Palavras de Glauber Rocha sobre essa maravilha de filme:
"Em A falecida, Leon partiu do mundo fantasticamente moralista de Nelson Rodrigues. Nessa descida aos infernos da solidão da Zona Norte carioca, onde o homem premido pelo subdesenvolvido disfarçado das cidades alimenta as mais requintadas formas de autodestruição, Leon Hirszman, como diretor, faz a crítica de Nelson Rodrigues e, pela primeira vez, revela o autor social atrás do autor sexual. (...) Zulmira, na peça, quer um enterro de luxo e nesta obsessão envolve o marido. O sensacionalismo aparente do assunto é enxugado por Hirszman que faz emergir a solidão de um personagem inserido no imobilismo social: o apodrecimento prematuro de um meio social que não se resolve é dissecado palmo a palmo, nos gestos, nas paredes rachadas, nas ruas tristes, nos trens e bondes que se arrastam, no desemprego, na fome crônica. Nordeste na Zona Norte carioca, fuga da desgraça para o misticismo, A falecida é uma espécie de Vidas secas urbano. A vontade de morrer não é uma abstração, é um gesto suicida contra o imobilismo, por isto Zulmira é um personagem excepcional, heroína sem o caráter carregado de moralismo que caracteriza o drama populista. E mesmo depois da morte a frustração perdura: terá um enterro de quinta classe e o marido, moralmente assassinado, se entrega a outra compensação mística, o futebol, e em sua solidão não é vez nenhuma socorrido pela massa."
Escrito em 1968, presente no livro de Glauber "Revolução do Cinema Novo".
É meio triste que com tanto potencial pra ser algo marcante, o filme se limite quase sempre a criar cenas que só "funcionam" isoladamente, deixando de desenvolver o que há de mais interessante, seus personagens, pra focar em seu lado mais genérico. E não é questão de expectativa por conta da obra original: no próprio filme dá pra notar vários elementos que foram bem executados mas acabam ofuscados pela direção incompetente em tantos outros aspectos.
Por exemplo, a dinâmica entre as crianças é ótima e o casting foi perfeito. A relação entre elas, e sua oposição com os adultos, se encaixa muito bem com o tom ambíguo comédia/terror e orienta os melhores momentos do filme, nos quais problemas individuais mais pesados são tratados e mostram como é importante aquela amizade, aquele refúgio, pra todos do Clube dos Otários.
Infelizmente, não há a devida articulação entre esses traços particulares e as situações ligadas à Coisa, o que basicamente anula qualquer simbolismo ou significado mais profundo que possa surgir daí. Várias cenas "tensas" são praticamente jogadas sem qualquer contexto, e não contribuem nem com o desenvolvimento da história e dos personagens, e nem com a atmosfera sinistra que por vezes tenta-se construir. O que resta são jumpscares extremamente repetitivos que podem ser notados chegando a quilômetros de distância, com os mesmos efeitos sonoros e mesmos jogos de câmera. E mesmo que a história tente sugerir o contrário, tudo acaba reduzido ao icônico Pennywise. Fica claro que o diretor se escora na fama do personagem pra criar momentos de terror, que na obra de Stephen King é muito mais implícito na violência e caráter dos próprios moradores de Derry. Pennywise é uma questão a parte, porque o personagem é ótimo mas é muito mal aproveitado. Palmas pra cena do boeiro e uma ou outra mais longa que são ótimas, fora isso restam aparições de alguns segundos que diminuem e muito a grandeza do personagem.
É um filme pobre e só. A amizade e problemas pessoais das crianças, os problemas sociais de Derry, são pouco desenvolvidos pra dar espaço às convenções bobas do terror de hoje.
Resenha postada originalmente na página que participo no instagram: @resenhasmassa
Uma experiência sensorial que continuamente confronta o espectador com uma proximidade que sufoca: por um lado, retrato histórico direto e realista dos horrores da guerra e do nazismo; por outro, perspectiva pessoal do protagonista e sua progressiva perturbação mental traduzida em sons desconexos, situações absurdas e imagens incoerentes. Ambos apresentados simultaneamente: a impessoalidade da guerra em contraste com seus efeitos brutais sobre um indivíduo. E tal estilo singular é o responsável pelo enorme impacto que o filme causa.
Vários dos acontecimentos mostrados são perturbadores em essência, de modo que não seria desafio nenhum a um diretor gerar desconforto na audiência ao retratá-los. O impacto de Vá e Veja, porém, vai além disso e foca em desestabilizar o público pelos contrastes apresentados, e não necessariamente pelos eventos históricos em si: contraste entre as ilusões do protagonista, seu encanto pela participação na guerra, e a realidade grotesca que o acometerá; entre sua jovialidade inicial e sua degradação física e mental com o passar do tempo; entre o desespero dos camponeses e a diversão dos nazistas. Ainda nesse sentido, algumas ações e reações de personagens parecem incoerentes ou absurdas caso analisadas segundo a nossa vivência normal, mas seguem a lógica proposta pelo filme e, por isso, geram um contraste fundamental: entre a vida normal e aquela abalada pelos horrores do nazismo. Assim, a escolha de não desenvolver a história a partir de um fio condutor específico, deixando o protagonista sem rumo, foi acertada (e, na verdade, deixando a "história" como um todo em segundo plano, o que em certos pontos é questionável, mas, no geral, funciona), pois abre espaço pra melhor explorar sua percepção da realidade, que afinal é um dos destaques.
Ainda assim, é impressionante o equilíbrio que o filme consegue manter entre essa visão pessoal e abstrata e o aspecto quase documental em momentos nos quais assim é mais adequado. Tecnicamente, essa mesma ambiguidade se aplica: algumas cenas são extremamente fortes porque a câmera é colocada muito próxima aos personagens, acompanhando-os ou se posicionando como interlocutora (assim como o espectador, consequentemente); já outras (principalmente as finais), também pesadíssimas, o são porque a câmera é distante, impessoal, e evita mostrar visualmente a parte mais gráfica dos acontecimentos, transferindo ao som a função de deixar claro o que realmente está se passando.
Uma experiência única, um trabalho extremamente coeso que acerta sempre que tenta transmitir certas sensações.
É preciso reconhecer o trabalho monstruoso que deve ter sido filmar algo assim, e o grande destaque é o domínio do diretor em todas as cenas. Há tanta coisa acontecendo em cada quadro que às vezes é difícil de acompanhar e o filme tecnicamente funciona muito bem pra gerar esse efeito. Porém isso só teve algum impacto pra mim na primeira metade, de modo que nem a admiração diante da cuidado técnico anula a frustração diante do resto. Se a sequência seguinte (do restaurante) no começo parece que será razoavelmente interessante tal qual a primeira, logo se torna absolutamente insuportável, se estende muito mais do que devia e repete de forma muito menos agradável tudo que foi apresentado na primeira parte.
A única coisa que lembra Halloween nesse atentado contra a criação de John Carpenter é a trilha sonora, ótima como sempre, o resto parece que foi feito com o máximo de cuidado pra desafiar a inteligência do espectador a cada minuto e ir na contramão de tudo de bom que havia nos filmes anteriores. Imagino que ninguém vai assistir "Halloween 3" com altas expectativas (e logo nos primeiros momentos já fica claro que é um filme B). Se seguisse a fórmula dos anteriores, poderia até ser aceitável - genérico, mas aceitável. Poderia ser apenas ruim também, que não chegaria a ser uma decepção. Mas não, os produtores precisaram ir além e desenvolver algo de tão baixo nível que nem a justificativa de que "é um filme B" seria suficiente pra relevar os defeitos dessa obra.
