Temos aqui um filme branco perfeitinho: roteiro linear perfeitinho com elipse temporal quase imperceptível, fotografia perfeitinha, interpretações perfeitinhas, trilha sonora perfeitinha e um elenco só de pessoas brancas não tão perfeitinhas. A Força do Carinho é um drama de relacionamentos, que mesmo com suas tragédias, perdas e superações elas parecem não conseguir provocar uma reação de catarse tão enfática nos dias de hoje. No pós anos 2000, até nos filmes mais indiferentes as questões da existência, os convites para debates parecem ser mais emergentes. Aqui o desgaste psicológico que consome os personagens está menos nos diálogos e mais na cara de aflição e de inquietude que Robert Duvall faz no papel do deslocado Mac Sledge. É uma histeria silenciosa, educada e sufocante. A Força do Carinho está ausente de ousadia, mas tecnicamente é uma produção perfeitinha.
Na estrada do coração quanto maior a distância física, mais forte é a necessidade da aproximação. A realidade de nossa vida particular pode ser refletir no que vemos no mundo: sonhos, frustrações, desejos... e por fim estamos sós. Percorrendo um caminho homogêneo entre a ficção e o documentário, Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo dos consagrados Karin Aïnouz e Marcelo Gomes, parece se inspirar em Iracema - Uma Transa Amazônica dirigida e roteirizada por Jorge Bodanzky e Antonio Sena em 1975. Ambos focam na ideia de fundir realidades para colaborar num discurso que problematiza e denuncia a solidão, o isolamento e o abandono. Partindo de uma história em que o personagem principal - um engenheiro contratado pelo governo para fazer estudos geológicos sobre a transposição de um rio no semi-árido nordestino - não se mostra fisicamente à câmera (pode ser eu ou você !), sendo idealizado apenas através do recurso de uma narração em 'voice over' na voz de Irandhir Santos, trava-se um diálogo íntimo com o espectador que se torna seu grande confidente. Como num 'road movie' tradicional, o personagem sem nome e sem imagem, faz uma infinidade de paradas e descobertas em sua excursão, refletindo sobre os locais, observando, apresentando e entrevistando as pessoas que lhe despertam, de alguma forma, um fascínio que lhe vincula mais ainda às suas próprias emoções. Como fator contrário da obra, é perceptível que o filme se torna massivo pela repetição de ideias em cenas diferentes e pela câmera que insiste em focar numa mesma imagem por um tempo maior que o necessário. O resultado final é, de qualquer forma,um trabalho de muita sensibilidade e capacidade de enxergar o outro, perceber sua importância e tirá-lo da indigência.
Kay Francis e Leslie Howard são os protagonistas e também par romântico neste drama de guerra/espionagem emoldurado com uma narrativa bastante acelerada e dentro da sofisticação clássica das produções de estúdio da 'Hollywood Golden Age'. Francis com a desenvoltura tranquila e carismática supera em naturalidade a interpretação mais canastrona e forjada de Howard. O maior destaque deste projeto da First National Pictures, subsidiária da Warner, é a fotografia vigorosa onde vários planos, cenários e um grande número de figurantes são utilizados para simular os conflitos decorrentes da revolução russa de 1917. Curiosidade é a perspectiva histórica e, até certo ponto, imparcial do roteiro encomendado por um estúdio americano em aceitar a legitimidade da revolução soviética e a instituição do comunismo. Essa liberalidade filosófica mudaria em pouco mais de dez com a criminalização daquele regime e a criação do comitê de atividades anti-americanas instituídas no final da década. Esse cenário se intensificaria nos anos cinquenta com a instauração da 'Caça às Bruxas' ou o 'Macartismo', comite formando no senado estadunidense que tinham o objetivo de investigar e prender suspeitos de diversas áreas das artes e do próprio governo sob simples suspeitas de ligações comunistas. Como consequência foi criada a chamada lista negra de profissionais, principalmente no
da indústria do cinema, que ficaram proibidos de serem contratados durante vários anos.
Um campo de concentração feminino onde, crianças que parecem brotar do nada, são treinadas para se tornarem mulheres obedientes ou um delírio surrealista sobre controle, ordem, subserviência e sexualidade ? Com uma fotografia de destaque e Marion Cotillard, antes de Piaf, adornando o elenco como uma espécie de 'agente emotiva' da consciência, Inoccence cativa mais pelas interpretações de suas atrizes mirins do que pela história de enredo ambíguo, insolúvel e de pistas escassas. Adaptado de uma obra literária já existente, o roteiro de Innocence não esclarece muito sobre os antecedentes e nem os consequentes. Quem por ventura tenha tido a chance de ler o livro talvez consiga fazer as conexões e ter um panorama completo e abrangente. Sem qualquer informação prévia somos mergulhados no mistério e envoltos em questionamentos que durante toda a exibição do filme não será esclarecido, deixando o espectador a vontade (até demais) para realizar suas interpretações de acordo com a subjetividade dos fatos e das metáforas. O quebra cabeças com peças ausentes desse universo que justapõe delicadeza com violência, generosidade com egoísmo, pureza e malícia talvez tenha tomado proporções maiores do que a diretora Lucile Hadzihalilovic pudesse explicar. Se o concreto pudesse ser mais abstrato usando uma realidade inalcançável, Innocence não perderia potência com tanta teoria idílica para tratar da evolução humana.
Filme insipiente cujo interesse maior, com o tempo, não foi o lançamento pela Fox de sua nova estrela June Haver, mas sim o fato de ter sido o primeiro filme exibido no cinema com Marilyn Monroe. Torrentes de ódio também conta no elenco coadjuvante Natalie Wood com dez anos de idade na época. A participação de MM é, no entanto, quase de figurante e próxima do imperceptível. Na verdade sua presença é de apenas,um segundo e de duas palavras: "Hi Rad !". Nesta fala escutamos sua voz cumprimentando a personagem de June ao descer a escada da igreja mesmo que mal possamos ver seu rosto (o movimento é tão rápido que o que se percebe é quase um borrado). Torrentes de Ódio se resume num melodrama juvenil, sem criatividade, elementar e com poucas atuações que realmente merecem destaque (alguns atores agem de forma quase que pantomímica). As mudanças de uma cena para a outra revelam uma edição tão pouco acabada que o público quase que pode até ouvir o diretor gritar "corta !" quando uma sequencia termina e outra se inicia. Essa sensação decorre da forma mecânica que se deu a montagem com seus cortes bruscos e sem suavidade. Vale assistir a título de curiosidade ou, dependendo, para dar sono.
Cinebiografia dos últimos anos da piloto pioneira na aviação transcontinental, Amelia Earhart. O filme tem sua narrativa amparada na montagem por flashback onde lembranças saudosistas da personagem se funde com imagens reais de arquivo. O filme exalta as qualidades sem dar destaques aos defeitos, funcionando mais como um instrumento para homenagear do que, de fato, expor a verdadeira Earhart. Hillary Swank protagoniza Amelia e embora sua marca no cinema esteja profundamente marcada pelos seus papeis fortes em Meninos Não Choram e Garota de Ouro, sua atuação tranquila e não tão embrutecida passam ao espectador a dose certa de suavidade e perseverança que se exige para a personagem. A produção dirigida por Mira Nair foca mais intensamente nos momentos de exposição midiática de Amélia e em seus dois maiores envolvimentos amorosos. Faltou ao roteiro adentrar com mais veemência nas questões psicológicas o que acaba tornando a produção menos intrigante e, consequentemente, mais banal.
