certa vez eu li um texto sobre adolescência, sobre os seus portões ocultos e todos os conflitos que acompanham esse suposto rito de passagem que antecipa a vida adulta; era uma denúncia com d maiúsculo do hermetismo da condição de "ser adulto"; a história que envolve o garoto doinel é um desses ricos contos acerca de jovenzinhos incompreendidos e negligenciados pelos pais, que precisam envelhecer urgentemente, digo... tornarem-se adultos ou maduros, mergulharem de vez nas águas da vida séria - os termos-chave da vida adulta - apesar de estarem sem orientação alguma; doinel e seu amigo até fumam charutos e bebem, num ato cívico para parecem "crescidos" e terem atenção devida destas criaturas esquisitas que chamamos de adultos
sou um admirador confesso dos tapetes persas, de suas cores vivazes e psicodélicas e suas e formas e fractais tão matemáticos quanto narcóticos; acredito que essa série exuberante de curtas abstratos do stan, além de outras tantas intenções artísticas, seja um poema visual supra sensível e uma digna homenagem aos tapetes persas; aqui o diretor desafia um olho profundamente acostumado a cadastrar rostos e objetos, e que agora só é capaz de capturar uma totalidade nebulosa e colorida sem componentes menores; se vê alguma coisa, isso é fato, mas não se sabe exatamente o quê
de um stan brakhage primeiro, curiosamente romântico, quieto, de um trabalho pouco narrativo e já um 'tantão' abstrato e explorativo; parece que todas as cenas pretendem transmitir a sensação de um não sei quê de lacônico, breve, temporário, tudo é genericamente temporário...cenários passam e somem; há um encontro, é o que parece, um amor de transeuntes, um flerte peripatético, namorinho fugaz, um romance que se esvai como um trem ou como um riozinho correndo leve, é daquelas paixões abreviadas pelas circunstâncias, os dois continuam andando solitários; nesse ínterim, o amor é uma expressão tão sinóptica, brevíssimo como olhar para algo bonito e depois ir embora sem olhar para trás
mas que belo tratado ao delírio, assistir a isso é como penetrar no cerne da loucura e na impulsividade primitiva de um desvairado, uma caricatura perfeita das pulsões, oh malditas sejam as pulsões! há tantas fundações a se fazer no mundo, uma delas é restabelecer esses olhares extraviados de frenesi e de demência; queria eu poder conviver melhor com esse arrebatamento de sentimentos, promover a eles todos uma via livre pra surgirem e me atormentarem de vez, com força e tesão, como o desgraçado assoviando e fazendo barulhos de vento como acompanhamento sonoro; um homem desequilibrado, impulsivo e que sofre de dores de cabeça frequentes; de humores serenos e irascíveis que se intercambiam como na arbitrariedade de um universo quântico fodido
tenho uma impressão obscura e dúbia de que essa tenha sido uma das primeiras ocasiões onde um filme comporta outro dentro da sua estrutura narrativa, como uma caixa dentro de outra caixa levemente maior, e aqui filma-se um filme, em sentido literal; deve ter aí também um tom bastante cômico em relação aos concursos de cinema e MUITA referência explícita às navalhas do buñuel e ao pioneirismo amador desses cineastas de vanguarda e do absurdo
histórias sobre amor e meninos e meninas? o fato dos três rapazes entusiastas de cinema não terem a menor ideia daquilo que iriam filmar já é um pretexto significativo para encontrar na expressão surrealista uma via de renascimento da potência de uma imaginação historicamente castrada, escarrada e guardada; de todos os movimentos de arte, o surrealismo é o mais eficaz em termos de liberação da arte e excomungação do sentido cotidiano e literal dos objetos, é por isso que me excita muito ver os caras filmando todas aquelas coisas e situações "ordinárias", banalidades como gatos sossegados, cortes e uma lâmpada sobre a frigideira... a lente surreal aí modela mundos através de uma aproximação entre sonho e realidade: surrealidade! o surrealismo como criação de imagens é extremamente vigoroso e adorável
o mais belo dos elementos de um videoclipe é vê-lo inventar uma sincronia artística entre a música e as imagens, um elo apreciativo entre som e matéria; nesse caso aqui, a canção russa sobre "outono, melancolia e amor morto" é muito bem simbolizada pelas cenas de uma natureza sorumbática, nevoeiros tristes, árvores grandes que caem e ondas que se quebram violentamente; indelevelmente, a música se encaminha para um florescer de primavera e a paisagem passa a se florir juntamente com o entusiasmo crescente da moça, agora sorridente, que canta
a câmera do brakhage capta muito mais do que a mera biologia situacional do nascimento, mas antes a religiosidade do parto, as aflições e ansiedades da mulher nesse estado de repouso agitado que antecipa esse quase ritual de passagem; o belíssimo corpo dela envolvido pela água e pelos fluídos corporais deixa a totalidade da cena ainda mais sublime e harmoniosa; por muitas vezes a lente se concentra em regiões específicas e as aproxima em close-ups e giros que chegamos ao inevitável pensamento de que o parto é um ato criativo, e de que desde a preparação até a concepção, trata-se de um exercício cerimonial de transcendência
