Ao assistir "Tras el Cristal" não pude deixar de lembrar de "O porteiro da noite" da controversa diretora Liliana Cavani, como também do "mais palatável" "O aprendiz" de Bryan Singer. As vítimas transformando-se em carrascos dos carrascos remete à contraditória natureza humana permanentemente entre a luz e as trevas, e não raro simultaneamente. Sendo assim, o filme de Agustí Villaronga tinha elementos para ser um daqueles que instala em nós uma angústia e decepção por fazermos parte da mais cruel espécie de primatas.
De fato, há um contexto claustrofóbico reinante, cinismo, máscaras, sexualidade perversa, impiedade, violência. E o incômodo por vermos fotos reais de crianças desafortunadas à merçê de um demônio chamado nazismo. Tudo isso renderia um "ótimo filme indigesto" como Pasolini soube fazer tão bem em "Salò". Contudo, os embates entre o médico torturador nazista Klaus e seu "cuidador" Angelo (numa interpretação que achei exagerada e até meio caricatural), apesar de produzirem o choque realista, também rumam na direção de um terror mais convencional, mais comercial e que, pelo menos pra mim, anulou parte de sua vocação grotesca que o alçaria a um patamar melhor. Bem, mesmo assim esta obra merece ser vista pois a dor nunca deixará de existir e o coração nazifascista sempre encontra muitos peitos onde pode se alojar.
Nesta versão live action de "A bela e a fera", a partir do sucesso (merecido) da animação de 1991, há um elenco composto de atores brancos e negros, com destaque para ambos. Esta foi uma ótima iniciativa. Uma história de fantasia pode tomar certas liberdades históricas. E que os racistas alucinados continuem com seus ridículos chiliques... Além disso, o filme ainda mostra sem disfarces um personagem homossexual, algo latente nas produções mais antigas. Um filme infantil que não teve medo de abordar temas ainda tabus. Ponto positivo.
Para não ser apenas uma cópia "de carne e osso" da bem sucedida animação, esta "A bela e a fera" tem muitos minutos a mais, "explica" a história com mais detalhes (como a origem da Fera) e altera a personalidade de personagens (o Maurice de kevin Kline é bem diferente do antigo personagem, um velho bonzinho e trapalhão). E o filme ainda traz novas canções. Porém, apesar dos méritos desta obra de 2017, ainda prefiro a animação. Há coisas, inclusive atitudes humanas, que ficam tão marcantes na magia de um desenho animado, que perdem algo de sua força numa versão, digamos, "mais realista". E também achei que o personagem da Fera não fez jus à sua versão não humana. O que sei é que não consegui ter nesta versão o envolvimento pessoal que tive no outro filme. Pode ser um problema meu, eu sei, mas eu só posso falar por mim.
Um filme que não deixa de ser interessante, que encanta os olhos, que certamente agradará a muita gente, mas que me fez sentir muita saudade de seu antecessor.
Metáforas a parte, com muito custo é que consegui assistir o filme até o final. Achei a maioria das interpretações postiças e poucas falas interessantes. Pensei que ia gostar bem mais.
Uma premissa no mínimo bizarra: permitir um dia de carnificina sem freios para diminuir a violência o resto do ano. Como se a agressividade humana fosse um cão treinado para atacar somente quando o dono manda (e, nesse caso, o "dono" são as autoridades governamentais). É até risível. Mas poderia até render um bom drama de crítica social e política que não se acovardasse em mergulhar nas feridas mal cicatrizadas. Contudo, "Uma noite de crime", a certa altura, opta por descambar para o suspense, perseguições e assassinatos, como já se viu em montanhas de filmes de entretenimento.sangrento. No final das contas, há uma "mensagem" infelizmente diluída pela trama, e o filme funciona mais como entretenimento.
Ainda hoje o filme é interessante e causa certa tensão, basta embarcarmos na fantasia e apreciarmos quem já foi um grande expoente dos filmes de terror: Christopher Lee, o saudoso e eterno Drácula.
Christopher Walken, que tem o perfil ideal para personagens sem coração, desta vez está no papel de "bom rapaz com poderes paranormais" em um filme que, pra mim, não envelheceu muito bem. Não achei as atuações convincentes. Porém não deixa de ter seus bons momentos (como quando o protagonista segura um jornalista e o ameaça com uma "revelação") e consegue prender a atenção.
É um drama antigo um tanto inusitado pois os "vilões" não são exatamente perversos. Como geralmente acontece em histórias assim, ficamos interessados em ver como será o desfecho. Porém fiquei achando que a trama merecia um clímax melhor.
Neste filme do Yorgos "Dente canino" Lanthimos temos uma luta pela sobrevivência (privilegiada ?) carregada de veneno despejado pelos belos lábios de Rachel Weisz e Emma Stone. É a Inglaterra no início do século 18 durante o governo da rainha Anne. "A favorita" é um filme de intrigas palacianas e briga encarniçada de duas mulheres pelos favores de uma rainha desmiolada, em meio a muito luxo nas dependências e jardins do palácio. Visualmente é um filme que enche os olhos, tanto pelos cenários e figurinos quanto pela beleza das duas adversárias. Quanto à trama, tem lá seus bons momentos no embate entre as duas mulheres e seu relacionamento com a rainha, mas como um todo achei que se estendeu muito, com passagens desnecessárias. Além disso, os arranca-rabos entre Rachel Weisz e Emma Stone, apesar de divertirem pelo cinismo, me pareceram pouco naturais.