Em alguns momentos voce até acha (e torce !) que o filme vai decolar, mas esta produção de baixo orçamento e até certo ponto, curiosamente bem executada, mostra que tem certo domínio da técnica de capturar as imagens, mas pouca competência e muito descompromisso na formula de montar uma narrativa coerente em relação aos outros elementos. Há uma clara tendencia dos personagens terem atitudes suicidadas sequenciais sem nenhuma melhora na vertente dramática. Um surto de heroísmo forçado e ilógico que apenas aborrece o espectador (na verdade, muita coisa aqui aborrece e a ingenuidade é o sinônimo da postura de como o roteiro trata o elenco em relação a todas as situações). A câmera sempre manual e dentro de uma mesma perspectiva para criar uma tensão, já demonstra certa pobreza criativa. A incapacidade de acionar outros movimentos e mesmo uma 'steadycam' para dar mais intensidade e construir uma sequencia mais empolgante e descartada em favor de um terror alternativo que minam os momentos que se poderia imprimir maior potência. Outra pergunta é onde foram parar os milhares de zumbis de Los Angeles ? Amadorismo universitário que tenta se camuflar como cinema autoral de gente grande.
As adaptações de terror baseadas em lendas urbanas orientais tiveram um campo fértil na filmografia dos anos 2000. O Chamado, O Grito e o Olho do Mal, foram alguns dos mais conhecidos. Protagonizado por Jessica Alba, O Olho do Mal é a refilmagem americana para o filme de Hong Kong/Singapura que no Brasil recebeu o título de The Eye: A Herança (Gin Gwai). Com uma história bizarra em que as córneas transplantadas para a paciente Sydney Wells (Jessica Alba) carregavam a carga espiritual e os poderes mediúnicos da sua doadora, a personagem de Sydney percebe que voltar a enxergar é a forma mais amaldiçoada de sentir o mundo do que permanecer cega. O roteiro vai seguindo os passos quase que idênticos ao seu modelo original de 2002. Os diretores Xavier Palud e David Moreau adicionam, nesta nova montagem, mais movimentações com numero grande de cortes na edição, acelerando as sequencias de uma forma mais compatível com o estilo hollywoodiano. Efeito visuais modestos, porém efetivos, garantem a credibilidade imagética e dão impulso ao elemento terror, ingrediente indispensável pela natureza e para o direcionamento do gênero que ele se propõe. Nada espetacular, mas que está acima da média dos filmes do gênero no que se refere a qualidade da produção e a fluidez da narrativa.
Dramas familiares rendem, quase sempre, bons roteiros para o cinema. As interpretações e o diálogo tem que estarem afinados e em total sintonia para que se perceba a evolução dos personagens dentro do roteiro. Um Limite Entre Nós cumpre o 'beabá' dessa cartilha e define o filme. Produzido, dirigido e protagonizado por negros (infelizmente essa informação racial, que a princípio deveria ser irrelevante frente uma sociedade igualitária, é indispensável em se tratando de Estados Unidos onde as produções majoritariamente brancas dominam o mercado cinematográfico) esta adaptação, derivada de uma peça feita para a Broadway, mostra-se como um dos mais consistentes filmes sobre uma realidade social já produzido nos últimas anos. As interpretações de Viola Davis (Rose) e Denzel Washington (Troy) são guturais. O comportamento de Troy (que vive uma mescla de dramas psicológicos semelhtantes ao de Othelo e MacBeth) é a chave eruptiva do equilíbrio e responsável pelas tensões que afetam os que estão próximos a ele. A reação em cadeia que decorrem das contradições do personagem central é o ponto de crise que o filme promulga. Pelo viés estético e de composição das imagens a fotografia comunica o espectador os discursos da forma mais tradicional com o planos abertos e fechados de acordo com o foco do discurso que o diretor quer que sobressaia. Sendo um versão para cinema de uma obra pensada para o teatro, há uma grande perda na agilidade pelo edição e montagem, seja pela quantidade reduzida de planos e cortes, seja pelas cenas de diálogos mais extensas do que o espectador moderno está acostumado. Essa percepção desacelerada poderia ter sido melhor resolvida através de estratégias fílmicas como fez Roman Polanski no excelente Deus da Carnificina. Embora o aspecto cadenciado possa tornar mais difícil a experiência ela nos dá ,simultaneamente nestas trincheiras de lentidão, a chance de refletirmos outros aspectos no desenvolvimento da trama e chegarmos a conclusões de validade das mensagens dentro de uma ordem universal. O cenário de um bairro humilde do subúrbio e a composição de toda um núcleo familiar não se restringe a condição de ser negro, mas a grande parcela da população que, independente de cor, precisa se reencontrar na resolução de seus dilemas e enfrentar um histórico de frustrações que inevitavelmente influenciarão suas escolhas.
É numa salada mística que reúne conceitos do budismo, metafísica e vida alienígena que floresce um dos personagens mais fascinantes da Marvel. Finalmente adaptada para o cinema, o universo de Doutor Estranho acrescenta ao cardápio do espectador mais uma possibilidade de confronto entre o bem e o mal. Com efeitos visuais utilizando muita computação gráfica imergimos na ação fantasiosa do médico que perde os movimentos das mãos. Após um acidente que lhe impede de trabalhar o Dr. Stephen Strange vai em busca de sua cura e nesse processo ganha poderes mágicos. A jornada de descobertas e autoconhecimento é adornada, folcloricamente, pelos ensinamentos da fé oriental. Com uma ação envolvente e bem orquestrada, Doutor Estranha se apresenta como uma projeto que explora aspectos da mitologia e do imaginário popular num plano entretenimento visual, espetacularmente bem construído e deliciosamente assistível.
Parece que a franquia vai ser reaberta novamente. Os apreciadores dos filmes 'slashers' tem na série icônica 'O Massacre da Serra Elétrica' um dos seus mais fortes fetiches do subgênero do suspense/terror. Aqui se tem uma espécie de piloto que tenta justificar as circunstâncias que deram origem ao vilão icônico 'Leatherface'. Como não poderia deixar de ser, muito sangue e pedaços humanos vão adornado as cenas. O roteiro tenta alinhavar um sentido para as mortes que estarão presentes desde as primeiras cenas. O filme tem um aspecto tradicional para um filme de baixo orçamento, sem maiores caprichos na fotografia e com uma montagem simples. Sustos muito pontuais, mas sem uso exaustivo de recursos apelativos de cortes bruscos para efetuar quebra de imagem. Leatherface não acrescenta nada ao gênero, mas também não é uma bomba. Dá pra arriscar a assistir. Entre os protagonista temos a participação de uma das melhores e menos valorizadas atrizes dos Estados Unidos: Lili Taylor.
