Na escassez permanente de filmes arrebatadores do gênero terror, O Massacre do Moinho de Vento chega como um projeto no estilo 'slasher' de baixo orçamento com muitos clichês pouca lógica, porém e mesmo assim, assistível. Longe de ter um roteiro marcante com atuações magníficas, a produção se esforça em ter um cuidado maior nas construção da imagem. Essa atenção adiciona um toque de qualidade superior no que tange a fotografia que consegue trabalhar as cores quentes como o laranja e vermelho nos campos escuros e de sombras sem muita perda de detalhes. Os efeitos visuais, embora rústicos e obsoletos em algumas cenas, tenta ao máximo se homogeneizar a história. Na gana de assistir um filme de terror mais recente, você não terá muitas opções melhores do que essa.
A capacidade de exercer uma alteridade real não é fácil. Se por no lugar do outro é uma postura, mesmo que mais solidária, sujeita a parcialidade, julgamentos e qualificações em todos os campos possíveis. Neste projeto, simples, mas de resultados sociológicos interessantes, o diretor Caio Guimarães agrega pares de desconhecidos que trocam de residência por um dia e prestam seus depoimentos e impressões sobre a possível personalidade do habitante daquele imóvel. Essa empatia sensorial-visual/olfativa mostra exatamente esta dificuldade seja ela em menor ou maior nível. Possível também estabelecer um espelhamento entre os ocupantes que percebem suas próprias dificuldades na disposição do espaço de outra pessoa, apontando como algo que lhe é estranho quando estes, inconscientemente são praticantes do mesmo hábito ou possuidores do mesmo sentimento. Um atestado que revela a multiplicidade de valores que são prismados por cada um de acordo com seus princípios, conceitos e pré-conceitos.
Um romance clássico produzido pela Warner com dois dos grandes contratados pelo estúdio na década de trinta: a adorável Kay Francis e o galã exuberante Errol Flynn. A química entre os dois protagonistas favorece a simpatia do filme que conta com um roteiro simples e tradicionalmente novelesco. Com uma bela fotografia (rodado nos estúdio da Warner em Burbunak e em locações (em Yuma no Texas e no deserto de dunas do condado de Imperial no sul da Califórnia) Outra Aurora consegue remeter o espectador ao cenário exótico das Arábias. Filmado dentro das restrições do Código Hays, a comissão permitiu o caso extra-conjugal de Júlia com o capitão Roark uma vez que o casamento entre ela e o marido não tinha sido consumado e o final se encaminharia para um desfecho moralmente tolerável. Mais um produto padrão classe 'A' da Era de Ouro de Hollywood.
Extravagância é a palavra que define a adaptação da peça teatral Hedwig para o cinema. Escrita, dirigida e protagonizada por John Cameron Mitchel esse musical de cores pulsantes refaz, através da música, a fictícia história de vida de um artista da Alemanha Ocidental que logo na infância e adolescência mostrava uma inclinação para a música, para o vanguardismo estético, assim como para uma sexualidade levada ao limite entre o masculino e feminino. Construindo as memórias por flashbacks, reflexões, nostalgias e com uma trilha musical sublinhada por performances nos palcos decadentes dos bares de cidades dos Estados Unidos (talvez 80% do filme é, excessivamente, em forma de videoclipe), o flme de Mitchel consegue embalar o espectador em seu ritmo new punk-pop-disco. Hedwig não parece se partidarizar ou se engajar em chamadas sexista, mas manda o seu recado de superação, reinvenção além de apontar a descoberta de um ícone musical movido não apenas ao talento, mas também a estratégias de marketing.
No universo de uma instituição de internamento para pessoas com problemas mentais na Itália de Mussolini, a comunidade de médicos, enfermeiras, assistentes, administradores, religiosas e pacientes se relacionam em uma sinergia de resultados diversos. Residindo todos no mesmo complexo, situações do cotidiano se confundem com as de âmbito profissional. A interdependência entre os componentes deste agrupamento de aspecto muito particular é muitas vezes vital para a sua sobrevivência. Gerando questionamentos sobre o estado da loucura, leva o espectador a duvidar quem realmente detém o dom da sanidade. Esta produção italiana dirigida por Mauro Bolognini (roteirista de um estilo italiano mais autoral com ligações ao neorrealismo e diretor de produções como A Veneziana, A Burguesia), impõe uma reflexão do que seria, de fato, o 'ser normal' aceito em sociedade. A fotografia usa tantos planos abertos quanto fechados, praticando o zoom de aproximação para realçar a importância de um personagem na cena. Diferente do que se poderia imaginar. a paleta de cores descarta os tons escuros e o uso de sombra - que, para muitos, seria o primeiro recurso a ser disposto para retratar o manicômio na tradicional perspectiva de ambiente lúgubre e decadente - ao invés disso reitera-se as cores quentes como laranja e amarelo em ambientes claros, abertos e escapando de qualquer cenário claustrofóbico. Marcelo Mastroianni, como o médico psiquiatra, é o protagonista do filme, integrando os demais personagens numa pluralidade de debates de intensa complexidade psicológica.
Suspense policial genérico com 'serial killers' e com o roteiro interseccionando os protagonistas em duas realidades que resguardam uma semelhança comum, funcionando como elemento de profundidade psicológica,. Trata-se de um policial e uma dançarina de boate que chegam na cidade e mesmo percebendo um ambiente hostil, se propõe a tentar um recomeço. A luta por suas sobrevivências, cada um em sua dimensão, vai encorpando o caldo narrativo desta produção feita para a tv. Presa Humana consegue desenvolver uma certa tensão e criar uma imprevisibilidade durante a escalado do clímax. Nada espetacular, mas assistível como uma boa sessão da tarde.
