovens não têm pais à vista, e boa parte dos adultos no filme são “problemáticos” também. O distanciamento dos jovens da realidade (privilégio burguês) e a ausência de um sentimento de responsabilidade (afetiva, relacional, social) são reflexos da completa falta de referências que eles têm. A ausência de propósito, o afundamento na droga e a incomunicabilidade entre meninos e meninas são aspectos muito fortes no longa, que nos lembra o tempo todo de que eles são ‘crianças’, mesmo quando têm relances de maturidade.
Há muita misoginia, e moderados racismo e homofobia nas atitudes dos rapazes que aqui se apresentam. Todo o sistema machista que prepara meninos para “se tornarem machos” (através da bebida, do sobrepujamento de outro macho, ou do sexo com uma mulher) está em KIDS muito bem sublinhado: inconscientemente, o filme dialoga sobre a masculinidade tóxica com grande poder. Meninos que desde muito pequenos aprendem a usar maconha como um método de ascensão social, ao crescerem, passam a reproduzir os mesmos comportamentos que um dia seus irmãos mais velhos e os amigos reproduziram a partir de outros ainda mais antigos.
É um filme interessante porque explora, em parte, as violências que se espalham nesses ambientes caóticos, mas a experiência em si não se apresenta tão impactante assim. Trata-se de um filme com uma boa pegada, mas não na maior parte do tempo – e o tanto que ele podia ter falado, não falou.
Segue alarmante, mas meramente expositivo.
Mediano.
“Telly: Quando se é jovem, nada importa. Se você encontra alguma coisa que te importa, é tudo que você tem. À noite, você sonha com xoxotas. Quando acorda, é a mesma coisa. Elas estão aí, você não pode escapar. Às vezes você só pode ir pra dentro. Isso é tudo. Eu gosto de trepar, se tirarem isso de mim, não tenho nada.”
Oceanos de Plástico
4.5 19Documentário que se faz super importante no tempo que se apresenta. Responsável por nos modificar o pensamento acerca do plástico - e sua incoerente indestrutibilidade - A PLASTIC OCEAN é um filme que pontua as questões centrais que envolvem o material, que a cada minuto se espalha mais pelo oceano, afetando a vida de milhares de peixes, aves e povos nativos de ilhas.
O lixo "descartável" não é descartável na medida em que demora 450 anos para ser destruído pelas causas naturais. Todo plástico já produzido segue no planeta, nos oceanos, como névoas de microplástico que afetam centenas de espécies - e são responsáveis pelas mortes por sufocamento que acometem vários animais. Como muito bem pontua um pesquisador no filme, "se não houver consumo de plástico, haverá baixa na produção". A ideia que A PLASTIC OCEAN representa não é de retirar todo o plástico que se lançou no oceano ao longo de décadas, mas de uma redução de danos em relação ao material, começando pela nossa recusa em usar canudos, e se estendendo até buscarmos alternativas para os invólucros dos produtos, para assim diminuir a produção do lixo que se esvai nos mares, "tornando-se finas camadas de plástico" que impactam de forma traumática a natureza.
A situação das pardelas, citada no meio do longa, e das populações ribeirinhas que são entrevistadas revelam de que maneira galões de água, usados quase sempre uma única vez, interferem diretamente na vida de pessoas do outro lado do mundo. Os chamados "plásticos de uso único" duram até 12 minutos nas mãos das pessoas antes de serem descartados, e seguirão existindo nos oceanos por quase cinco séculos depois disso. É preciso politizar o nosso uso deste material e entender de que maneira todos podemos ajudar, uma vez que nos é dada a oportunidade de fazê-lo.
Recusemos o canudo.
"Dr. George Bittner: Mais de 90% de todos os plásticos que não contém BPA de qualquer maneira liberam substâncias químicas com poderosa atividade de estrogêneo."
Blackfish: Fúria Animal
4.4 456Na raia de documentários contestadores, que sentenciam definitivamente uma questão política, BLACKFISH se insere com a sumária “é preciso fechar os parques aquáticos”. Concordando ou não com a tese inicial, somos levados, ao curso de menos de 20 minutos, a consentir com a sentença.