Depois do parâmetro de qualidade estética visual que o último filme de Os Vingadores definiram no campo das adaptações dos quadrinhos de super heróis para o cinema, tá difícil ser menos exigente. Como as produções deste subgênero da ação/aventura seguem florescendo prolificamente, a expectativa de ver algo mais grandioso é uma espera na maioria das vezes frustrante. Com Homem-Aranha: De Volta ao Lar o sentimento de certo vazio após o fim do filme é inevitável: a postura deste 'novo' personagem é estranhamente bem resolvida, assim como do vilão Adrian Toomes o 'abutre'. Algumas inflexões desses protagonistas durante o filme são, por vezes, incoerentes. Desde que que Tobey McGuire aposentou o colant do Homem-Aranha para dar vez e voz a Andrew Garfield e, atualmente, a Tom Holland o personagem da Marvel perdeu em densidade psicológica em favor do total objetivo de entretenimento mais superficial. Como os conflitos de ordem emocional destes seres mutantes são tão fascinantes como seus próprios poderes fantásticos, extrair esse ingrediente, invariavelmente, empobrece o entusiasmo da experiencia. Homem-Aranha: De Volta ao Lar não quebra a barreira do extraordinário seja na técnica, nos efeitos ou na roteirização e faz uma apresentação minimamente necessária para um entretenimento fast-food.
Suspense imobiliário de qualidade mediana. Se conseguir suportar os primeiros 30 minutos de embromação, ficará mais fácil ir até o final da história. O roteiro apresenta certa previsibilidade e tem um início lento e tedioso. A tensão só começa a tomar uma escalada mais contundente já perto do desfecho quando atinge o climax. Interpretações suficientes para suprir a necessidade do filme.
Meu Malvado Favorito perde potência nesta terceira parte. Mesmo o roteiro bolando uma overdose de novas situações e fazendo um apelo nostálgico com o vilão sendo um produto cultural dos anos oitenta (referencias constantes aquela época e sua musicalidade permeiam toda a animação), tais recursos são insuficientes para manter o interesse do expectador seja o adulto ou o infantil. Esses motes são notoriamente frágeis e transparecem ser excessivamente desnecessários ou subaproveitados. Os minions, arautos dos melhores momentos dos episódios anteriores, tem aqui uma participação tímida e mais coadjuvante do que poderia se esperar. Quem rouba as cenas e salva o filme com os melhores momentos é a pequena Agnes com sua irreverência e ingenuidade angelical. Sem dúvida, este é o mais fraquinho da série.
Gabriel Mascaro se aventura numa experiência documental que é válida a partir do momento em que podemos relacionar três comportamentos distintos: a exposição do 'Eu', a espontaneidade de situações realizadas alheia ao objeto câmera e a encenação consciente. Relacionando estes três comportamentos é factível o entendimento de uma relação cultural entre empregados e empregadores que posicionam-se em uma esfera 'sui generis' de conveniência laboral amarrada por uma ligação afetiva de confiança. Culturalmente arraigada (e já comprovada por Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala) é a noção da empregada doméstica como criada, ou seja, beneficiária de uma vínculo que extrapola a relação de prestação de serviço por uma classe superior que, por vezes, parece agir, disfarçadamente, sob uma forma semelhante a de uma generosidade na ação social. A anormalidade dessa condição deriva do fato que tal agente não dispõe por completo das facilidades e tratamento igualitário dentro da família que está inserida e muitas vezes, tem seus direitos trabalhistas reduzidos em favor de um elo frágil e limitado de pertencimento que, na maioria das vezes, é inconscientemente encarcerador de suas reais vontades e necessidades. Doméstica fala dessa relação de subserviência com várias nuances. Neste coletivo de impressões o documentário nos ajuda a refletir partindo de aspectos do que foi espontaneamente captado e conscientemente montado em sua edição.
Michèle (Isabelle Huppert) é um exemplo de empoderamento feminino. Personalidade forte, batalhadora e bem sucedida como dona de uma empresa criadora de ambientes gráficos para 'games'. Seu sucesso se contrapõe a um trauma de infância. Ela leva uma marca de ressentimento por estar permanentemente ligada aos assassinatos em massa cometidos por seu pai na década de sessenta. Seus medos são catalisados de forma mais drástica quando ela é atacada e violentada dentro de sua casa. Vítima das ações doentias de figuras masculinas - inclui-se ai maus tratos quando casada -, Michele desenvolve um senso egoísta e de dominância sobre os homens, sedimentando uma personalidade manipuladora e, aparentemente, desafeta ao sexo oposto. Sua fidelidade é a serviço unicamente de sua ordem de poder a qual se expande para além de sua vida privada (filho, ex-marido, amante) e atinge funcionários de sua companhia. Neste contexto de total desequilíbrio dos sentimentos e busca por um amor paterno perdido a personagem se arrisca a experiencias extremas provocando situações que põe em risco vir a público seus desvios emocionais. Paul Verhoeven (célebre por dirigir Sharon Stone no hit Instinto Selvagem nos anos noventa) leva de forma tranquila este roteiro que conta com uma ótima fotografia e uma boa interpretação da veterana e incrivelmente bonita/elegante Isabelle Huppert. Elle poderia ser muito mais instigante se os conflitos existenciais fosse mais substanciados/adensados e menos comercialmente moldado ao eroticismo de imagem. Ficou um certo vazio nas possibilidades de Michèle, oferecendo mais do que entrega e predominando um certo aspecto comum e não surpreendente com máscara anti-heroica. Pena.
Monogram Studios foi onde Kay Francis fez seus últimos trabalhos. É neste estúdio, produtor de filmes de baixo orçamento, que ele passa a atuar. Já com um aspecto mais maduro a atriz desenvolve um papel de forte apelo dramático como a chefe de uma quadrilha que aplica golpes, fraudando o sistema de aposentadorias e seguros do exército americano. Sem o mesmo frescor de suas atuações de malícia quase juvenil do início dos anos 30 no período pre-code, mas com um interpretação mais robusta como a femme fatale típica dos filmes policiais noir, Francis surpreende indo para além de sua beleza singela e seu carisma irresistível que a fizeram uma das grandes estrelas da Warner Brothers. O roteiro coeso e a montagem ágil construídas de forma linear, trabalham em favor da narrativa que vai sequenciando o filme evitando arrastá-lo para além do necessário. A produção consegue oferecer uma seriedade importante para a sua proposta de obra de denúncia, afastando-se das tradicionais fórmulas escapistas e fantasiosas da Era de Ouro. As boas interpretações do restante do elenco de Allotment Wives (algo como Esposas Indenizadas) ajuda a tornar crível o apelo da história.
O cuidado que Nicholas Ray tem na composição da fotografia frente a misce-en-scene é algo comparável ao que faz Hitchcock na formulação de seus planos de filmagem. Cada tomada é tão bem pensada e orquestrada para o cinemascope que o desenvolvimento da escalada de tensão ganha uma potência visual e uma força imersiva muito maior. Em Juventude Transviada a formula de narrativa fica clara como tudo isso é disposto dando um domínio ao diretor sobre os sentidos que o filme promove junto ao público como na cena em que o personagem Jim Stark (James Dean) se sente oprimido frente aos seus familiares. Nesta cena, com câmera sempre em contra plongé em relação a Jim, sequencia na ordem de plano, seu pai, mãe e avó debatendo sobre os conflitos da família. Essa é a ordem de importância das pessoas responsaveis por seu conflitos e instabilidades emocionais. A cor também é outra ferramenta indispensável para Ray. Usando uma paleta de cores quentes como o vermelho, o amarelo e o laranja, relaciona-se o vigor e paixão típicas da idade do protagonista e do ambiente juvenil de sentimentos intensos e atitudes extremas. O ingrediente que informa a condição psicológica dos personagens funciona como um salão de espelhos onde cada protagonista se enxerga nas carências do outro. Forma-se então um triângulo com os personagens que se complementam em suas necessidades afetivas e que se reconhecem em seus estados de alienação. Através de metáforas coordenadas com uma poética sensível da natureza humana, Juventude Transviada consagra-se e consolida as carreiras de James Dean, Natalie Wood e Sal Mieno como ícones e os legítimos representantes de uma geração em busca de sua identidade.