O filme toma uma série de decisões questionáveis, mas que poderiam dar bons resultados: tirar o Michael Myers, inserir elementos de ficção científica, focar no gore... enfim, seria possível ignorar a essência de Halloween e mesmo assim lançar algo aceitável. Infelizmente, os envolvidos nesse trabalho desenvolvem tão porcamente todas suas ideias que se entende porque tais decisões eram questionáveis. Os novos vilões não tem nenhum carisma e se limitam a uma tentativa fracassada de emular o aspecto ameaçador de Michael Myers, mas com um resultado risível. Assim, simplesmente não existe tensão alguma, e o filme tenta compensar isso apelando pra gore e jumpscare (vale dizer nem isso é bem executado porque nos momentos com mais espaço pra criar algo mais chocante visualmente ele não tem coragem pra tanto).
É engraçado como o associação de problemas torna o filme tão desastroso. Caso o roteiro fosse mal elaborado, o diretor poderia criar cenas que não dependessem dele, com um trabalho de câmera mais engenhoso, enquadramentos melhores, ou algo assim. Caso o diretor fosse ruim, o roteiro poderia chamar atenção e criar uma história agradável. Mas todos são tão incompetentes que no final o resultado é esse. As cenas são filmadas com uma preguiça notável, sem qualquer compromisso em gerar nenhum efeito em quem assiste. Como já dito, a tensão é nula, e isso é mérito do diretor, que não tem o bom senso de apresentar de forma inteligente as situações promissoras do roteiro (as situações ruins em essência então nem se fala). O roteiro tenta ser mirabolante no seu aspecto geral, mas na hora de resolver seus conflitos mais simples (Como na maneira de um personagem escapar de uma situação) vai por caminhos tão ridículos que se torna impossível levar qualquer coisa a sério. Além disso os personagens são tão inúteis (e seus atores entregam performances tão irrelevantes que nem destaque por serem ruins merecem) que resta ao grande mistério da trama a função de despertar a atenção do espectador por uma hora e meia - e de fato isso poderia ocorrer, caso o roteiro não deixasse óbvias todas as reviravoltas possíveis antes da metade do filme. O resto da obra, portanto, se baseia em acompanhar a trajetória dos protagonistas, que por serem absolutamente sem graça tornam a experiência muito enfadonha.
Eu tentei achar indícios de que o filme era ruim de propósito, mas realmente não consegui, então é isto.
Apesar de abordar o tema dos relacionamentos abusivos com pouca profundidade e mesmo assim colocá-lo como um ponto central, o filme se desenvolve muito bem justamente porque nunca se escora nessa discussão temática pra dar continuidade à história, e acertadamente foca bem mais na elaboração do terror durante seu desenvolvimento. Nesse sentido, a ideia aparentemente ridícula do homem invisível funciona muito bem e adquire credibilidade porque o roteiro sabe explorar suas possíveis implicações de forma instigante e não tem medo de levá-las às últimas consequências, tomando decisões mais arriscadas que vão além de caminhos mais convencionais (ainda que algumas delas beirem o absurdo até mesmo pra proposta da história).
Vale destacar que, caso mal executado, o filme facilmente poderia virar chacota, o que inclusive tiraria o crédito do seu subtexto. Felizmente não é o que ocorre: o trabalho técnico com direção, edição e efeitos especiais, e a performance da Elizabeth Moss, ainda que não sejam brilhantes, dão o que o filme pra ser levado a sério e tornar a trama envolvente. Como dito antes, a abordagem temática poderia ser melhor, com menos diálogos tão expositivos, mas ela é especialmente boa ao elaborar a relação da protagonista com outros personagens, explorando como aquela é afetada pelos acontecimentos e as reações destes, e assim transmitindo bem a angústia da protagonista ao espectador.
O que mais lamento é que em um filme, no geral, tão competente, o trabalho sonoro seja tão preguiçoso. Em meio a uma tensão já existente, há efeitos sonoros horrorosos, muito altos e totalmente desnecessários que mais tiram a atenção do que qualquer outra coisa, sem falar na trilha sonora quase sempre deslocada. Em filmes de terror, normalmente o som tem uma função mais primordial que em outros gêneros, só que o trabalho executado aqui mais lembra filmes de terror ruins e genéricos baseados em jumpscare, nos quais o som é usado pra simular um sentimento que as imagens não conseguem passar. Como não é o caso de O Homem Invisível, só fica mais evidente como o som está no filme errado.
Enfim, o bom desenvolvimento geral compensa algumas decisões questionáveis na segunda metade da história; o aspecto técnico competente compensa o som ridículo; e o foco no desenvolvimento cuidadoso do terror e sua boa articulação com a discussão temática compensam a falta de complexidade desta.
Me surpreendi o uso da ficção científica pra justificar a existência do homem invisível. Acho que ficar apenas no espaço simbólico seria mais interessante, mas sem dúvida a resolução encontrada foi plausível, ainda mais considerando seu ótimo uso no final.
Apesar de alguns exageros em algumas cenas e algumas firulas técnicas que destoam do tom geral, é um filme que desenvolve de forma inteligente a interessante trama inicial e, a partir dela, discute com eficiência uma surpreendente variedade de temas. O grande acerto da diretora é não apelar pra um sentimentalismo raso ou frases de efeito (o que seria muito fácil e até típico em uma história desse tipo), de modo que grande parte do impacto emocional do filme é construído aos poucos, conforme os personagens vão demonstrando seus dramas internos, problemas familiares e suas diferenças culturais. Muito desse impacto ocorre pelo modo que a diretora consegue inserir o espectador quase como um personagem: Como sabemos de algo que a matriarca da família não sabe, tal qual os demais personagens (que escondem dela o real diagnóstico de sua doença), somos colocados como cúmplices, e, consequentemente, levados a refletir sobre essa posição em que nos encontramos, assim como ocorre com a protagonista. Esse ponto possibilita as cenas mais interessantes, nas quais há uma grande carga emocional que mesmo sendo evidente é apresentada de forma sutil.
Além de trabalhar bem a relação da família com a morte (com uma leveza que evita tornar o filme pedante ou meloso demais), o roteiro também utiliza da protagonista pra tratar do choque cultural, ao mesmo tempo em que ela funciona para conectar os ocidentais com a cultura chinesa (o contrário também é uma perspectiva possível), apresentando alguns costumes que seriam estranhos a aqueles mas que o filme trata com cuidado em sua discussão. Isso por vezes cria diálogos demasiado didáticos, o que poderia ser evitado não chega a incomodar.
No geral, é um filme que é efetivo por sua simplicidade. Tirando poucas exceções (algumas cenas desnecessárias e exageradas), ele mantém uma estética agradável mas que não chama atenção, reservando-a aos personagens e ao roteiro, e desse modo não tenta ser mais profundo do que é.
Eu jurava que seria um final aberto, até porque um final fechado (deixando claro se a Nai Nai vive ou morre, ou até com a cena de sua morte, por exemplo) não encaixaria bem. Mas me surpreendi, e foi uma grata surpresa ver a forma com que a diretora "fecha" o final.