O “acidente” que causou a morte de Dawn Brancheau pela orca Tilikum, passa a ser encarado como uma reação natural ao cativeiro (que duraria 34 anos) pelo qual passou o animal, mudando de companhia em companhia, enclausurado no mesmo tanque 2/3 da vida. Recentemente, a orca faleceu dentro do SeaWorld, que segue operante, o que reacendeu o debate a respeito da vida marinha e o tratamento que tais animais recebem nos bastidores dos parques aquáticos. Realmente, colocar uma barreira entre os treinadores e os animais muda de alguma forma a vida que estes levam, removidos de suas famílias e tendo que repetir diariamente os mesmos truques para não passar fome nas mãos dos treinadores?
É difícil de assistir, mas super necessário e em boa hora. BLACKFISH pega carona nos debates sobre os direitos dos animais e tem muito ainda para nadar. Me deixou esperançoso para que pensemos também na relação que se estabeleceu entre a sociedade e os zoológicos tradicionais, que no Brasil ainda temos aos montes, e seguem o mesmo modus operandi.
Que este fechamento se estenda, também, aos zoológicos do mundo.
E que assim seja.
“Howard Garrett: There is no record of an orca doing any harm to a human in the wild.”
Os Excêntricos Tenenbaums
4.1 856 Assista AgoraTá aí um filme que sabe pra onde vai!
“Os Excêntricos Tenenbaums” é o segundo longa de Wes Anderson (o primeiro que causou grande impacto) e não fez por menos: aqui, a direção veloz, o humor ácido, as cores análogas e um poderoso uso da trilha sonora orquestral entram em comunhão para trazer um filme com muito fôlego sobre uma família aos pedaços, que respira com a ajuda de aparelhos.
Destaque para Danny Glover e Ben Stiller, em papéis que não são comumente associados, e a ótima Gwyneth Paltrow na interpretação de Margot. THE ROYAL TENENBAUMS é uma espécie de “doze é demais moral”, com as diversões que uma grande família causa como comédia, mas alguns momentos muito sérios, que incluem tentativa de suicídio e abandono parental. É da pegada de Anderson trabalhar a tragédia com ironia e doçura, mesmo quando há traição e mortes, e o choque entre esses dois elementos (o trágico e o cômico) traz a seu cinema inquestionável riqueza: alguém vai dizer que a vida, por vezes, não é assim?
Com grande humanidade e uma talentosa edição, THE ROYAL TENENBAUMS se destaca na filmografia de Anderson como um de seus grandes filmes, divertido e ágil como poucos do gênero – a exemplo do excelente “Pequena Miss Sunshine” que veio depois, e certamente bebeu desta fonte.
Lindo. Dá pra ver de novo.
“Royal: I'm very sorry for your loss. Your mother was a terribly attractive woman.”
Moonrise Kingdom
4.2 2,1K Assista AgoraAssistindo uma segunda vez, não tem tanto assim para cativar...
MOONRISE KINGDOM foi o primeiro do Wes Anderson a que assisti – não tinha ainda a noção da valorização da simetria que ele põe em seus filmes, e a utilização das cores vivas, misturadas com atuações “involuntariamente cômicas” e um corte ferino, para tornar tudo mais dinâmico. Mesmo que seu cinema, até aqui, pareça uma mistura divertida de elementos, por vezes, malucos, MOONRISE KINGDOM perde a mão e se torna “doce demais”, sobretudo em seu final.
Entendo que há assinaturas cinematográficas – determinado uso da grua, a cenografia simbólica, a rapidez com que tudo flui – mas, infelizmente, esses atributos não contribuem o suficiente para sobrepujar o roteiro inescapavelmente simples e unidimensional que temos aqui. Bruce Willis, Edward Norton e Frances Mcdormand trabalham bem, mas não basta – as crianças não têm química, e mesmo os arqui-inimigos não convencem em sua batalha ao fim. O filme tem sua dose de realismo e materialidade, sobretudo quando aborda em que pé anda, depois, a vida de Sam, mas mesmo o seu desfecho não nos tira mais que um “fofo” da boca, quando a sessão acaba. Me lembrou a direção colorida de “Pushing Daisies”, e as escolhas de tratar um assunto tão pesado (como a rejeição de um adotado por sua família adotiva) com doses homeopáticas de um humor à lá “Amélie Poulain” – da gracinha, da doçura, das pequenas ironias.