um clérigo assaltado por tentações eróticas e psicóticas e que persegue libidinosamente a mulher de um general; a história que expressa pulsões e rachaduras internas parece se propor a sacudir algumas relações fundamentais de uma sociedade dita "organizada" , introduzindo dualidades como loucura-sanidade e sagrado-profano; apesar da narratividade se mostrar bastante opaca (o que é uma qualidade em termos surrealistas), se percebe uma proposta de movimento e de imagens que produzem uma espécie de náusea, e todas as portas, as fugas, os gestos e olhares inquisidores criam um cinema puro; e toda essa trama se interliga por pontes muito bem arquitetadas, também um punhado de sobreposições certeiras e surrealistas; ao final se tem uma obra de cinema quase como uma apresentação de dança, pois a dança nunca precisa se justificar, por que o cinema deveria? por isso que a dulac é certamente a pioneira do surrealismo no cinema, dos filmes de injustificações
esse trabalho anterior ao cidadão kane é um tanto grosseiro e exótico, mas declaradamente surrealista, claro... encontra-se aqui livre associação, cenário e personagens pitorescos e obsessão/apreciação artística pelos objetos per si; não é difícil notar que se trata de um flerte acentuado aos materiais de vanguarda produzidos por luis buñuel e jean cocteau; mas é também um deboche, obra parodiada e inflada de cenas hiperbólicas... não possui narratividade, e se possui, se trata de uma narrativa demasiadamente retalhada, o mosaico é tão vasto que a melhor forma de assistir é absorver a imagética e admirar as peças como obras em si... cada frame como uma escultura completa
retrato-cena-documento de um suposto orgulho cosmopolita nova iorquino narrado através dos versos do walt whitman; fotografias do imediatismo de uma cidade que não dorme; há um pequeno oceano de chapéus saindo de uma balça, pessoas apressadas, movimento e mais movimento... poderio industrial, arranha-céus tão altos que parecem heréticos, ofensas contra o céu; muita fumaça saindo pelas chaminés, indicando trabalho e produção, região cercada pela água, tão rodeada que parece flutuar. mais fumaça, fumaça, trem e metais.. ferro e ferro. esqueci de falar dos navios, monstros da água, colossos que simbolizam poder marítimo e prosperidade; uma grande ponte que interliga todo o movimento da cidade... já falei da fumaça?
hans richter é um pioneiro do cinema abstrato e, tal como os seus colegas cubistas, surrealistas e outros excêntricos vanguardistas da pintura ou da música, também interessava-se pela contemporaneidade que os conceitos de movimento, forma, ritmo e mecanismo adquiram na arte moderna; fez deles fonte de fecundidade artística; esse re-olhar jovial só é possível pela abertura "não- representacional" que o abstrato oferece aos artistas, um espaço para perscrutar a novidade inaugurada pelas vanguardas do século vinte como o automatismo criativo e a espontaneidade pura (mais tarde em pollock) e os traços, as linhas e as formas cientificamente posicionadas e estudadas dentro duma noção espacial bastante acautelada (kandinsky)
belíssima a confusão da dança entre a figura e o seu fundo, ou o fundo e a figura... onde a figura se move, ou o fundo é que se afasta... aporias da arte abstrata
numa viagem de navio o tempo é outro, e a fruição é também outra, o passeio marítimo não possui início, meio e fim, é tudo sempre incansavelmente mar, é uma sucessão de eterno-presente, de "agoras" reiterados; essas filmagens antigas de cinema puro, ou então, nesse caso, de paris vista sob o olhar do trem — onde a câmera maximiza os reflexos e os movimentos, distorce o tempo, alterna seus ângulos, analisa as arquiteturas e as estruturas com um olho eclético de criança curiosa — também não possui nenhuma linearidade temporal, a imperceptível passagem do tempo é sempre uma possibilidade de contemplação do agora, uma admiração cinemática deste instante; logo se percebe que uma história não é basilar, nem mesmo sentimos falta; a lente fotográfica atua aqui como uma projeção mais acurada do olho humano, assim explica-se paris vista de baixo pra cima, como quem investiga algo a partir de todos os pontos de vista possíveis para não deixar escapar nenhum pedaço; essa preciosidade, tal como todo o cinema, é uma aventura do olho
é inevitável desvincilhar-se da dramática teleologia que o arquétipo das escadarias significam; é diferente de apenas atravessar a rua, ir de um lado do parque para o outro, em suma, ir de um ponto 1 até outro ponto 2; os degraus são sempre um projeto, uma potencial novidade, uma excursão ao novo, um salto de contemporaneidade; achei super sofisticada a forma como o curta elabora uma batalha sísifica, uma labiríntica narratividade de não-finalidade, do passo que não leva a outro lugar, mas num eterno-aqui; esteticamente agradável e tormentoso; aliás, o homem é o único animal que sobe uma escada mesmo sabendo que não tem nada lá