Obviamente o problema não é propor uma narrativa em que "não acontece nada", vários filmes fazem isso muito bem e por vezes são bem mais profundos que aqueles com inúmeros acontecimentos; também não é ter um protagonista cujo principal traço é ser um estuprador niilista que não desperta qualquer empatia no espectador, até porque, pelo menos, o filme acerta em não transformá-lo em um tipo de anti-herói. O problema é basear totalmente o filme em uma pretensa filosofia do personagem principal, que leva a maioria das cenas e diálogos a diante, e ao mesmo desenvolver tão porcamente todos os personagens e ter uma postura tão acrítica sobre qualquer tema apresentado que todas as supostas reflexões do filme e os diálogos supostamente profundos viram um enfadonho e problemático espetáculo de vergonha alheia.
É notável que o filme tenta criar infinitos diálogos sobre niilismo, sentido da vida e afins, mas sem qualquer contexto ou motivação pra eles acontecerem. De modo que tudo parece forçado, atirado sem justificativa nas cenas e encaixado em personagens vazios. Pra ser justo, alguns trechos interessantes ainda se salvam, mas funcionariam mais como esquetes do que inseridas em um filme tão longo.
A forma que o estupro é retratado torna o filme ainda mais pobre em suas reflexões. O diretor repete tal ato de forma tão constante e desnecessária que consegue tratar um tema sério como algo banal e aceitável - e a grande questão a esse respeito é: isso não se limita à perspectiva do personagem (o que tornaria essa característica perdoável, tendo em vista a proposta deste), porque o roteiro também trata o estupro dessa forma quando o utiliza como mero recurso pra levar a narrativa pra frente (e pra dar, de forma extremamente preguiçosa, algum traço aos rasos personagens), sem apresentar consequências desse ato de forma realista ou coerente, e ignorando possíveis reflexões a respeito.
Se o filme quis incomodar ou ser desconfortável de assistir, conseguiu. Não em um estilo Michael Haneke, mas sim por articular tão mal temáticas e narrativa. E pra completar, o diretor nem dá a graça ao espectador de terminar a obra em 90 minutos, mas a estende por intermináveis duas horas e pouco, com cenas praticamente repetidas que além de não levar a narrativa pra lugar algum e criar situações ridículas de tão aleatórias, escancara ainda mais a falta de conteúdo.
Essa uma estrela e meia é pela grande performance do professor Lupin, que consegue a proeza de dar alguma vida a esses diálogos horrorosos. A trilha sonora é legal também. O resto é resto.
Billy Wilder consegue transformar uma história aparentemente convencional em algo mirabolante, e torna o previsível imprevisível. O filme brilha não necessariamente pelas coisas que acontecem, mas pelos caminhos que o roteiro encontrou pra chegar nesses acontecimentos. Outro roteirista provavelmente tornaria a trama extremamente clichê, mas é interessante que em alguns pontos ela não deixa de ser, só que tudo é tão bem colocado que seguir tais convenções, na verdade, deixa o filme mais envolvente. E isso só é possível porque os personagens são muito bem trabalhados e sua evolução durante a narrativa é certeira: em alguns momentos ela é mostrada de forma sutil e em outras de forma mais explícita, mas sempre coerente com as situações e com o caráter dos personagens. Sem falar na direção, que ao meu ver é a mais competente do Billy Wilder, com enquadramentos inteligentes e uma economia de cortes que dá um ritmo muito agradável ao filme. O meu preferido do diretor ainda é Double Indemninity, mas esse é cativante de um jeito especial.
O filme mais agressivo do Glauber, mais direto, e uma reflexão brilhante sobre a situação da oposição após o golpe militar. Muito fácil seria manter a postura de profeta revolucionário de Deus e o Diabo e idealizar a figura do intelectual/artista. O gênio de Glauber é evidente quando ele faz o contrário: assume como o momento é crítico, tem a coragem de se observar como derrotado, e mostra onde os intelectuais erraram. A pouca complexidade da narrativa em si e a falta de preocupação com alguns aspectos técnicos se compensam pela complexidade temática, alegorias certeiras, e a genial composição das cenas. Os defeitos, na verdade, são até justificáveis quando se considera a proposta e o caráter de urgência do filme.
A maior força do filme vem da unidade entre estilo e seus temas principais: morte e abandono. Parece que tudo é pensado pra te afundar na visão de mundo desoladora do diretor. As cores são sempre frias, o céu é sempre vazio, quase nunca aparece alguém no cenário além dos personagens. Assim, alguns diálogos que a princípio poderiam ser bestas adquirem muito mais significado quando todo o universo do filme demonstra que eles fazem sentido. Se um personagem diz que não tem esperança, após acompanhá-lo por tantos minutos, conhecer seu plano de fundo e ver sua interação com os outros, tal fala se torna mais compreensível e vai além da aparente superficialidade. Em parte, essa empatia bem singular pelos personagens e acontecimentos é possível graças ao ritmo extremamente lento e realista e a enorme duração do filme. Porém, não tive a impressão de que o filme ficou chato por isso, porque o diretor utiliza bem o tempo pra apresentar vários pontos de vista sobre os temas e desenvolvê-los em diversas situações (que, no geral, se alinham em um plot principal bem coerente e instigante, que não perde tempo em pontos que não serão relevantes depois) e em cada personagem: o idoso isolado pela família, o jovem desprezado pelos pais que por um azar momentâneo transforma seu futuro, a jovem humilhada pela mãe autoritária. Todos eles passam por problemas semelhantes, mas cada um com suas particularidades. Nas cenas em que os conhecemos melhor, nota-se como o estilo minimalista é importante pra gerar um efeito e criar um valor simbólico que não teriam com uma edição ágil, por exemplo, e aspectos técnicos mais "evidentes".
A beleza particular do filme, na verdade, vem do quão revelador ele é em relação ao próprio diretor, que infelizmente levou seu pessimismo às últimas consequências. Não é preciso concordar com a perspectiva apresentada aqui, mas é preciso reconhecer o talento e cuidado do diretor ao expressá-la tão bem.
É filmado como um terror, mas a dupla de personagens principais age como uma dupla de palhaços em uma comédia, totalmente indiferente a tudo exceto o entretenimento do público, e esperam que o espectador seja tão indiferente quanto eles. E até que ponto não somos? Óbvio que assistindo um filme todos sabemos que é só uma ficção com atores, mas o prazer que surge com a violência retratada na mídia (como um todo, não só em filmes) não pode tirar nossa sensibilidade à violência real?