Dos que assisti de Wes Anderson, este segue abaixo da média – não chega a ser ruim ou algo do tipo, só não vai mais longe que filmes como “Os Excêntricos Tenenbaums”, por exemplo.
Bonitinho – mas só.
“Sam: Why do you always use binoculars?
Suzy: It helps me see things closer. Even if they're not very far away. I pretend it's my magic power.
Sam: That sounds like poetry. Poems don't always have to rhyme, you know. They're just supposed to be creative.”
Os Incríveis 2
4.1 1,4K Assista AgoraDifícil a PIXAR errar, é foda.
“Os Incríveis 2” é uma sequência para um dos grandes sucessos do estúdio de animação, que segue como referência da Academia, da crítica e do público – que hoje chega a virar gerações assistindo aos seus filmes.
Sou da época em que a PIXAR lançava “Toy Story” para vídeo cassete, e via em casa, apaixonado. De lá para cá, é possível dizer que pouco mudou para a empresa: vieram novas franquias, trilogias e sequências que só têm desbancado qualquer outro estúdio que tente chegar perto para concorrer. Falo por exemplo dos excelentes “Divertida Mente” e “Viva! A Vida é Uma Festa”, premiados com o Oscar de Melhor Animação em edições recentes. INCREDIBLES 2 segue a linha das continuações da PIXAR, pegando o conceito do filme original e retrabalhando-o: torna-o mais cômico, emocionante e efetivo em todos os momentos da família Pêra.
O comentário social que “Os Incríveis 2” faz sobre a situação das mulheres é uma coisa linda: há inclusão e representatividade em muitos personagens, há heróis LGBTs e o filme em si passa no Teste de Bechdel (pois tem cenas em que duas mulheres conversam entre si, e o assunto não é um homem!). A importância da maternidade, e a valorização das relações entre as mulheres, encontram neste filme um forte eco. O antagonista da história, aliás, surge como outro questionamento pertinente a respeito dessa relação.
Comentar qualquer outra coisa é chover no molhado, o filme é ótimo: bom entretenimento para todos, e a PIXAR segue comprovando o seu merecimento no primeiro lugar como estúdio de animação do mundo, estando onde nenhum outro (nem a Disney) conseguiu chegar.
Excelente!
“Helena Pêra: [Para Beto] É muito louco, né? Para ajudar minha família, devo deixá-la, para consertar a Lei, devo quebrá-la.
Beto Pêra: Você deve fazer isso, para que nossas crianças tenham esta opção.”
O Amante Duplo
3.3 108Muito embora possua momentos questionáveis ao colocar a mulher como “necessitada de um homem” para se sentir completa, L’AMANT DOUBLE, de François Ozon, consegue escapar, com alguma habilidade, da perigosa alcunha de “mais um filme machista sobre psicanálise”.
Trechos da nova obra de Ozon sublinham, por exemplo, a teoria psicanalítica (publicada em 1933) de que a feminilidade se baseia, segundo Freud, na inveja das mulheres pelo pênis. Quando o psicanalista coloca que a formação da mulher passa necessariamente por um processo de desejar-o-que-não-tem (falo), e a isto chama inveja do pênis (ou masculinidade, status, poder), é possível traçar um claro paralelo com seu estudo e este filme, em que é explorada a complexa relação entre uma mulher e dois gêmeos psicólogos.
“O Amante Duplo” às vezes soa como uma mistura de “O Bebê de Rosemary”, do Polanski, com “Um Método Perigoso”, do Cronenberg. Alguns elementos estilísticos também trazem à mente a violenta direção do Aronofsky, sobretudo em seu sucesso “Cisne Negro”. Existem escolhas de silêncios, cortes rápidos e sonoplastia minimalista que lembram muitos trabalhos com esta pegada mais “terror psicológico”, Lynchiano, surrealista. Há, aqui, cenas simbólicas que muito ilustram a respeito da trama (como a incrível tomada inicial, do interior do canal vaginal “se tornando” o olho da paciente, com o efeito de tratar a sexualidade de Chloé como a maneira pela qual ela enxergará o mundo).