Um dos documentaristas mais polêmicos dos anos 2000 (Tiros em Columbine já dava uma prenúncia do que seria Fahrenheit..), Michael Moore utiliza recortes de entrevistas, imagens de arquivos e outros adereços em que, mesmo manipulando na edição e montagem o sentido desses recortes - obtendo mais um resultado de manifesto e engajamento político do que um documentário mais cristalino -, consegue revelar com plena coerência a verdade sobre a política e a capacidade do capitalismo colonialista bárbaro de se reinventar sempre que necessário. Em franca oposição a George Bush, Moore vai descascando com ironia, sarcasmo e sagacidade a trágica experiência de Bush filho como presidente dos Estados Unidos, apontando os subterfúgios e o cinismo do governo americano no periodo que seguiu o 11 de setembro. Uma experiência muitas vezes hilária para narrar um fato extremamente trágico. Imperdível.
A falta de criatividade até para se fazer o ridículo é possível. Prova disso é Voodoo. Esse terrorzinho classe 'C' é tão toscamente roteirizado, dirigido e fotografado (forjando na marra ser 'found footage') que rir da quantidade de caretas que é feita pelo elenco, no intuito de nos assustar, é o que nos resta. Se você já andou naqueles trens fantasmas decadentes de parque de diversão vai sentir, no máximo, uma certa nostalgia. A diferença é que nos parques os efeitos visuais podem até ser melhores.
Melodrama clássico de qualidade hollywoodiana em que Kay Francis tem sua imagem reinventada assim como ocorreu com Jean Harlow, Myrna Loy, Lupe Velez e várias estrelas da época. Quando o Código Hays (código de censura contra as produções cinematográficas americanas) foi exigido em toda a sua plenitude a partir de 1934, as carreiras de várias atrizes tiveram que ser reinventadas, caso contrário seus filmes seriam vetados a exibição. Adultério, exposição do corpo, piadas de duplo sentido eram proibidas e a Warner teve que reordenar os seus roteiros e os padrões de suas estrelas para andarem em conformidade as regras restritivas e ao mesmo tempo evitar a debandada dos seus fãs. A irreverente Kay Francis muda da água para o vinho indo de papeis como a inquieta e lasciva Teri de Ladrão Romântico (1933) para a doce e sofredora-por-merecer Belinda de Dá-me Teu Coração (1936). Enquanto a primeira aproveitava o mundo a cada instante usando os homens e as oportunidades unicamente para sua satisfação, a segunda personagem mostra uma mulher apaixonada que engravida de um aristocrata inglês já casado e que, reconhecendo sua 'culpa', aceita mudar-se para os Estados Unidos e deixar seu filho ser criado pelo pai e a madrasta. Aqui o adultério cometido pelo homem tem seus efeitos revertidos para a mulher a qual sofre ameças em relação a sua idoneidade moral e arca com as consequências de um ato que, por sua parte, seria legítimo. Muito boa interpretação de George Brent e Kay Francis revelando a falta de empoderamento feminino resultando em subserviência aos valores machistas da época.
Para o soldado Desmond T. Doss dar a vida pelo seu país tem um sentido diverso dos militares da sua companhia. Enquanto seus colegas pegam em armas ele prefere fazer torniquetes e se arriscar a recuperar os feridos em meio aos bombardeios e ao fogo cruzado do inimigo. Dirigido por Mel Gibson, Até o Ultimo Homem narra um episódio da segunda guerra mundial do qual não temos muitos testemunhos: a ação pacífica e salvadora se opondo a destruição e morte. Esta produção bem realizada usa de forma generosa o ingrediente da ação (a fotografia dos combates é um dos melhores exemplos contemporâneos de construção de imagens do gênero) sem perder o foco poético que expõe com sensibilidade a fé e a convicção de um homem comprometido com o mais básico de seus princípios religiosos: não matarás. Hollywood mais uma vez tirando das sombras personalidades emblemáticas, porém esquecidas, da história norte-americana.
Muito terror 'gore' para pouca coerência narrativa. Chucky parece se reproduzir como o Gremlins em o Cult de Chucky. Embora seja um filme muito pouco interessado em fazer sentido, esta novo episódio não consegue ser engraçado, nem envolvente e muito menos assustador com suas mortes cheias de notas grotescas. O que salva é apenas a nostalgia do que já foi e não do que se tornou.
Suspense simples feito para a tv cuja protagonista é a Meg Tilly, uma das atrizes mais prolíficas na primeira metade do anos oitenta. Simples, ingênuo, mas assistível, Reações Anormais fazia parte do cardápio da lista de filmes exibidos no supercine nas décadas de oitenta e noventa. Baseado em fatos reais e fora a boa atuação da atriz principal, Reações Anormais se vale do mistério que é construído em relação a súbita mudança comportamental dos integrantes de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos que começam a agir de forma violenta às situações mais simples do dia a dia. O tom de denúncia governamental também estará presente e se firma como uma das marcas das produções realizadas tanto para o cinema quanto para a televisão naquela década.
Filme icônico dirigido por Elia Kazan e que marcou a estréia de James Dean no cinema. Em um roteiro de profundidade dramática intensa, como é comum nas obras assinadas por Kazan, Dean interpreta com paixão e usando a técnica do Método (fórmula aperfeiçoada por Lee Strassberg no Actor's Studio a partir das lições do dramaturgo russo Constantin Stanislavsky) o personagem do jovem Cal. A energia gutural que o ator hollywoodiano emprega para dar forma aos sentimentos de Cal em sua busca pelo amor e pelo reconhecimento de seu pai são lancinantes. A fotografia tem parte fundamental não apenas como detalhe de beleza plástica do novo sistema de projeção cinemascope (uso de lentes anamórficas na gravação para reprodução em widescreen), mas ela é de exterma relevância na narrativa, informando ao espectador os momentos de serenidade, angústia e transtornos pelo qual passa o personagem de acordo com a angulação das câmeras e a incidência da luminosidade. Vidas Amargas serviria de laboratório para Juventude Transviada e logo depois Assim Caminha a Humanidade, os seus únicos três filmes feitos para a grande tela.
A morte e as consequências definitivas de sua natureza. Se o falecimento de um ente próximo pode agregar pessoas, ao mesmo tempo, ele se torna revelador dos sentimentos mais intinos e perturbadores entre aqueles que se mantém vivos. Três Irmãos revelam bem esse drama que se passa no sul da Itália. Separados quando jovens, cada um seguiu seu caminho e neste reencontro familiar as diferenças entre eles e suas memórias com o local frente a realidade de suas vidas, terão uma relevância muitas vezes maior do que a perda materna. Ótimas interpretações, inclusive do patriarca que é o único, juntamente com sua neta de 8 anos, que realmente parece se dedicar a dor da perda juntamente com as memórias do passado. Filme delicado, sensível e com uma fotografia envolvente.