Trabalho singular realizado por encomenda em forma de co-produção onde a técnica russa/soviética de montagem e fotografia utiliza o material humano e o contexto político e social de Cuba remetido ao período que antecedeu a queda de Fulgência Batista pelas milícias revolucionárias em 1959. Soy Cuba é considerada uma das obras primas do cinema mundial por aliar a poesia, a ficcção e informações de teor documental, dentro de uma construção imagética sofisticada e vigorosa em permanente dialogo com o discurso político pretendido. Extremamente bem pensando, o filme dirigido por Mikhail Kalatozov desenvolve a consciência de opressão, denunciando o estado de abandono da maioria dos cidadãos cubanos frente a riqueza de poucos, notadamente dos exploradores capitalistas estrangeiros. Iniciado através do recurso do 'voice over', a narradora vai, no decorrer da exibição, recontando o histórico de sofrimento do povo cubano para em seguida ir reunindo elementos que formam um panorama com vários quadros das realidades enfrentadas pela população vinculadas a pobreza e opressão. Um cardápio generoso do uso dos melhores dispositivos modernos do cinema narrativo: tomadas panorâmicas inacreditáveis, câmeras manuais, plonges, camadas de profundidade de campo e efeitos visuais diversos. Pura arte !
Na Era Pre-Code, a reluzente Kay Francis protagoniza Lois a editora chefe de uma revista que vive para o trabalho e para dar boa vida ao marido 'bon vivant'. Uma verdadeira 'workaholic', a personagem representa um papel feminino mais empoderado, embora que a dependência mascuilna e submissão, no final das contas, ainda acabam prevalecendo - a começar pelo título "Precisa-se de Um Homen". Comédia/romance de cunho escapista e incrivelmente comportada (levando em conta outras películas daquele momento), cujos os padrões eram anteriores a efetiva obrigatoriedade do código moral, apresentando, dessa forma, certa liberdade de posturas na ação dramática. Nesta produção dirigida por William Diertele, há uma observância quase total das regras morais vigentes. Filme da Warner feito em estúdio e sem locaçoes. Simples, novelesco e com boa fotografia.
Se você duvida da existência de vida após a morte, melhor não ser muito contundente na exigência de tais provas. Em Nós Prosseguimos a gana por evidências da imortalidade espiritual leva Miles (Clark Freeman) a uma busca ensandecida pelas comprovações e cujas respostas não tardarão a lhe esclarecer. Nós Prosseguimos é uma produção de terror de baixo orçamento com uma dramaticidade que força as circunstâncias, mas entrega momentos de bons suspenses ao espectador numa escalada de climax que tem suporte em sua boa fotografia. Levando em conta os poucos exemplares de bons filmes de terror, esté é um exemplo mediano e bem assistível.
Ahh, um road movie com cowboys criminosos motorizados... seria o primeiro pensamento. Pode ser, contudo, que você enxergue algo mais. Até o Último Homem arrisca uma jornada menos superficial exibindo as imagens de desolação e a aridez vazia do deserto do Texas como uma extensão da vida desses irmãos e não apenas o cenário das perseguições e aventuras - embora se tenha muitas delas. Tanner (ex-presidiário) e Tobby (mais centrado e responsável (?!), são os personagens de Ben Foster e Chris Pine respectivamente. Sem perspectivas, aceitam assaltar bancos com o intuito de basicamente pagar a hipoteca da casa, unica herança deixada pela mãe deles. Se eles não tem futuro, o pensamento vai para os filhos de Tobby, como única chance de resgate de valor moral que pode dar certo. A história dos irmãos acabam se encaixando com as dos detetives que lhes perseguem: eles consideram essa como a última ação de suas vidas (aqui vale um punhado de piadas racistas por parte de Marcus (Jeff Bridges) contra Alberto (Gil Birmingham) banalizando resquícios de uma segregação endêmica). Uma fotografia deslumbrante com as cores quentes amarelo e laranja sempre em destaque unindo a areia escaldante, a vegetação seca com as decorações das casas, a luz dos luminárias num padrão único que se adere ao filtro que dá um aspecto muito leve e suave no tom sépia. A figura de nuance do anti heroi presente em Tobby fará o espectador torcer pelo sucesso da dupla de assaltantes e mostrará como é fácil, através de um narrativa bem feita, subverter valores consolidados.
Dentro de um padrão convencional de se fazer cinema, a história sobre três irmãos interioranos que produziam e vendiam bebidas alcoólicas no período da lei seca americana (1920 - 1933), é levada as telas. Gangsterismo e romance vão permeando a ação da história cujo roteiro e baseado em fatos reais. Produção de ótimo nível com o sempre bom Gary Oldman em um papel coadjuvante, Guy Perce excessivamente caricato e Jessica Chastain apagada (pra variar).
Quando se há respeito pelos costumes desenvolvidos por gerações, mesmo que eles se mostrem superados com o passar do tempo, uma reverência a essas tradições é normal e salutar para manter viva a memória da família. A supervalorização dessas práticas, no entanto, adotadas como único vetor de sentido a vida e empurradas goela abaixo dos novos integrantes, anulando a individualidade e forçando uma obrigação de enclausuramento rural frente as outras opções que a modernidade e os novos anseios ofertam, agem como um veneno na manutenção desses valores sócio-culturais. Na região do país basco, tendo o campo e a natureza como um elemento fundamental, Amama exerce seu discurso antagônico entre passado e presente, apego a família e resistências as mudanças, o novo e o velho e a quebra de uma ordem cujos efeitos ecoam de forma diferentes. Com um fotografia deslumbrante e um roteiro que centraliza os conflitos, mas não unicamente, no choque entre pai e filha (legítimos representantes de seus tempos), o grande destaque fica com a interpretação de Kandido Uranga no papel do inacessível Tomas que com poucas palavras, mas com uma soma de postura corporal e expressões faciais incrivelmente arrebatadoras, passa ao espectador todo o peso, angústia e frustração de uma existência escrava a um estilo cerimonial secular, ou como Gaizga (Manu Uranga) costuma dizer, sob um olhar mais terno do que agressivo, 'neolítico'. Amama (a matriarca) e Gaizga (a neta) fazem o elo dos dois extremos de realidade deste vértice onde o vínculo entre as duas se expande para além forte laço afetivo que se reflete na inspiração artística de Gaizga na imagem de Amama. Filme com grande vigor na construção poética das imagens.
A Força do Carinho
3.5 22Temos aqui um filme branco perfeitinho: roteiro linear perfeitinho com elipse temporal quase imperceptível, fotografia perfeitinha, interpretações perfeitinhas, trilha sonora perfeitinha e um elenco só de pessoas brancas não tão perfeitinhas. A Força do Carinho é um drama de relacionamentos, que mesmo com suas tragédias, perdas e superações elas parecem não conseguir provocar uma reação de catarse tão enfática nos dias de hoje. No pós anos 2000, até nos filmes mais indiferentes as questões da existência, os convites para debates parecem ser mais emergentes. Aqui o desgaste psicológico que consome os personagens está menos nos diálogos e mais na cara de aflição e de inquietude que Robert Duvall faz no papel do deslocado Mac Sledge. É uma histeria silenciosa, educada e sufocante. A Força do Carinho está ausente de ousadia, mas tecnicamente é uma produção perfeitinha.
Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo
3.9 500 Assista AgoraNa estrada do coração quanto maior a distância física, mais forte é a necessidade da aproximação. A realidade de nossa vida particular pode ser refletir no que vemos no mundo: sonhos, frustrações, desejos... e por fim estamos sós. Percorrendo um caminho homogêneo entre a ficção e o documentário, Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo dos consagrados Karin Aïnouz e Marcelo Gomes, parece se inspirar em Iracema - Uma Transa Amazônica dirigida e roteirizada por Jorge Bodanzky e Antonio Sena em 1975. Ambos focam na ideia de fundir realidades para colaborar num discurso que problematiza e denuncia a solidão, o isolamento e o abandono. Partindo de uma história em que o personagem principal - um engenheiro contratado pelo governo para fazer estudos geológicos sobre a transposição de um rio no semi-árido nordestino - não se mostra fisicamente à câmera (pode ser eu ou você !), sendo idealizado apenas através do recurso de uma narração em 'voice over' na voz de Irandhir Santos, trava-se um diálogo íntimo com o espectador que se torna seu grande confidente. Como num 'road movie' tradicional, o personagem sem nome e sem imagem, faz uma infinidade de paradas e descobertas em sua excursão, refletindo sobre os locais, observando, apresentando e entrevistando as pessoas que lhe despertam, de alguma forma, um fascínio que lhe vincula mais ainda às suas próprias emoções. Como fator contrário da obra, é perceptível que o filme se torna massivo pela repetição de ideias em cenas diferentes e pela câmera que insiste em focar numa mesma imagem por um tempo maior que o necessário. O resultado final é, de qualquer forma,um trabalho de muita sensibilidade e capacidade de enxergar o outro, perceber sua importância e tirá-lo da indigência.
Espionagem
3.4 2Kay Francis e Leslie Howard são os protagonistas e também par romântico neste drama de guerra/espionagem emoldurado com uma narrativa bastante acelerada e dentro da sofisticação clássica das produções de estúdio da 'Hollywood Golden Age'. Francis com a desenvoltura tranquila e carismática supera em naturalidade a interpretação mais canastrona e forjada de Howard. O maior destaque deste projeto da First National Pictures, subsidiária da Warner, é a fotografia vigorosa onde vários planos, cenários e um grande número de figurantes são utilizados para simular os conflitos decorrentes da revolução russa de 1917. Curiosidade é a perspectiva histórica e, até certo ponto, imparcial do roteiro encomendado por um estúdio americano em aceitar a legitimidade da revolução soviética e a instituição do comunismo. Essa liberalidade filosófica mudaria em pouco mais de dez com a criminalização daquele regime e a criação do comitê de atividades anti-americanas instituídas no final da década. Esse cenário se intensificaria nos anos cinquenta com a instauração da 'Caça às Bruxas' ou o 'Macartismo', comite formando no senado estadunidense que tinham o objetivo de investigar e prender suspeitos de diversas áreas das artes e do próprio governo sob simples suspeitas de ligações comunistas. Como consequência foi criada a chamada lista negra de profissionais, principalmente no
da indústria do cinema, que ficaram proibidos de serem contratados durante vários anos.
Inocência
3.8 41Um campo de concentração feminino onde, crianças que parecem brotar do nada, são treinadas para se tornarem mulheres obedientes ou um delírio surrealista sobre controle, ordem, subserviência e sexualidade ? Com uma fotografia de destaque e Marion Cotillard, antes de Piaf, adornando o elenco como uma espécie de 'agente emotiva' da consciência, Inoccence cativa mais pelas interpretações de suas atrizes mirins do que pela história de enredo ambíguo, insolúvel e de pistas escassas. Adaptado de uma obra literária já existente, o roteiro de Innocence não esclarece muito sobre os antecedentes e nem os consequentes. Quem por ventura tenha tido a chance de ler o livro talvez consiga fazer as conexões e ter um panorama completo e abrangente. Sem qualquer informação prévia somos mergulhados no mistério e envoltos em questionamentos que durante toda a exibição do filme não será esclarecido, deixando o espectador a vontade (até demais) para realizar suas interpretações de acordo com a subjetividade dos fatos e das metáforas. O quebra cabeças com peças ausentes desse universo que justapõe delicadeza com violência, generosidade com egoísmo, pureza e malícia talvez tenha tomado proporções maiores do que a diretora Lucile Hadzihalilovic pudesse explicar. Se o concreto pudesse ser mais abstrato usando uma realidade inalcançável, Innocence não perderia potência com tanta teoria idílica para tratar da evolução humana.
Torrentes de Ódio
3.6 3Filme insipiente cujo interesse maior, com o tempo, não foi o lançamento pela Fox de sua nova estrela June Haver, mas sim o fato de ter sido o primeiro filme exibido no cinema com Marilyn Monroe. Torrentes de ódio também conta no elenco coadjuvante Natalie Wood com dez anos de idade na época. A participação de MM é, no entanto, quase de figurante e próxima do imperceptível. Na verdade sua presença é de apenas,um segundo e de duas palavras: "Hi Rad !". Nesta fala escutamos sua voz cumprimentando a personagem de June ao descer a escada da igreja mesmo que mal possamos ver seu rosto (o movimento é tão rápido que o que se percebe é quase um borrado). Torrentes de Ódio se resume num melodrama juvenil, sem criatividade, elementar e com poucas atuações que realmente merecem destaque (alguns atores agem de forma quase que pantomímica). As mudanças de uma cena para a outra revelam uma edição tão pouco acabada que o público quase que pode até ouvir o diretor gritar "corta !" quando uma sequencia termina e outra se inicia. Essa sensação decorre da forma mecânica que se deu a montagem com seus cortes bruscos e sem suavidade. Vale assistir a título de curiosidade ou, dependendo, para dar sono.
Amelia
3.2 168Cinebiografia dos últimos anos da piloto pioneira na aviação transcontinental, Amelia Earhart. O filme tem sua narrativa amparada na montagem por flashback onde lembranças saudosistas da personagem se funde com imagens reais de arquivo. O filme exalta as qualidades sem dar destaques aos defeitos, funcionando mais como um instrumento para homenagear do que, de fato, expor a verdadeira Earhart. Hillary Swank protagoniza Amelia e embora sua marca no cinema esteja profundamente marcada pelos seus papeis fortes em Meninos Não Choram e Garota de Ouro, sua atuação tranquila e não tão embrutecida passam ao espectador a dose certa de suavidade e perseverança que se exige para a personagem. A produção dirigida por Mira Nair foca mais intensamente nos momentos de exposição midiática de Amélia e em seus dois maiores envolvimentos amorosos. Faltou ao roteiro adentrar com mais veemência nas questões psicológicas o que acaba tornando a produção menos intrigante e, consequentemente, mais banal.