murphy e leger conseguiram aglomerar tanta virtuosidade nesse compêndio de livres associações e experimentalismos que podemos chamar de dadaísmo no auge de seu amadurecimento artístico, aqui sim, "dadá é a alma-do-mundo", verdadeiramente alma-do-mundo, uma só coisa, sem distinção, tudo é potencialmente dança; há outras tantas subversividades vanguardistas — um futurismo resgatado através do frenesi da velocidade, da tão moderna modernidade da máquina e da existência urbana; o surrealismo manifestado pela espontaneidade do fluxo de imagens e delírios, e o cubismo enquanto dissolução da figura e distanciamento criativo da formalidade classicista do realismo; há também os objetos afastados de sua cotidianidade imediata que, sob um olhar mais forçoso, podem simbolizar um tipo de desprezo ao pragmatismo cego e às tendências tecnicistas, um padrão estilístico muito frequente nas obras de vanguarda da época, basta um olhar cuidadoso para os ready made do duchamp; tudo isso junto numa transa vertiginosa de 'não-narratividade' que compõe uma caprichada execução de um balé de geometrias, velocidade, movimento, sorrisos e máquinas
a impressão que tenho admirando as obras de gauguin é a de um movimento progressivamente ascendente em direção a um naturalismo existencial, sua vida foi uma eterna fuga para o campo, era um refugiado num desvio perpétuo do turbilhão de vozes da grande paris; a respeito de seus quadros, as cores têm algo de muito característico, poderíamos aludi-las como cores "gauguinianas", possuem uma configuração de argila — impressão estranhamente minha, indício da qual desconheço a origem — os corpos parecem dourados, os gramados de um verde vivíssimo, tanto quanto amarelados também; tais colorações e tonalidades promovem algum nível de tranquilidade e virgindade vital; de fato, seus retratos são mosaicos de tribos e de vivências imaculadas, cenas bonançosas, imagens sem nenhuma malícia metropolitana
o abstracionismo sintético das formas e o som computadorizado que acompanha o experimento eletrônico lembrando muito um ambiente dadaísta tardio florescendo no período entre guerras, como foi com hans richter e as primeiras composições de "música eletrônica"; as geometrias e as cores soam visuamente como um tipo de sequência de atividades quânticas ou como naquelas interações químicas ou de termodinâmica, de troca e emanações de energia; muito me agradam essas visualizações abstratas surgindo na arte moderna durante o séc.XX, porque vejo como uma renovação da consciência estética; um dos diagnósticos do abstrato na pintura, por exemplo, pode ser o surgimento da fotografia, que declara o fim da figuração na arte; e também, como investigam outros teóricos sob outros aspectos, a abstração burocrática das relações públicas refletindo na consciência moderna do fazer artístico
minha leitura de ônibus foi, por algum tempo, as cartas que van gogh direcionava para seu estimado irmão théo; acredito que tenha sido a leitura mais aprazível de que me recordo: aquelas páginas guardavam coleções de inseguranças, impulsos e paixões do pintor diante da sua realidade e dos tremores espirituais que sua obsessão por pintar lhe traziam; fiquei verdadeiramente aturdido ao perceber o domínio que van gogh tinha daquela atividade-de-espírito que ele se dedicava, ele falava das cores como quem fala sobre os móveis da própria casa; articulava seus discursos artísticos com prudência, dialogava com os mestres antigos como delacroix, bruegel e durer; isso demonstra uma tremenda lucidez dele e também o tesão pelos estudos de arte; terminei a leitura com a plena certeza de que ele era um estudioso miserável, um sujeito que seria capaz de vender sua alma pelas tintas, ou mesmo engolir tinta e se pintar por dentro
não é nenhuma novidade que as obras da deren são infladas de estudos experimentais sobre o movimento e a corporalidade, em suma, um exame estiloso sobre tudo aquilo que é indispensável para a execução de uma dança; uma coreografia pode ser traduzida pela capacidade de pensar e sentir o próprio corpo durante sua cinética fisiológica e em todas as suas tensões; diante de um trabalho com tanta mobilidade, músculos esticados e dinamismo, o único feitiço da qual fui acometido foi o de maravilhar-me com o espetáculo das danças em meio àquelas situações sociais, — as duas mulheres com um novelo, os dançarinos alternando seus pares a todo momento — que são meio-fatos, cenas incompletas, não revelam nenhum 'télos' narrativo, são ocasiões onde a finalidade da personagem e do enredo pouco importam, pois a atração principal não é a trama que espreita pelo novelo, ou a possível intriga entre os pares que dançam e se desviam rapidamente, mas antes a beleza cinética, é a dança que narra, o movimento é que nos encaminha uma história visual