Porém se há um bom motivo para assistir a esse filme, esse motivo se chama Olivia Colman, interpretando uma rainha infantilizada, manipulável, egocêntrica, ridícula, sofredora (muito) e por vezes cruel. A atriz compôs minuciosamente sua personagem de modo que desperta qualquer sentimento no espectador, do ódio à piedade. E um grande momento de uma atriz sempre vale ser visto.
Terror oriental sempre me causa uma sensação de estranheza, é compreensível. Este "Sede de sangue" traz uma boa ideia, alguns momentos realmente angustiantes e um final que me agradou. Apenas acho que não precisaria se alongar tanto, principalmente na construção da trama.
"Grito de horror" nos apresenta uma cena no mínimo curiosa de lobisomens fazendo sexo.
E uma transformação de um homem em uma criatura de feições bem demoníacas, com direito a rosto que parece que vai explodir. Lançado praticamente na mesma época do igualmente famoso "Um lobisomem americano em Londres", este "Grito de horror" tenta desenvolver uma trama mais complexa que inicia parecendo um filme policial de serial killer e descamba para uma aventura sangrenta num litoral afastado. E aí toma corre-corre, gritos pra justificar o título e "surpresas" diversas. Eu, particularmente, preferia um roteiro mais simples, questão de gosto. Há passagens pouco convincentes, mesmo para um filme de terror. E o elenco... bem, não achei uma boa escolha. Mas não se pode negar que o filme tem vários momentos que causam tensão e medo, além de apresentar uma criatura que ninguém em sã consciência gostaria que realmente existisse. Continuo preferindo "Um lobisomem americano em Londres" pois, além de assustar, mescla muito bem terror e humor, mas "Grito de horror" é um obra que, apesar dos defeitos, marcou época e contribuiu bastante para o gênero.
Hunter e seu "casamento perfeito"? Está mais pra uma perfeita despersonalização, isso sim. Ela tinha o "dever" de se sentir agradecida por ser elevada ao status de esposa de um ricaço com sensibilidade de lesma, ser uma peça meramente decorativa em uma família arrogante, dominadora e caricatural (aliás, achei esses personagens caricatos um dos pontos baixos do filme). E então... dá-lhe compulsão alimentar, porém os "alimentos sem nutrientes" vão se tornando mais e mais perigosos. É a alotriofagia, um distúrbio que acomete muita gente por aí.
E a Hunter vai transitando entre parentes de alma gelada e profissionais incompetentes. E a certa altura o filme se apressa em nos fornecer "explicações" que, mesmo que façam sentido (a metáfora não deixa de ser boa), me pareceram forçadas.
Mas é ótimo saber que pelo menos um filme (desconheço se existem outros em que esse distúrbio seja o tema central) aborda um assunto que pode levar à trágicas consequências. E que, de uma forma ou de outra, faz parte de nossa vida (basta observar uma criança interagindo com seus brinquedos).
Século XVIII ? Sim, mas também não. As falas, discussões e atitudes das personagens deslocam-se no tempo e não seria difícil imaginá-las na nossa atualidade. "Retrato de uma Jovem em Chamas", filme francês ignorado pelo Oscar, trata das aproximações e recuos amorosos/carnais de duas garotas: a pintora Marianne (Noémie Merlant) e a representante de uma nobreza decadente Héloïse (Adèle Haenel), prometida a um casamento convencional. E há uma certa previsibilidade no decorrer da narrativa, as duas jovens vão de uma frieza rude à intelectualização de sentimentos até uma "entrega sem freios", isso tudo num passo a passo visivelmente arquitetado pelo roteiro e direção. Nem sempre é fácil sustentar o desenvolvimento de uma história como esta (sem reviravoltas ou grande clímax) por duas horas, daí o filme também mostrou (ainda bem) uma personagem pequenina, interessantíssima, carismática e que merecia um filme só para si: trata-se da criada Sophie (Luàna Bajrami), de uma simplicidade enigmática e responsável por uma das cenas mais "docemente bizarras" que já vi:
a prática de um aborto enquanto é acariciada por um bebê. E isso não deixa de ser uma simbolização do romance abortado das duas protagonistas, com seu fruto (o "bebê-pintura"). Outro momento que achei especial foi o cântico das mulheres em volta da fogueira com tons de surrealismo.
A diretora Céline Sciamma também nos trouxe um filme de visual belíssimo, de cores e imagens que funcionam como quadros, um espetáculo a parte. E a presença da atriz Valeria Golino, como a mãe de Héloïse, traz uma força inesperada nos momentos em que participa do enredo.
E a discussão sobre a ótima ideia "a escolha do amante e a escolha do poeta" é um dos pontos altos de um filme que, se não vi como sensacional, acompanhei com interesse crescente.
Além das aparências talvez vejamos o inacreditável. Um ótimo drama com personagens que vão se revelando mais complexos - e surpreendentes - do que pareciam ser. Achei que o elenco estava muito bem. Só me incomodou a duração do filme, não vi como necessária tanta preparação para os principais acontecimentos. Mas, pelo menos, o final foi de deixar sem palavras.