Filmes dirigidos por homens, porém, que abordam frigidez ou histeria, costumam apresentar sérios problemas – e neste, Ozon cai numa infelicidade ao tratar os abusos sexuais cometidos pelo amante como momentos lógicos da trama, com certa violência ao discursar sobre a própria relação dos dois, “como se a protagonista merecesse ou mesmo procurasse ser tratada de tal maneira”. Apesar de ser, de fato, um suspense sufocante, aqui e ali são perceptíveis deslizes tanto de leitura quanto de exposição das questões que ele aborda – sobretudo quando trata do tema central, que é a própria protagonista.
“O Amante Duplo” entretém, na medida em que nos deixa retidos na cadeira, estáticos, esperando seu final retumbante, mas atravessa um caminho tortuoso na maneira de tratar sua protagonista (que é, afinal, o verdadeiro centro da história, e não a sua sexualidade). Ozon não chega a ser um Noé ou von Trier da vida com seu fetichismo pela musa, mas claramente não tem consciência de quão mal interpretada pode vir a ser sua obra, se observada de um ponto de vista menos “científico”, e mais machista mesmo.
Bom, mas perigoso.
Muito perigoso.
“Chloé Fortin: Quando você me olha desse jeito, eu sinto que existo.”
Vergonha
4.3 118Vergonha, a vergonha da guerra, o horror.
VERGONHA é um dos filmes mais ágeis do Bergman. Não se prendendo por demasiado em detalhes, mas aprofundando o olhar sempre que necessário, o filme discorre sobre a natureza humana, covarde e impiedosa, e o desdobramento de tais escolhas em nós. A obra, porém, não se basta nisso, explorando com cuidado o casamento em frangalhos de Jan e Eva, e toda a relação que defendem, apesar de estar numa verdadeira encruzilhada (de suas emoções, mas também na vida real).
A corrupção, inerente à guerra, gera mais corrupção – e seres humanos, originariamente bons, passam a se converter, aos poucos, a outras versões de si mesmos. O contraste é claro: a guerra em questão não é apenas física – mas moral, uma guerra de princípios. Eva e Jan são opostos de maneira profunda, e é interessante notar em que tipo de conflito Bergman está pensando quando se percebe o contexto em que o filme foi lançado (1968, plena revolução cultural, marchando para o futuro e a modernização). De certa maneira, os dois são pilares de uma mesma edificação, ying e yang entre o altruísmo e o egoísmo, a piedade e a covardia, a saúde e a doença. Eva, no começo, mostra-se indiferente às questões do marido, e ele, um homem muito sensível, a incomoda ao chorar. Ao longo da película, notamos moderadas transformações de comportamento entre eles – e a fome, a miséria e as surpresas da guerra os tornam cada vez mais inversos de si mesmos. Eva passa a ser altruísta e solidária, e Jan afunda cada vez mais em seu egoísmo, até a última gota de sangue derramada.
Violência, abuso e traição: os efeitos da guerra sob os humanos que estão nos campos de batalha, mas que não morrem por defender nações, partidos ou estados. O medo da bomba cair do céu, dos aviões que sobrevoam, dos comboios que chegam. A desinformação, o distanciamento voluntário, o afastamento dos grandes centros e a chegada do inesperado – mais de uma vez, para desestabilizar tudo. As questões que o acaso acarreta, em que desembocam os incertos caminhos dos refugiados que tentam escapar justamente do próprio destino – a cultura da morte, da insuficiência, do exílio de si. Décadas depois, Kubrick lançaria o seu “Nascido para Matar”, com uma pegada bem diferente, mas em certos aspectos muito semelhante ao que “Vergonha” tangencia.
A guerra não faz sentido. Que sigamos sempre os ensinamentos daquela mesma revolução de 68, que perguntava “se todos dermos as mãos, quem sacará as armas?”.
Que não nos esqueçamos do que aconteceu com Jan e Eva.
Fantástico.
"Eva Rosenberg: Às vezes é tudo como um sonho. Mas não meu sonho, o de alguém, em que eu tenho que estar. O que acontecerá quando o sonhador acordar, se envergonhará?”
Hot Girls Wanted
3.3 196 Assista AgoraO abismo, você olha para ele, e ele olha de volta para você.