encantador e lisérgico, hipnótico e lindo como olhar num caleidoscópio; sempre suspeitei que o cinema fosse uma superação do espaço e do tempo, um abraço estético-metafísico sobre a matéria, onde as lentes atuam como um fausto que captura a realidade embebido de todos os esoterismos disponíveis; a grandeza dessa obra reside em sua potência de jogar um turbilhão de novos olhares sobre os objetos; aqui a câmera fotografa o real sob outros ângulos, adultera a natureza com um manto de cores mais joviais e a descaracteriza atribuindo aos galopes e ao desfile aristocrático dos cavalos uma temporalidade inventada; fazer arte é também desvirtuar o tempo, (des)colorir corpos e fazer brotar um ato cosmogônico, parir outros cosmos
o caro senhor williamson tem o que podemos chamar de um espírito europeu científico, daqueles com largueza de alma o suficiente para experienciar-se em muitas áreas, desde farmácia, química e, por fim, cinema; é de se esperar que, como um pioneiro notável das filmagens, williamson deveria introduzir algo de inédito e fecundo ao processo do cinema, não somente no seu âmbito técnico e suas maquinarias, mas também incorporar novos estilos cinemáticos, modos de operar a câmera, estratégias de narrar e de acentuar a dramaticidade dos enredos; os close-ups demorados e os cortes sucintos entre uma cena e outra são soluções engenhosas para temperar as modestas tramas com ainda mais teatralidade de fluidez
quanta suntuosidade de espírito ele teve para pensar na ideia de um personagem aproximado ao extremo, tão rente ao 'olhar' da câmera a ponto de engoli-la: que noção metalínguistica apuradíssima pra essa época
hutton exercita uma filmagem contemplativa, direciona sua câmera para as folhas regidas pelo vento, para a luz solar que penetra curiosamente por entre as nuvens e a fumaça que se projeta tímida e quieta pra fora da terra; a beleza é tanta que a câmera pode se dar o luxo de permanecer fixa e deixar que a graciosidade das formas naturais protagonizem instintivamente o belo; parece haver até mesmo, em algum nível, um diálogo entre olho e cosmos ao longo desse tipo de encantamento da visão; não é nenhuma surpresa que o primeiro espanto fundamental da humanidade é com a magnitude e o charme do cosmos: estabelece-se uma conversa com o mundo, é possível escavar até alguns episódios dramáticos durante essas apreciações, então cria-se poesias, canções, odes ou então, pequenos curtas como esse
é um harmonioso estudo teatral sobre a mecânica dos movimentos e os gestos do tradicional treinamento de boxe chinês das escolas shaolin e wu tang capturado pelas lentes fotográficas; é o termo "cinemática" invocado em seu signo mais puro: movimento, velocidade, geometria do corpo; as artes marciais se confundem muitas vezes com o balé... sendo um pouco mais abrangente, misturam-se, por vezes, com a maestria e finesse corporal que uma dança bem coordenada exige; o combate marcial se transfigura numa espécie de poema-dança, onde os músculos que se contorce e os braços que ensaiam movimentos constroem versos e tecem estrofes
em termos de cenário, tudo o que se vê é a sombra do rapaz, que o acompanha durante a performance e uma flauta que fornece ainda mais espirituosidade e pomposidade para a cena, talvez evidenciando a preocupação da maya deren em contemplar esse aspecto das artes marciais: a desenvoltura lírica do corpo
estabeleço hoje meu primeiro contato com o cinema do grande sembene, aprecio apaixonadamente sua filmagem instintivamente denunciativa, suas narrativas sociais de uma senegal recortada pela desigualdade, traçada geograficamente por essa vida moderna que nunca chega às margens; ah o ideal moderno de existência digna e repleta de bonança! o cavalo pelo carro, o trabalho escravo pelo trabalho justo: suscedâneos de uma cultura colonialista que é ainda tão latente e continua a impregnar as cidades com segregações; a temática da religião também não é mero adorno fabulístico, a religiosidade muçulmana do protagonista parece revelar, do modo como vejo, um tipo de enfrentamento da realidade surrada por mazelas sociais, um escudo e uma possibilidade de transcendência da condição restrita da matéria e, portanto, uma via utópica
a experiência de assistir a essa obra dos anos quarenta trouxe à luz uma memória significativa que tenho de uma das aulas de estética na universidade; falávamos sobre hegel ou alguma coisa relacionada à historicidade da arte e meu professor citou goethe, que disse certa vez que a arquitetura é a música petrificada; hoje eu exercito o raciocínio contrário, que é tão válido quanto; não sei como ouvir a sonoridade celestial de um órgão e não imaginar suas ondas sonoras enrijecendo-se através do ar e moldando o concreto das paredes e a espessura e as cores dos vitrais do interior da igreja ou então o som de uma banda de rock progressivo, que do mesmo modo, eleva torres altíssimas ao longo da progressividade musical;
acho que esse curta é sobre equivaler a experiência auditiva e visual, fazendo os olhos consumirem a música com a mesma riqueza que os ouvidos são capazes
Os Incompreendidos