Desastre: O Último Apocalipse Zumbi
1.3 44Em alguns momentos voce até acha (e torce !) que o filme vai decolar, mas esta produção de baixo orçamento e até certo ponto, curiosamente bem executada, mostra que tem certo domínio da técnica de capturar as imagens, mas pouca competência e muito descompromisso na formula de montar uma narrativa coerente em relação aos outros elementos. Há uma clara tendencia dos personagens terem atitudes suicidadas sequenciais sem nenhuma melhora na vertente dramática. Um surto de heroísmo forçado e ilógico que apenas aborrece o espectador (na verdade, muita coisa aqui aborrece e a ingenuidade é o sinônimo da postura de como o roteiro trata o elenco em relação a todas as situações). A câmera sempre manual e dentro de uma mesma perspectiva para criar uma tensão, já demonstra certa pobreza criativa. A incapacidade de acionar outros movimentos e mesmo uma 'steadycam' para dar mais intensidade e construir uma sequencia mais empolgante e descartada em favor de um terror alternativo que minam os momentos que se poderia imprimir maior potência. Outra pergunta é onde foram parar os milhares de zumbis de Los Angeles ? Amadorismo universitário que tenta se camuflar como cinema autoral de gente grande.
O Olho do Mal
3.0 431 Assista AgoraAs adaptações de terror baseadas em lendas urbanas orientais tiveram um campo fértil na filmografia dos anos 2000. O Chamado, O Grito e o Olho do Mal, foram alguns dos mais conhecidos. Protagonizado por Jessica Alba, O Olho do Mal é a refilmagem americana para o filme de Hong Kong/Singapura que no Brasil recebeu o título de The Eye: A Herança (Gin Gwai). Com uma história bizarra em que as córneas transplantadas para a paciente Sydney Wells (Jessica Alba) carregavam a carga espiritual e os poderes mediúnicos da sua doadora, a personagem de Sydney percebe que voltar a enxergar é a forma mais amaldiçoada de sentir o mundo do que permanecer cega. O roteiro vai seguindo os passos quase que idênticos ao seu modelo original de 2002. Os diretores Xavier Palud e David Moreau adicionam, nesta nova montagem, mais movimentações com numero grande de cortes na edição, acelerando as sequencias de uma forma mais compatível com o estilo hollywoodiano. Efeito visuais modestos, porém efetivos, garantem a credibilidade imagética e dão impulso ao elemento terror, ingrediente indispensável pela natureza e para o direcionamento do gênero que ele se propõe. Nada espetacular, mas que está acima da média dos filmes do gênero no que se refere a qualidade da produção e a fluidez da narrativa.
Um Limite Entre Nós
3.8 1,1K Assista AgoraDramas familiares rendem, quase sempre, bons roteiros para o cinema. As interpretações e o diálogo tem que estarem afinados e em total sintonia para que se perceba a evolução dos personagens dentro do roteiro. Um Limite Entre Nós cumpre o 'beabá' dessa cartilha e define o filme. Produzido, dirigido e protagonizado por negros (infelizmente essa informação racial, que a princípio deveria ser irrelevante frente uma sociedade igualitária, é indispensável em se tratando de Estados Unidos onde as produções majoritariamente brancas dominam o mercado cinematográfico) esta adaptação, derivada de uma peça feita para a Broadway, mostra-se como um dos mais consistentes filmes sobre uma realidade social já produzido nos últimas anos. As interpretações de Viola Davis (Rose) e Denzel Washington (Troy) são guturais. O comportamento de Troy (que vive uma mescla de dramas psicológicos semelhtantes ao de Othelo e MacBeth) é a chave eruptiva do equilíbrio e responsável pelas tensões que afetam os que estão próximos a ele. A reação em cadeia que decorrem das contradições do personagem central é o ponto de crise que o filme promulga. Pelo viés estético e de composição das imagens a fotografia comunica o espectador os discursos da forma mais tradicional com o planos abertos e fechados de acordo com o foco do discurso que o diretor quer que sobressaia. Sendo um versão para cinema de uma obra pensada para o teatro, há uma grande perda na agilidade pelo edição e montagem, seja pela quantidade reduzida de planos e cortes, seja pelas cenas de diálogos mais extensas do que o espectador moderno está acostumado. Essa percepção desacelerada poderia ter sido melhor resolvida através de estratégias fílmicas como fez Roman Polanski no excelente Deus da Carnificina. Embora o aspecto cadenciado possa tornar mais difícil a experiência ela nos dá ,simultaneamente nestas trincheiras de lentidão, a chance de refletirmos outros aspectos no desenvolvimento da trama e chegarmos a conclusões de validade das mensagens dentro de uma ordem universal. O cenário de um bairro humilde do subúrbio e a composição de toda um núcleo familiar não se restringe a condição de ser negro, mas a grande parcela da população que, independente de cor, precisa se reencontrar na resolução de seus dilemas e enfrentar um histórico de frustrações que inevitavelmente influenciarão suas escolhas.
Doutor Estranho
4.0 2,2K Assista AgoraÉ numa salada mística que reúne conceitos do budismo, metafísica e vida alienígena que floresce um dos personagens mais fascinantes da Marvel. Finalmente adaptada para o cinema, o universo de Doutor Estranho acrescenta ao cardápio do espectador mais uma possibilidade de confronto entre o bem e o mal. Com efeitos visuais utilizando muita computação gráfica imergimos na ação fantasiosa do médico que perde os movimentos das mãos. Após um acidente que lhe impede de trabalhar o Dr. Stephen Strange vai em busca de sua cura e nesse processo ganha poderes mágicos. A jornada de descobertas e autoconhecimento é adornada, folcloricamente, pelos ensinamentos da fé oriental. Com uma ação envolvente e bem orquestrada, Doutor Estranha se apresenta como uma projeto que explora aspectos da mitologia e do imaginário popular num plano entretenimento visual, espetacularmente bem construído e deliciosamente assistível.
Massacre no Texas
2.5 432 Assista AgoraParece que a franquia vai ser reaberta novamente. Os apreciadores dos filmes 'slashers' tem na série icônica 'O Massacre da Serra Elétrica' um dos seus mais fortes fetiches do subgênero do suspense/terror. Aqui se tem uma espécie de piloto que tenta justificar as circunstâncias que deram origem ao vilão icônico 'Leatherface'. Como não poderia deixar de ser, muito sangue e pedaços humanos vão adornado as cenas. O roteiro tenta alinhavar um sentido para as mortes que estarão presentes desde as primeiras cenas. O filme tem um aspecto tradicional para um filme de baixo orçamento, sem maiores caprichos na fotografia e com uma montagem simples. Sustos muito pontuais, mas sem uso exaustivo de recursos apelativos de cortes bruscos para efetuar quebra de imagem. Leatherface não acrescenta nada ao gênero, mas também não é uma bomba. Dá pra arriscar a assistir. Entre os protagonista temos a participação de uma das melhores e menos valorizadas atrizes dos Estados Unidos: Lili Taylor.