Graças ao cinema feito por negros, principalmente nos Estados Unidos, personalidades de relevância saem das sombras e são levadas a conhecimento e a admiração pública. Em Estrelas Além do Tempo Theodore Melfi reconta parte da trajetória profissional de três mulheres negras que diante de toda uma conjuntura desfavorável para suas ascensões, em plena era de segregação racial do início dos anos 60, superavam as adversidades para se tornarem as primeiras e terem posições de destaque na agência nacional espacial americana. Com um roteiro linear, enxuto, coeso e envolvente o espectador é laçado pela história. A empatia se forma entre o público e as protagonistas não apenas pelas atuações inspiradoras de Janelle Monae, Octavia Spencer e Taraji P. Henson, mas também pela fórmula como o roteiro se dispôs a abranger a grandiosidade de suas três personagens e, também, através de uma edição ágil e uma montagem objetiva, eficaz em englobar as principais circunstância daquele momento sem transformar o filme em uma obra monótona e repetitiva. Neste quase cinebiografia Melfi foi extremamente feliz em demonstrar a capacidade destas pioneiras em se sobressair num meio masculino e quase exclusivo dos brancos. O público é conquistado de imediato pela fórmula em que é anexado à rotina de suas vidas particulares, seus pensamentos e suas múltiplas dificuldades diárias - internas e externas - em saber administrar os conflitos de uma sociedade excludente.
Os filmes mais difíceis de categorizar são aqueles em que os elementos de ficção e documental se fundem de tal forma que fazer uma distinção entre ambos é praticamente impossível. Com a ideia de apresentar sua cidade natal, o diretor Aleksandar Manic leva o público a conhecer o vilarejo de Shutka na Macedônia. A câmera vai atras da intimidade de seus moradores, grande parte familiares do entrevistador, e suas excentricidades que sempre correspondente ao superlativo 'maior do mundo'. Num grupo humano que vai desde de pseudo escritores, passando por travestis mal sucedidos, charlatões mediúnicos, músicos de periferia, boxeadores fracassados e da pobreza generalizada que mesmo assim insiste em ter sua participação dentro do coletivo. Manic colhe depoimentos e performances de pessoas reais interpretando elas mesmas em frente as câmeras. Durante essas interações entre o entrevistador e o entrevistado é possível perceber o desarme de criação de uma imagem, emergindo uma condição facilitadora de reações espontâneas de uma população ávida a se sobressair dentro daquele microuniverso. A afirmação de suas 'qualidades' ao cineasta é o meio possível de se individualizar, escapar da indigência e mostrar ao ocidente onde se concentra os grandes talentos. Como discordar que o centro do universo encontra-se em outro local que não em Shutka !
Curta metragem pioneiro em que se tem o primeiro cartoon a reproduzir a imagem e os movimentos de um dinossauro. Em 13 minutos de animação, o diretor Winsor McCay interage com sua cria determinando comandos ao personagem e até produzindo seu cartoon em miniatura no desenho e pegando uma carona com o animal adestrado. Alguns técnicas utilizadas no filme se tornariam padrões na animação, como o 'background' ou seja, o cenário em que o personagem animado se movimenta. Este cenário é marcado para ficar estático com as figuras que se movimentam em seu espaço dando naturalidade e consistencia visual. Charmosamente rústico.
Existe sempre uma dificuldade, ao meu ver, na apreciação de um trabalho experimental, seja na videoarte ou na vídeo instalação: o subjetivismo do que é representado. Se dentro de uma perspectiva o vídeo nos desperta uma percepção, para aquele que o criou a finalidade é outra. Quando o que ocorre na tela precisa ser explicado para se ter um conhecimento de suas intenções, a irresistível força narrativa se perde. Quando o trabalho não te perturba de alguma forma, fica ainda mais difícil agregar o valor Dentro desta linha de abordagem ao que se vê e ao que se sente, para mim, a quantidade de informações presumidas que parecem estar ali relatadas se dissipam com novas explicações de suas metáforas. Nesse conjunto insano de informações e de mutabilidade frenética das imagens, dei-me conta que ainda não cheguei nesse nível artístico conceitual para atribuir um valor de significado maior das alucinações demarcadas por Pat O'neil, embora por fim tenha entendido seus objetivos. Talvez mais por ignorância e insensibilidade minha do que por incompetência da artista.
Romance musical cuja maior atração é Rita Hayworth anos antes de se tornar conhecida pelo papel de Gilda e ser apelidada de 'a primeira dama da Columbia'. O filme tem um roteiro genérico para as fórmulas de cinema escapista de estúdio onde todas as questões dos embates entre os personagens são solucionadas ingenuamente em poucas cenas apresentando um final de conflitos apaziguados. Assitível, mas sem grande relevância estética ou narrativa.
Um dos filmes mais sensíveis e corajosos dos últimos tempos, Moonlight dispõe no mesmo pacote questões diversas de nosso cotidiano, porém ainda polêmicas, como as raciais, as de consumo e tráfico de drogas, as relativas ao bullying e aos conflitos referentes à sexualidade dentro de uma comunidade negra/hispânica marginalizada em Miami. Esse universo é passado ao espectador por Chiron, morador de um bairro pobre da periferia, cujo vida sintetiza a falta de perspectivas recorrentes nos bolsões mais pobres dos Estados Unidos. O público é cúmplice da evolução muito particular de Chiron em seus três tempos: na infância, na juventude e na maturidade. Através de uma construção imagética linear, que reflete unicamente o ponto de vista do protagonista, o diretor Barry Jenkins formata a personalidade de Chiron pelos seus medos, angustias, revolta e carências afetivas. A empatia se forma imediatamente entre nós e o protagonista. O acesso a essa intimidade nos faz cúmplices de sua busca por isolamento e reações ao cenário destrutivo em que tem que conviver . A cada episódio o amadurecer da criança resiste a perda da pureza, da inocência, e da fragilidade.
