Anatomia de uma Queda, filme francês dirigido por Justine Triet e vencedor da Palma de Ouro, prêmio máximo do Festival de Cannes, possui uma trama aparentemente simples: A escritora Sandra (Sandra Hüller) mora em um chalé na montanha com o marido, Samuel (Samuel Theis), que é um ex-professor e aspirante a escritor, e o filho, Vincent (Swann Arlaud), um menino com deficiência visual. Samuel é encontrado morto por Vincent, e aquilo que a princípio parecia ser apenas um acidente passa a ser visto pelas autoridades responsáveis pela investigação como um possível assassinato e Sandra passa a ser a principal suspeita.
Na medida em que a trama se desenrola, fatos novos surgem, indícios vão aparecendo, e o roteiro, que é muito bem escrito, permite que ora acreditemos na inocência da personagem, ora duvidemos de que não tenha sido ela a responsável. De uma forma muito interessante o filme mostra que o fato original não pode ser recriado, as intenções dos envolvidos não podem ser acessadas e o que se tem é apenas um quebra-cabeças que pouco a pouco aparenta estar sendo montado a partir dos horizontes apresentados pela mulher, pelo filho e pelos indícios encontrados.
É a partir destes horizontes entrecortados que já no tribunal uma trama dentro da trama começa a ser desembolada. Passamos a nos questionar: o que nos faz crer que a personagem é inocente ou culpada são indícios concretos ou nós, expectadores sem visão privilegiada dos fatos, estamos tão sujeitos, assim como o tribunal, a aquilo que se apresenta como mera narrativa e que não necessariamente corresponde à verdade? É curioso perceber que os flashbacks presentes nesta parte do filme não servem para nos conduzir aos fatos originais, mas tão somente à uma reconstrução criada à partir da versão de algum dos personagens. E mesmo as versões apresentadas por peritos e especialista não são objetivas, são igualmente baseadas na interpretação, onde na maior parte das vezes os preconceitos dos intérpretes falam mais que as coisas analisadas em si.
Em um dado momento, um dos personagens afirma que no processo a verdade dos fatos não é o que importa, mas as impressões criadas e alimentadas; outra personagem, mais adiante, afirma que é necessário decidir mesmo diante de uma dúvida substancial e que o decidido tem validade, tem valor de verdade, como se a decisão consistisse em uma última análise em uma substituição da verdade factual pela verdade solipsista daquele em quem está investido o poder de julgar.
Aqui já é possível ensaiar algumas reflexões sobre a diferença entre a verdade factual e a verdade processual. A verdade processual sempre resultará de atos de interpretação, é a partir da linguagem que uma recriação da situação original é possível, o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer nos lembra que “o ser que pode ser conhecido é linguagem”, o que quer dizer que acessamos as coisas sempre tendo a linguagem como condição, e no processo a verdade se forma como uma narrativa que resulta da apresentação de um horizonte por um dos lados, pela contraposição deste horizonte ao horizonte apresentado pelo outro lado da lide e pela ampliação destes horizontes pela produção/dilação probatória.
Há, no entanto, situações em que os horizontes apresentados, mesmo após contrapostos e ampliados, se mostram insuficientes para que a verdade insurja, é o que na linguagem jurídica é chamado de dúvida substancial. Uma situação deste tipo traz o questionamento proposto pelo filme: há justiça no ato de entregar a alguém, que decidirá conforma sua consciência em uma situação de incerteza, o poder de destruir a vida de outrem? Este é um dos dilemas fundamentais da justiça, é o problema com o qual a deusa Palas Atena se depara no último ato da peça As Eumênides, escrita na Grécia no ano de 458 a.C por Ésquilo. É o mesmo dilema que os jurados enfrentam no clássico Onze Homens e uma Sentença (1957), de Sidney Lumet.
Em Anatomia de uma Queda a justiça é representada por um dos personagens (e tem um elemento óbvio que comprova esta minha tese), é este personagem que faz questionamentos pertinentes em uma dada passagem da trama e é a ele que cabe, ainda que indiretamente, a mesma decisão que no clássico grego coube à deusa Atena.
Anatomia de uma Queda é um filme que merece ser visto e muito debatido, é um excelente material para uma aula de Teoria do Direito ou de Processo Penal, principalmente em um tempo em que estamos, como sociedade, tão entregues à sanha punitivista que nos faz confundir justiçamentos com justiça.
Se você tiver alguma oportunidade, assista ao filme Monster, obra mais recente do cineasta japonês Hirokazu Kore-Eda. É, eu creio que será melhor eu refazer este comando imperativo retirando a condicionante: Simplesmente, assista “Monster”! Não só porque é um dos melhores filmes do ano passado; não só porque o Kore-Eda é um diretor que precisa ser acompanhando de muito perto; não só porque o roteiro foi premiado na última edição do festival de Cannes… eu já falei que é o melhor filme de 2023?
É necessário falar muito sobre Monster, mas o problema é que não dá pra falar muito sobre ele sem estragar a experiência de quem ainda não assistiu. Tentarei fazê-lo, SEM SPOILERS, sob pena de que daqui pra frente o texto fique ainda mais confuso. Se me serve de justificativa, digo que a culpa pela má escrita é do próprio filme, que assisti aqui em BH no Cine Una Belas Artes, ainda estou inebriado, sob o efeito poderoso desta sessão. E, antes que me ataquem, o que se desenrola nestas linhas tortas talvez seja mais um relato de experiência que uma crítica.
Feitas as ressalvas, vamos lá! A trama é simples: percebendo o comportamento estranho do filho e que ele chegou machucado da escola, a mãe o questiona e ele acaba contando que foi agredido por um de seus professores. Ela vai ao colégio e tudo o que consegue é um educado, pomposo e ineficaz pedido de desculpas. Quanto mais ela tenta cobrar uma ação efetiva da diretora e dos demais professores, mais perceptível se torna o muro (ou os muros) que a separa de seu intento. É isso. É só isso? Não, é tudo isso!
Parece bobo, parece banal, mas é precisamente o oposto. O filme faz gato e sapato de nossa percepção, usando termos gadamerianos, eu diria que o filme alimenta nossas precompreenssões para adiante demoli-las em uma ampliação de horizontes. A trama brinca com a angústia de nossa condição existencial, somos seres lançamos em um mundo que enxergamos sempre a partir do ponto em que nos encontramos. Somos condenados a não ter uma noção precisa do todo e sem dar conta disso, nos contentamos com os fragmentos.
No livro A verdade e as formas jurídicas, Michel Foucault fala de um meio de produção e validação da verdade existente na Grécia antiga, que está presente inclusive no inquérito no qual o herói trágico Édipo é submetido. Uma mesma pessoa nunca detém toda a verdade, que é uma espécie de quebra-cabeças, cujo sentido só é revelado quando as outras pessoas que detêm as outras partes se pronunciam. Na tragédia de Sófocles só se descobre a gravidade do infortúnio de Édipo, que sem saber casou com a própria mãe e matou o próprio pai, porque surgem pessoas que detém cada uma parte da história.
O roteiro de Monster se vale deste mesmo método de produção da verdade, com a diferença de que nele não há um inquérito, as partes se encaixam e as pontas soltas se juntam na medida em que as perspectivas de personagens distintos vão sendo sobrepostas, revelando um sentido que que não poderia ser encontrado a partir de um horizonte solipsista. E aqui vale dizer que o que o filme faz é uma contundente crítica ao solipsismo que caracteriza o nosso tempo, no qual julgamentos baseados em precompreenssões são poucas vezes pensados e questionados por quem os emite.
Depois de nos revirar de ponta cabeça e ao avesso e de nos sacudir, a reposta para pergunta que é feita em diversos da trama, “quem é o monstro”, se desvela. O monstro sou eu, o monstro é você, o monstro somos todos nós. Monster nos lembra que urge pôr abaixo os muros da incomunicabilidade e ampliar os horizontes, sem isso, na vida assim como no filme, estaremos pecando o tomar o recorte, como um todo capaz de produzir algum sentido.
Há quase exatos 15 anos eu assisti “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” aqui em BH. Naquela que foi a primeira vez que estive por aqui, minha estadia durou do dia 23/06 a 04/07/2008. Hoje, assisti “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” no mesmo cinema e com a mesma empolgação de 15 anos atrás.