O estranhamento em relação ao comportamento já citado dos personagens surge porque eles não estão em sua posição típica: ou seja, isolados, distantes de um espectador que presencia atos violentos na tela sem correr qualquer perigo - como um entretenimento que no fim satisfaz as expectativas. No filme, a posição é outra: quando os personagens confrontam diretamente quem assiste e negam as convenções de uma narrativa satisfatória, a indiferença em relação à violência, típica e normal do espectador, agora parece deslocada e perturbadora quando percebida nos personagens. (Assim como Haneke mostra em O Video de Benny, que também questiona as consequências de uma relação irresponsável com a mídia)
Parece contraditório, mas é muito interessante que o fato de o próprio filme assumir que tudo não passa de ficção, torna a experiência bem mais perturbadora do que seria caso fosse uma narrativa normal. Vários filmes tem o objetivo de ser muito violentos, chochantes, etc. Mas Funny Games consegue ser ainda mais porque ele não só choca pelo acontece à família torturada, mas também pelo que acontece ao espectador: ele nos coloca como personagens, brinca com nossas expectativas ao assistir a um filme desse tipo. Mesmo quando ele finalmente parece que vai satisfaze-las e dar uma justificativa razoável pros acontecimentos, acontece o contrário: no momento em que um dos personagens segue as convenções e explica a origem da sua psicopatia (um lar desestruturado, uma família violenta, etc) logo o outro nos lembra que isso é mentira - não só porque estamos vendo uma obra de ficção, mas também porque, para a violência real, muitas vezes uma explicação como aquela não existe. Se em relação a um filme podemos nos confortar e lembrar que aquilo não aconteceu de verdade, em relação ao que acontece na realidade e não podemos fazer nada, nós e o mundo somos tão indiferentes quanto a tv que continua transmitindo depois de um assassinato. O problema talvez surja quando esquecemos de distinguir a ficção do real, e percebemos ambos da mesma forma (e também quando o real na mídia nos parece ficção)
Tudo isso é mostrado através de um suspense perfeitamente construído, que engana constantemente: várias cenas dão esperança e alimentam mais nossas expectativas de que o filme vai ter um desfecho comum (e a história se desenrola de modo a tornar isso totalmente plausível), mas só servem pra deixar a negação destas mais explicita e tornar a decepção ainda maior.
Enfim, à parte de questões sobre a validade desse remake, é tão brilhante e bem executado quanto o original.
É curioso como um diretor com tanto a dizer fez um filme que diz tão pouco. Mesmo contando uma história bem diferente das outras de sua filmografia, Haneke mantém elementos que funcionam perfeitamente nos seus filmes anteriores pela proposta que apresentam, mas nesse parecem deslocados e inseridos de forma preguiçosa. A falta de contexto, por exemplo, é praticamente a base de Código Desconhecido. Por isso, vários acontecimentos aparentemente aleatórios e difíceis de entender se encaixam e adquirem um significado quando vistos no conjunto da obra. Diferente de Funny Games ou O Sétimo Continente, nos quais há uma coesão maior e os personagens são melhor apresentados, e assim o desenrolar da história se torna tão envolvente e impactante. Porém, aqui há uma mistura mal feita desses dois aspectos e nenhum deles funciona bem. Os personagens não tem contexto (apesar das boas performances) e explicações sobre o universo da história são ignoradas, e mesmo assim a trama se desenrola como se tudo tivesse sido bem apresentado e desenvolvido. Assim, eventos que em outros filmes do Haneke seriam muito perturbadores, aqui se tornam quase banais, porque não foram bem articulados nem com os personagens nem com uma ideia geral da história. No fim, é decepcionante ver um diretor que sabe criar uma imersão única fazer um filme tão sem carisma e genérico em diversos momentos.
Por um lado, o filme é muito competente ao tratar da igualdade, relacionando-a com a linguagem, nacionalidades, imigração, enfim, e consegue usar desse princípio pra tornar a história interessante: a grande reviravolta funciona justamente porque, além da trama, ela também conclui perfeitamente a reflexão que o filme fazia até então.
Só que, por outro lado, não posso ignorar como o relacionamento dos personagens é risível de tão absurdo, assim como várias de suas ações são incoerentes até mesmo com a falta de noção já apresentada dos personagens principais. O pior é que a história depende das atitudes idiotas destes pra ser desenvolvida, tornando até as partes que funcionam bem meio forçadas, e culminando naquele final completamente ridículo e (sem querer) cômico.
Demorei a chegar nessa conclusão e queria ter gostado mais já que gosto muito da Julie Delpy, mas, no geral: mesmo tendo algumas coisas muito boas, mas não dá pra relevar que essa história toda não teria acontecido caso os personagens percebessem que precisam de um psiquiatra urgente.
O filme consegue criar uma certa imersão no contexto da época, com desolação e isolamento, graças à linda fotografia, mas desenvolve muito mal a história a partir disso. A repetição de certas situações várias vezes pouco ou nada acrescenta na história como um todo, e ainda torna o seu ritmo (já lento) mais desgastante. Assim, fica a impressão de que falta conteúdo: alguns diálogos bem interessantes, que finalmente se alinham com a proposta de discutir a condição humana, sexualidade, etc, ficam jogados em meio a outros que o espectador praticamente já viu em cenas anteriores ou que não acrescentam nada na narrativa. Por isso, o filme raramente desenvolve bem o drama ou o terror. Ambos (mesmo o terror sendo um elemento bem secundário) só funcionam bem na última cena, justamente por ela ser a única na qual a narrativa é muito bem executada e casa perfeitamente com a discussão geral e estética do filme.
O grande mérito dessa sequência é como ela mantém muito bem a atmosfera repugnante de submundo do filme anterior, sendo cru e realista do mesmo jeito, e ainda assim consegue desenvolver melhor os personagens. E esse desenvolvimento é muito singular, porque o diretor não idealiza ou romantiza a vida de crime dos personagens, tampouco tenta justificar suas ações com coisas que aconteceram em suas vidas pra gerar mais facilmente empatia no espectador: eles continuam asquerosos do mesmo jeito, mas, além disso, agora também são miseráveis. Tonny, que a princípio era só um criminoso sem profundidade, agora é mostrado como solitário, sem objetivos, sem futuro e sem família. Depois de algumas cenas empolgantes de roubo com uma trilha sonora pesada, e outras de sexo e uso de drogas, descobrimos as angústias de Tonny (ao mesmo tempo que ele). Além do plot instigante e da direção competente, o que torna o filme mais interessante é essa dinâmica entre um personagem repulsivo que aos poucos revela a consciência de sua miséria, e o espectador, que inesperadamente começa a se importar com aquele e, no final, ainda é levado a ter esperança de superação.
É realmente fantástico ver um trabalho tão pessoal. Constantemente tive a sensação de estar vendo uma autobiografia ou um documentário no qual o personagem principal era o próprio Kiarostami. Isso torna a experiência mais impactante, você consegue perceber o quanto de paixão é transmitida na tela, os personagens deixam de ser só personagens, o que não seria possível se o diretor não ditasse seu ritmo e estética próprios para tal narrativa. O final, que a princípio achei confuso, mais tarde me pareceu ideal. Ele mostra bem como esse filme rompe as barreiras entre ficção e vida real: por um lado mostra como uma pode apoiar a existência da outra, e por outro conclui a ideia geral do filme.
A Falecida
4.1 106Palavras de Glauber Rocha sobre essa maravilha de filme:
"Em A falecida, Leon partiu do mundo fantasticamente moralista de Nelson Rodrigues. Nessa descida aos infernos da solidão da Zona Norte carioca, onde o homem premido pelo subdesenvolvido disfarçado das cidades alimenta as mais requintadas formas de autodestruição, Leon Hirszman, como diretor, faz a crítica de Nelson Rodrigues e, pela primeira vez, revela o autor social atrás do autor sexual.
(...)
Zulmira, na peça, quer um enterro de luxo e nesta obsessão envolve o marido. O sensacionalismo aparente do assunto é enxugado por Hirszman que faz emergir a solidão de um personagem inserido no imobilismo social: o apodrecimento prematuro de um meio social que não se resolve é dissecado palmo a palmo, nos gestos, nas paredes rachadas, nas ruas tristes, nos trens e bondes que se arrastam, no desemprego, na fome crônica.