E o diretor de "A Bruxa" nos dá outro filme que foge dos manuais de terror barato e mergulha no que é mais destrutivo: o próprio homem às voltas com outro da mesma espécie (é uma condenação: "não queremos viver sós mas não conseguimos viver a dois"). "O Farol" é filme pra ir descobrindo novas nuances a cada vez que se assiste. Dois homens forçados a conviverem durante um tempo, convívio este que já não inicia bem e vai degringolando, cercado por um inferno d'água. E é claro que a intimidade traz o mal estar, a agressividade, a demência, o desespero, as lembranças do que foi ou do que poderia ter sido. Uma espécie de casamento com alguém que não escolhemos (se bem que o inferno pode acontecer até no convívio baseado em escolha).
Willem Dafoe (com uma cara que me lembrou filmes de lobisomem) é ator de qualidade inquestionável e entrega uma performance intensa, visceral, excelente. E Robert Pattinson (assim como um dia fez Leonardo di Caprio) provou que tem talento suficiente pra não ficar limitado a galãzinho das pré-adolescentes, deixando uma interpretação verossímil que não ficou a dever a Dafoe. Uma dupla muito bem entrosada.
Com bela fotografia em preto e branco, de ritmo lento (à semelhança da vida dos protagonistas), produzindo uma sensação de tragédia anunciada, "O Farol" é filme pra quem quer mais do que sustos e monstros computadorizados.
À primeira vista este filme parece uma história de mistério envolvendo um suicídio e o choque entre um professor e sua turma de alunos intelectualmente privilegiados (e bastante arrogantes). Porém vamos vendo que "O professor substituto" atira suas flechas em outros alvos.
E temos um retrato da paranoia (até certo ponto justificada) em relação a atentados terroristas e à destruição que o ser humano vem causando no planeta, tudo isso na visão de adolescentes que enxergam com mais acuidade do que a maioria e desejam fazer algo.
Gostei da atuação de Laurent Lafitte como o professor confuso diante de uma turma que parece estar sempre um passo adiante dele. E, sinceramente, não consegui ter empatia pelo grupo de jovens, mesmo após ter entendido melhor suas motivações. Achei "O professor substituto" um filme que mantém a atenção mas nada de extraordinário.
E o detetive Takabe, inicialmente polido e civilizado, acaba perdendo as estribeiras diante de um "desafio gélido". "Kyua" começa como aqueles filmes de investigação sobre um assassino muito esperto porém, pouco a pouco, vai mostrando que "nessa mata tem mais coelhos". Bem, aí a trama incorpora outra atmosfera, há quem goste e quem não goste. Eu gostei do roteiro, embora não vi nenhuma necessidade de o filme se arrastar tanto em sua reta final
Acho que nunca assisti a um filme com uma personagem feminina tão tresloucada, tão desesperada como essa Wloszka. A atriz Iwona Petry deve ter tido um desgaste físico e emocional gigantesco, uma vez que ela "mergulha" na personagem sem rédeas nem pudores, extraindo uma daquelas performances em que a própria vida parece que está se rasgando.
"Szamanka" exibe sua protagonista como um vendaval que jamais se acalma e que arrasta tudo o que está ao seu redor. Não há concessões, para nossa personagem a fogueira tem que estar sempre acesa, mesmo quando carboniza a si própria. Guardadas as devidas proporções, lembrou-me "Quem tem medo de Virginia Woolf ?", outro filme que faz o espectador ter a sensação de que participou de uma maratona. Aliás, a loucura e a mesquinharia são a tônica: no amante (que respeita mais seu xamã do que suas mulheres) e na mãe da nossa "heroína", nos estudantes, nos transeuntes (rsrs)... É um verdadeiro trem desgovernado.
Gostei da situação que o filme nos mostrou. Zulawski apresentou uma Polônia como um fio descascado, personagens desembestados. Entretanto era mesmo necessário gastar mais de 100 minutos para exibir esse retrato ? Penso que funcionaria melhor com menos tempo.
"A bela e a fera", "O corcunda de Notre Dame", "Edward mãos de tesoura", "O homem elefante", só pra citar alguns filmes que "A forma da água" me fez lembrar. A clássica história da rejeição social e agressão a um ser de coração puro apenas porque sua aparência não é "normal" já foi contada centenas de vezes. Mas nunca é o bastante já que o fantasma da estúpida intransigência sempre nos assombra e escolhe seus alvos entre aqueles que tem menos condições de se defender (exemplos são até desnecessários). E aqui temos esse argumento em plena Guerra Fria, com seus personagens em parte realistas em parte caricaturais.
"A forma da água" enche nossos olhos com suas imagens que vão da pura fantasia à ácida realidade e retorna ao sonho. Dá vontade de não perder nenhum detalhe. Quanto à história fiquei meio dividido. Tá certo que ela cumpre o seu papel de expor a patética violência de quem se agarra a um poder mundano pra acreditar que sua vida tem alguma importância (o vilão da história, que só faltou portar um tridente, representou isso). E a atriz Sally Hawkins, ótima com sua Elisa, é uma presença luminosa no filme. Mas achei que o roteiro ficou muito mirabolante ao mergulhar no jogo sujo da disputa EUA x URSS pela vanguarda das descobertas científicas. E também a densidade emocional entre o casal central, em algumas ocasiões, tropeçava na indução ao sentimentalismo. Bem, foi essa a leitura que fiz: um filme que transita entre o mediano e o especial.