O quarto filme da franquia é irregular, não o considero de todo ruim, mas é um ponto fora se considerarmos a franquia como um todo. O novo, que é o quinto, é muito mais coeso e acredito poder afirmar sem muito receio que é um baita filme de aventura, e com um diferencial, sua profundidade dramática é algo novo.
Não é um dramalhão, mas há questões complexas permeando a trama, como o luto, a solidão e o deslocamento em relação a um mundo em relação ao qual não há mais sensação de pertencimento. Pensando sobre estas três questões, eu diria que o mal que permeia o filme, de forma muito sutil, bem nas entrelinhas, é a depressão, o que fica muito evidente no último ato.
“Indiana Jones e a Relíquia do Destino” é um filme sobre o tempo, sobre a forma com que ele nos afeta e sobre como reagimos a ele, por isso comecei este texto lembrando uma sessão de cinema, com o mesmo personagem, de 15 anos atrás.
Mas, para além de nossas contagens, dos marcos que criamos, o que seria o tempo? Sera que ele existe? Há passado, futuro, ou apenas simultaneidade? A filosofia e a física já conseguiram nos dar algumas respostas, mas eu não ouso adentrar neste espinheiro, me limito a recomendar o livro do Carlo Rovelli sobre o tema: “A Ordem do Tempo”.
Mais do que um conceito de tempo, interessa para este texto os efeitos que a percepção do decorrer do tempo provoca nos indivíduos, fator que está presente tanto na trama do filme quanto na forma com que nós espectadores o compreendemos, interpretamos e avaliamos.
No excelente “Skyfall” (2012), filme da franquia do 007 dirigido pelo San Mendes, há uma abordagem que em muito se assemelha à do novo filme do Indiana e eu explico: em ambos há uma preocupação legítima em demonstrar que ainda há algum espaço no mundo atual para um personagem criado em uma outra época.
E não é sem intenção que o final da década de 60 retratado no filme dialoga em muitas passagens com o nosso próprio tempo, afinal de contas, o problema não é inserir o Indiana Jones naquele período, mas hoje, no ano de 2023.
E a grande sacada da narrativa é que ela parece partir do pressuposto de que, mesmo quando o indivíduo se sente pertencente à uma outra época, esta época não existe como um passado “puro”, mas como um passado que nunca existiu de fato, visto que todo o olhar para trás parte do presente, que é onde todos se encontram lançados.
Não há como esperar que o Indiana Jones de hoje repita de algum modo o Indiana Jones de 1981, o expectador mudou, o mundo mudou, o próprio cinema mudou. Os anos 80 que existe hoje no imaginário de quem viveu aquela época não passam de uma ilusão, um simulacro que nunca existiu de fato.
O apegar-se ao passado é como um sonho, ou um pesadelo, do qual sempre estamos condenados a acordar. Para o único tempo ao qual pertencemos de fato e do qual nunca conseguimos desprender: o agora.
Gadamer conseguiu compreender e resumir a nossa experiência com o tempo, ele diz que “nossa vida cotidiana é um passar constante pela simultaneidade de passado e futuro”. Se eu precisasse definir a trama de “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” em poucas palavras seria justamente “simultaneidade de passado e futuro”.
O Indiana Jones, o seu chapéu, o seu chicote, a música tema, nenhum destes ícones poderosíssimos não pertencem aos anos 80, eles pertencem ao agora, na verdade ícones tão fortes como estes servem pra isso, pra reforçar a simultaneidade, a atemporalidade de algo.
Um artista, ao criar uma obra de arte, ainda que adaptada a partir de outra, empresta a ela seu próprio horizonte de sentido, na obra ficam impressos sua visão de mundo, seus sentimentos e suas questões mais profundas. Evidente que isso nem sempre acontece e, normalmente, a falta de uma marca autoral é o que distingue uma obra de arte de um mero produto de entretenimento. Quando mais o autor se sujeita a fórmulas preconcebidas, menor será a sua marca autoral. Se em uma adaptação, por exemplo, o autor se sujeita por completo ao texto original, a marca autoral que prevalecerá será a do autor original.
Darren Aronofsky é um exemplo de cineasta com uma marca autoral fortíssima, que perpassa todos os seus filmes, sem excessão. No caso dele, a marca está em aspectos técnicos, mas principalmente nos questionamentos levantados pelas narrativas. Há dois temas que podem, a partir de um olhar mais atento, ser identificados em todos os filmes, são eles culpa e compulsão. E a relação entre eles é de uma causa e efeito que se retroalimenta, a culpa produz compulsão, a compulsão que nunca se satisfaz produz mais culpa, que atenua mais ainda a compulsão e assim por diante.
Ao lidar com a culpa, os personagens de Aronofsky esboçam dois tipos de comportamentos, que, apesar de parecem opostos, a linha que os separa é extremamente tênue. Há os que desejam entregar desempenhos transcendentais para aplacar a culpa, e há os que se destroem em razão dela. É na autodestruição como parte do processo no qual o personagem se transcendentaliza que estes comportamentos opostos acabem se tocando.
“Cisne Negro”, “Pi”, “Noé”, “Fonte da Vida” e “O Lutador” são exemplos do primeiro caso, “Réquiem para um Sonho” e “Mãe” e “A Baleia” do segundo. Seja como uma opção abnegada ou como uma consequência de ir além dos próprios limitas na busca pela transcendentalidade, o fim acaba sendo comum: o sacrifício como forma de expiação da culpa. Culpa e compulsão dialogam com outros dois temas recorrentes: pecado e expiação. Não por acaso, o elemento religioso está presente em boa parte das obras.
Sem entender isso, que seria o básico para analisar uma obra de Aronofsky, “A Baleia”, seu filme mais recente, certamente se torna um desastre. Mas, do contrário, a compreensão das questões levantadas dão uma outra dimensão para o roteiro. Definitivamente, não se trata de um filme de atuação, assim chamado aqueles em que o desempenho de um ator ou de um grupo de atores se sobrepõe aos demais aspectos. Brandan Fraser entrega um desempenho assustador, mas, é preciso ressaltar que não é um aspecto descolado dos demais.
É um erro, neste e em qualquer outro filme, separar aspectos técnicos da narrativa. Aspectos técnicos servem à narrativa, por isso não há possibilidade de avaliá-los sem considerar o básico: a forma com que eles se relacionam com os demais elementos da linguagem cinematográfica. Dito isso, é preciso ressaltar o quanto a direção de arte, a montagem, a edição de som, e fotografia com toda sua textura, ajudam em conjunto a compor um ambiente opressivo, sempre à meia luz, o que ajuda a reforçar a ideia de reclusão do personagem.
A falta de luz nos ambientes pode ser interpretada como uma metáfora para a ausência de Deus, e a grande questão posta é a seguinte: ou Ele não existe, ou abandonou o personagem principal (percebam que esta é apenas mais uma das relações paternas, que envolvem abandono, abordadas pelo filme).
Se o escuro representa a ausência de Deus, a luz, obviamente irá representar sua presença. A casa está tomada pelas sombras, mas lá fora há luz (fisicamente falando e metaforicamente também, basta que lembremos do pássaro que vem à janela para comer). Outro ponto que reforça tal interpretação é o de que em pelo menos três momentos da narrativa, personagens são impedidos de sair da casa pela chuva que cai lá fora. Estaria Deus dando uma chance de reconciliação para os personagens? Uma passagem que envolve dois deles aponta para uma resposta para esta pergunta.
Referências claras à obra “Moby-Dick” de Herman Melville estão espalhadas por todo o filme, a começar pelo nome. Na história contada pelo livro o caçador passa a vida inteira perseguindo a baleia, quando ele finalmente a alcança, todo o esforço da busca perde o sentido. A baleia não era o importante, era apenas uma compulsão. A compulsão afasta do que é real de fato.
Percebo ainda outra referência, esta não tão clara, que é à obra “A Metamorfose” de Franz Kafka, que tem como tema, adivinhem… a culpa. Tal como Gregor Sansa do livro de Kafka, Charlie o personagem de “A Baleia” se enxerga como uma figura monstruosa capaz de causar repulsa em quem quer que seja. A aparência é, em ambos os casos, uma metáfora para a culpa que corrói internamente.
E Deus diante da culpa? Se agradaria do autoflagelo de quem se reconhece como pecador. Esta é outra questão que vem à toda em alguns momentos. No fim das contas, o mal maior talvez seja a hipocrisia, o que faz com que cada um tenha receio de se expor como realmente é, e a “salvação” talvez esteja na aceitação do real, em outras palavras, em se mostrar como se é, ou em ser autêntico.