Nordeste na Zona Norte carioca, fuga da desgraça para o misticismo, A falecida é uma espécie de Vidas secas urbano. A vontade de morrer não é uma abstração, é um gesto suicida contra o imobilismo, por isto Zulmira é um personagem excepcional, heroína sem o caráter carregado de moralismo que caracteriza o drama populista. E mesmo depois da morte a frustração perdura: terá um enterro de quinta classe e o marido, moralmente assassinado, se entrega a outra compensação mística, o futebol, e em sua solidão não é vez nenhuma socorrido pela massa."
Escrito em 1968, presente no livro de Glauber "Revolução do Cinema Novo".
It: A Coisa
3.9 3,0K Assista AgoraÉ meio triste que com tanto potencial pra ser algo marcante, o filme se limite quase sempre a criar cenas que só "funcionam" isoladamente, deixando de desenvolver o que há de mais interessante, seus personagens, pra focar em seu lado mais genérico.
E não é questão de expectativa por conta da obra original: no próprio filme dá pra notar vários elementos que foram bem executados mas acabam ofuscados pela direção incompetente em tantos outros aspectos.
Por exemplo, a dinâmica entre as crianças é ótima e o casting foi perfeito. A relação entre elas, e sua oposição com os adultos, se encaixa muito bem com o tom ambíguo comédia/terror e orienta os melhores momentos do filme, nos quais problemas individuais mais pesados são tratados e mostram como é importante aquela amizade, aquele refúgio, pra todos do Clube dos Otários.
Infelizmente, não há a devida articulação entre esses traços particulares e as situações ligadas à Coisa, o que basicamente anula qualquer simbolismo ou significado mais profundo que possa surgir daí. Várias cenas "tensas" são praticamente jogadas sem qualquer contexto, e não contribuem nem com o desenvolvimento da história e dos personagens, e nem com a atmosfera sinistra que por vezes tenta-se construir.
O que resta são jumpscares extremamente repetitivos que podem ser notados chegando a quilômetros de distância, com os mesmos efeitos sonoros e mesmos jogos de câmera.
E mesmo que a história tente sugerir o contrário, tudo acaba reduzido ao icônico Pennywise. Fica claro que o diretor se escora na fama do personagem pra criar momentos de terror, que na obra de Stephen King é muito mais implícito na violência e caráter dos próprios moradores de Derry. Pennywise é uma questão a parte, porque o personagem é ótimo mas é muito mal aproveitado. Palmas pra cena do boeiro e uma ou outra mais longa que são ótimas, fora isso restam aparições de alguns segundos que diminuem e muito a grandeza do personagem.
É um filme pobre e só. A amizade e problemas pessoais das crianças, os problemas sociais de Derry, são pouco desenvolvidos pra dar espaço às convenções bobas do terror de hoje.
Resenha postada originalmente na página que participo no instagram: @resenhasmassa
Vá e Veja
4.5 755 Assista AgoraUma experiência sensorial que continuamente confronta o espectador com uma proximidade que sufoca: por um lado, retrato histórico direto e realista dos horrores da guerra e do nazismo; por outro, perspectiva pessoal do protagonista e sua progressiva perturbação mental traduzida em sons desconexos, situações absurdas e imagens incoerentes. Ambos apresentados simultaneamente: a impessoalidade da guerra em contraste com seus efeitos brutais sobre um indivíduo. E tal estilo singular é o responsável pelo enorme impacto que o filme causa.
Vários dos acontecimentos mostrados são perturbadores em essência, de modo que não seria desafio nenhum a um diretor gerar desconforto na audiência ao retratá-los. O impacto de Vá e Veja, porém, vai além disso e foca em desestabilizar o público pelos contrastes apresentados, e não necessariamente pelos eventos históricos em si: contraste entre as ilusões do protagonista, seu encanto pela participação na guerra, e a realidade grotesca que o acometerá; entre sua jovialidade inicial e sua degradação física e mental com o passar do tempo; entre o desespero dos camponeses e a diversão dos nazistas. Ainda nesse sentido, algumas ações e reações de personagens parecem incoerentes ou absurdas caso analisadas segundo a nossa vivência normal, mas seguem a lógica proposta pelo filme e, por isso, geram um contraste fundamental: entre a vida normal e aquela abalada pelos horrores do nazismo.
Assim, a escolha de não desenvolver a história a partir de um fio condutor específico, deixando o protagonista sem rumo, foi acertada (e, na verdade, deixando a "história" como um todo em segundo plano, o que em certos pontos é questionável, mas, no geral, funciona), pois abre espaço pra melhor explorar sua percepção da realidade, que afinal é um dos destaques.
Ainda assim, é impressionante o equilíbrio que o filme consegue manter entre essa visão pessoal e abstrata e o aspecto quase documental em momentos nos quais assim é mais adequado. Tecnicamente, essa mesma ambiguidade se aplica: algumas cenas são extremamente fortes porque a câmera é colocada muito próxima aos personagens, acompanhando-os ou se posicionando como interlocutora (assim como o espectador, consequentemente); já outras (principalmente as finais), também pesadíssimas, o são porque a câmera é distante, impessoal, e evita mostrar visualmente a parte mais gráfica dos acontecimentos, transferindo ao som a função de deixar claro o que realmente está se passando.
Uma experiência única, um trabalho extremamente coeso que acerta sempre que tenta transmitir certas sensações.
O Terceiro Homem
4.2 175 Assista AgoraÓtimo mas por que essa trilha sonora de Bob Esponja???????
Pai e Filha
4.3 54 Assista AgoraEm japonês eles não dizem "sim", eles dizem "hmmm" and I think that's beautiful
Playtime - Tempo de Diversão
4.0 54É preciso reconhecer o trabalho monstruoso que deve ter sido filmar algo assim, e o grande destaque é o domínio do diretor em todas as cenas. Há tanta coisa acontecendo em cada quadro que às vezes é difícil de acompanhar e o filme tecnicamente funciona muito bem pra gerar esse efeito.
Porém isso só teve algum impacto pra mim na primeira metade, de modo que nem a admiração diante da cuidado técnico anula a frustração diante do resto. Se a sequência seguinte (do restaurante) no começo parece que será razoavelmente interessante tal qual a primeira, logo se torna absolutamente insuportável, se estende muito mais do que devia e repete de forma muito menos agradável tudo que foi apresentado na primeira parte.
Halloween III: A Noite das Bruxas
2.3 482 Assista AgoraA única coisa que lembra Halloween nesse atentado contra a criação de John Carpenter é a trilha sonora, ótima como sempre, o resto parece que foi feito com o máximo de cuidado pra desafiar a inteligência do espectador a cada minuto e ir na contramão de tudo de bom que havia nos filmes anteriores.
Imagino que ninguém vai assistir "Halloween 3" com altas expectativas (e logo nos primeiros momentos já fica claro que é um filme B). Se seguisse a fórmula dos anteriores, poderia até ser aceitável - genérico, mas aceitável. Poderia ser apenas ruim também, que não chegaria a ser uma decepção. Mas não, os produtores precisaram ir além e desenvolver algo de tão baixo nível que nem a justificativa de que "é um filme B" seria suficiente pra relevar os defeitos dessa obra.