Humor negro, humor pastelão, drama, suspense... "Parasita", o grande vencedor do Oscar 2020 tem de tudo. E o melhor é que tudo é exposto em um roteiro muito bem amarrado, criativo e até certo ponto surpreendente. Possui uma aura de fábula mas é de um realismo angustiante, invocando a eterna luta de classes sociais e o desespero pela ascensão social naqueles mais desprivilegiados. Um filme sul-coreano que, por macabra ironia, atinge em cheio as vísceras da nossa amada terra tupiniquim.
É a história de duas famílias: uma pobre (os Kim) que não hesita em mentir e passar por cima dos outros (inclusive de outros desfavorecidos) para compartilhar da "felicidade" de uma família abastada (os Park), e esta, apesar da aparente camaradagem e ingenuidade, na verdade não se esforça para entender a dor de quem não tem quase nada. E aí vão surgindo entrelaçamentos, ora amigáveis ora traiçoeiros, até a grande cena apoteótica.
Um filme que me deixou quase tão impressionado quanto o extraordinário "Dente canino" (de Yorgos Lanthimos). Só espero que Bong Joon-ho, o diretor desta pérola cinematográfica, continue cada vez mais inspirado e inspirador.
Sofia Coppola resolveu filmar sua própria versão do romance que já tinha sido adaptado para o cinema em 1971. Só que, ao contrário do filme mais antigo, esta história parte da visão e sensibilidade de um universo feminino submetido à repressão sexual (entre outras repressões). Uma professora e um pequeno grupo de alunas em uma escola-internato perdida no meio de um bosque durante a guerra civil americana precisam lidar com o fato de ter um soldado ferido (e das tropas inimigas) que necessita de sua ajuda. Colin Farrell é o tal cabo, catalisador dos desejos da mulherada, a princípio parecendo ser um personagem simples e bem definido, mas... o ser humano nunca foi isso. Nicole Kidman é Martha, autoridade máxima do internato, a fêmea em chamas com camisa de força repressora, ao meu ver até um tanto caricatural (mas isso não é culpa da Nicole). Entre outras, o elenco feminino também conta com Kirsten Dunst e sua Edwina, sedenta de amor e desejo. E eu lamentei a Kirsten não ter aparecido mais.
Escuridão, penumbra, luz de velas, um pouco de luz solar, mais escuridão. Com sua bela fotografia, "O estranho que nós amamos" recria uma época de muitas dificuldades em que a noite era, sim, grande inimiga. O filme, até próximo de seu desfecho, desliza sem pressa como uma serpente preguiçosa, até que... bem, é claro que um ambiente com mulheres isoladas do mundo, condicionadas a passarem o dia trabalhando, orando e estudando, alteraria sua dinâmica na presença de um homem que atiça a sexualidade das garotas. E é aí que entram o modo de agir masculino e feminino, até certo ponto clichê porém que não é exatamente falso.
Achei que o filme, em seus momentos mais decisivos, apressa-se comprometendo uma construção mais elaborada do desfecho. Parece que tudo se simplifica rápido demais. Mas no geral passa sua mensagem, é só o espectador ter paciência que verá. Gostei de ter assistido, embora ainda prefira a versão com o Clint Eastwood.
Do egoísmo à generosidade. Da preguiça ao esforço para produzir felicidade. E o Klaus do título é realmente aquele Klaus que hoje em dia é despersonalizado pra consumo imediato. A animação tem uma história simples e por isso mesmo é boa. Não vemos um grande vilão que entre para a história das animações, como também o humor do filme poucas vezes arranca grandes gargalhadas. É pela ternura na construção de um mito que "Klaus" nos aprisiona.
E a briga dos clãs representa muito bem a vaidade infantiloide dos babacas extremistas, de qualquer época ou lugar.
A imagem de uma cirurgia em close-up já vai nos adiantando que assistiremos a um filme não convencional. Dito e feito. Yorgos Lanthimos, o diretor do excelente "Dente Canino", vai nos introduzindo na "dinâmica" de uma família que a princípio parece normal (se é que existem famílias normais), porém seus membros falam uns com os outros como se não tivessem alma. Há cuidados, responsabilidades, aparentemente um cotidiano banal, mas perpassa uma secura, uma frieza e tristeza (nas pessoas e na própria casa) que sugere qualquer coisa menos vida.
E o filme logo nos apresenta a Steven (Colin Farrell), o patriarca, que mantém uma ligação esquisita (que aos poucos vai se mostrando simbiótica) com um adolescente que passou por uma tragédia. E, daí por diante, a história toma seu próprio rumo negando tantas outras tramas que falam de superação de desgraças através do amor e da família. Que nada! O que há é cada vez mais estranheza e crueldade, com mergulhos no surrealismo e uma aura de solenidade religiosa. E, quando o filme termina, dá aquela sensação de "vou precisar rever pra poder entender melhor". E a personagem que, para mim, tornou-se mais intrigante foi a da Nicole Kidman.
"O Sacrifício do Cervo Sagrado" é um desses filmes que não agradará a muita gente. A mim agradou um bocado mesmo sem a magnitude de um "Dente Canino".