Talvez uma das grandes contribuições que os hermeneutas tenham nos legado esteja na compreensão de que o sentido de um enunciado não está adstrito ao que é dito ou ao que está escrito. A grosso modo, da pra falar em texto e subtexto, o texto é o que está aparente, o subtexto é o que está nas entrelinhas. Jordan Peele usa muito subtexto em seus filmes, usou em “Corra”, em “Nós” e agora em “Nope”.
Em “Corra” o texto funciona sozinho, mesmo que o espectador não compreenda o subtexto, ele tem grandes chances de gostar do filme. Em “Nós” já é diferente, sem o entendimento do que está nas entrelinhas, o roteiro parece não funcionar tão bem. “Nope” sofre do mesmo problema, só que em menor intensidade.
O racismo e o colonialismo não são apenas temas tangenciais na obra de Peele, são os temas centrais, engana-se quem pensa que “Nope”, neste aspecto, é um ponto fora da curva, a questão é que é preciso ir além do que está aparente, é preciso ler nas entrelinhas, é preciso interpretar.
Ao contrário do que alguns espectadores têm dito, não há pontas soltas no filme. O primeiro curta da história do cinema, os cavalos, o chimpanzé, a ânsia por registrar o extraordinário, nada está ali por acaso. Há um sentido maior que permeia todos estes elementos da narrativa.
Da leitura do subtexto se descobre que “Nope” é um filme sobre animalização de corpos negros e apagamento histórico e em ambos aspectos ambiente diegético e não diegético se comunicam, há respostas que estão na própria trama, outras estão fora dela. É neste sentido que a sequência da mulher na moto se comunica com o registro do homem no cavalo. Um sem voz, a outra com a uma voz que se impõe.
“Nope” é mais um filme extremamente necessário e o Jordan Perla sabe bem disso. O maior problema do filme talvez esteja no título nacional que ele ganhou, perde-se a referência à negação e ganha uma expressão imperativa que diz muito pouco a integridade da obra.
A originalidade do filme não está no mote da trama, mas no seu desenvolvimento, o que é próprio dele é o dilema vivido pela protagonista sobre contar ou não sobre a troca. E este dilema tem tudo a ver com o outro arco narrativo, o da exumação dos mortos pelas falanges fascistas de Franco. O filme é sobre o direito que cada um de nós temos à própria história, à uma linhagem, a um passado e a um futuro. A Janes decide entregar para a Ana e para a bebê aquilo que desde o início ela busca pra si.
Quando o burlesco e a comédia de costumes se encontram.
A comedia burlesca e a comedia de costumes são gêneros bem distintos entre si, enquanto o primeiro apela para sátiras em um tom mais direto, que provoca o riso pelo exagero das situações e pelas construções caricaturais dos personagens, o segundo adota um tom mais comedido, no qual o riso não vem tão fácil, pois o humor é desenvolvido de forma sútil e o que predomina não é o exagero, mas o estranhamento, como se este gênero nos mostrasse a nossa própria realidade, porém de uma forma que possamos analisá-la com certo distanciamento.
A comedia burlesca nos induz a rir do outro, a de costumes nos leva a rir de nós mesmos.
Em “Não Olhe Pra Cima” os dois gêneros se encontram e se entrelaçam e isso é uma peculiaridade de nosso tempo. Se alguém nos mostrasse este filme dez anos atrás, certamente diríamos se tratar de uma comedia burlesca, hoje a resposta poderia ser bem diferente. Mas, o filme é o mesmo, então o que mudou? Foi o mundo à nossa volta e junto com ele o nosso olhar.
Muita gente disse que não conseguiu achar o filme engraçado, outros disseram que as passagens de tom mais cômico causaram mais incômodo do que riso. O fato é que em um mundo burlesco, a presença de elementos burlescos na trama remete à realidade e não mais à uma noção de absurdo. E é aqui que há a aproximação com a comedia de costumes.
Nada do que vemos em “Não Olhe pra Cima” nos parece absurdo porque cansamos de ver situações reais que nos parecem ainda mais absurdas que as mostradas no filme. Não é mera coincidência a impressão de que a trama foi baseada na nossa própria realidade, pois o que Adam McKay nos oferece não é uma sequência de piadas sobre o “outro”, ele nos dá espelhos. No afã de encontrar a representação do outro (do negacionista, do anti-ciência, do alienado, etc…), deixamos de perceber aquilo que, de forma mais sútil, o filme nos mostra sobre nós mesmos.
Quem estiver mais atento perceberá o quando a trama fala sobre mim e muito provavelmente sobre você que me lê agora, lá está nossa incapacidade gritante de comunicar para leigos fatos e conceitos complexos, nossa falta de estratégia, nosso excesso de confiança nas instituições (como se em algum momentos elas fossem despertar para aquilo que julgamos ser o correto) e o quando ainda estamos vulneráveis à sedução de nosso próprio ego.
Tentativas de bater de frente com o sistema que se ancora no negacionismo acabam descambando para o “cirandismo” (como se uma canção bonitinha sobre o problema pudesse em um passe de mágica soluciona-lo) ou para o ludismo (o mais perto de que se chega de um levante popular é saque de um supermercado e a destruição de um pub. Este é o nosso retrato, um retrato que preferimos não ver, pois o lugar de conforto ainda é aquele no qual podemos rir apenas do outro, nunca de nós mesmo.
Talvez a principal pergunta a ser respondida em uma rápida consideração sobre "La La Land" seja a seguinte: o hype criado em torno dele se justifica? Eu diria que sim. Mas, podem questionar: é uma obra-prima? Eu diria que não (não me condenem à cadeira elétrica por isso).
"La La Land" é constituído da mesma substância que "O Artista", "O Discurso do Rei" e tantos outros longas incensados pela Academia e pela crítica especializada. É um filme tecnicamente impecável, bonito e gostoso de se ver. O problema, arrisco dizer, é que, tal como seus similares, ele padece do mal do fácil esquecimento.
O fato é que ela não é um filme relevante pra história da sétima arte ou para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica... Dito isso, vamos aos atributos que justificam o hype criado e o seu aparecimento em algumas das listas (muitas, na verdade) dos melhores da temporada.
"La La Land" dialoga diretamente com a história do próprio cinema e tal intertextualidade agrada não só a Academia, mas também um bom número de cinéfilos que se regozijam ao perceberem cada uma das inúmeras referências, diretas e indiretas, presentes em sua trama.
Arrisco afirmar que ele funciona melhor aos olhos de quem de imediato o liga ao escapismo dos grandes musicais e outros clássicos hollywoodianos das décadas de 40 e 50.
A reverência aos clássicos, que ele próprio faz, é discutida de uma forma muito interessante em seu desenvolvimento, que retrata a tentativa de um dos personagens de preservar a autenticidade e a pungência do Jazz. Indiretamente, por meio deste personagem, ele explica a sua própria proposta.
A reverência prestada, no entanto, não fica só nas referências plantadas na narrativa, ela vai além, ao defender, de forma quase poética, a necessidade do escapismo como forma de dar à vida real um colorido que ela não possui. Esta mesma defesa já tinha sido feita pelo Woody Allen no maravilhoso "A Rosa Púrpura do Cairo".
Emma Stone e Ryan Gosling estão soberbos. Destaco ainda a trilha sonora (obviamente), a fotografia, a montagem e a edição. Vale muito a pena conferir, estes tempos sombrios merecem o colorido que só o escapismo pode lhe dar, o diretor e roteirista Damien Chazelle parece ter compreendido isso perfeitamente.
[...] O Balão Branco (1995) de Jafar Panahi é uma das obras-primas do cinema iraniano, com sua trama minimalista, que remete às obras de Abbas Kiarostami, de quem Panahi já foi auxiliar de direção, ele consegue emocionar e chamar a atenção para questões que ainda minam a convivência humana, como a falta de diálogo, o egoísmo, a falta de perdão e, principalmente a incapacidade da maioria de estender a mão para alguém que precisa. No filme, a pequena Razieh (Aida Mohammadkhani) consegue convencer a mãe a lhe dar dinheiro para comprar um peixinho dourado para as comemorações do ano novo iraniano (uma antiga tradição no Irã), porém ela acaba perdendo o dinheiro no caminho até a loja. Ele reencontra a nota perdida, porém logo em seguida a perde novamente. Ela então descobre que a cédula caíra em um vão que dá no sub-solo de uma outra loja... Este é apenas o começo da odisseia da menina, que conta com a ajuda do irmão Ali (Mohsen Kafili), pouco mais velho que ela, para tentar recuperar o dinheiro. Sutilmente a trama fala ainda de solidão e desamparo, sentimentos que aparentam serem comuns entre os iranianos [...]