4.4 645 Assista Agoracerta vez eu li um texto sobre adolescência, sobre os seus portões ocultos e todos os conflitos que acompanham esse suposto rito de passagem que antecipa a vida adulta; era uma denúncia com d maiúsculo do hermetismo da condição de "ser adulto"; a história que envolve o garoto doinel é um desses ricos contos acerca de jovenzinhos incompreendidos e negligenciados pelos pais, que precisam envelhecer urgentemente, digo... tornarem-se adultos ou maduros, mergulharem de vez nas águas da vida séria - os termos-chave da vida adulta - apesar de estarem sem orientação alguma; doinel e seu amigo até fumam charutos e bebem, num ato cívico para parecem "crescidos" e terem atenção devida destas criaturas esquisitas que chamamos de adultos
Persian Series #5
3.9 1sou um admirador confesso dos tapetes persas, de suas cores vivazes e psicodélicas e suas e formas e fractais tão matemáticos quanto narcóticos; acredito que essa série exuberante de curtas abstratos do stan, além de outras tantas intenções artísticas, seja um poema visual supra sensível e uma digna homenagem aos tapetes persas; aqui o diretor desafia um olho profundamente acostumado a cadastrar rostos e objetos, e que agora só é capaz de capturar uma totalidade nebulosa e colorida sem componentes menores; se vê alguma coisa, isso é fato, mas não se sabe exatamente o quê
Interim
3.2 2de um stan brakhage primeiro, curiosamente romântico, quieto, de um trabalho pouco narrativo e já um 'tantão' abstrato e explorativo; parece que todas as cenas pretendem transmitir a sensação de um não sei quê de lacônico, breve, temporário, tudo é genericamente temporário...cenários passam e somem; há um encontro, é o que parece, um amor de transeuntes, um flerte peripatético, namorinho fugaz, um romance que se esvai como um trem ou como um riozinho correndo leve, é daquelas paixões abreviadas pelas circunstâncias, os dois continuam andando solitários; nesse ínterim, o amor é uma expressão tão sinóptica, brevíssimo como olhar para algo bonito e depois ir embora sem olhar para trás
The Way to Shadow Garden
3.9 3mas que belo tratado ao delírio, assistir a isso é como penetrar no cerne da loucura e na impulsividade primitiva de um desvairado, uma caricatura perfeita das pulsões, oh malditas sejam as pulsões! há tantas fundações a se fazer no mundo, uma delas é restabelecer esses olhares extraviados de frenesi e de demência; queria eu poder conviver melhor com esse arrebatamento de sentimentos, promover a eles todos uma via livre pra surgirem e me atormentarem de vez, com força e tesão, como o desgraçado assoviando e fazendo barulhos de vento como acompanhamento sonoro; um homem desequilibrado, impulsivo e que sofre de dores de cabeça frequentes; de humores serenos e irascíveis que se intercambiam como na arbitrariedade de um universo quântico fodido
Ainda - Como Eu e Você
3.2 1tenho uma impressão obscura e dúbia de que essa tenha sido uma das primeiras ocasiões onde um filme comporta outro dentro da sua estrutura narrativa, como uma caixa dentro de outra caixa levemente maior, e aqui filma-se um filme, em sentido literal; deve ter aí também um tom bastante cômico em relação aos concursos de cinema e MUITA referência explícita às navalhas do buñuel e ao pioneirismo amador desses cineastas de vanguarda e do absurdo
histórias sobre amor e meninos e meninas? o fato dos três rapazes entusiastas de cinema não terem a menor ideia daquilo que iriam filmar já é um pretexto significativo para encontrar na expressão surrealista uma via de renascimento da potência de uma imaginação historicamente castrada, escarrada e guardada; de todos os movimentos de arte, o surrealismo é o mais eficaz em termos de liberação da arte e excomungação do sentido cotidiano e literal dos objetos, é por isso que me excita muito ver os caras filmando todas aquelas coisas e situações "ordinárias", banalidades como gatos sossegados, cortes e uma lâmpada sobre a frigideira... a lente surreal aí modela mundos através de uma aproximação entre sonho e realidade: surrealidade! o surrealismo como criação de imagens é extremamente vigoroso e adorável
Romance Sentimental
3.9 9o mais belo dos elementos de um videoclipe é vê-lo inventar uma sincronia artística entre a música e as imagens, um elo apreciativo entre som e matéria; nesse caso aqui, a canção russa sobre "outono, melancolia e amor morto" é muito bem simbolizada pelas cenas de uma natureza sorumbática, nevoeiros tristes, árvores grandes que caem e ondas que se quebram violentamente; indelevelmente, a música se encaminha para um florescer de primavera e a paisagem passa a se florir juntamente com o entusiasmo crescente da moça, agora sorridente, que canta
Window Water Baby Moving
4.2 13a câmera do brakhage capta muito mais do que a mera biologia situacional do nascimento, mas antes a religiosidade do parto, as aflições e ansiedades da mulher nesse estado de repouso agitado que antecipa esse quase ritual de passagem; o belíssimo corpo dela envolvido pela água e pelos fluídos corporais deixa a totalidade da cena ainda mais sublime e harmoniosa; por muitas vezes a lente se concentra em regiões específicas e as aproxima em close-ups e giros que chegamos ao inevitável pensamento de que o parto é um ato criativo, e de que desde a preparação até a concepção, trata-se de um exercício cerimonial de transcendência