Os anos noventa foram especialmente importantes no cinema como instrumentos de valorização e de conscientização de uma infinidade de doenças. O Óleo de Lorenzo, Philadelfia, Meu Querido Companheiro, Garota Interrompida são alguns dos mais famosos. Poucos no entanto são tao sublimes quanto Tempo de Despertar. Dirigido pela norte americana Penny Marshall, esta produção opta por narrar mais a poesia e o subjetivismo dos pequenos "milagres" do que adensar na incapacidade nefasta dos efeitos catatônicos que a encefalite impôs durante décadas aos pacientes de uma clínica de doentes mentais. A fotografia ajuda na suavização deste drama emotivo, criando imagens de deleite visual com uma paleta de cores frias como o azul e o branco. As interpretações de Robert DeNiro como um dos pacientes é uma clara demonstração da capacidade do ator em se transfigurar para imergir por completo em seus papeis. Robin Williams encarna a própria afetividade humana interpretando o médico que se doa aos pacientes ao mesmo tempo que se dá conta que sua vida pessoal é tão inexistente quanto as daqueles que trata. Melhor deixar um lenço á mão..
Sangue de Heróis está na lista que celebra o ano de 1939 como aquele em que foram lançados os filmes mais emblemáticos da Era de Ouro do cinema norte americano. Rodado principalmente em locações e com uma fotografia que nos transporta para o velho western com seus índios, cavalgadas e a paisagem deslumbrante do deserto de Monument Valley in Utah. O diretor mais prolífico do gênero Western, John Ford, recrutou um time de estrelas de primeiro escalão: John Wayne, George O'brien, Shirley Temple além da lendária Mae Marsh (estrela do cinema mudo que trabalhou em filmes de D.W. Grifitth). O filme de Ford faz uma custura entre ação e romance, tendo os momentos de comédia não apenas como alívio de tensão narrativa, mas também para ilustrar as condições ásperas as quais os pioneiros daquele ponto militar isolado tinham que administrar. Outro mérito de Sangue de Heróis é o de reconhecer a nação indígena não como parte vilã na ocupação do Velho Oeste, um esteriótipo que lhes foi atribuído pelo cinema desde os primórdios, mas como residentes com direitos de se protegerem contra as invasões de suas terras e o subjugo infligido pelo homem branco.
Para realizar Young and Healthy Like a Rose, Jovan Jovanovic bebeu da mesma fonte que Glauber Rocha: Jean-Luc Goddard. O diretor francês, um dos sinônimos do cinema autoral em sua forma mais pura, é citado no próprio filme pelo protagonista. No final dos anos sessenta e durante a década de setenta, Goddard dedicou-se a filmes que fossem tão experimentais quanto exaustivamente políticos. Glauber percorreu esse mesmo caminho inspirado também pelo criador de Pierrot Le Fou e um dos fundadores da nouvelle vague. Quem assistir essa produção feita em Belgrado, antes da dissolução da Ioguslávia, verá que o discurso do diretor é idêntico aos das ideias revolucionarias de Glauber numa estética influenciada fortemente pela fase mais política de Goddard no cinema. Em Young and Healthy..., o grito de liberdade dos jovens é ecoado através de um delinquente incorrigível que não se submete as imposições. Logo no início da projeção ele já se dirige ao espectador de forma íntima (recurso que será utilizado exaustivamente) e a medida que ele vai sendo apresentado por voice over, em uma narração extra diegética, tem-se uma terceira camada ao fundo de um discurso do líder totalitarista Tito. Ao passo que Tito fala da importância da juventude na construção de uma grande Iugoslávia, o personagem Stevan vai bocejando de forma tediosa. O filme insurge uma reação jovem a politica opressiva às liberdades, comparando com ironia e sátira, a reação jovem de escárnio contra a falta de liberdade e as condições de vida no país a atuação de uma gangue criminosa e anarquista. Nada de novo no formato já que ele seguia uma cartilha já disciplinada antes por outros diretores. A ousadia é o seu grande destaque por ter sido realizado num tom extremo de críticas diretas, dentro de um pais pertencente a cortina de ferro. Resultado: Young and Healthy Like a Rose foi completamente censurado em sua época, sendo exibido apenas em 2006.
A química entre Rita Hayworth e Glenn Ford funcionou tão bem em Gilda (1946) que o par reviveu outra conflituosa nova dupla romântica no policial Uma Viúva em Trinidad (outro exemplo de título bizarro inventado pelos exibidores brasileiros). Dirigido por Vincent Sherman no período do pós-guerra, Uma Víúva em Trinidad já aglutina em seu roteiro elementos de espionagem que nos anos e décadas seguintes serão explorados ao máximo enfatizados pelas tensões provenientes da guerra fria. Tendo como pano de fundo a exótica ilha de Trinidad na América Central, esta produção da Columbia Pictures dedica a fotografia sofisticada não apenas para imergir o espectador no clima caribenho e no desenvolvimento da escalada do clímax, mas acima de tudo, para explorar todos os aspectos da imagem da atriz mais lucrativa do estúdio de Harry Conh. A beleza de Rita continua imbatível e aos 34 anos ela se mostra mais radiante do que nunca e embora o filme não apresente uma narrativa que fuja dos ditames comerciais dos filmes de estúdio, apresenta um roteiro coeso, com uma montagem enxuta e de fácil digestão.
O Massacre do Moinho
2.3 80Na escassez permanente de filmes arrebatadores do gênero terror, O Massacre do Moinho de Vento chega como um projeto no estilo 'slasher' de baixo orçamento com muitos clichês pouca lógica, porém e mesmo assim, assistível. Longe de ter um roteiro marcante com atuações magníficas, a produção se esforça em ter um cuidado maior nas construção da imagem. Essa atenção adiciona um toque de qualidade superior no que tange a fotografia que consegue trabalhar as cores quentes como o laranja e vermelho nos campos escuros e de sombras sem muita perda de detalhes. Os efeitos visuais, embora rústicos e obsoletos em algumas cenas, tenta ao máximo se homogeneizar a história. Na gana de assistir um filme de terror mais recente, você não terá muitas opções melhores do que essa.