[...] Classifico A Professora de Piano como um filme sobre relações de dominação e os conflitos que elas provocam nos relacionamentos interpessoais e no psicológico de cada indivíduo. Para que eu possa tentar explicar tal interpretação, é necessário primeiro comentar quem é a personagem central, e relembrar alguns de seus relacionamentos e o meio social no qual ela está inserida. Erika Kohut (Isabelle Huppert), a professora à qual o título do filme no Brasil se refere, é uma mulher de meia idade que vive com a mãe (Annie Girardot) em um pequeno apartamento. Especialista nas obras de Schubert e Schumann, ela é respeitada por todos no conservatório em que trabalha. Sua rigidez no trato com os alunos evidencia o seu perfeccionismo e sua dedicação extrema aquilo que faz. Com certa maestria, ela consegue intercalar sua vida social em um meio repleto de pompa e circunstância e suas incursões por um submundo de depravação, no qual ela mergulha em busca por prazeres doentios [...]
O que é capaz de conferir valor artístico à uma determinada obra? Alguns dirão que é tão somente o olhar de quem a contempla. Outros dirão que basta a intenção do autor. Eu, porém, acredito que tal valor nasce é do diálogo que se dá entre o público (personificado por cada indivíduo que o compõe) e o artista, tendo a obra como canal. Penso que se este diálogo não existe, o valor artístico também não. Tal pressuposto explica o fato de que uma mesma obra possa ter um valor incalculável para uma pessoa e, ao mesmo tempo, ser absolutamente descartável para outra. Ao nos colocarmos diante de uma obra de arte, levamos junto uma enorme bagagem, dentro da qual estão nossos sentimentos, nossas experiências e toda a singularidade da forma com que enxergamos e interpretamos o mundo à nossa volta, em última instância, é esta bagagem que ditará o tom deste diálogo [...]
Adèle (Adèle Exarchopoulos), que até então nunca tinha ficado com outra garota, teve algo despertado dentro de si logo na primeira vez que viu Emma (Léa Seydoux), ela fora tomada por um sentimento desconcertante, que a fizera perder o chão por alguns minutos. Ainda que haja um certo ceticismo em relação ao amor à primeira vista, pode-se afirmar que foi desta forma que nasceu a paixão que transformaria completamente sua vida em um espaço de tempo relativamente curto. Não demorou muito até que as duas se conhecessem, o que se deu quase ao acaso. É interessante perceber que já no primeiro encontro são assumidos alguns papéis que iriam determinar os rumos da relação que se iniciaria entre elas. Emma, mais velha e experiente, assume uma função de protetora, uma quase mentora de Adèle, esta por sua vez se entrega de corpo e alma à paixão que queima dentro de si e a intensidade desta entrega à torna relativamente vulnerável quando começam as primeiras crises no relacionamento [...]
[...] Em O existencialismo é um Humanismo, uma de suas obras mais importantes, Sartre defendeu que "o homem, antes de mais nada, é o que se lança para um futuro [...] um projeto que se vive subjetivamente,... nada existe anteriormente a este projeto;... o homem será antes de mais nada o que tiver projetado ser. Tal concepção, no entanto, pode representar um fardo demasiadamente pesado se for analisada por uma perspectiva diferente da adotada pelo filósofo em suas obras. A ideia de que o homem é o resultado de suas próprias ações e daquilo que planeja para a sua vida pode parecer um fruto de um humanismo quase positivista, contudo, esta mesma ideia joga sobre o indivíduo uma responsabilidade que na prática ele não é capaz de assumir e de suportar... Entender o conceito do 'projeto de vida' de Sartre e a crítica feita a ele é fundamental para que se possa compreender a trama e algumas das inúmeras metáforas presentes em A Espuma dos Dias, o novo filme de Michel Gondry, que pode ser analisado como uma crítica feroz à forma com que são interpretados alguns dos fundamentos do existencialismo [...]
A constante necessidade de reciclar e de revisitar antigas fórmulas de sucesso faz com que a industria cultural se coloque por vezes em uma situação vergonhosa que a leva a produzir obras totalmente injustificáveis, raramente uma dessas produções se salvam... Desde que os filmes de super-heróis voltaram à moda no início da década passada, diversos personagens das HQs ganharam longas-metragem em live action, alguns desses filmes renderam continuações e outros até prequels e/ou reboots. Apesar de serem meros caça-níquéis, algumas dessas obras se destacaram, isso porque trouxeram consigo algum elemento, técnico ou dramático, que acabou funcionou como um diferencial, outras, no entanto, a grande maioria, deram apenas uma roupagem nova para antigas fórmulas. Dentre estas, tiveram aquelas que fracassaram por tentar inovar sem a dose ousadia necessária para sair do lugar comum, este é o caso de O Homem de Aço (2013) de Zack Snyder [...]
Bling Ring: A Gangue de Hollywood (2013), o novo filme da Sofia Coppola, pode causar inicialmente a impressão de que a temática que marcou seus antecessores fora finalmente deixada de lado, ledo engano, o que vemos nele é apenas mais uma explanação em torno de um tema que esteve nitidamente presente em todos os outros trabalhos da cineasta: o vazio existencial. A trama, que é baseada em fatos reais, gira em torno de um grupo de adolescentes que invadem casas de celebridades em Hollywood para roubar jóias, roupas e acessórios. [...] Em uma busca imediatista pela sensação, o grupo se lança em uma inconsequente aventura, que inclui as invasões das mansões e outros delitos, além do consumo desenfreado de drogas.
[...] "A Vida dos Outros" transcende a condição de filme de gênero e este é a meu ver o seu maior trunfo. O viés humanista de sua trama o transforma em um filme universal e nem mesmo a questão ideológica, envolta em sua história, diminui o impacto que ele causa ao chamar a atenção, não para as questões sociais da República Democrática Alemã, mas para o drama de um indivíduo na busca pela sua própria identidade...
[...] O grande mérito do filme é conseguir amarrar o ótimo roteiro de forma com que a complexidade dos temas abordados não lhe tirem a simplicidade e a singeleza, que lhe são conferidas pelo olhar curioso e relativamente inocente dos meninos. Há na história elementos que remetem a inúmeros clássicos da literatura e do cinema que também retratam a complicada transição da infância para a vida adulta. Não creio que seja exagero afirmar que há em Ellis e Neckbone um pouco de Huckleberry Finn e no universo do filme e em sua temática uma forte influência da literatura do escritor americano Mark Twain, que também explorou em algumas de suas obras o drama da desestruturação familiar sob o olhar de crianças e adolescentes. [...]
Anatomia de uma Queda
4.0 768 Assista AgoraAnatomia de uma Queda, filme francês dirigido por Justine Triet e vencedor da Palma de Ouro, prêmio máximo do Festival de Cannes, possui uma trama aparentemente simples: A escritora Sandra (Sandra Hüller) mora em um chalé na montanha com o marido, Samuel (Samuel Theis), que é um ex-professor e aspirante a escritor, e o filho, Vincent (Swann Arlaud), um menino com deficiência visual. Samuel é encontrado morto por Vincent, e aquilo que a princípio parecia ser apenas um acidente passa a ser visto pelas autoridades responsáveis pela investigação como um possível assassinato e Sandra passa a ser a principal suspeita.
Na medida em que a trama se desenrola, fatos novos surgem, indícios vão aparecendo, e o roteiro, que é muito bem escrito, permite que ora acreditemos na inocência da personagem, ora duvidemos de que não tenha sido ela a responsável. De uma forma muito interessante o filme mostra que o fato original não pode ser recriado, as intenções dos envolvidos não podem ser acessadas e o que se tem é apenas um quebra-cabeças que pouco a pouco aparenta estar sendo montado a partir dos horizontes apresentados pela mulher, pelo filho e pelos indícios encontrados.