Prisão de Cristal
3.4 40Ao assistir "Tras el Cristal" não pude deixar de lembrar de "O porteiro da noite" da controversa diretora Liliana Cavani, como também do "mais palatável" "O aprendiz" de Bryan Singer. As vítimas transformando-se em carrascos dos carrascos remete à contraditória natureza humana permanentemente entre a luz e as trevas, e não raro simultaneamente. Sendo assim, o filme de Agustí Villaronga tinha elementos para ser um daqueles que instala em nós uma angústia e decepção por fazermos parte da mais cruel espécie de primatas.
De fato, há um contexto claustrofóbico reinante, cinismo, máscaras, sexualidade perversa, impiedade, violência. E o incômodo por vermos fotos reais de crianças desafortunadas à merçê de um demônio chamado nazismo. Tudo isso renderia um "ótimo filme indigesto" como Pasolini soube fazer tão bem em "Salò". Contudo, os embates entre o médico torturador nazista Klaus e seu "cuidador" Angelo (numa interpretação que achei exagerada e até meio caricatural), apesar de produzirem o choque realista, também rumam na direção de um terror mais convencional, mais comercial e que, pelo menos pra mim, anulou parte de sua vocação grotesca que o alçaria a um patamar melhor. Bem, mesmo assim esta obra merece ser vista pois a dor nunca deixará de existir e o coração nazifascista sempre encontra muitos peitos onde pode se alojar.
A Bela e a Fera
3.9 1,6K Assista AgoraNesta versão live action de "A bela e a fera", a partir do sucesso (merecido) da animação de 1991, há um elenco composto de atores brancos e negros, com destaque para ambos. Esta foi uma ótima iniciativa. Uma história de fantasia pode tomar certas liberdades históricas. E que os racistas alucinados continuem com seus ridículos chiliques... Além disso, o filme ainda mostra sem disfarces um personagem homossexual, algo latente nas produções mais antigas. Um filme infantil que não teve medo de abordar temas ainda tabus. Ponto positivo.
Para não ser apenas uma cópia "de carne e osso" da bem sucedida animação, esta "A bela e a fera" tem muitos minutos a mais, "explica" a história com mais detalhes (como a origem da Fera) e altera a personalidade de personagens (o Maurice de kevin Kline é bem diferente do antigo personagem, um velho bonzinho e trapalhão). E o filme ainda traz novas canções. Porém, apesar dos méritos desta obra de 2017, ainda prefiro a animação. Há coisas, inclusive atitudes humanas, que ficam tão marcantes na magia de um desenho animado, que perdem algo de sua força numa versão, digamos, "mais realista". E também achei que o personagem da Fera não fez jus à sua versão não humana. O que sei é que não consegui ter nesta versão o envolvimento pessoal que tive no outro filme. Pode ser um problema meu, eu sei, mas eu só posso falar por mim.
Um filme que não deixa de ser interessante, que encanta os olhos, que certamente agradará a muita gente, mas que me fez sentir muita saudade de seu antecessor.
O Caçador
4.1 313Mais um interessante e frenético filme do diretor do ótimo "O Lamento".
O Monstro do Ártico
3.2 81 Assista AgoraMetáforas a parte, com muito custo é que consegui assistir o filme até o final. Achei a maioria das interpretações postiças e poucas falas interessantes. Pensei que ia gostar bem mais.
Aniquilação
3.4 1,6K Assista AgoraUma ideia boa, algumas cenas intrigantes, porém não vi necessidade de tanta "preparação" para chegar ao clímax.
Uma Noite de Crime
3.2 2,2K Assista AgoraUma premissa no mínimo bizarra: permitir um dia de carnificina sem freios para diminuir a violência o resto do ano. Como se a agressividade humana fosse um cão treinado para atacar somente quando o dono manda (e, nesse caso, o "dono" são as autoridades governamentais). É até risível. Mas poderia até render um bom drama de crítica social e política que não se acovardasse em mergulhar nas feridas mal cicatrizadas. Contudo, "Uma noite de crime", a certa altura, opta por descambar para o suspense, perseguições e assassinatos, como já se viu em montanhas de filmes de entretenimento.sangrento. No final das contas, há uma "mensagem" infelizmente diluída pela trama, e o filme funciona mais como entretenimento.
The City of the Dead
3.8 46 Assista AgoraAinda hoje o filme é interessante e causa certa tensão, basta embarcarmos na fantasia e apreciarmos quem já foi um grande expoente dos filmes de terror: Christopher Lee, o saudoso e eterno Drácula.
Na Hora da Zona Morta
3.6 323 Assista AgoraChristopher Walken, que tem o perfil ideal para personagens sem coração, desta vez está no papel de "bom rapaz com poderes paranormais" em um filme que, pra mim, não envelheceu muito bem. Não achei as atuações convincentes. Porém não deixa de ter seus bons momentos (como quando o protagonista segura um jornalista e o ameaça com uma "revelação") e consegue prender a atenção.
Farsa Diabólica
4.1 18É um drama antigo um tanto inusitado pois os "vilões" não são exatamente perversos. Como geralmente acontece em histórias assim, ficamos interessados em ver como será o desfecho. Porém fiquei achando que a trama merecia um clímax melhor.