Rua de Mão Dupla
3.7 6A capacidade de exercer uma alteridade real não é fácil. Se por no lugar do outro é uma postura, mesmo que mais solidária, sujeita a parcialidade, julgamentos e qualificações em todos os campos possíveis. Neste projeto, simples, mas de resultados sociológicos interessantes, o diretor Caio Guimarães agrega pares de desconhecidos que trocam de residência por um dia e prestam seus depoimentos e impressões sobre a possível personalidade do habitante daquele imóvel. Essa empatia sensorial-visual/olfativa mostra exatamente esta dificuldade seja ela em menor ou maior nível. Possível também estabelecer um espelhamento entre os ocupantes que percebem suas próprias dificuldades na disposição do espaço de outra pessoa, apontando como algo que lhe é estranho quando estes, inconscientemente são praticantes do mesmo hábito ou possuidores do mesmo sentimento. Um atestado que revela a multiplicidade de valores que são prismados por cada um de acordo com seus princípios, conceitos e pré-conceitos.
Outra Aurora
3.0 1Um romance clássico produzido pela Warner com dois dos grandes contratados pelo estúdio na década de trinta: a adorável Kay Francis e o galã exuberante Errol Flynn. A química entre os dois protagonistas favorece a simpatia do filme que conta com um roteiro simples e tradicionalmente novelesco. Com uma bela fotografia (rodado nos estúdio da Warner em Burbunak e em locações (em Yuma no Texas e no deserto de dunas do condado de Imperial no sul da Califórnia) Outra Aurora consegue remeter o espectador ao cenário exótico das Arábias. Filmado dentro das restrições do Código Hays, a comissão permitiu o caso extra-conjugal de Júlia com o capitão Roark uma vez que o casamento entre ela e o marido não tinha sido consumado e o final se encaminharia para um desfecho moralmente tolerável. Mais um produto padrão classe 'A' da Era de Ouro de Hollywood.
Hedwig: Rock, Amor e Traição
4.2 256Extravagância é a palavra que define a adaptação da peça teatral Hedwig para o cinema. Escrita, dirigida e protagonizada por John Cameron Mitchel esse musical de cores pulsantes refaz, através da música, a fictícia história de vida de um artista da Alemanha Ocidental que logo na infância e adolescência mostrava uma inclinação para a música, para o vanguardismo estético, assim como para uma sexualidade levada ao limite entre o masculino e feminino. Construindo as memórias por flashbacks, reflexões, nostalgias e com uma trilha musical sublinhada por performances nos palcos decadentes dos bares de cidades dos Estados Unidos (talvez 80% do filme é, excessivamente, em forma de videoclipe), o flme de Mitchel consegue embalar o espectador em seu ritmo new punk-pop-disco. Hedwig não parece se partidarizar ou se engajar em chamadas sexista, mas manda o seu recado de superação, reinvenção além de apontar a descoberta de um ícone musical movido não apenas ao talento, mas também a estratégias de marketing.
Per Le Antiche Scale
2.6 1No universo de uma instituição de internamento para pessoas com problemas mentais na Itália de Mussolini, a comunidade de médicos, enfermeiras, assistentes, administradores, religiosas e pacientes se relacionam em uma sinergia de resultados diversos. Residindo todos no mesmo complexo, situações do cotidiano se confundem com as de âmbito profissional. A interdependência entre os componentes deste agrupamento de aspecto muito particular é muitas vezes vital para a sua sobrevivência. Gerando questionamentos sobre o estado da loucura, leva o espectador a duvidar quem realmente detém o dom da sanidade. Esta produção italiana dirigida por Mauro Bolognini (roteirista de um estilo italiano mais autoral com ligações ao neorrealismo e diretor de produções como A Veneziana, A Burguesia), impõe uma reflexão do que seria, de fato, o 'ser normal' aceito em sociedade. A fotografia usa tantos planos abertos quanto fechados, praticando o zoom de aproximação para realçar a importância de um personagem na cena. Diferente do que se poderia imaginar. a paleta de cores descarta os tons escuros e o uso de sombra - que, para muitos, seria o primeiro recurso a ser disposto para retratar o manicômio na tradicional perspectiva de ambiente lúgubre e decadente - ao invés disso reitera-se as cores quentes como laranja e amarelo em ambientes claros, abertos e escapando de qualquer cenário claustrofóbico. Marcelo Mastroianni, como o médico psiquiatra, é o protagonista do filme, integrando os demais personagens numa pluralidade de debates de intensa complexidade psicológica.
Presa Humana
2.8 17Suspense policial genérico com 'serial killers' e com o roteiro interseccionando os protagonistas em duas realidades que resguardam uma semelhança comum, funcionando como elemento de profundidade psicológica,. Trata-se de um policial e uma dançarina de boate que chegam na cidade e mesmo percebendo um ambiente hostil, se propõe a tentar um recomeço. A luta por suas sobrevivências, cada um em sua dimensão, vai encorpando o caldo narrativo desta produção feita para a tv. Presa Humana consegue desenvolver uma certa tensão e criar uma imprevisibilidade durante a escalado do clímax. Nada espetacular, mas assistível como uma boa sessão da tarde.
Fahrenheit 11 de Setembro
3.9 260Um dos documentaristas mais polêmicos dos anos 2000 (Tiros em Columbine já dava uma prenúncia do que seria Fahrenheit..), Michael Moore utiliza recortes de entrevistas, imagens de arquivos e outros adereços em que, mesmo manipulando na edição e montagem o sentido desses recortes - obtendo mais um resultado de manifesto e engajamento político do que um documentário mais cristalino -, consegue revelar com plena coerência a verdade sobre a política e a capacidade do capitalismo colonialista bárbaro de se reinventar sempre que necessário. Em franca oposição a George Bush, Moore vai descascando com ironia, sarcasmo e sagacidade a trágica experiência de Bush filho como presidente dos Estados Unidos, apontando os subterfúgios e o cinismo do governo americano no periodo que seguiu o 11 de setembro. Uma experiência muitas vezes hilária para narrar um fato extremamente trágico. Imperdível.