Homem-Aranha: De Volta ao Lar
3.8 1,9K Assista AgoraDepois do parâmetro de qualidade estética visual que o último filme de Os Vingadores definiram no campo das adaptações dos quadrinhos de super heróis para o cinema, tá difícil ser menos exigente. Como as produções deste subgênero da ação/aventura seguem florescendo prolificamente, a expectativa de ver algo mais grandioso é uma espera na maioria das vezes frustrante. Com Homem-Aranha: De Volta ao Lar o sentimento de certo vazio após o fim do filme é inevitável: a postura deste 'novo' personagem é estranhamente bem resolvida, assim como do vilão Adrian Toomes o 'abutre'. Algumas inflexões desses protagonistas durante o filme são, por vezes, incoerentes. Desde que que Tobey McGuire aposentou o colant do Homem-Aranha para dar vez e voz a Andrew Garfield e, atualmente, a Tom Holland o personagem da Marvel perdeu em densidade psicológica em favor do total objetivo de entretenimento mais superficial. Como os conflitos de ordem emocional destes seres mutantes são tão fascinantes como seus próprios poderes fantásticos, extrair esse ingrediente, invariavelmente, empobrece o entusiasmo da experiencia. Homem-Aranha: De Volta ao Lar não quebra a barreira do extraordinário seja na técnica, nos efeitos ou na roteirização e faz uma apresentação minimamente necessária para um entretenimento fast-food.
Morando Com o Medo
2.5 37 Assista AgoraSuspense imobiliário de qualidade mediana. Se conseguir suportar os primeiros 30 minutos de embromação, ficará mais fácil ir até o final da história. O roteiro apresenta certa previsibilidade e tem um início lento e tedioso. A tensão só começa a tomar uma escalada mais contundente já perto do desfecho quando atinge o climax. Interpretações suficientes para suprir a necessidade do filme.
Meu Malvado Favorito 3
3.4 404 Assista AgoraMeu Malvado Favorito perde potência nesta terceira parte. Mesmo o roteiro bolando uma overdose de novas situações e fazendo um apelo nostálgico com o vilão sendo um produto cultural dos anos oitenta (referencias constantes aquela época e sua musicalidade permeiam toda a animação), tais recursos são insuficientes para manter o interesse do expectador seja o adulto ou o infantil. Esses motes são notoriamente frágeis e transparecem ser excessivamente desnecessários ou subaproveitados. Os minions, arautos dos melhores momentos dos episódios anteriores, tem aqui uma participação tímida e mais coadjuvante do que poderia se esperar. Quem rouba as cenas e salva o filme com os melhores momentos é a pequena Agnes com sua irreverência e ingenuidade angelical. Sem dúvida, este é o mais fraquinho da série.
Doméstica
3.8 124Gabriel Mascaro se aventura numa experiência documental que é válida a partir do momento em que podemos relacionar três comportamentos distintos: a exposição do 'Eu', a espontaneidade de situações realizadas alheia ao objeto câmera e a encenação consciente. Relacionando estes três comportamentos é factível o entendimento de uma relação cultural entre empregados e empregadores que posicionam-se em uma esfera 'sui generis' de conveniência laboral amarrada por uma ligação afetiva de confiança. Culturalmente arraigada (e já comprovada por Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala) é a noção da empregada doméstica como criada, ou seja, beneficiária de uma vínculo que extrapola a relação de prestação de serviço por uma classe superior que, por vezes, parece agir, disfarçadamente, sob uma forma semelhante a de uma generosidade na ação social. A anormalidade dessa condição deriva do fato que tal agente não dispõe por completo das facilidades e tratamento igualitário dentro da família que está inserida e muitas vezes, tem seus direitos trabalhistas reduzidos em favor de um elo frágil e limitado de pertencimento que, na maioria das vezes, é inconscientemente encarcerador de suas reais vontades e necessidades. Doméstica fala dessa relação de subserviência com várias nuances. Neste coletivo de impressões o documentário nos ajuda a refletir partindo de aspectos do que foi espontaneamente captado e conscientemente montado em sua edição.
Elle
3.8 886Michèle (Isabelle Huppert) é um exemplo de empoderamento feminino. Personalidade forte, batalhadora e bem sucedida como dona de uma empresa criadora de ambientes gráficos para 'games'. Seu sucesso se contrapõe a um trauma de infância. Ela leva uma marca de ressentimento por estar permanentemente ligada aos assassinatos em massa cometidos por seu pai na década de sessenta. Seus medos são catalisados de forma mais drástica quando ela é atacada e violentada dentro de sua casa. Vítima das ações doentias de figuras masculinas - inclui-se ai maus tratos quando casada -, Michele desenvolve um senso egoísta e de dominância sobre os homens, sedimentando uma personalidade manipuladora e, aparentemente, desafeta ao sexo oposto. Sua fidelidade é a serviço unicamente de sua ordem de poder a qual se expande para além de sua vida privada (filho, ex-marido, amante) e atinge funcionários de sua companhia. Neste contexto de total desequilíbrio dos sentimentos e busca por um amor paterno perdido a personagem se arrisca a experiencias extremas provocando situações que põe em risco vir a público seus desvios emocionais. Paul Verhoeven (célebre por dirigir Sharon Stone no hit Instinto Selvagem nos anos noventa) leva de forma tranquila este roteiro que conta com uma ótima fotografia e uma boa interpretação da veterana e incrivelmente bonita/elegante Isabelle Huppert. Elle poderia ser muito mais instigante se os conflitos existenciais fosse mais substanciados/adensados e menos comercialmente moldado ao eroticismo de imagem. Ficou um certo vazio nas possibilidades de Michèle, oferecendo mais do que entrega e predominando um certo aspecto comum e não surpreendente com máscara anti-heroica. Pena.
Allotment Wives
4.4 1Monogram Studios foi onde Kay Francis fez seus últimos trabalhos. É neste estúdio, produtor de filmes de baixo orçamento, que ele passa a atuar. Já com um aspecto mais maduro a atriz desenvolve um papel de forte apelo dramático como a chefe de uma quadrilha que aplica golpes, fraudando o sistema de aposentadorias e seguros do exército americano. Sem o mesmo frescor de suas atuações de malícia quase juvenil do início dos anos 30 no período pre-code, mas com um interpretação mais robusta como a femme fatale típica dos filmes policiais noir, Francis surpreende indo para além de sua beleza singela e seu carisma irresistível que a fizeram uma das grandes estrelas da Warner Brothers. O roteiro coeso e a montagem ágil construídas de forma linear, trabalham em favor da narrativa que vai sequenciando o filme evitando arrastá-lo para além do necessário. A produção consegue oferecer uma seriedade importante para a sua proposta de obra de denúncia, afastando-se das tradicionais fórmulas escapistas e fantasiosas da Era de Ouro. As boas interpretações do restante do elenco de Allotment Wives (algo como Esposas Indenizadas) ajuda a tornar crível o apelo da história.
Juventude Transviada
3.9 546 Assista AgoraO cuidado que Nicholas Ray tem na composição da fotografia frente a misce-en-scene é algo comparável ao que faz Hitchcock na formulação de seus planos de filmagem. Cada tomada é tão bem pensada e orquestrada para o cinemascope que o desenvolvimento da escalada de tensão ganha uma potência visual e uma força imersiva muito maior. Em Juventude Transviada a formula de narrativa fica clara como tudo isso é disposto dando um domínio ao diretor sobre os sentidos que o filme promove junto ao público como na cena em que o personagem Jim Stark (James Dean) se sente oprimido frente aos seus familiares. Nesta cena, com câmera sempre em contra plongé em relação a Jim, sequencia na ordem de plano, seu pai, mãe e avó debatendo sobre os conflitos da família. Essa é a ordem de importância das pessoas responsaveis por seu conflitos e instabilidades emocionais. A cor também é outra ferramenta indispensável para Ray. Usando uma paleta de cores quentes como o vermelho, o amarelo e o laranja, relaciona-se o vigor e paixão típicas da idade do protagonista e do ambiente juvenil de sentimentos intensos e atitudes extremas. O ingrediente que informa a condição psicológica dos personagens funciona como um salão de espelhos onde cada protagonista se enxerga nas carências do outro. Forma-se então um triângulo com os personagens que se complementam em suas necessidades afetivas e que se reconhecem em seus estados de alienação. Através de metáforas coordenadas com uma poética sensível da natureza humana, Juventude Transviada consagra-se e consolida as carreiras de James Dean, Natalie Wood e Sal Mieno como ícones e os legítimos representantes de uma geração em busca de sua identidade.