O filme toma uma série de decisões questionáveis, mas que poderiam dar bons resultados: tirar o Michael Myers, inserir elementos de ficção científica, focar no gore... enfim, seria possível ignorar a essência de Halloween e mesmo assim lançar algo aceitável. Infelizmente, os envolvidos nesse trabalho desenvolvem tão porcamente todas suas ideias que se entende porque tais decisões eram questionáveis. Os novos vilões não tem nenhum carisma e se limitam a uma tentativa fracassada de emular o aspecto ameaçador de Michael Myers, mas com um resultado risível. Assim, simplesmente não existe tensão alguma, e o filme tenta compensar isso apelando pra gore e jumpscare (vale dizer nem isso é bem executado porque nos momentos com mais espaço pra criar algo mais chocante visualmente ele não tem coragem pra tanto).
É engraçado como o associação de problemas torna o filme tão desastroso. Caso o roteiro fosse mal elaborado, o diretor poderia criar cenas que não dependessem dele, com um trabalho de câmera mais engenhoso, enquadramentos melhores, ou algo assim. Caso o diretor fosse ruim, o roteiro poderia chamar atenção e criar uma história agradável.
Mas todos são tão incompetentes que no final o resultado é esse. As cenas são filmadas com uma preguiça notável, sem qualquer compromisso em gerar nenhum efeito em quem assiste. Como já dito, a tensão é nula, e isso é mérito do diretor, que não tem o bom senso de apresentar de forma inteligente as situações promissoras do roteiro (as situações ruins em essência então nem se fala).
O roteiro tenta ser mirabolante no seu aspecto geral, mas na hora de resolver seus conflitos mais simples (Como na maneira de um personagem escapar de uma situação) vai por caminhos tão ridículos que se torna impossível levar qualquer coisa a sério. Além disso os personagens são tão inúteis (e seus atores entregam performances tão irrelevantes que nem destaque por serem ruins merecem) que resta ao grande mistério da trama a função de despertar a atenção do espectador por uma hora e meia - e de fato isso poderia ocorrer, caso o roteiro não deixasse óbvias todas as reviravoltas possíveis antes da metade do filme. O resto da obra, portanto, se baseia em acompanhar a trajetória dos protagonistas, que por serem absolutamente sem graça tornam a experiência muito enfadonha.
Eu tentei achar indícios de que o filme era ruim de propósito, mas realmente não consegui, então é isto.
O Homem Invisível
3.8 2,0K Assista AgoraApesar de abordar o tema dos relacionamentos abusivos com pouca profundidade e mesmo assim colocá-lo como um ponto central, o filme se desenvolve muito bem justamente porque nunca se escora nessa discussão temática pra dar continuidade à história, e acertadamente foca bem mais na elaboração do terror durante seu desenvolvimento.
Nesse sentido, a ideia aparentemente ridícula do homem invisível funciona muito bem e adquire credibilidade porque o roteiro sabe explorar suas possíveis implicações de forma instigante e não tem medo de levá-las às últimas consequências, tomando decisões mais arriscadas que vão além de caminhos mais convencionais (ainda que algumas delas beirem o absurdo até mesmo pra proposta da história).
Vale destacar que, caso mal executado, o filme facilmente poderia virar chacota, o que inclusive tiraria o crédito do seu subtexto. Felizmente não é o que ocorre: o trabalho técnico com direção, edição e efeitos especiais, e a performance da Elizabeth Moss, ainda que não sejam brilhantes, dão o que o filme pra ser levado a sério e tornar a trama envolvente. Como dito antes, a abordagem temática poderia ser melhor, com menos diálogos tão expositivos, mas ela é especialmente boa ao elaborar a relação da protagonista com outros personagens, explorando como aquela é afetada pelos acontecimentos e as reações destes, e assim transmitindo bem a angústia da protagonista ao espectador.
O que mais lamento é que em um filme, no geral, tão competente, o trabalho sonoro seja tão preguiçoso. Em meio a uma tensão já existente, há efeitos sonoros horrorosos, muito altos e totalmente desnecessários que mais tiram a atenção do que qualquer outra coisa, sem falar na trilha sonora quase sempre deslocada. Em filmes de terror, normalmente o som tem uma função mais primordial que em outros gêneros, só que o trabalho executado aqui mais lembra filmes de terror ruins e genéricos baseados em jumpscare, nos quais o som é usado pra simular um sentimento que as imagens não conseguem passar. Como não é o caso de O Homem Invisível, só fica mais evidente como o som está no filme errado.
Enfim, o bom desenvolvimento geral compensa algumas decisões questionáveis na segunda metade da história; o aspecto técnico competente compensa o som ridículo; e o foco no desenvolvimento cuidadoso do terror e sua boa articulação com a discussão temática compensam a falta de complexidade desta.
Me surpreendi o uso da ficção científica pra justificar a existência do homem invisível. Acho que ficar apenas no espaço simbólico seria mais interessante, mas sem dúvida a resolução encontrada foi plausível, ainda mais considerando seu ótimo uso no final.
Bicho de Sete Cabeças
4.0 1,1K Assista AgoraOthon Bastos monstro sagrado do cinema brasileiro
A Despedida
4.0 298Apesar de alguns exageros em algumas cenas e algumas firulas técnicas que destoam do tom geral, é um filme que desenvolve de forma inteligente a interessante trama inicial e, a partir dela, discute com eficiência uma surpreendente variedade de temas.
O grande acerto da diretora é não apelar pra um sentimentalismo raso ou frases de efeito (o que seria muito fácil e até típico em uma história desse tipo), de modo que grande parte do impacto emocional do filme é construído aos poucos, conforme os personagens vão demonstrando seus dramas internos, problemas familiares e suas diferenças culturais.
Muito desse impacto ocorre pelo modo que a diretora consegue inserir o espectador quase como um personagem: Como sabemos de algo que a matriarca da família não sabe, tal qual os demais personagens (que escondem dela o real diagnóstico de sua doença), somos colocados como cúmplices, e, consequentemente, levados a refletir sobre essa posição em que nos encontramos, assim como ocorre com a protagonista.
Esse ponto possibilita as cenas mais interessantes, nas quais há uma grande carga emocional que mesmo sendo evidente é apresentada de forma sutil.
Além de trabalhar bem a relação da família com a morte (com uma leveza que evita tornar o filme pedante ou meloso demais), o roteiro também utiliza da protagonista pra tratar do choque cultural, ao mesmo tempo em que ela funciona para conectar os ocidentais com a cultura chinesa (o contrário também é uma perspectiva possível), apresentando alguns costumes que seriam estranhos a aqueles mas que o filme trata com cuidado em sua discussão. Isso por vezes cria diálogos demasiado didáticos, o que poderia ser evitado não chega a incomodar.
No geral, é um filme que é efetivo por sua simplicidade. Tirando poucas exceções (algumas cenas desnecessárias e exageradas), ele mantém uma estética agradável mas que não chama atenção, reservando-a aos personagens e ao roteiro, e desse modo não tenta ser mais profundo do que é.
Eu jurava que seria um final aberto, até porque um final fechado (deixando claro se a Nai Nai vive ou morre, ou até com a cena de sua morte, por exemplo) não encaixaria bem. Mas me surpreendi, e foi uma grata surpresa ver a forma com que a diretora "fecha" o final.
Love
3.5 883 Assista AgoraBem que poderiam avisar o Gaspar Noé que só botar uma música legal em uma cena idiota não a torna poética ou profunda...