Voodoo: A Amaldiçoada
1.5 10 Assista AgoraA falta de criatividade até para se fazer o ridículo é possível. Prova disso é Voodoo. Esse terrorzinho classe 'C' é tão toscamente roteirizado, dirigido e fotografado (forjando na marra ser 'found footage') que rir da quantidade de caretas que é feita pelo elenco, no intuito de nos assustar, é o que nos resta. Se você já andou naqueles trens fantasmas decadentes de parque de diversão vai sentir, no máximo, uma certa nostalgia. A diferença é que nos parques os efeitos visuais podem até ser melhores.
Dá-me Teu Coração
4.0 1Melodrama clássico de qualidade hollywoodiana em que Kay Francis tem sua imagem reinventada assim como ocorreu com Jean Harlow, Myrna Loy, Lupe Velez e várias estrelas da época. Quando o Código Hays (código de censura contra as produções cinematográficas americanas) foi exigido em toda a sua plenitude a partir de 1934, as carreiras de várias atrizes tiveram que ser reinventadas, caso contrário seus filmes seriam vetados a exibição. Adultério, exposição do corpo, piadas de duplo sentido eram proibidas e a Warner teve que reordenar os seus roteiros e os padrões de suas estrelas para andarem em conformidade as regras restritivas e ao mesmo tempo evitar a debandada dos seus fãs. A irreverente Kay Francis muda da água para o vinho indo de papeis como a inquieta e lasciva Teri de Ladrão Romântico (1933) para a doce e sofredora-por-merecer Belinda de Dá-me Teu Coração (1936). Enquanto a primeira aproveitava o mundo a cada instante usando os homens e as oportunidades unicamente para sua satisfação, a segunda personagem mostra uma mulher apaixonada que engravida de um aristocrata inglês já casado e que, reconhecendo sua 'culpa', aceita mudar-se para os Estados Unidos e deixar seu filho ser criado pelo pai e a madrasta. Aqui o adultério cometido pelo homem tem seus efeitos revertidos para a mulher a qual sofre ameças em relação a sua idoneidade moral e arca com as consequências de um ato que, por sua parte, seria legítimo. Muito boa interpretação de George Brent e Kay Francis revelando a falta de empoderamento feminino resultando em subserviência aos valores machistas da época.
Até o Último Homem
4.2 2,0K Assista AgoraPara o soldado Desmond T. Doss dar a vida pelo seu país tem um sentido diverso dos militares da sua companhia. Enquanto seus colegas pegam em armas ele prefere fazer torniquetes e se arriscar a recuperar os feridos em meio aos bombardeios e ao fogo cruzado do inimigo. Dirigido por Mel Gibson, Até o Ultimo Homem narra um episódio da segunda guerra mundial do qual não temos muitos testemunhos: a ação pacífica e salvadora se opondo a destruição e morte. Esta produção bem realizada usa de forma generosa o ingrediente da ação (a fotografia dos combates é um dos melhores exemplos contemporâneos de construção de imagens do gênero) sem perder o foco poético que expõe com sensibilidade a fé e a convicção de um homem comprometido com o mais básico de seus princípios religiosos: não matarás. Hollywood mais uma vez tirando das sombras personalidades emblemáticas, porém esquecidas, da história norte-americana.
O Culto de Chucky
2.3 611 Assista AgoraMuito terror 'gore' para pouca coerência narrativa. Chucky parece se reproduzir como o Gremlins em o Cult de Chucky. Embora seja um filme muito pouco interessado em fazer sentido, esta novo episódio não consegue ser engraçado, nem envolvente e muito menos assustador com suas mortes cheias de notas grotescas. O que salva é apenas a nostalgia do que já foi e não do que se tornou.
Vítimas do Desconhecido
3.1 27Suspense simples feito para a tv cuja protagonista é a Meg Tilly, uma das atrizes mais prolíficas na primeira metade do anos oitenta. Simples, ingênuo, mas assistível, Reações Anormais fazia parte do cardápio da lista de filmes exibidos no supercine nas décadas de oitenta e noventa. Baseado em fatos reais e fora a boa atuação da atriz principal, Reações Anormais se vale do mistério que é construído em relação a súbita mudança comportamental dos integrantes de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos que começam a agir de forma violenta às situações mais simples do dia a dia. O tom de denúncia governamental também estará presente e se firma como uma das marcas das produções realizadas tanto para o cinema quanto para a televisão naquela década.
Vidas Amargas
4.2 177 Assista AgoraFilme icônico dirigido por Elia Kazan e que marcou a estréia de James Dean no cinema. Em um roteiro de profundidade dramática intensa, como é comum nas obras assinadas por Kazan, Dean interpreta com paixão e usando a técnica do Método (fórmula aperfeiçoada por Lee Strassberg no Actor's Studio a partir das lições do dramaturgo russo Constantin Stanislavsky) o personagem do jovem Cal. A energia gutural que o ator hollywoodiano emprega para dar forma aos sentimentos de Cal em sua busca pelo amor e pelo reconhecimento de seu pai são lancinantes. A fotografia tem parte fundamental não apenas como detalhe de beleza plástica do novo sistema de projeção cinemascope (uso de lentes anamórficas na gravação para reprodução em widescreen), mas ela é de exterma relevância na narrativa, informando ao espectador os momentos de serenidade, angústia e transtornos pelo qual passa o personagem de acordo com a angulação das câmeras e a incidência da luminosidade. Vidas Amargas serviria de laboratório para Juventude Transviada e logo depois Assim Caminha a Humanidade, os seus únicos três filmes feitos para a grande tela.