É a partir destes horizontes entrecortados que já no tribunal uma trama dentro da trama começa a ser desembolada. Passamos a nos questionar: o que nos faz crer que a personagem é inocente ou culpada são indícios concretos ou nós, expectadores sem visão privilegiada dos fatos, estamos tão sujeitos, assim como o tribunal, a aquilo que se apresenta como mera narrativa e que não necessariamente corresponde à verdade? É curioso perceber que os flashbacks presentes nesta parte do filme não servem para nos conduzir aos fatos originais, mas tão somente à uma reconstrução criada à partir da versão de algum dos personagens. E mesmo as versões apresentadas por peritos e especialista não são objetivas, são igualmente baseadas na interpretação, onde na maior parte das vezes os preconceitos dos intérpretes falam mais que as coisas analisadas em si.
Em um dado momento, um dos personagens afirma que no processo a verdade dos fatos não é o que importa, mas as impressões criadas e alimentadas; outra personagem, mais adiante, afirma que é necessário decidir mesmo diante de uma dúvida substancial e que o decidido tem validade, tem valor de verdade, como se a decisão consistisse em uma última análise em uma substituição da verdade factual pela verdade solipsista daquele em quem está investido o poder de julgar.
Aqui já é possível ensaiar algumas reflexões sobre a diferença entre a verdade factual e a verdade processual. A verdade processual sempre resultará de atos de interpretação, é a partir da linguagem que uma recriação da situação original é possível, o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer nos lembra que “o ser que pode ser conhecido é linguagem”, o que quer dizer que acessamos as coisas sempre tendo a linguagem como condição, e no processo a verdade se forma como uma narrativa que resulta da apresentação de um horizonte por um dos lados, pela contraposição deste horizonte ao horizonte apresentado pelo outro lado da lide e pela ampliação destes horizontes pela produção/dilação probatória.
Há, no entanto, situações em que os horizontes apresentados, mesmo após contrapostos e ampliados, se mostram insuficientes para que a verdade insurja, é o que na linguagem jurídica é chamado de dúvida substancial. Uma situação deste tipo traz o questionamento proposto pelo filme: há justiça no ato de entregar a alguém, que decidirá conforma sua consciência em uma situação de incerteza, o poder de destruir a vida de outrem? Este é um dos dilemas fundamentais da justiça, é o problema com o qual a deusa Palas Atena se depara no último ato da peça As Eumênides, escrita na Grécia no ano de 458 a.C por Ésquilo. É o mesmo dilema que os jurados enfrentam no clássico Onze Homens e uma Sentença (1957), de Sidney Lumet.
Em Anatomia de uma Queda a justiça é representada por um dos personagens (e tem um elemento óbvio que comprova esta minha tese), é este personagem que faz questionamentos pertinentes em uma dada passagem da trama e é a ele que cabe, ainda que indiretamente, a mesma decisão que no clássico grego coube à deusa Atena.
Anatomia de uma Queda é um filme que merece ser visto e muito debatido, é um excelente material para uma aula de Teoria do Direito ou de Processo Penal, principalmente em um tempo em que estamos, como sociedade, tão entregues à sanha punitivista que nos faz confundir justiçamentos com justiça.
Monstro
4.3 257 Assista AgoraSe você tiver alguma oportunidade, assista ao filme Monster, obra mais recente do cineasta japonês Hirokazu Kore-Eda. É, eu creio que será melhor eu refazer este comando imperativo retirando a condicionante: Simplesmente, assista “Monster”! Não só porque é um dos melhores filmes do ano passado; não só porque o Kore-Eda é um diretor que precisa ser acompanhando de muito perto; não só porque o roteiro foi premiado na última edição do festival de Cannes… eu já falei que é o melhor filme de 2023?
É necessário falar muito sobre Monster, mas o problema é que não dá pra falar muito sobre ele sem estragar a experiência de quem ainda não assistiu. Tentarei fazê-lo, SEM SPOILERS, sob pena de que daqui pra frente o texto fique ainda mais confuso. Se me serve de justificativa, digo que a culpa pela má escrita é do próprio filme, que assisti aqui em BH no Cine Una Belas Artes, ainda estou inebriado, sob o efeito poderoso desta sessão. E, antes que me ataquem, o que se desenrola nestas linhas tortas talvez seja mais um relato de experiência que uma crítica.
Feitas as ressalvas, vamos lá! A trama é simples: percebendo o comportamento estranho do filho e que ele chegou machucado da escola, a mãe o questiona e ele acaba contando que foi agredido por um de seus professores. Ela vai ao colégio e tudo o que consegue é um educado, pomposo e ineficaz pedido de desculpas. Quanto mais ela tenta cobrar uma ação efetiva da diretora e dos demais professores, mais perceptível se torna o muro (ou os muros) que a separa de seu intento. É isso. É só isso? Não, é tudo isso!
Parece bobo, parece banal, mas é precisamente o oposto. O filme faz gato e sapato de nossa percepção, usando termos gadamerianos, eu diria que o filme alimenta nossas precompreenssões para adiante demoli-las em uma ampliação de horizontes. A trama brinca com a angústia de nossa condição existencial, somos seres lançamos em um mundo que enxergamos sempre a partir do ponto em que nos encontramos. Somos condenados a não ter uma noção precisa do todo e sem dar conta disso, nos contentamos com os fragmentos.
No livro A verdade e as formas jurídicas, Michel Foucault fala de um meio de produção e validação da verdade existente na Grécia antiga, que está presente inclusive no inquérito no qual o herói trágico Édipo é submetido. Uma mesma pessoa nunca detém toda a verdade, que é uma espécie de quebra-cabeças, cujo sentido só é revelado quando as outras pessoas que detêm as outras partes se pronunciam. Na tragédia de Sófocles só se descobre a gravidade do infortúnio de Édipo, que sem saber casou com a própria mãe e matou o próprio pai, porque surgem pessoas que detém cada uma parte da história.
O roteiro de Monster se vale deste mesmo método de produção da verdade, com a diferença de que nele não há um inquérito, as partes se encaixam e as pontas soltas se juntam na medida em que as perspectivas de personagens distintos vão sendo sobrepostas, revelando um sentido que que não poderia ser encontrado a partir de um horizonte solipsista. E aqui vale dizer que o que o filme faz é uma contundente crítica ao solipsismo que caracteriza o nosso tempo, no qual julgamentos baseados em precompreenssões são poucas vezes pensados e questionados por quem os emite.
Depois de nos revirar de ponta cabeça e ao avesso e de nos sacudir, a reposta para pergunta que é feita em diversos da trama, “quem é o monstro”, se desvela. O monstro sou eu, o monstro é você, o monstro somos todos nós. Monster nos lembra que urge pôr abaixo os muros da incomunicabilidade e ampliar os horizontes, sem isso, na vida assim como no filme, estaremos pecando o tomar o recorte, como um todo capaz de produzir algum sentido.
Indiana Jones e a Relíquia do Destino
3.2 325 Assista AgoraHá quase exatos 15 anos eu assisti “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” aqui em BH. Naquela que foi a primeira vez que estive por aqui, minha estadia durou do dia 23/06 a 04/07/2008. Hoje, assisti “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” no mesmo cinema e com a mesma empolgação de 15 anos atrás.
O quarto filme da franquia é irregular, não o considero de todo ruim, mas é um ponto fora se considerarmos a franquia como um todo. O novo, que é o quinto, é muito mais coeso e acredito poder afirmar sem muito receio que é um baita filme de aventura, e com um diferencial, sua profundidade dramática é algo novo.
Não é um dramalhão, mas há questões complexas permeando a trama, como o luto, a solidão e o deslocamento em relação a um mundo em relação ao qual não há mais sensação de pertencimento. Pensando sobre estas três questões, eu diria que o mal que permeia o filme, de forma muito sutil, bem nas entrelinhas, é a depressão, o que fica muito evidente no último ato.
“Indiana Jones e a Relíquia do Destino” é um filme sobre o tempo, sobre a forma com que ele nos afeta e sobre como reagimos a ele, por isso comecei este texto lembrando uma sessão de cinema, com o mesmo personagem, de 15 anos atrás.
Mas, para além de nossas contagens, dos marcos que criamos, o que seria o tempo? Sera que ele existe? Há passado, futuro, ou apenas simultaneidade? A filosofia e a física já conseguiram nos dar algumas respostas, mas eu não ouso adentrar neste espinheiro, me limito a recomendar o livro do Carlo Rovelli sobre o tema: “A Ordem do Tempo”.