Um Lobisomem Americano em Londres
3.7 612Tem que bater palma pra quem fez a seleção de elenco desse filme: não conseguindo o Al Pacino, acharam um Al Pacino genérico
Nu
4.0 126Obviamente o problema não é propor uma narrativa em que "não acontece nada", vários filmes fazem isso muito bem e por vezes são bem mais profundos que aqueles com inúmeros acontecimentos; também não é ter um protagonista cujo principal traço é ser um estuprador niilista que não desperta qualquer empatia no espectador, até porque, pelo menos, o filme acerta em não transformá-lo em um tipo de anti-herói.
O problema é basear totalmente o filme em uma pretensa filosofia do personagem principal, que leva a maioria das cenas e diálogos a diante, e ao mesmo desenvolver tão porcamente todos os personagens e ter uma postura tão acrítica sobre qualquer tema apresentado que todas as supostas reflexões do filme e os diálogos supostamente profundos viram um enfadonho e problemático espetáculo de vergonha alheia.
É notável que o filme tenta criar infinitos diálogos sobre niilismo, sentido da vida e afins, mas sem qualquer contexto ou motivação pra eles acontecerem. De modo que tudo parece forçado, atirado sem justificativa nas cenas e encaixado em personagens vazios. Pra ser justo, alguns trechos interessantes ainda se salvam, mas funcionariam mais como esquetes do que inseridas em um filme tão longo.
A forma que o estupro é retratado torna o filme ainda mais pobre em suas reflexões. O diretor repete tal ato de forma tão constante e desnecessária que consegue tratar um tema sério como algo banal e aceitável - e a grande questão a esse respeito é: isso não se limita à perspectiva do personagem (o que tornaria essa característica perdoável, tendo em vista a proposta deste), porque o roteiro também trata o estupro dessa forma quando o utiliza como mero recurso pra levar a narrativa pra frente (e pra dar, de forma extremamente preguiçosa, algum traço aos rasos personagens), sem apresentar consequências desse ato de forma realista ou coerente, e ignorando possíveis reflexões a respeito.
Se o filme quis incomodar ou ser desconfortável de assistir, conseguiu. Não em um estilo Michael Haneke, mas sim por articular tão mal temáticas e narrativa. E pra completar, o diretor nem dá a graça ao espectador de terminar a obra em 90 minutos, mas a estende por intermináveis duas horas e pouco, com cenas praticamente repetidas que além de não levar a narrativa pra lugar algum e criar situações ridículas de tão aleatórias, escancara ainda mais a falta de conteúdo.
Essa uma estrela e meia é pela grande performance do professor Lupin, que consegue a proeza de dar alguma vida a esses diálogos horrorosos. A trilha sonora é legal também. O resto é resto.
Se Meu Apartamento Falasse
4.3 422 Assista AgoraBilly Wilder consegue transformar uma história aparentemente convencional em algo mirabolante, e torna o previsível imprevisível. O filme brilha não necessariamente pelas coisas que acontecem, mas pelos caminhos que o roteiro encontrou pra chegar nesses acontecimentos.
Outro roteirista provavelmente tornaria a trama extremamente clichê, mas é interessante que em alguns pontos ela não deixa de ser, só que tudo é tão bem colocado que seguir tais convenções, na verdade, deixa o filme mais envolvente. E isso só é possível porque os personagens são muito bem trabalhados e sua evolução durante a narrativa é certeira: em alguns momentos ela é mostrada de forma sutil e em outras de forma mais explícita, mas sempre coerente com as situações e com o caráter dos personagens. Sem falar na direção, que ao meu ver é a mais competente do Billy Wilder, com enquadramentos inteligentes e uma economia de cortes que dá um ritmo muito agradável ao filme.
O meu preferido do diretor ainda é Double Indemninity, mas esse é cativante de um jeito especial.
Terra em Transe
4.1 286 Assista AgoraO filme mais agressivo do Glauber, mais direto, e uma reflexão brilhante sobre a situação da oposição após o golpe militar.
Muito fácil seria manter a postura de profeta revolucionário de Deus e o Diabo e idealizar a figura do intelectual/artista. O gênio de Glauber é evidente quando ele faz o contrário: assume como o momento é crítico, tem a coragem de se observar como derrotado, e mostra onde os intelectuais erraram.
A pouca complexidade da narrativa em si e a falta de preocupação com alguns aspectos técnicos se compensam pela complexidade temática, alegorias certeiras, e a genial composição das cenas. Os defeitos, na verdade, são até justificáveis quando se considera a proposta e o caráter de urgência do filme.
Só imagino a sensação de assistir isso em 1967.
Um Elefante Sentado Quieto
4.2 62A maior força do filme vem da unidade entre estilo e seus temas principais: morte e abandono. Parece que tudo é pensado pra te afundar na visão de mundo desoladora do diretor. As cores são sempre frias, o céu é sempre vazio, quase nunca aparece alguém no cenário além dos personagens. Assim, alguns diálogos que a princípio poderiam ser bestas adquirem muito mais significado quando todo o universo do filme demonstra que eles fazem sentido. Se um personagem diz que não tem esperança, após acompanhá-lo por tantos minutos, conhecer seu plano de fundo e ver sua interação com os outros, tal fala se torna mais compreensível e vai além da aparente superficialidade.
Em parte, essa empatia bem singular pelos personagens e acontecimentos é possível graças ao ritmo extremamente lento e realista e a enorme duração do filme. Porém, não tive a impressão de que o filme ficou chato por isso, porque o diretor utiliza bem o tempo pra apresentar vários pontos de vista sobre os temas e desenvolvê-los em diversas situações (que, no geral, se alinham em um plot principal bem coerente e instigante, que não perde tempo em pontos que não serão relevantes depois) e em cada personagem: o idoso isolado pela família, o jovem desprezado pelos pais que por um azar momentâneo transforma seu futuro, a jovem humilhada pela mãe autoritária. Todos eles passam por problemas semelhantes, mas cada um com suas particularidades. Nas cenas em que os conhecemos melhor, nota-se como o estilo minimalista é importante pra gerar um efeito e criar um valor simbólico que não teriam com uma edição ágil, por exemplo, e aspectos técnicos mais "evidentes".
A beleza particular do filme, na verdade, vem do quão revelador ele é em relação ao próprio diretor, que infelizmente levou seu pessimismo às últimas consequências. Não é preciso concordar com a perspectiva apresentada aqui, mas é preciso reconhecer o talento e cuidado do diretor ao expressá-la tão bem.
O Mensageiro do Diabo
4.1 262 Assista AgoraResumindo meu problema com esse filme: aparentemente a história só acontece porque todos os personagens são idiotas
Violência Gratuita
3.4 1,3KÉ filmado como um terror, mas a dupla de personagens principais age como uma dupla de palhaços em uma comédia, totalmente indiferente a tudo exceto o entretenimento do público, e esperam que o espectador seja tão indiferente quanto eles. E até que ponto não somos? Óbvio que assistindo um filme todos sabemos que é só uma ficção com atores, mas o prazer que surge com a violência retratada na mídia (como um todo, não só em filmes) não pode tirar nossa sensibilidade à violência real?