HOT GIRLS WANTED é um filme pesado. Tema super pertinente, levantando a bandeira (ainda hoje pouco falada) do movimento Anti-Pornografia e aproximando o espectador, através do estudo de caso, um pouco mais do universo imundo em que tais produções ocorrem, para ser consumidas aos milhões por uma parcela majoritariamente masculina, que pouco se importa com quem são aquelas mulheres de verdade.
Dá pra perceber o desconforto nos depoimentos delas, procurando afirmações como “já tem gente assistindo mesmo” e “melhor que seja eu atuando do que esses homens fazendo isso com garotas de verdade” para justificar sua estadia na casa de um produtor pornô bem sucedido, assinando contratos e fazendo cenas com homens de todas as idades para receber dinheiro... Mas...
“Será que eu precisava tanto assim do dinheiro?”
A relação que a prática da pornografia para jovens mulheres tem com o abuso sexual é inegável, e todos os tipos de violação encontram na produção pornô a manutenção de seus ideais, para uma cultura arcaica e machista, cunhada no domínio completo, através dos tempos, do homem sobre aquela com quem ele se deita. A violência contra a mulher é inseparável da pornografia; “tem que ter o fator de violência”, uma delas chega a dizer. E completa: “um tapa na cara, uma simulação de não-consentimento, um ‘estupro fingido’. Chega uma hora que eu sempre penso ‘é só o meu trabalho’.”
Quanto pode uma pessoa suportar em nome do dinheiro rápido? É possível seguir recebendo abusos faciais, corporais, lidar com doenças, assaduras e a sempre possível gravidez enquanto o seu “sustento” é este tipo de trabalho? A consumação do próprio corpo por um homem com quem você assinou um documento para transar em vídeo. “Violação consentida”, como algumas chamam. Isto vale a pena, afinal?
HOT GIRLS WANTED é importante na medida em que dá voz a essas jovens mulheres, que contam seus motivos para optar por este trabalho e sua percepção a respeito da indústria em si. O desejo de sair de casa, buscar independência, fugir dos pais, tudo ligado à promessa de prosperidade à qual todas elas se firmam, na esperança de um dia poder de fato escapar disso. Tendo feito cerca de 100 mil reais em quatro meses, uma delas, ao final, explica que, com todos os gastos de passagens, manicure, maquiagem, comida e aluguel, sobraram cerca de 8 mil reais para ela. Aí, volta a pergunta: “será que eu precisava tanto assim do dinheiro?”...
As entrevistas com a família são ótimas na medida em que são reais: aqui é quando “a menina do vídeo” não está “fazendo as coisas do vídeo”, quando ela deixa de ser importante para o pornô, e se torna uma pessoa real. Quanto mais se afasta da fantasia (e se aproxima da realidade), menos sexy, interessante e merecedora de atenção a mulher deve ser. Quanto mais distante das câmeras pornográficas, menos relevante elas devem ser, e este filme busca justamente explorar este “antes e depois” das cenas que elas têm que gravar, dando especial atenção aos momentos em que estão juntas, conversando entre si sobre cenas que fizeram e trocando ideias sobre suas histórias.
E ainda tem dados sobre o tamanho do problema. A quantidade de acessos, seguidores, o dinheiro que esta indústria movimenta. Informativo, e anti-pornográfico no melhor sentido, HOT GIRLS WANTED é daqueles filmes que quase ninguém fala, porque diz algo que ninguém tem coragem de dizer (e com moderado sucesso).
O abismo fala através das vozes delas.
Não é o melhor, mas vale a pena.
Confiram.
“Ava Kelly: I think that what i do is an outlet for something that's already there. Supply and demand. That's there because somebody wanted it.”
Love
3.5 883“Eu quero fazer um filme que combine sangue, esperma e lágrimas”.
Mesmo depois das críticas pelos excessos em “Irreversível” e “Viagem Alucinante”, Gaspar Noé retorna aos longas com mais um filme “de difícil digestão”: LOVE. Ele foi lançado em 2015 como uma experiência impactante e, mesmo que tenha profundidade discutível, há certos aspectos que devem ser abordados a seu respeito, tanto em relação ao diretor quanto ao contexto do próprio filme.