A Concha e o Clérigo
3.7 9um clérigo assaltado por tentações eróticas e psicóticas e que persegue libidinosamente a mulher de um general; a história que expressa pulsões e rachaduras internas parece se propor a sacudir algumas relações fundamentais de uma sociedade dita "organizada" , introduzindo dualidades como loucura-sanidade e sagrado-profano; apesar da narratividade se mostrar bastante opaca (o que é uma qualidade em termos surrealistas), se percebe uma proposta de movimento e de imagens que produzem uma espécie de náusea, e todas as portas, as fugas, os gestos e olhares inquisidores criam um cinema puro; e toda essa trama se interliga por pontes muito bem arquitetadas, também um punhado de sobreposições certeiras e surrealistas; ao final se tem uma obra de cinema quase como uma apresentação de dança, pois a dança nunca precisa se justificar, por que o cinema deveria? por isso que a dulac é certamente a pioneira do surrealismo no cinema, dos filmes de injustificações
Os Corações da Idade
3.0 10esse trabalho anterior ao cidadão kane é um tanto grosseiro e exótico, mas declaradamente surrealista, claro... encontra-se aqui livre associação, cenário e personagens pitorescos e obsessão/apreciação artística pelos objetos per si; não é difícil notar que se trata de um flerte acentuado aos materiais de vanguarda produzidos por luis buñuel e jean cocteau; mas é também um deboche, obra parodiada e inflada de cenas hiperbólicas... não possui narratividade, e se possui, se trata de uma narrativa demasiadamente retalhada, o mosaico é tão vasto que a melhor forma de assistir é absorver a imagética e admirar as peças como obras em si... cada frame como uma escultura completa
Manhatta
3.3 4retrato-cena-documento de um suposto orgulho cosmopolita nova iorquino narrado através dos versos do walt whitman; fotografias do imediatismo de uma cidade que não dorme; há um pequeno oceano de chapéus saindo de uma balça, pessoas apressadas, movimento e mais movimento... poderio industrial, arranha-céus tão altos que parecem heréticos, ofensas contra o céu; muita fumaça saindo pelas chaminés, indicando trabalho e produção, região cercada pela água, tão rodeada que parece flutuar. mais fumaça, fumaça, trem e metais.. ferro e ferro. esqueci de falar dos navios, monstros da água, colossos que simbolizam poder marítimo e prosperidade; uma grande ponte que interliga todo o movimento da cidade... já falei da fumaça?
Rhythmus 21
3.4 5hans richter é um pioneiro do cinema abstrato e, tal como os seus colegas cubistas, surrealistas e outros excêntricos vanguardistas da pintura ou da música, também interessava-se pela contemporaneidade que os conceitos de movimento, forma, ritmo e mecanismo adquiram na arte moderna; fez deles fonte de fecundidade artística; esse re-olhar jovial só é possível pela abertura "não- representacional" que o abstrato oferece aos artistas, um espaço para perscrutar a novidade inaugurada pelas vanguardas do século vinte como o automatismo criativo e a espontaneidade pura (mais tarde em pollock) e os traços, as linhas e as formas cientificamente posicionadas e estudadas dentro duma noção espacial bastante acautelada (kandinsky)
belíssima a confusão da dança entre a figura e o seu fundo, ou o fundo e a figura... onde a figura se move, ou o fundo é que se afasta... aporias da arte abstrata
Jeux des reflets et de la vitesse
4.1 1numa viagem de navio o tempo é outro, e a fruição é também outra, o passeio marítimo não possui início, meio e fim, é tudo sempre incansavelmente mar, é uma sucessão de eterno-presente, de "agoras" reiterados; essas filmagens antigas de cinema puro, ou então, nesse caso, de paris vista sob o olhar do trem — onde a câmera maximiza os reflexos e os movimentos, distorce o tempo, alterna seus ângulos, analisa as arquiteturas e as estruturas com um olho eclético de criança curiosa — também não possui nenhuma linearidade temporal, a imperceptível passagem do tempo é sempre uma possibilidade de contemplação do agora, uma admiração cinemática deste instante; logo se percebe que uma história não é basilar, nem mesmo sentimos falta; a lente fotográfica atua aqui como uma projeção mais acurada do olho humano, assim explica-se paris vista de baixo pra cima, como quem investiga algo a partir de todos os pontos de vista possíveis para não deixar escapar nenhum pedaço; essa preciosidade, tal como todo o cinema, é uma aventura do olho
Schody
4.2 2é inevitável desvincilhar-se da dramática teleologia que o arquétipo das escadarias significam; é diferente de apenas atravessar a rua, ir de um lado do parque para o outro, em suma, ir de um ponto 1 até outro ponto 2; os degraus são sempre um projeto, uma potencial novidade, uma excursão ao novo, um salto de contemporaneidade; achei super sofisticada a forma como o curta elabora uma batalha sísifica, uma labiríntica narratividade de não-finalidade, do passo que não leva a outro lugar, mas num eterno-aqui; esteticamente agradável e tormentoso; aliás, o homem é o único animal que sobe uma escada mesmo sabendo que não tem nada lá