O estranhamento em relação ao comportamento já citado dos personagens surge porque eles não estão em sua posição típica: ou seja, isolados, distantes de um espectador que presencia atos violentos na tela sem correr qualquer perigo - como um entretenimento que no fim satisfaz as expectativas. No filme, a posição é outra: quando os personagens confrontam diretamente quem assiste e negam as convenções de uma narrativa satisfatória, a indiferença em relação à violência, típica e normal do espectador, agora parece deslocada e perturbadora quando percebida nos personagens. (Assim como Haneke mostra em O Video de Benny, que também questiona as consequências de uma relação irresponsável com a mídia)
Parece contraditório, mas é muito interessante que o fato de o próprio filme assumir que tudo não passa de ficção, torna a experiência bem mais perturbadora do que seria caso fosse uma narrativa normal. Vários filmes tem o objetivo de ser muito violentos, chochantes, etc. Mas Funny Games consegue ser ainda mais porque ele não só choca pelo acontece à família torturada, mas também pelo que acontece ao espectador: ele nos coloca como personagens, brinca com nossas expectativas ao assistir a um filme desse tipo. Mesmo quando ele finalmente parece que vai satisfaze-las e dar uma justificativa razoável pros acontecimentos, acontece o contrário: no momento em que um dos personagens segue as convenções e explica a origem da sua psicopatia (um lar desestruturado, uma família violenta, etc) logo o outro nos lembra que isso é mentira - não só porque estamos vendo uma obra de ficção, mas também porque, para a violência real, muitas vezes uma explicação como aquela não existe. Se em relação a um filme podemos nos confortar e lembrar que aquilo não aconteceu de verdade, em relação ao que acontece na realidade e não podemos fazer nada, nós e o mundo somos tão indiferentes quanto a tv que continua transmitindo depois de um assassinato. O problema talvez surja quando esquecemos de distinguir a ficção do real, e percebemos ambos da mesma forma (e também quando o real na mídia nos parece ficção)
Tudo isso é mostrado através de um suspense perfeitamente construído, que engana constantemente: várias cenas dão esperança e alimentam mais nossas expectativas de que o filme vai ter um desfecho comum (e a história se desenrola de modo a tornar isso totalmente plausível), mas só servem pra deixar a negação destas mais explicita e tornar a decepção ainda maior.
Enfim, à parte de questões sobre a validade desse remake, é tão brilhante e bem executado quanto o original.
O Tempo do Lobo
3.6 71É curioso como um diretor com tanto a dizer fez um filme que diz tão pouco. Mesmo contando uma história bem diferente das outras de sua filmografia, Haneke mantém elementos que funcionam perfeitamente nos seus filmes anteriores pela proposta que apresentam, mas nesse parecem deslocados e inseridos de forma preguiçosa.
A falta de contexto, por exemplo, é praticamente a base de Código Desconhecido. Por isso, vários acontecimentos aparentemente aleatórios e difíceis de entender se encaixam e adquirem um significado quando vistos no conjunto da obra. Diferente de Funny Games ou O Sétimo Continente, nos quais há uma coesão maior e os personagens são melhor apresentados, e assim o desenrolar da história se torna tão envolvente e impactante.
Porém, aqui há uma mistura mal feita desses dois aspectos e nenhum deles funciona bem. Os personagens não tem contexto (apesar das boas performances) e explicações sobre o universo da história são ignoradas, e mesmo assim a trama se desenrola como se tudo tivesse sido bem apresentado e desenvolvido. Assim, eventos que em outros filmes do Haneke seriam muito perturbadores, aqui se tornam quase banais, porque não foram bem articulados nem com os personagens nem com uma ideia geral da história.
No fim, é decepcionante ver um diretor que sabe criar uma imersão única fazer um filme tão sem carisma e genérico em diversos momentos.
A Igualdade é Branca
4.0 366 Assista AgoraPor um lado, o filme é muito competente ao tratar da igualdade, relacionando-a com a linguagem, nacionalidades, imigração, enfim, e consegue usar desse princípio pra tornar a história interessante: a grande reviravolta funciona justamente porque, além da trama, ela também conclui perfeitamente a reflexão que o filme fazia até então.
Só que, por outro lado, não posso ignorar como o relacionamento dos personagens é risível de tão absurdo, assim como várias de suas ações são incoerentes até mesmo com a falta de noção já apresentada dos personagens principais. O pior é que a história depende das atitudes idiotas destes pra ser desenvolvida, tornando até as partes que funcionam bem meio forçadas, e culminando naquele final completamente ridículo e (sem querer) cômico.
Demorei a chegar nessa conclusão e queria ter gostado mais já que gosto muito da Julie Delpy, mas, no geral: mesmo tendo algumas coisas muito boas, mas não dá pra relevar que essa história toda não teria acontecido caso os personagens percebessem que precisam de um psiquiatra urgente.
A Felicidade Não Se Compra
4.5 1,2K Assista AgoraQue performance do James Stewart, que performance
Onibaba: A Mulher Demônio
4.1 116O filme consegue criar uma certa imersão no contexto da época, com desolação e isolamento, graças à linda fotografia, mas desenvolve muito mal a história a partir disso.
A repetição de certas situações várias vezes pouco ou nada acrescenta na história como um todo, e ainda torna o seu ritmo (já lento) mais desgastante. Assim, fica a impressão de que falta conteúdo: alguns diálogos bem interessantes, que finalmente se alinham com a proposta de discutir a condição humana, sexualidade, etc, ficam jogados em meio a outros que o espectador praticamente já viu em cenas anteriores ou que não acrescentam nada na narrativa.
Por isso, o filme raramente desenvolve bem o drama ou o terror. Ambos (mesmo o terror sendo um elemento bem secundário) só funcionam bem na última cena, justamente por ela ser a única na qual a narrativa é muito bem executada e casa perfeitamente com a discussão geral e estética do filme.
Pusher II - Mãos de Sangue
3.8 35O grande mérito dessa sequência é como ela mantém muito bem a atmosfera repugnante de submundo do filme anterior, sendo cru e realista do mesmo jeito, e ainda assim consegue desenvolver melhor os personagens.
E esse desenvolvimento é muito singular, porque o diretor não idealiza ou romantiza a vida de crime dos personagens, tampouco tenta justificar suas ações com coisas que aconteceram em suas vidas pra gerar mais facilmente empatia no espectador: eles continuam asquerosos do mesmo jeito, mas, além disso, agora também são miseráveis. Tonny, que a princípio era só um criminoso sem profundidade, agora é mostrado como solitário, sem objetivos, sem futuro e sem família. Depois de algumas cenas empolgantes de roubo com uma trilha sonora pesada, e outras de sexo e uso de drogas, descobrimos as angústias de Tonny (ao mesmo tempo que ele).
Além do plot instigante e da direção competente, o que torna o filme mais interessante é essa dinâmica entre um personagem repulsivo que aos poucos revela a consciência de sua miséria, e o espectador, que inesperadamente começa a se importar com aquele e, no final, ainda é levado a ter esperança de superação.
Gosto de Cereja
4.0 225 Assista AgoraÉ realmente fantástico ver um trabalho tão pessoal. Constantemente tive a sensação de estar vendo uma autobiografia ou um documentário no qual o personagem principal era o próprio Kiarostami. Isso torna a experiência mais impactante, você consegue perceber o quanto de paixão é transmitida na tela, os personagens deixam de ser só personagens, o que não seria possível se o diretor não ditasse seu ritmo e estética próprios para tal narrativa.
O final, que a princípio achei confuso, mais tarde me pareceu ideal. Ele mostra bem como esse filme rompe as barreiras entre ficção e vida real: por um lado mostra como uma pode apoiar a existência da outra, e por outro conclui a ideia geral do filme.