A Favorita
3.9 1,2K Assista AgoraNeste filme do Yorgos "Dente canino" Lanthimos temos uma luta pela sobrevivência (privilegiada ?) carregada de veneno despejado pelos belos lábios de Rachel Weisz e Emma Stone. É a Inglaterra no início do século 18 durante o governo da rainha Anne. "A favorita" é um filme de intrigas palacianas e briga encarniçada de duas mulheres pelos favores de uma rainha desmiolada, em meio a muito luxo nas dependências e jardins do palácio. Visualmente é um filme que enche os olhos, tanto pelos cenários e figurinos quanto pela beleza das duas adversárias. Quanto à trama, tem lá seus bons momentos no embate entre as duas mulheres e seu relacionamento com a rainha, mas como um todo achei que se estendeu muito, com passagens desnecessárias. Além disso, os arranca-rabos entre Rachel Weisz e Emma Stone, apesar de divertirem pelo cinismo, me pareceram pouco naturais.
Porém se há um bom motivo para assistir a esse filme, esse motivo se chama Olivia Colman, interpretando uma rainha infantilizada, manipulável, egocêntrica, ridícula, sofredora (muito) e por vezes cruel. A atriz compôs minuciosamente sua personagem de modo que desperta qualquer sentimento no espectador, do ódio à piedade. E um grande momento de uma atriz sempre vale ser visto.
Sede de Sangue
3.7 338Terror oriental sempre me causa uma sensação de estranheza, é compreensível. Este "Sede de sangue" traz uma boa ideia, alguns momentos realmente angustiantes e um final que me agradou. Apenas acho que não precisaria se alongar tanto, principalmente na construção da trama.
Grito de Horror
3.3 190 Assista AgoraE o instinto sexual se sobrepôs ao instinto predatório, pelo menos por uma noite.
"Grito de horror" nos apresenta uma cena no mínimo curiosa de lobisomens fazendo sexo.
Devorar
3.7 366 Assista AgoraHunter e seu "casamento perfeito"? Está mais pra uma perfeita despersonalização, isso sim. Ela tinha o "dever" de se sentir agradecida por ser elevada ao status de esposa de um ricaço com sensibilidade de lesma, ser uma peça meramente decorativa em uma família arrogante, dominadora e caricatural (aliás, achei esses personagens caricatos um dos pontos baixos do filme). E então... dá-lhe compulsão alimentar, porém os "alimentos sem nutrientes" vão se tornando mais e mais perigosos. É a alotriofagia, um distúrbio que acomete muita gente por aí.
E a Hunter vai transitando entre parentes de alma gelada e profissionais incompetentes. E a certa altura o filme se apressa em nos fornecer "explicações" que, mesmo que façam sentido (a metáfora não deixa de ser boa), me pareceram forçadas.
Mas é ótimo saber que pelo menos um filme (desconheço se existem outros em que esse distúrbio seja o tema central) aborda um assunto que pode levar à trágicas consequências. E que, de uma forma ou de outra, faz parte de nossa vida (basta observar uma criança interagindo com seus brinquedos).
Retrato de uma Jovem em Chamas
4.4 899 Assista AgoraSéculo XVIII ? Sim, mas também não. As falas, discussões e atitudes das personagens deslocam-se no tempo e não seria difícil imaginá-las na nossa atualidade. "Retrato de uma Jovem em Chamas", filme francês ignorado pelo Oscar, trata das aproximações e recuos amorosos/carnais de duas garotas: a pintora Marianne (Noémie Merlant) e a representante de uma nobreza decadente Héloïse (Adèle Haenel), prometida a um casamento convencional. E há uma certa previsibilidade no decorrer da narrativa, as duas jovens vão de uma frieza rude à intelectualização de sentimentos até uma "entrega sem freios", isso tudo num passo a passo visivelmente arquitetado pelo roteiro e direção. Nem sempre é fácil sustentar o desenvolvimento de uma história como esta (sem reviravoltas ou grande clímax) por duas horas, daí o filme também mostrou (ainda bem) uma personagem pequenina, interessantíssima, carismática e que merecia um filme só para si: trata-se da criada Sophie (Luàna Bajrami), de uma simplicidade enigmática e responsável por uma das cenas mais "docemente bizarras" que já vi:
a prática de um aborto enquanto é acariciada por um bebê. E isso não deixa de ser uma simbolização do romance abortado das duas protagonistas, com seu fruto (o "bebê-pintura"). Outro momento que achei especial foi o cântico das mulheres em volta da fogueira com tons de surrealismo.
A diretora Céline Sciamma também nos trouxe um filme de visual belíssimo, de cores e imagens que funcionam como quadros, um espetáculo a parte. E a presença da atriz Valeria Golino, como a mãe de Héloïse, traz uma força inesperada nos momentos em que participa do enredo.
E a discussão sobre a ótima ideia "a escolha do amante e a escolha do poeta" é um dos pontos altos de um filme que, se não vi como sensacional, acompanhei com interesse crescente.
O Apartamento
3.9 257 Assista AgoraAlém das aparências talvez vejamos o inacreditável. Um ótimo drama com personagens que vão se revelando mais complexos - e surpreendentes - do que pareciam ser. Achei que o elenco estava muito bem. Só me incomodou a duração do filme, não vi como necessária tanta preparação para os principais acontecimentos. Mas, pelo menos, o final foi de deixar sem palavras.