Balé Mecânico
3.9 20murphy e leger conseguiram aglomerar tanta virtuosidade nesse compêndio de livres associações e experimentalismos que podemos chamar de dadaísmo no auge de seu amadurecimento artístico, aqui sim, "dadá é a alma-do-mundo", verdadeiramente alma-do-mundo, uma só coisa, sem distinção, tudo é potencialmente dança; há outras tantas subversividades vanguardistas — um futurismo resgatado através do frenesi da velocidade, da tão moderna modernidade da máquina e da existência urbana; o surrealismo manifestado pela espontaneidade do fluxo de imagens e delírios, e o cubismo enquanto dissolução da figura e distanciamento criativo da formalidade classicista do realismo; há também os objetos afastados de sua cotidianidade imediata que, sob um olhar mais forçoso, podem simbolizar um tipo de desprezo ao pragmatismo cego e às tendências tecnicistas, um padrão estilístico muito frequente nas obras de vanguarda da época, basta um olhar cuidadoso para os ready made do duchamp; tudo isso junto numa transa vertiginosa de 'não-narratividade' que compõe uma caprichada execução de um balé de geometrias, velocidade, movimento, sorrisos e máquinas
Gauguin
3.9 1a impressão que tenho admirando as obras de gauguin é a de um movimento progressivamente ascendente em direção a um naturalismo existencial, sua vida foi uma eterna fuga para o campo, era um refugiado num desvio perpétuo do turbilhão de vozes da grande paris; a respeito de seus quadros, as cores têm algo de muito característico, poderíamos aludi-las como cores "gauguinianas", possuem uma configuração de argila — impressão estranhamente minha, indício da qual desconheço a origem — os corpos parecem dourados, os gramados de um verde vivíssimo, tanto quanto amarelados também; tais colorações e tonalidades promovem algum nível de tranquilidade e virgindade vital; de fato, seus retratos são mosaicos de tribos e de vivências imaculadas, cenas bonançosas, imagens sem nenhuma malícia metropolitana
Five Film Exercises: Film 2-3
3.9 1o abstracionismo sintético das formas e o som computadorizado que acompanha o experimento eletrônico lembrando muito um ambiente dadaísta tardio florescendo no período entre guerras, como foi com hans richter e as primeiras composições de "música eletrônica"; as geometrias e as cores soam visuamente como um tipo de sequência de atividades quânticas ou como naquelas interações químicas ou de termodinâmica, de troca e emanações de energia; muito me agradam essas visualizações abstratas surgindo na arte moderna durante o séc.XX, porque vejo como uma renovação da consciência estética; um dos diagnósticos do abstrato na pintura, por exemplo, pode ser o surgimento da fotografia, que declara o fim da figuração na arte; e também, como investigam outros teóricos sob outros aspectos, a abstração burocrática das relações públicas refletindo na consciência moderna do fazer artístico
Van Gogh
4.0 7minha leitura de ônibus foi, por algum tempo, as cartas que van gogh direcionava para seu estimado irmão théo; acredito que tenha sido a leitura mais aprazível de que me recordo: aquelas páginas guardavam coleções de inseguranças, impulsos e paixões do pintor diante da sua realidade e dos tremores espirituais que sua obsessão por pintar lhe traziam; fiquei verdadeiramente aturdido ao perceber o domínio que van gogh tinha daquela atividade-de-espírito que ele se dedicava, ele falava das cores como quem fala sobre os móveis da própria casa; articulava seus discursos artísticos com prudência, dialogava com os mestres antigos como delacroix, bruegel e durer; isso demonstra uma tremenda lucidez dele e também o tesão pelos estudos de arte; terminei a leitura com a plena certeza de que ele era um estudioso miserável, um sujeito que seria capaz de vender sua alma pelas tintas, ou mesmo engolir tinta e se pintar por dentro
Ritual In Transfigured Time
4.1 11não é nenhuma novidade que as obras da deren são infladas de estudos experimentais sobre o movimento e a corporalidade, em suma, um exame estiloso sobre tudo aquilo que é indispensável para a execução de uma dança; uma coreografia pode ser traduzida pela capacidade de pensar e sentir o próprio corpo durante sua cinética fisiológica e em todas as suas tensões; diante de um trabalho com tanta mobilidade, músculos esticados e dinamismo, o único feitiço da qual fui acometido foi o de maravilhar-me com o espetáculo das danças em meio àquelas situações sociais, — as duas mulheres com um novelo, os dançarinos alternando seus pares a todo momento — que são meio-fatos, cenas incompletas, não revelam nenhum 'télos' narrativo, são ocasiões onde a finalidade da personagem e do enredo pouco importam, pois a atração principal não é a trama que espreita pelo novelo, ou a possível intriga entre os pares que dançam e se desviam rapidamente, mas antes a beleza cinética, é a dança que narra, o movimento é que nos encaminha uma história visual
Berlin Horse