Eu Sou Cuba
4.5 62Trabalho singular realizado por encomenda em forma de co-produção onde a técnica russa/soviética de montagem e fotografia utiliza o material humano e o contexto político e social de Cuba remetido ao período que antecedeu a queda de Fulgência Batista pelas milícias revolucionárias em 1959. Soy Cuba é considerada uma das obras primas do cinema mundial por aliar a poesia, a ficcção e informações de teor documental, dentro de uma construção imagética sofisticada e vigorosa em permanente dialogo com o discurso político pretendido. Extremamente bem pensando, o filme dirigido por Mikhail Kalatozov desenvolve a consciência de opressão, denunciando o estado de abandono da maioria dos cidadãos cubanos frente a riqueza de poucos, notadamente dos exploradores capitalistas estrangeiros. Iniciado através do recurso do 'voice over', a narradora vai, no decorrer da exibição, recontando o histórico de sofrimento do povo cubano para em seguida ir reunindo elementos que formam um panorama com vários quadros das realidades enfrentadas pela população vinculadas a pobreza e opressão. Um cardápio generoso do uso dos melhores dispositivos modernos do cinema narrativo: tomadas panorâmicas inacreditáveis, câmeras manuais, plonges, camadas de profundidade de campo e efeitos visuais diversos. Pura arte !
Precisa-se de um Homem
3.5 2Na Era Pre-Code, a reluzente Kay Francis protagoniza Lois a editora chefe de uma revista que vive para o trabalho e para dar boa vida ao marido 'bon vivant'. Uma verdadeira 'workaholic', a personagem representa um papel feminino mais empoderado, embora que a dependência mascuilna e submissão, no final das contas, ainda acabam prevalecendo - a começar pelo título "Precisa-se de Um Homen". Comédia/romance de cunho escapista e incrivelmente comportada (levando em conta outras películas daquele momento), cujos os padrões eram anteriores a efetiva obrigatoriedade do código moral, apresentando, dessa forma, certa liberdade de posturas na ação dramática. Nesta produção dirigida por William Diertele, há uma observância quase total das regras morais vigentes. Filme da Warner feito em estúdio e sem locaçoes. Simples, novelesco e com boa fotografia.
Nós Prosseguimos
2.5 11Se você duvida da existência de vida após a morte, melhor não ser muito contundente na exigência de tais provas. Em Nós Prosseguimos a gana por evidências da imortalidade espiritual leva Miles (Clark Freeman) a uma busca ensandecida pelas comprovações e cujas respostas não tardarão a lhe esclarecer. Nós Prosseguimos é uma produção de terror de baixo orçamento com uma dramaticidade que força as circunstâncias, mas entrega momentos de bons suspenses ao espectador numa escalada de climax que tem suporte em sua boa fotografia. Levando em conta os poucos exemplares de bons filmes de terror, esté é um exemplo mediano e bem assistível.
A Qualquer Custo
3.8 804 Assista AgoraAhh, um road movie com cowboys criminosos motorizados... seria o primeiro pensamento. Pode ser, contudo, que você enxergue algo mais. Até o Último Homem arrisca uma jornada menos superficial exibindo as imagens de desolação e a aridez vazia do deserto do Texas como uma extensão da vida desses irmãos e não apenas o cenário das perseguições e aventuras - embora se tenha muitas delas. Tanner (ex-presidiário) e Tobby (mais centrado e responsável (?!), são os personagens de Ben Foster e Chris Pine respectivamente. Sem perspectivas, aceitam assaltar bancos com o intuito de basicamente pagar a hipoteca da casa, unica herança deixada pela mãe deles. Se eles não tem futuro, o pensamento vai para os filhos de Tobby, como única chance de resgate de valor moral que pode dar certo. A história dos irmãos acabam se encaixando com as dos detetives que lhes perseguem: eles consideram essa como a última ação de suas vidas (aqui vale um punhado de piadas racistas por parte de Marcus (Jeff Bridges) contra Alberto (Gil Birmingham) banalizando resquícios de uma segregação endêmica). Uma fotografia deslumbrante com as cores quentes amarelo e laranja sempre em destaque unindo a areia escaldante, a vegetação seca com as decorações das casas, a luz dos luminárias num padrão único que se adere ao filtro que dá um aspecto muito leve e suave no tom sépia. A figura de nuance do anti heroi presente em Tobby fará o espectador torcer pelo sucesso da dupla de assaltantes e mostrará como é fácil, através de um narrativa bem feita, subverter valores consolidados.
Os Infratores
3.8 895 Assista AgoraDentro de um padrão convencional de se fazer cinema, a história sobre três irmãos interioranos que produziam e vendiam bebidas alcoólicas no período da lei seca americana (1920 - 1933), é levada as telas. Gangsterismo e romance vão permeando a ação da história cujo roteiro e baseado em fatos reais. Produção de ótimo nível com o sempre bom Gary Oldman em um papel coadjuvante, Guy Perce excessivamente caricato e Jessica Chastain apagada (pra variar).
Amama
4.0 5Quando se há respeito pelos costumes desenvolvidos por gerações, mesmo que eles se mostrem superados com o passar do tempo, uma reverência a essas tradições é normal e salutar para manter viva a memória da família. A supervalorização dessas práticas, no entanto, adotadas como único vetor de sentido a vida e empurradas goela abaixo dos novos integrantes, anulando a individualidade e forçando uma obrigação de enclausuramento rural frente as outras opções que a modernidade e os novos anseios ofertam, agem como um veneno na manutenção desses valores sócio-culturais. Na região do país basco, tendo o campo e a natureza como um elemento fundamental, Amama exerce seu discurso antagônico entre passado e presente, apego a família e resistências as mudanças, o novo e o velho e a quebra de uma ordem cujos efeitos ecoam de forma diferentes. Com um fotografia deslumbrante e um roteiro que centraliza os conflitos, mas não unicamente, no choque entre pai e filha (legítimos representantes de seus tempos), o grande destaque fica com a interpretação de Kandido Uranga no papel do inacessível Tomas que com poucas palavras, mas com uma soma de postura corporal e expressões faciais incrivelmente arrebatadoras, passa ao espectador todo o peso, angústia e frustração de uma existência escrava a um estilo cerimonial secular, ou como Gaizga (Manu Uranga) costuma dizer, sob um olhar mais terno do que agressivo, 'neolítico'. Amama (a matriarca) e Gaizga (a neta) fazem o elo dos dois extremos de realidade deste vértice onde o vínculo entre as duas se expande para além forte laço afetivo que se reflete na inspiração artística de Gaizga na imagem de Amama. Filme com grande vigor na construção poética das imagens.