O Farol
3.8 1,6K Assista AgoraE o diretor de "A Bruxa" nos dá outro filme que foge dos manuais de terror barato e mergulha no que é mais destrutivo: o próprio homem às voltas com outro da mesma espécie (é uma condenação: "não queremos viver sós mas não conseguimos viver a dois"). "O Farol" é filme pra ir descobrindo novas nuances a cada vez que se assiste. Dois homens forçados a conviverem durante um tempo, convívio este que já não inicia bem e vai degringolando, cercado por um inferno d'água. E é claro que a intimidade traz o mal estar, a agressividade, a demência, o desespero, as lembranças do que foi ou do que poderia ter sido. Uma espécie de casamento com alguém que não escolhemos (se bem que o inferno pode acontecer até no convívio baseado em escolha).
Willem Dafoe (com uma cara que me lembrou filmes de lobisomem) é ator de qualidade inquestionável e entrega uma performance intensa, visceral, excelente. E Robert Pattinson (assim como um dia fez Leonardo di Caprio) provou que tem talento suficiente pra não ficar limitado a galãzinho das pré-adolescentes, deixando uma interpretação verossímil que não ficou a dever a Dafoe. Uma dupla muito bem entrosada.
Com bela fotografia em preto e branco, de ritmo lento (à semelhança da vida dos protagonistas), produzindo uma sensação de tragédia anunciada, "O Farol" é filme pra quem quer mais do que sustos e monstros computadorizados.
O Professor Substituto
3.7 70 Assista AgoraÀ primeira vista este filme parece uma história de mistério envolvendo um suicídio e o choque entre um professor e sua turma de alunos intelectualmente privilegiados (e bastante arrogantes). Porém vamos vendo que "O professor substituto" atira suas flechas em outros alvos.
E temos um retrato da paranoia (até certo ponto justificada) em relação a atentados terroristas e à destruição que o ser humano vem causando no planeta, tudo isso na visão de adolescentes que enxergam com mais acuidade do que a maioria e desejam fazer algo.
Gostei da atuação de Laurent Lafitte como o professor confuso diante de uma turma que parece estar sempre um passo adiante dele. E, sinceramente, não consegui ter empatia pelo grupo de jovens, mesmo após ter entendido melhor suas motivações. Achei "O professor substituto" um filme que mantém a atenção mas nada de extraordinário.
A Cura
3.9 79E o detetive Takabe, inicialmente polido e civilizado, acaba perdendo as estribeiras diante de um "desafio gélido". "Kyua" começa como aqueles filmes de investigação sobre um assassino muito esperto porém, pouco a pouco, vai mostrando que "nessa mata tem mais coelhos". Bem, aí a trama incorpora outra atmosfera, há quem goste e quem não goste. Eu gostei do roteiro, embora não vi nenhuma necessidade de o filme se arrastar tanto em sua reta final
Szamanka
3.8 23Acho que nunca assisti a um filme com uma personagem feminina tão tresloucada, tão desesperada como essa Wloszka. A atriz Iwona Petry deve ter tido um desgaste físico e emocional gigantesco, uma vez que ela "mergulha" na personagem sem rédeas nem pudores, extraindo uma daquelas performances em que a própria vida parece que está se rasgando.
"Szamanka" exibe sua protagonista como um vendaval que jamais se acalma e que arrasta tudo o que está ao seu redor. Não há concessões, para nossa personagem a fogueira tem que estar sempre acesa, mesmo quando carboniza a si própria. Guardadas as devidas proporções, lembrou-me "Quem tem medo de Virginia Woolf ?", outro filme que faz o espectador ter a sensação de que participou de uma maratona. Aliás, a loucura e a mesquinharia são a tônica: no amante (que respeita mais seu xamã do que suas mulheres) e na mãe da nossa "heroína", nos estudantes, nos transeuntes (rsrs)... É um verdadeiro trem desgovernado.
Gostei da situação que o filme nos mostrou. Zulawski apresentou uma Polônia como um fio descascado, personagens desembestados. Entretanto era mesmo necessário gastar mais de 100 minutos para exibir esse retrato ? Penso que funcionaria melhor com menos tempo.
A Forma da Água
3.9 2,7K"A bela e a fera", "O corcunda de Notre Dame", "Edward mãos de tesoura", "O homem elefante", só pra citar alguns filmes que "A forma da água" me fez lembrar. A clássica história da rejeição social e agressão a um ser de coração puro apenas porque sua aparência não é "normal" já foi contada centenas de vezes. Mas nunca é o bastante já que o fantasma da estúpida intransigência sempre nos assombra e escolhe seus alvos entre aqueles que tem menos condições de se defender (exemplos são até desnecessários). E aqui temos esse argumento em plena Guerra Fria, com seus personagens em parte realistas em parte caricaturais.
"A forma da água" enche nossos olhos com suas imagens que vão da pura fantasia à ácida realidade e retorna ao sonho. Dá vontade de não perder nenhum detalhe. Quanto à história fiquei meio dividido. Tá certo que ela cumpre o seu papel de expor a patética violência de quem se agarra a um poder mundano pra acreditar que sua vida tem alguma importância (o vilão da história, que só faltou portar um tridente, representou isso). E a atriz Sally Hawkins, ótima com sua Elisa, é uma presença luminosa no filme. Mas achei que o roteiro ficou muito mirabolante ao mergulhar no jogo sujo da disputa EUA x URSS pela vanguarda das descobertas científicas. E também a densidade emocional entre o casal central, em algumas ocasiões, tropeçava na indução ao sentimentalismo. Bem, foi essa a leitura que fiz: um filme que transita entre o mediano e o especial.