Logo na cena inicial entendemos o objetivo do filme (apesar do didatismo): abordar o amor no contexto do sexo real, tratando a intimidade do casal como a tônica da história. Acontece que, por estarem os dois nus em grande parte do tempo, contemplando um vazio niilista ou abismo nietzschiano, o filme em si não vai muito longe – exercita pouco sua capacidade discursiva, tangenciando aqui e ali situações de discussão (os vícios, o pornô, o ménage, a casa de swing, a travesti) mas nunca indo mais longe do que a exposição propriamente dita. LOVE é extremamente expositivo, contendo uma espécie de "radicalismo através da exposição", muitas vezes sem aviso: exemplos disso são os genitais masculinos e femininos que simplesmente “aparecem” (com direito a uma “gozada” direto na nossa cara).
Já se sabia que Gaspar Noé tem uma pegada mais violenta e até questionável (a cena de nove minutos de estupro em “Irreversível” ilustra bem o quão longe ele foi 15 anos atrás). Assim como seu sucesso anterior, LOVE é também um filme extremamente colorido, que trabalha as cores quentes e seus tons vizinhos, com muita exposição dos corpos e tudo que tiver direito com eles – mas não necessariamente com isso construindo algum discurso. O que se percebe aqui é, sobretudo, como Noé se tornou um diretor extremamente autorreferente: “Gaspar” é o nome do filho do casal, e “Noe”, o primeiro namorado de Electra; passando pelas diversas citações à fotografia de “Irreversível”, e a ambição do jovem cineasta de fazer "um filme sobre sangue, esperma e lágrimas", combinando amor com sexo como se estes ainda fossem indivisíveis.
Ele começa bem, montando as cenas e reencaixando-as em outro cenário – mas rapidamente abandona esta ideia para trabalhar cenas extensas de sexo explícito – o que acaba, querendo ou não, sufocando um pouco da força contemplativa de seu trabalho. A questão não é nem o sexo em si, mas a maneira como ele é filmado a todo tempo: violentamente, expositivamente, pornograficamente. O filme busca “o amor que jaz no sexo”, onde um reside no outro, mas até a forma de filmar o ato denota a visão distorcia do diretor sobre o tema; a sensação que dá é de que tem muita cena jogada, um mosaico que interpola nudez e sexo explícito com festas, discussões e momentos em família – como se o sexo fizesse tanto parte do relacionamento dos dois que não se pode falar a respeito dele sem citá-lo. Gaspar Noé não é muito feliz nesta busca, uma vez que a abordagem acaba sendo violenta demais – e a mensagem que se podia passar acaba ficando em segundo plano, para se priorizar cada tomada de penetração possível.
Os diálogos não têm enriquecimento – são coloquialismo banal. Não há grandes reflexões acerca da própria relação, apenas grandes promessas – pouca profundidade de fato. A atuação do protagonista é fraca, sobretudo quando chora, e a cadência de acontecimentos chega a ficar desinteressante do meio pro final. Sem contar com o recurso das letras capitais na cena, que acontece uma vez no início e uma no final da obra: podia ter sido melhor aproveitada. Noé uma vez disse que este filme iria “deixar Ninfomaníaca no chinelo”. Ao que tudo indica, a intenção era, mesmo, causar polêmica pelo fator gráfico, e não exatamente fazer “uma ode ao sexo jovial de forma alegre”, como ele também colocou.
Com doses de oportunismo, pretensão, marasmo e um péssimo gosto para cenas de intimidade, LOVE apresenta um mosaico esteticamente completo, mas substancialmente insuficiente, de uma relação doente entre um rapaz egoísta e narcisista e uma menina avoada e sonhadora (que quase não tem background).
Mas apontar tudo isso chega a ser redundante, porque o problema real do filme está na sua tese: o amor, como energia criadora, não está “tão assim” ligado ao sexo. Fazê-lo codepender do carnal é subtraí-lo de sua real dimensão transformadora, que, no fim das contas, é aonde o filme deveria ter chegado. Se o amor é essa doença, essa morte, esse arrependimento, então que lugar ocupa o sexo, se eles vêm juntos?
Resta saber o quanto que este filme não é, também, autobiográfico, né, Gaspar?
Shame on you!
“Murphy: Secrets make you stronger.
Electra: No. Secrets make you darker.”