Mais do que um conceito de tempo, interessa para este texto os efeitos que a percepção do decorrer do tempo provoca nos indivíduos, fator que está presente tanto na trama do filme quanto na forma com que nós espectadores o compreendemos, interpretamos e avaliamos.
No excelente “Skyfall” (2012), filme da franquia do 007 dirigido pelo San Mendes, há uma abordagem que em muito se assemelha à do novo filme do Indiana e eu explico: em ambos há uma preocupação legítima em demonstrar que ainda há algum espaço no mundo atual para um personagem criado em uma outra época.
E não é sem intenção que o final da década de 60 retratado no filme dialoga em muitas passagens com o nosso próprio tempo, afinal de contas, o problema não é inserir o Indiana Jones naquele período, mas hoje, no ano de 2023.
E a grande sacada da narrativa é que ela parece partir do pressuposto de que, mesmo quando o indivíduo se sente pertencente à uma outra época, esta época não existe como um passado “puro”, mas como um passado que nunca existiu de fato, visto que todo o olhar para trás parte do presente, que é onde todos se encontram lançados.
Não há como esperar que o Indiana Jones de hoje repita de algum modo o Indiana Jones de 1981, o expectador mudou, o mundo mudou, o próprio cinema mudou. Os anos 80 que existe hoje no imaginário de quem viveu aquela época não passam de uma ilusão, um simulacro que nunca existiu de fato.
O apegar-se ao passado é como um sonho, ou um pesadelo, do qual sempre estamos condenados a acordar. Para o único tempo ao qual pertencemos de fato e do qual nunca conseguimos desprender: o agora.
Gadamer conseguiu compreender e resumir a nossa experiência com o tempo, ele diz que “nossa vida cotidiana é um passar constante pela simultaneidade de passado e futuro”. Se eu precisasse definir a trama de “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” em poucas palavras seria justamente “simultaneidade de passado e futuro”.
O Indiana Jones, o seu chapéu, o seu chicote, a música tema, nenhum destes ícones poderosíssimos não pertencem aos anos 80, eles pertencem ao agora, na verdade ícones tão fortes como estes servem pra isso, pra reforçar a simultaneidade, a atemporalidade de algo.
A Baleia
4.0 1,0K Assista AgoraUm artista, ao criar uma obra de arte, ainda que adaptada a partir de outra, empresta a ela seu próprio horizonte de sentido, na obra ficam impressos sua visão de mundo, seus sentimentos e suas questões mais profundas. Evidente que isso nem sempre acontece e, normalmente, a falta de uma marca autoral é o que distingue uma obra de arte de um mero produto de entretenimento. Quando mais o autor se sujeita a fórmulas preconcebidas, menor será a sua marca autoral. Se em uma adaptação, por exemplo, o autor se sujeita por completo ao texto original, a marca autoral que prevalecerá será a do autor original.
Darren Aronofsky é um exemplo de cineasta com uma marca autoral fortíssima, que perpassa todos os seus filmes, sem excessão. No caso dele, a marca está em aspectos técnicos, mas principalmente nos questionamentos levantados pelas narrativas. Há dois temas que podem, a partir de um olhar mais atento, ser identificados em todos os filmes, são eles culpa e compulsão. E a relação entre eles é de uma causa e efeito que se retroalimenta, a culpa produz compulsão, a compulsão que nunca se satisfaz produz mais culpa, que atenua mais ainda a compulsão e assim por diante.
Ao lidar com a culpa, os personagens de Aronofsky esboçam dois tipos de comportamentos, que, apesar de parecem opostos, a linha que os separa é extremamente tênue. Há os que desejam entregar desempenhos transcendentais para aplacar a culpa, e há os que se destroem em razão dela. É na autodestruição como parte do processo no qual o personagem se transcendentaliza que estes comportamentos opostos acabem se tocando.
“Cisne Negro”, “Pi”, “Noé”, “Fonte da Vida” e “O Lutador” são exemplos do primeiro caso, “Réquiem para um Sonho” e “Mãe” e “A Baleia” do segundo. Seja como uma opção abnegada ou como uma consequência de ir além dos próprios limitas na busca pela transcendentalidade, o fim acaba sendo comum: o sacrifício como forma de expiação da culpa. Culpa e compulsão dialogam com outros dois temas recorrentes: pecado e expiação. Não por acaso, o elemento religioso está presente em boa parte das obras.
Sem entender isso, que seria o básico para analisar uma obra de Aronofsky, “A Baleia”, seu filme mais recente, certamente se torna um desastre. Mas, do contrário, a compreensão das questões levantadas dão uma outra dimensão para o roteiro. Definitivamente, não se trata de um filme de atuação, assim chamado aqueles em que o desempenho de um ator ou de um grupo de atores se sobrepõe aos demais aspectos. Brandan Fraser entrega um desempenho assustador, mas, é preciso ressaltar que não é um aspecto descolado dos demais.
É um erro, neste e em qualquer outro filme, separar aspectos técnicos da narrativa. Aspectos técnicos servem à narrativa, por isso não há possibilidade de avaliá-los sem considerar o básico: a forma com que eles se relacionam com os demais elementos da linguagem cinematográfica. Dito isso, é preciso ressaltar o quanto a direção de arte, a montagem, a edição de som, e fotografia com toda sua textura, ajudam em conjunto a compor um ambiente opressivo, sempre à meia luz, o que ajuda a reforçar a ideia de reclusão do personagem.
A falta de luz nos ambientes pode ser interpretada como uma metáfora para a ausência de Deus, e a grande questão posta é a seguinte: ou Ele não existe, ou abandonou o personagem principal (percebam que esta é apenas mais uma das relações paternas, que envolvem abandono, abordadas pelo filme).
Se o escuro representa a ausência de Deus, a luz, obviamente irá representar sua presença. A casa está tomada pelas sombras, mas lá fora há luz (fisicamente falando e metaforicamente também, basta que lembremos do pássaro que vem à janela para comer). Outro ponto que reforça tal interpretação é o de que em pelo menos três momentos da narrativa, personagens são impedidos de sair da casa pela chuva que cai lá fora. Estaria Deus dando uma chance de reconciliação para os personagens? Uma passagem que envolve dois deles aponta para uma resposta para esta pergunta.
Referências claras à obra “Moby-Dick” de Herman Melville estão espalhadas por todo o filme, a começar pelo nome. Na história contada pelo livro o caçador passa a vida inteira perseguindo a baleia, quando ele finalmente a alcança, todo o esforço da busca perde o sentido. A baleia não era o importante, era apenas uma compulsão. A compulsão afasta do que é real de fato.
Percebo ainda outra referência, esta não tão clara, que é à obra “A Metamorfose” de Franz Kafka, que tem como tema, adivinhem… a culpa. Tal como Gregor Sansa do livro de Kafka, Charlie o personagem de “A Baleia” se enxerga como uma figura monstruosa capaz de causar repulsa em quem quer que seja. A aparência é, em ambos os casos, uma metáfora para a culpa que corrói internamente.
E Deus diante da culpa? Se agradaria do autoflagelo de quem se reconhece como pecador. Esta é outra questão que vem à toda em alguns momentos. No fim das contas, o mal maior talvez seja a hipocrisia, o que faz com que cada um tenha receio de se expor como realmente é, e a “salvação” talvez esteja na aceitação do real, em outras palavras, em se mostrar como se é, ou em ser autêntico.
Mississipi em Chamas
4.2 333 Assista Agora22/02/2023
Bar Doce Lar
3.5 132 Assista AgoraQue filme delicioso de se assistir, eu que não sou um grande admirador do Ben Affleck adorei a atuação dele e a composição do personagem.
Não! Não Olhe!
3.5 1,3K Assista AgoraTexto e Subtexto em “Nope” de Jordan Peele
Talvez uma das grandes contribuições que os hermeneutas tenham nos legado esteja na compreensão de que o sentido de um enunciado não está adstrito ao que é dito ou ao que está escrito. A grosso modo, da pra falar em texto e subtexto, o texto é o que está aparente, o subtexto é o que está nas entrelinhas. Jordan Peele usa muito subtexto em seus filmes, usou em “Corra”, em “Nós” e agora em “Nope”.
Em “Corra” o texto funciona sozinho, mesmo que o espectador não compreenda o subtexto, ele tem grandes chances de gostar do filme. Em “Nós” já é diferente, sem o entendimento do que está nas entrelinhas, o roteiro parece não funcionar tão bem. “Nope” sofre do mesmo problema, só que em menor intensidade.