3.9 2encantador e lisérgico, hipnótico e lindo como olhar num caleidoscópio; sempre suspeitei que o cinema fosse uma superação do espaço e do tempo, um abraço estético-metafísico sobre a matéria, onde as lentes atuam como um fausto que captura a realidade embebido de todos os esoterismos disponíveis; a grandeza dessa obra reside em sua potência de jogar um turbilhão de novos olhares sobre os objetos; aqui a câmera fotografa o real sob outros ângulos, adultera a natureza com um manto de cores mais joviais e a descaracteriza atribuindo aos galopes e ao desfile aristocrático dos cavalos uma temporalidade inventada; fazer arte é também desvirtuar o tempo, (des)colorir corpos e fazer brotar um ato cosmogônico, parir outros cosmos
The Big Swallow
4.2 16o caro senhor williamson tem o que podemos chamar de um espírito europeu científico, daqueles com largueza de alma o suficiente para experienciar-se em muitas áreas, desde farmácia, química e, por fim, cinema; é de se esperar que, como um pioneiro notável das filmagens, williamson deveria introduzir algo de inédito e fecundo ao processo do cinema, não somente no seu âmbito técnico e suas maquinarias, mas também incorporar novos estilos cinemáticos, modos de operar a câmera, estratégias de narrar e de acentuar a dramaticidade dos enredos; os close-ups demorados e os cortes sucintos entre uma cena e outra são soluções engenhosas para temperar as modestas tramas com ainda mais teatralidade de fluidez
quanta suntuosidade de espírito ele teve para pensar na ideia de um personagem aproximado ao extremo, tão rente ao 'olhar' da câmera a ponto de engoli-la: que noção metalínguistica apuradíssima pra essa época
Landscape (for Manon)
4.0 2hutton exercita uma filmagem contemplativa, direciona sua câmera para as folhas regidas pelo vento, para a luz solar que penetra curiosamente por entre as nuvens e a fumaça que se projeta tímida e quieta pra fora da terra; a beleza é tanta que a câmera pode se dar o luxo de permanecer fixa e deixar que a graciosidade das formas naturais protagonizem instintivamente o belo; parece haver até mesmo, em algum nível, um diálogo entre olho e cosmos ao longo desse tipo de encantamento da visão; não é nenhuma surpresa que o primeiro espanto fundamental da humanidade é com a magnitude e o charme do cosmos: estabelece-se uma conversa com o mundo, é possível escavar até alguns episódios dramáticos durante essas apreciações, então cria-se poesias, canções, odes ou então, pequenos curtas como esse
Meditation on Violence
3.5 10é um harmonioso estudo teatral sobre a mecânica dos movimentos e os gestos do tradicional treinamento de boxe chinês das escolas shaolin e wu tang capturado pelas lentes fotográficas; é o termo "cinemática" invocado em seu signo mais puro: movimento, velocidade, geometria do corpo; as artes marciais se confundem muitas vezes com o balé... sendo um pouco mais abrangente, misturam-se, por vezes, com a maestria e finesse corporal que uma dança bem coordenada exige; o combate marcial se transfigura numa espécie de poema-dança, onde os músculos que se contorce e os braços que ensaiam movimentos constroem versos e tecem estrofes
em termos de cenário, tudo o que se vê é a sombra do rapaz, que o acompanha durante a performance e uma flauta que fornece ainda mais espirituosidade e pomposidade para a cena, talvez evidenciando a preocupação da maya deren em contemplar esse aspecto das artes marciais: a desenvoltura lírica do corpo
O Carroceiro
4.2 12estabeleço hoje meu primeiro contato com o cinema do grande sembene, aprecio apaixonadamente sua filmagem instintivamente denunciativa, suas narrativas sociais de uma senegal recortada pela desigualdade, traçada geograficamente por essa vida moderna que nunca chega às margens; ah o ideal moderno de existência digna e repleta de bonança! o cavalo pelo carro, o trabalho escravo pelo trabalho justo: suscedâneos de uma cultura colonialista que é ainda tão latente e continua a impregnar as cidades com segregações; a temática da religião também não é mero adorno fabulístico, a religiosidade muçulmana do protagonista parece revelar, do modo como vejo, um tipo de enfrentamento da realidade surrada por mazelas sociais, um escudo e uma possibilidade de transcendência da condição restrita da matéria e, portanto, uma via utópica
The Eye & the Ear
3.3 1a experiência de assistir a essa obra dos anos quarenta trouxe à luz uma memória significativa que tenho de uma das aulas de estética na universidade; falávamos sobre hegel ou alguma coisa relacionada à historicidade da arte e meu professor citou goethe, que disse certa vez que a arquitetura é a música petrificada; hoje eu exercito o raciocínio contrário, que é tão válido quanto; não sei como ouvir a sonoridade celestial de um órgão e não imaginar suas ondas sonoras enrijecendo-se através do ar e moldando o concreto das paredes e a espessura e as cores dos vitrais do interior da igreja ou então o som de uma banda de rock progressivo, que do mesmo modo, eleva torres altíssimas ao longo da progressividade musical;
acho que esse curta é sobre equivaler a experiência auditiva e visual, fazendo os olhos consumirem a música com a mesma riqueza que os ouvidos são capazes