Três Irmãos
3.2 9A morte e as consequências definitivas de sua natureza. Se o falecimento de um ente próximo pode agregar pessoas, ao mesmo tempo, ele se torna revelador dos sentimentos mais intinos e perturbadores entre aqueles que se mantém vivos. Três Irmãos revelam bem esse drama que se passa no sul da Itália. Separados quando jovens, cada um seguiu seu caminho e neste reencontro familiar as diferenças entre eles e suas memórias com o local frente a realidade de suas vidas, terão uma relevância muitas vezes maior do que a perda materna. Ótimas interpretações, inclusive do patriarca que é o único, juntamente com sua neta de 8 anos, que realmente parece se dedicar a dor da perda juntamente com as memórias do passado. Filme delicado, sensível e com uma fotografia envolvente.
Estrelas Além do Tempo
4.3 1,5K Assista AgoraGraças ao cinema feito por negros, principalmente nos Estados Unidos, personalidades de relevância saem das sombras e são levadas a conhecimento e a admiração pública. Em Estrelas Além do Tempo Theodore Melfi reconta parte da trajetória profissional de três mulheres negras que diante de toda uma conjuntura desfavorável para suas ascensões, em plena era de segregação racial do início dos anos 60, superavam as adversidades para se tornarem as primeiras e terem posições de destaque na agência nacional espacial americana. Com um roteiro linear, enxuto, coeso e envolvente o espectador é laçado pela história. A empatia se forma entre o público e as protagonistas não apenas pelas atuações inspiradoras de Janelle Monae, Octavia Spencer e Taraji P. Henson, mas também pela fórmula como o roteiro se dispôs a abranger a grandiosidade de suas três personagens e, também, através de uma edição ágil e uma montagem objetiva, eficaz em englobar as principais circunstância daquele momento sem transformar o filme em uma obra monótona e repetitiva. Neste quase cinebiografia Melfi foi extremamente feliz em demonstrar a capacidade destas pioneiras em se sobressair num meio masculino e quase exclusivo dos brancos. O público é conquistado de imediato pela fórmula em que é anexado à rotina de suas vidas particulares, seus pensamentos e suas múltiplas dificuldades diárias - internas e externas - em saber administrar os conflitos de uma sociedade excludente.
O Livro dos Recordes de Shutka
4.2 2Os filmes mais difíceis de categorizar são aqueles em que os elementos de ficção e documental se fundem de tal forma que fazer uma distinção entre ambos é praticamente impossível. Com a ideia de apresentar sua cidade natal, o diretor Aleksandar Manic leva o público a conhecer o vilarejo de Shutka na Macedônia. A câmera vai atras da intimidade de seus moradores, grande parte familiares do entrevistador, e suas excentricidades que sempre correspondente ao superlativo 'maior do mundo'. Num grupo humano que vai desde de pseudo escritores, passando por travestis mal sucedidos, charlatões mediúnicos, músicos de periferia, boxeadores fracassados e da pobreza generalizada que mesmo assim insiste em ter sua participação dentro do coletivo. Manic colhe depoimentos e performances de pessoas reais interpretando elas mesmas em frente as câmeras. Durante essas interações entre o entrevistador e o entrevistado é possível perceber o desarme de criação de uma imagem, emergindo uma condição facilitadora de reações espontâneas de uma população ávida a se sobressair dentro daquele microuniverso. A afirmação de suas 'qualidades' ao cineasta é o meio possível de se individualizar, escapar da indigência e mostrar ao ocidente onde se concentra os grandes talentos. Como discordar que o centro do universo encontra-se em outro local que não em Shutka !
Gertie the Dinosaur
4.1 18Curta metragem pioneiro em que se tem o primeiro cartoon a reproduzir a imagem e os movimentos de um dinossauro. Em 13 minutos de animação, o diretor Winsor McCay interage com sua cria determinando comandos ao personagem e até produzindo seu cartoon em miniatura no desenho e pegando uma carona com o animal adestrado. Alguns técnicas utilizadas no filme se tornariam padrões na animação, como o 'background' ou seja, o cenário em que o personagem animado se movimenta. Este cenário é marcado para ficar estático com as figuras que se movimentam em seu espaço dando naturalidade e consistencia visual. Charmosamente rústico.
Água e Poder
4.4 1Existe sempre uma dificuldade, ao meu ver, na apreciação de um trabalho experimental, seja na videoarte ou na vídeo instalação: o subjetivismo do que é representado. Se dentro de uma perspectiva o vídeo nos desperta uma percepção, para aquele que o criou a finalidade é outra. Quando o que ocorre na tela precisa ser explicado para se ter um conhecimento de suas intenções, a irresistível força narrativa se perde. Quando o trabalho não te perturba de alguma forma, fica ainda mais difícil agregar o valor Dentro desta linha de abordagem ao que se vê e ao que se sente, para mim, a quantidade de informações presumidas que parecem estar ali relatadas se dissipam com novas explicações de suas metáforas. Nesse conjunto insano de informações e de mutabilidade frenética das imagens, dei-me conta que ainda não cheguei nesse nível artístico conceitual para atribuir um valor de significado maior das alucinações demarcadas por Pat O'neil, embora por fim tenha entendido seus objetivos. Talvez mais por ignorância e insensibilidade minha do que por incompetência da artista.
Melodias do Meu Coração
3.6 4Romance musical cuja maior atração é Rita Hayworth anos antes de se tornar conhecida pelo papel de Gilda e ser apelidada de 'a primeira dama da Columbia'. O filme tem um roteiro genérico para as fórmulas de cinema escapista de estúdio onde todas as questões dos embates entre os personagens são solucionadas ingenuamente em poucas cenas apresentando um final de conflitos apaziguados. Assitível, mas sem grande relevância estética ou narrativa.
Moonlight: Sob a Luz do Luar
4.1 2,4K Assista AgoraUm dos filmes mais sensíveis e corajosos dos últimos tempos, Moonlight dispõe no mesmo pacote questões diversas de nosso cotidiano, porém ainda polêmicas, como as raciais, as de consumo e tráfico de drogas, as relativas ao bullying e aos conflitos referentes à sexualidade dentro de uma comunidade negra/hispânica marginalizada em Miami. Esse universo é passado ao espectador por Chiron, morador de um bairro pobre da periferia, cujo vida sintetiza a falta de perspectivas recorrentes nos bolsões mais pobres dos Estados Unidos. O público é cúmplice da evolução muito particular de Chiron em seus três tempos: na infância, na juventude e na maturidade. Através de uma construção imagética linear, que reflete unicamente o ponto de vista do protagonista, o diretor Barry Jenkins formata a personalidade de Chiron pelos seus medos, angustias, revolta e carências afetivas. A empatia se forma imediatamente entre nós e o protagonista. O acesso a essa intimidade nos faz cúmplices de sua busca por isolamento e reações ao cenário destrutivo em que tem que conviver . A cada episódio o amadurecer da criança resiste a perda da pureza, da inocência, e da fragilidade.