O racismo e o colonialismo não são apenas temas tangenciais na obra de Peele, são os temas centrais, engana-se quem pensa que “Nope”, neste aspecto, é um ponto fora da curva, a questão é que é preciso ir além do que está aparente, é preciso ler nas entrelinhas, é preciso interpretar.
Ao contrário do que alguns espectadores têm dito, não há pontas soltas no filme. O primeiro curta da história do cinema, os cavalos, o chimpanzé, a ânsia por registrar o extraordinário, nada está ali por acaso. Há um sentido maior que permeia todos estes elementos da narrativa.
Da leitura do subtexto se descobre que “Nope” é um filme sobre animalização de corpos negros e apagamento histórico e em ambos aspectos ambiente diegético e não diegético se comunicam, há respostas que estão na própria trama, outras estão fora dela. É neste sentido que a sequência da mulher na moto se comunica com o registro do homem no cavalo. Um sem voz, a outra com a uma voz que se impõe.
“Nope” é mais um filme extremamente necessário e o Jordan Perla sabe bem disso. O maior problema do filme talvez esteja no título nacional que ele ganhou, perde-se a referência à negação e ganha uma expressão imperativa que diz muito pouco a integridade da obra.
Não! Não Olhe!
3.5 1,3K Assista AgoraPassei só pra ver o comentário da galera que não consegue ler subtexto e avalia o filme baseado nos estímulos sensoriais que ele é capaz de provocar.
Mães Paralelas
3.7 411Filmaço!!!
A originalidade do filme não está no mote da trama, mas no seu desenvolvimento, o que é próprio dele é o dilema vivido pela protagonista sobre contar ou não sobre a troca. E este dilema tem tudo a ver com o outro arco narrativo, o da exumação dos mortos pelas falanges fascistas de Franco. O filme é sobre o direito que cada um de nós temos à própria história, à uma linhagem, a um passado e a um futuro. A Janes decide entregar para a Ana e para a bebê aquilo que desde o início ela busca pra si.
Disque M Para Matar
4.4 680 Assista AgoraAssistido em 03/01/22
Colectiv
3.9 99Assistido em 03/01/2022
Não Olhe para Cima
3.7 1,9K Assista AgoraQuando o burlesco e a comédia de costumes se encontram.
A comedia burlesca e a comedia de costumes são gêneros bem distintos entre si, enquanto o primeiro apela para sátiras em um tom mais direto, que provoca o riso pelo exagero das situações e pelas construções caricaturais dos personagens, o segundo adota um tom mais comedido, no qual o riso não vem tão fácil, pois o humor é desenvolvido de forma sútil e o que predomina não é o exagero, mas o estranhamento, como se este gênero nos mostrasse a nossa própria realidade, porém de uma forma que possamos analisá-la com certo distanciamento.
A comedia burlesca nos induz a rir do outro, a de costumes nos leva a rir de nós mesmos.
Em “Não Olhe Pra Cima” os dois gêneros se encontram e se entrelaçam e isso é uma peculiaridade de nosso tempo. Se alguém nos mostrasse este filme dez anos atrás, certamente diríamos se tratar de uma comedia burlesca, hoje a resposta poderia ser bem diferente. Mas, o filme é o mesmo, então o que mudou? Foi o mundo à nossa volta e junto com ele o nosso olhar.
Muita gente disse que não conseguiu achar o filme engraçado, outros disseram que as passagens de tom mais cômico causaram mais incômodo do que riso. O fato é que em um mundo burlesco, a presença de elementos burlescos na trama remete à realidade e não mais à uma noção de absurdo. E é aqui que há a aproximação com a comedia de costumes.
Nada do que vemos em “Não Olhe pra Cima” nos parece absurdo porque cansamos de ver situações reais que nos parecem ainda mais absurdas que as mostradas no filme. Não é mera coincidência a impressão de que a trama foi baseada na nossa própria realidade, pois o que Adam McKay nos oferece não é uma sequência de piadas sobre o “outro”, ele nos dá espelhos. No afã de encontrar a representação do outro (do negacionista, do anti-ciência, do alienado, etc…), deixamos de perceber aquilo que, de forma mais sútil, o filme nos mostra sobre nós mesmos.
Quem estiver mais atento perceberá o quando a trama fala sobre mim e muito provavelmente sobre você que me lê agora, lá está nossa incapacidade gritante de comunicar para leigos fatos e conceitos complexos, nossa falta de estratégia, nosso excesso de confiança nas instituições (como se em algum momentos elas fossem despertar para aquilo que julgamos ser o correto) e o quando ainda estamos vulneráveis à sedução de nosso próprio ego.
Tentativas de bater de frente com o sistema que se ancora no negacionismo acabam descambando para o “cirandismo” (como se uma canção bonitinha sobre o problema pudesse em um passe de mágica soluciona-lo) ou para o ludismo (o mais perto de que se chega de um levante popular é saque de um supermercado e a destruição de um pub. Este é o nosso retrato, um retrato que preferimos não ver, pois o lugar de conforto ainda é aquele no qual podemos rir apenas do outro, nunca de nós mesmo.
Dor e Glória
4.2 619 Assista AgoraMelhor Almodóvar em uns 15 anos!
La La Land: Cantando Estações
4.1 3,6K Assista AgoraTalvez a principal pergunta a ser respondida em uma rápida consideração sobre "La La Land" seja a seguinte: o hype criado em torno dele se justifica? Eu diria que sim. Mas, podem questionar: é uma obra-prima? Eu diria que não (não me condenem à cadeira elétrica por isso).
"La La Land" é constituído da mesma substância que "O Artista", "O Discurso do Rei" e tantos outros longas incensados pela Academia e pela crítica especializada. É um filme tecnicamente impecável, bonito e gostoso de se ver. O problema, arrisco dizer, é que, tal como seus similares, ele padece do mal do fácil esquecimento.
O fato é que ela não é um filme relevante pra história da sétima arte ou para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica... Dito isso, vamos aos atributos que justificam o hype criado e o seu aparecimento em algumas das listas (muitas, na verdade) dos melhores da temporada.
"La La Land" dialoga diretamente com a história do próprio cinema e tal intertextualidade agrada não só a Academia, mas também um bom número de cinéfilos que se regozijam ao perceberem cada uma das inúmeras referências, diretas e indiretas, presentes em sua trama.
Arrisco afirmar que ele funciona melhor aos olhos de quem de imediato o liga ao escapismo dos grandes musicais e outros clássicos hollywoodianos das décadas de 40 e 50.
A reverência aos clássicos, que ele próprio faz, é discutida de uma forma muito interessante em seu desenvolvimento, que retrata a tentativa de um dos personagens de preservar a autenticidade e a pungência do Jazz. Indiretamente, por meio deste personagem, ele explica a sua própria proposta.
A reverência prestada, no entanto, não fica só nas referências plantadas na narrativa, ela vai além, ao defender, de forma quase poética, a necessidade do escapismo como forma de dar à vida real um colorido que ela não possui. Esta mesma defesa já tinha sido feita pelo Woody Allen no maravilhoso "A Rosa Púrpura do Cairo".
Emma Stone e Ryan Gosling estão soberbos. Destaco ainda a trilha sonora (obviamente), a fotografia, a montagem e a edição. Vale muito a pena conferir, estes tempos sombrios merecem o colorido que só o escapismo pode lhe dar, o diretor e roteirista Damien Chazelle parece ter compreendido isso perfeitamente.
O Centenário Que Fugiu Pela Janela e Desapareceu
3.6 73 Assista AgoraTriste chegar e ver que boa parte dos comentários se resumem a comparações com "Forrest Gump"...