Parasita
4.5 3,6K Assista AgoraHumor negro, humor pastelão, drama, suspense... "Parasita", o grande vencedor do Oscar 2020 tem de tudo. E o melhor é que tudo é exposto em um roteiro muito bem amarrado, criativo e até certo ponto surpreendente. Possui uma aura de fábula mas é de um realismo angustiante, invocando a eterna luta de classes sociais e o desespero pela ascensão social naqueles mais desprivilegiados. Um filme sul-coreano que, por macabra ironia, atinge em cheio as vísceras da nossa amada terra tupiniquim.
É a história de duas famílias: uma pobre (os Kim) que não hesita em mentir e passar por cima dos outros (inclusive de outros desfavorecidos) para compartilhar da "felicidade" de uma família abastada (os Park), e esta, apesar da aparente camaradagem e ingenuidade, na verdade não se esforça para entender a dor de quem não tem quase nada. E aí vão surgindo entrelaçamentos, ora amigáveis ora traiçoeiros, até a grande cena apoteótica.
Um filme que me deixou quase tão impressionado quanto o extraordinário "Dente canino" (de Yorgos Lanthimos). Só espero que Bong Joon-ho, o diretor desta pérola cinematográfica, continue cada vez mais inspirado e inspirador.
O Estranho que Nós Amamos
3.2 615 Assista AgoraSofia Coppola resolveu filmar sua própria versão do romance que já tinha sido adaptado para o cinema em 1971. Só que, ao contrário do filme mais antigo, esta história parte da visão e sensibilidade de um universo feminino submetido à repressão sexual (entre outras repressões). Uma professora e um pequeno grupo de alunas em uma escola-internato perdida no meio de um bosque durante a guerra civil americana precisam lidar com o fato de ter um soldado ferido (e das tropas inimigas) que necessita de sua ajuda. Colin Farrell é o tal cabo, catalisador dos desejos da mulherada, a princípio parecendo ser um personagem simples e bem definido, mas... o ser humano nunca foi isso. Nicole Kidman é Martha, autoridade máxima do internato, a fêmea em chamas com camisa de força repressora, ao meu ver até um tanto caricatural (mas isso não é culpa da Nicole). Entre outras, o elenco feminino também conta com Kirsten Dunst e sua Edwina, sedenta de amor e desejo. E eu lamentei a Kirsten não ter aparecido mais.
Escuridão, penumbra, luz de velas, um pouco de luz solar, mais escuridão. Com sua bela fotografia, "O estranho que nós amamos" recria uma época de muitas dificuldades em que a noite era, sim, grande inimiga. O filme, até próximo de seu desfecho, desliza sem pressa como uma serpente preguiçosa, até que... bem, é claro que um ambiente com mulheres isoladas do mundo, condicionadas a passarem o dia trabalhando, orando e estudando, alteraria sua dinâmica na presença de um homem que atiça a sexualidade das garotas. E é aí que entram o modo de agir masculino e feminino, até certo ponto clichê porém que não é exatamente falso.
Achei que o filme, em seus momentos mais decisivos, apressa-se comprometendo uma construção mais elaborada do desfecho. Parece que tudo se simplifica rápido demais. Mas no geral passa sua mensagem, é só o espectador ter paciência que verá. Gostei de ter assistido, embora ainda prefira a versão com o Clint Eastwood.
Klaus
4.3 610 Assista AgoraDo egoísmo à generosidade. Da preguiça ao esforço para produzir felicidade. E o Klaus do título é realmente aquele Klaus que hoje em dia é despersonalizado pra consumo imediato. A animação tem uma história simples e por isso mesmo é boa. Não vemos um grande vilão que entre para a história das animações, como também o humor do filme poucas vezes arranca grandes gargalhadas. É pela ternura na construção de um mito que "Klaus" nos aprisiona.
E a briga dos clãs representa muito bem a vaidade infantiloide dos babacas extremistas, de qualquer época ou lugar.
O Sacrifício do Cervo Sagrado
3.7 1,2K Assista AgoraA imagem de uma cirurgia em close-up já vai nos adiantando que assistiremos a um filme não convencional. Dito e feito. Yorgos Lanthimos, o diretor do excelente "Dente Canino", vai nos introduzindo na "dinâmica" de uma família que a princípio parece normal (se é que existem famílias normais), porém seus membros falam uns com os outros como se não tivessem alma. Há cuidados, responsabilidades, aparentemente um cotidiano banal, mas perpassa uma secura, uma frieza e tristeza (nas pessoas e na própria casa) que sugere qualquer coisa menos vida.
E o filme logo nos apresenta a Steven (Colin Farrell), o patriarca, que mantém uma ligação esquisita (que aos poucos vai se mostrando simbiótica) com um adolescente que passou por uma tragédia. E, daí por diante, a história toma seu próprio rumo negando tantas outras tramas que falam de superação de desgraças através do amor e da família. Que nada! O que há é cada vez mais estranheza e crueldade, com mergulhos no surrealismo e uma aura de solenidade religiosa. E, quando o filme termina, dá aquela sensação de "vou precisar rever pra poder entender melhor". E a personagem que, para mim, tornou-se mais intrigante foi a da Nicole Kidman.
"O Sacrifício do Cervo Sagrado" é um desses filmes que não agradará a muita gente. A mim agradou um bocado mesmo sem a magnitude de um "Dente Canino".