Tempo de Despertar
4.3 647 Assista AgoraOs anos noventa foram especialmente importantes no cinema como instrumentos de valorização e de conscientização de uma infinidade de doenças. O Óleo de Lorenzo, Philadelfia, Meu Querido Companheiro, Garota Interrompida são alguns dos mais famosos. Poucos no entanto são tao sublimes quanto Tempo de Despertar. Dirigido pela norte americana Penny Marshall, esta produção opta por narrar mais a poesia e o subjetivismo dos pequenos "milagres" do que adensar na incapacidade nefasta dos efeitos catatônicos que a encefalite impôs durante décadas aos pacientes de uma clínica de doentes mentais. A fotografia ajuda na suavização deste drama emotivo, criando imagens de deleite visual com uma paleta de cores frias como o azul e o branco. As interpretações de Robert DeNiro como um dos pacientes é uma clara demonstração da capacidade do ator em se transfigurar para imergir por completo em seus papeis. Robin Williams encarna a própria afetividade humana interpretando o médico que se doa aos pacientes ao mesmo tempo que se dá conta que sua vida pessoal é tão inexistente quanto as daqueles que trata. Melhor deixar um lenço á mão..
Sangue de Heróis
3.9 35 Assista AgoraSangue de Heróis está na lista que celebra o ano de 1939 como aquele em que foram lançados os filmes mais emblemáticos da Era de Ouro do cinema norte americano. Rodado principalmente em locações e com uma fotografia que nos transporta para o velho western com seus índios, cavalgadas e a paisagem deslumbrante do deserto de Monument Valley in Utah. O diretor mais prolífico do gênero Western, John Ford, recrutou um time de estrelas de primeiro escalão: John Wayne, George O'brien, Shirley Temple além da lendária Mae Marsh (estrela do cinema mudo que trabalhou em filmes de D.W. Grifitth). O filme de Ford faz uma custura entre ação e romance, tendo os momentos de comédia não apenas como alívio de tensão narrativa, mas também para ilustrar as condições ásperas as quais os pioneiros daquele ponto militar isolado tinham que administrar. Outro mérito de Sangue de Heróis é o de reconhecer a nação indígena não como parte vilã na ocupação do Velho Oeste, um esteriótipo que lhes foi atribuído pelo cinema desde os primórdios, mas como residentes com direitos de se protegerem contra as invasões de suas terras e o subjugo infligido pelo homem branco.
Young and Healthy Like a Rose
3.8 2Para realizar Young and Healthy Like a Rose, Jovan Jovanovic bebeu da mesma fonte que Glauber Rocha: Jean-Luc Goddard. O diretor francês, um dos sinônimos do cinema autoral em sua forma mais pura, é citado no próprio filme pelo protagonista. No final dos anos sessenta e durante a década de setenta, Goddard dedicou-se a filmes que fossem tão experimentais quanto exaustivamente políticos. Glauber percorreu esse mesmo caminho inspirado também pelo criador de Pierrot Le Fou e um dos fundadores da nouvelle vague. Quem assistir essa produção feita em Belgrado, antes da dissolução da Ioguslávia, verá que o discurso do diretor é idêntico aos das ideias revolucionarias de Glauber numa estética influenciada fortemente pela fase mais política de Goddard no cinema. Em Young and Healthy..., o grito de liberdade dos jovens é ecoado através de um delinquente incorrigível que não se submete as imposições. Logo no início da projeção ele já se dirige ao espectador de forma íntima (recurso que será utilizado exaustivamente) e a medida que ele vai sendo apresentado por voice over, em uma narração extra diegética, tem-se uma terceira camada ao fundo de um discurso do líder totalitarista Tito. Ao passo que Tito fala da importância da juventude na construção de uma grande Iugoslávia, o personagem Stevan vai bocejando de forma tediosa. O filme insurge uma reação jovem a politica opressiva às liberdades, comparando com ironia e sátira, a reação jovem de escárnio contra a falta de liberdade e as condições de vida no país a atuação de uma gangue criminosa e anarquista. Nada de novo no formato já que ele seguia uma cartilha já disciplinada antes por outros diretores. A ousadia é o seu grande destaque por ter sido realizado num tom extremo de críticas diretas, dentro de um pais pertencente a cortina de ferro. Resultado: Young and Healthy Like a Rose foi completamente censurado em sua época, sendo exibido apenas em 2006.
Uma Viúva em Trinidad
3.7 11 Assista AgoraA química entre Rita Hayworth e Glenn Ford funcionou tão bem em Gilda (1946) que o par reviveu outra conflituosa nova dupla romântica no policial Uma Viúva em Trinidad (outro exemplo de título bizarro inventado pelos exibidores brasileiros). Dirigido por Vincent Sherman no período do pós-guerra, Uma Víúva em Trinidad já aglutina em seu roteiro elementos de espionagem que nos anos e décadas seguintes serão explorados ao máximo enfatizados pelas tensões provenientes da guerra fria. Tendo como pano de fundo a exótica ilha de Trinidad na América Central, esta produção da Columbia Pictures dedica a fotografia sofisticada não apenas para imergir o espectador no clima caribenho e no desenvolvimento da escalada do clímax, mas acima de tudo, para explorar todos os aspectos da imagem da atriz mais lucrativa do estúdio de Harry Conh. A beleza de Rita continua imbatível e aos 34 anos ela se mostra mais radiante do que nunca e embora o filme não apresente uma narrativa que fuja dos ditames comerciais dos filmes de estúdio, apresenta um roteiro coeso, com uma montagem enxuta e de fácil digestão.