O Balão Branco
4.0 80Um outro mundo - Um Mergulho no Cinema Iraniano
[...] O Balão Branco (1995) de Jafar Panahi é uma das obras-primas do cinema iraniano, com sua trama minimalista, que remete às obras de Abbas Kiarostami, de quem Panahi já foi auxiliar de direção, ele consegue emocionar e chamar a atenção para questões que ainda minam a convivência humana, como a falta de diálogo, o egoísmo, a falta de perdão e, principalmente a incapacidade da maioria de estender a mão para alguém que precisa. No filme, a pequena Razieh (Aida Mohammadkhani) consegue convencer a mãe a lhe dar dinheiro para comprar um peixinho dourado para as comemorações do ano novo iraniano (uma antiga tradição no Irã), porém ela acaba perdendo o dinheiro no caminho até a loja. Ele reencontra a nota perdida, porém logo em seguida a perde novamente. Ela então descobre que a cédula caíra em um vão que dá no sub-solo de uma outra loja... Este é apenas o começo da odisseia da menina, que conta com a ajuda do irmão Ali (Mohsen Kafili), pouco mais velho que ela, para tentar recuperar o dinheiro. Sutilmente a trama fala ainda de solidão e desamparo, sentimentos que aparentam serem comuns entre os iranianos [...]
Texto completo disponível em: http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2015/01/um-outro-mundo-um-mergulho-no-cinema.html#uds-search-results
A Professora de Piano
4.0 684 Assista Agora[...] Classifico A Professora de Piano como um filme sobre relações de dominação e os conflitos que elas provocam nos relacionamentos interpessoais e no psicológico de cada indivíduo. Para que eu possa tentar explicar tal interpretação, é necessário primeiro comentar quem é a personagem central, e relembrar alguns de seus relacionamentos e o meio social no qual ela está inserida. Erika Kohut (Isabelle Huppert), a professora à qual o título do filme no Brasil se refere, é uma mulher de meia idade que vive com a mãe (Annie Girardot) em um pequeno apartamento. Especialista nas obras de Schubert e Schumann, ela é respeitada por todos no conservatório em que trabalha. Sua rigidez no trato com os alunos evidencia o seu perfeccionismo e sua dedicação extrema aquilo que faz. Com certa maestria, ela consegue intercalar sua vida social em um meio repleto de pompa e circunstância e suas incursões por um submundo de depravação, no qual ela mergulha em busca por prazeres doentios [...]
Crítica completa disponível em: http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2014/05/a-professora-de-piano.html
Renoir
3.5 208 Assista AgoraO que é capaz de conferir valor artístico à uma determinada obra? Alguns dirão que é tão somente o olhar de quem a contempla. Outros dirão que basta a intenção do autor. Eu, porém, acredito que tal valor nasce é do diálogo que se dá entre o público (personificado por cada indivíduo que o compõe) e o artista, tendo a obra como canal. Penso que se este diálogo não existe, o valor artístico também não. Tal pressuposto explica o fato de que uma mesma obra possa ter um valor incalculável para uma pessoa e, ao mesmo tempo, ser absolutamente descartável para outra. Ao nos colocarmos diante de uma obra de arte, levamos junto uma enorme bagagem, dentro da qual estão nossos sentimentos, nossas experiências e toda a singularidade da forma com que enxergamos e interpretamos o mundo à nossa volta, em última instância, é esta bagagem que ditará o tom deste diálogo [...]
Crítica completa disponível em: http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2014/02/renoir.html
Azul é a Cor Mais Quente
3.7 4,3K Assista AgoraAdèle (Adèle Exarchopoulos), que até então nunca tinha ficado com outra garota, teve algo despertado dentro de si logo na primeira vez que viu Emma (Léa Seydoux), ela fora tomada por um sentimento desconcertante, que a fizera perder o chão por alguns minutos. Ainda que haja um certo ceticismo em relação ao amor à primeira vista, pode-se afirmar que foi desta forma que nasceu a paixão que transformaria completamente sua vida em um espaço de tempo relativamente curto. Não demorou muito até que as duas se conhecessem, o que se deu quase ao acaso. É interessante perceber que já no primeiro encontro são assumidos alguns papéis que iriam determinar os rumos da relação que se iniciaria entre elas. Emma, mais velha e experiente, assume uma função de protetora, uma quase mentora de Adèle, esta por sua vez se entrega de corpo e alma à paixão que queima dentro de si e a intensidade desta entrega à torna relativamente vulnerável quando começam as primeiras crises no relacionamento [...]
Crítica completa disponível em: http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2014/01/azul-e-cor-mais-quente.html
A Espuma dos Dias
3.7 479 Assista Agora[...] Em O existencialismo é um Humanismo, uma de suas obras mais importantes, Sartre defendeu que "o homem, antes de mais nada, é o que se lança para um futuro [...] um projeto que se vive subjetivamente,... nada existe anteriormente a este projeto;... o homem será antes de mais nada o que tiver projetado ser. Tal concepção, no entanto, pode representar um fardo demasiadamente pesado se for analisada por uma perspectiva diferente da adotada pelo filósofo em suas obras. A ideia de que o homem é o resultado de suas próprias ações e daquilo que planeja para a sua vida pode parecer um fruto de um humanismo quase positivista, contudo, esta mesma ideia joga sobre o indivíduo uma responsabilidade que na prática ele não é capaz de assumir e de suportar... Entender o conceito do 'projeto de vida' de Sartre e a crítica feita a ele é fundamental para que se possa compreender a trama e algumas das inúmeras metáforas presentes em A Espuma dos Dias, o novo filme de Michel Gondry, que pode ser analisado como uma crítica feroz à forma com que são interpretados alguns dos fundamentos do existencialismo [...]
Crítica completa disponível em: http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2013/11/a-espuma-dos-dias.html
O Homem de Aço
3.6 3,9K Assista AgoraA constante necessidade de reciclar e de revisitar antigas fórmulas de sucesso faz com que a industria cultural se coloque por vezes em uma situação vergonhosa que a leva a produzir obras totalmente injustificáveis, raramente uma dessas produções se salvam... Desde que os filmes de super-heróis voltaram à moda no início da década passada, diversos personagens das HQs ganharam longas-metragem em live action, alguns desses filmes renderam continuações e outros até prequels e/ou reboots. Apesar de serem meros caça-níquéis, algumas dessas obras se destacaram, isso porque trouxeram consigo algum elemento, técnico ou dramático, que acabou funcionou como um diferencial, outras, no entanto, a grande maioria, deram apenas uma roupagem nova para antigas fórmulas. Dentre estas, tiveram aquelas que fracassaram por tentar inovar sem a dose ousadia necessária para sair do lugar comum, este é o caso de O Homem de Aço (2013) de Zack Snyder [...]
Crítica completa disponível em: http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2013/10/o-homem-de-aco.html
Bling Ring - A Gangue de Hollywood
3.0 1,7K Assista AgoraBling Ring: A Gangue de Hollywood (2013), o novo filme da Sofia Coppola, pode causar inicialmente a impressão de que a temática que marcou seus antecessores fora finalmente deixada de lado, ledo engano, o que vemos nele é apenas mais uma explanação em torno de um tema que esteve nitidamente presente em todos os outros trabalhos da cineasta: o vazio existencial. A trama, que é baseada em fatos reais, gira em torno de um grupo de adolescentes que invadem casas de celebridades em Hollywood para roubar jóias, roupas e acessórios. [...] Em uma busca imediatista pela sensação, o grupo se lança em uma inconsequente aventura, que inclui as invasões das mansões e outros delitos, além do consumo desenfreado de drogas.
Crítica completa disponível em: http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2013/10/bling-ring-gangue-de-hollywood.html
A Vida dos Outros
4.3 645[...] "A Vida dos Outros" transcende a condição de filme de gênero e este é a meu ver o seu maior trunfo. O viés humanista de sua trama o transforma em um filme universal e nem mesmo a questão ideológica, envolta em sua história, diminui o impacto que ele causa ao chamar a atenção, não para as questões sociais da República Democrática Alemã, mas para o drama de um indivíduo na busca pela sua própria identidade...
Crítica completa disponível em: http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2013/09/a-vida-dos-outros.html
Amor Bandido
3.7 353 Assista Agora[...] O grande mérito do filme é conseguir amarrar o ótimo roteiro de forma com que a complexidade dos temas abordados não lhe tirem a simplicidade e a singeleza, que lhe são conferidas pelo olhar curioso e relativamente inocente dos meninos. Há na história elementos que remetem a inúmeros clássicos da literatura e do cinema que também retratam a complicada transição da infância para a vida adulta. Não creio que seja exagero afirmar que há em Ellis e Neckbone um pouco de Huckleberry Finn e no universo do filme e em sua temática uma forte influência da literatura do escritor americano Mark Twain, que também explorou em algumas de suas obras o drama da desestruturação familiar sob o olhar de crianças e adolescentes. [...]
Crítica completa disponível em: http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2013/09/amor-bandido.html