Se o surrealismo enquanto movimento artístico era majoritária e sufocantemente masculino em sua constituição, o que a diretora Věra Chytilová entrega em “As Pequenas Margaridas” é provavelmente o que há de mais próximo ao que se poderia chamar de um “surrealismo à feminina”. Toda a construção simbólica e estrutural do filme diz algo a respeito deste universo em particular.
Podemos pensar, por exemplo, que se de forma geral no surrealismo se pretendia romper com os valores sociais da burguesia, como status, família e pátria, “As pequenas margaridas” pretendem romper com as engrenagens masculinas que regem um mundo de violência e constrição. E é por isto que as desventuras das duas moças começam com a maçã da discórdia. O bom e velho fruto proibido que nasce da árvore do bem e do mal é a modernidade, que explicitou para as mulheres novas formas de ser no mundo, onde já não se poderia mais aceitar a subordinação feminina à estruturas patriarcais em franca decadência.
Assim temos que se o ideário moderno da masculinidade era um baluarte contra a decadência e degeneração dos costumes, um símbolo de permanência que manteria a vida social, familiar e tradicional, então nada mais natural do que apresentar um mundo de significantes femininos que buscam romper com esta tradição.
É por isso que se os personagens masculinos nos parecem velhos bobos e enfatuados, é porque o mundo masculino está muito distante, atrasado, e longe de compreender a existência feminina que vai desabrochar por meados do século XX – Pense, por exemplo, naquele momento em que diversos ciclistas passam pelas personagens como se estas não fossem nada e as moças começam a se questionar se estariam invisíveis. Depois olham para trás e constatam o rastro de comida que deixaram pela rua e se convencem de que sim, de fato existem. A mensagem é que muito embora os homens negligenciem a situação feminina, há uma história, um percurso, um agir e fazer no mundo, que sempre a tornará válida e visível, ou em outros termos, simplesmente real.
É, portanto, através destas construções simbólicas que o filme explicita seu rompimento com o mundo fálico. A emancipação das personagens é evidente, visto que não há dependência emocional, ou em qualquer outro nível, de homens – não é à toa que neste filme surrealista, cheio de livres associações, as moças cortam linguiças, bananas e ovos com uma tesoura. É nada mais do que uma forma irônica e debochada de romper com um universo fálico onde elas seriam dominadas. Também é simbólico que elas prefiram o prazer da comida à qualquer outra coisa. É um meio de negar também o prazer que por muito tempo era prerrogativa masculina: O prazer sexual. Se este não pertence às margaridas, elas buscarão outro prazer mais acessível.
Por ser constituído de uma estrutura essencial, profunda e indissociavelmente feminina, a mensagem do filme é ampla e sempre atual: Não importa o que uma mulher faça, seja uma depravação facilmente reconhecida ou uma ação de ordem simbólica, sempre que ela não agir conforme o esperado por uma sociedade retrograda - seja esta velada ou explicitamente conservadora - ela estará condenada. Ou ela deve se conformar a cumprir o papel servil que lhe é imposto, ou será deixada para afogar-se sem ajuda dentro deste sistema.
Na sombria resolução de “consertar” as coisas que surge ao final do filme, há a sombra das relações entre gêneros que se estabeleciam até à época – e que muitos gostariam que voltasse a imperar -, onde a mulher resumia-se à escrava doméstica obediente e submissa, falsamente satisfeita em sua condição limitante.
Mas apesar de toda esta significação, ainda há mais mensagens a se extrair do filme além da questão feminina. As “depravações” das personagens não são apenas travessuras que explicitam o quão chocante era para a sociedade da época a emancipação feminina. A questão aqui acredito que vai muito além do que se imagina, pois Chytilová colocou em cheque uma mensagem ainda mais profunda e muito mais moderna do que a grande maioria poderia conceber. O raciocínio é enganosamente simples: As protagonistas querem ser depravadas. E o que assistimos, é óbvio, não se encaixa no que naturalmente consideramos como depravação. Assim a desconstrução feita pela autora nos permite entender o que é verdadeiramente uma subversão.
Porque se simplesmente exageramos aquilo que transita no status quo, não estamos subvertendo absolutamente nada, quando muito nos mostramos simplesmente como sujeitos cínicos. Em outras palavras, mostramos o contrário da moeda, mas uma reflexão cuidadosa nos mostrará que o contrário é parte do mesmo sistema. Para cunhar algo verdadeiramente diferente é necessário negar por completo o status quo. Aí está a genialidade d’As pequenas margaridas. Ser subversivo, ou depravado, é fazer justamente o oposto do facilmente entendido como depravação. O choque pelo choque não subverte, em verdade e com frequência, não faz mais do que anestesiar e iludir. É possível ser rebelde e cínico, mas nunca subversivo e niilista ao mesmo tempo.
Negando o status quo, negando mesmo a estrutura narrativa convencional, a diretora entrega a mais pura obra subversiva do cinema. E para isto bastou uma série de desventuras e “desobediências”. É, enfim, um exemplo a ser pensado, absorvido e praticado.
Olha, sinto constatar, mas definitivamente QHEV não é tudo isso, e dificilmente tem porte para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro – sequer levo muita fé em uma indicação. Não que o Oscar seja grande parâmetro, ou defina a qualidade de um filme, deixemos isso BEM CLARO. O que acontece é que não se trata de uma obra excepcional, e sim de algo dentro da média dos filmes brasileiros.
Antes é claro, devo dizer que não entendo porque filmes brasileiros têm de despertar reações tão passionais no público, afinal ou são amados incondicionalmente ou odiados com veemência. O necessário para que tenhamos um cinema melhor é algo deveras mais simples: Um posicionamento crítico e equilibrado, já que afinal e lamentavelmente, nosso cinema ainda tem muito que desenvolver em técnica e argumento.
Quanto à QHEV propriamente dito comecemos por um de seus méritos: A direção de Muylaert, embora muito básica, acerta ao abusar dos enquadramentos fragmentados, claustrofóbicos, que demonstram de forma visual as distâncias que se constroem nos planos subjetivo e social daqueles personagens – não que seja uma novidade, pois o recurso já há décadas foi utilizado com maestria por diretores chineses e japoneses -. A fotografia, no entanto, é preguiçosa, e não chega a merecer elogios, já que permanece a clara sensação de que algo melhor poderia ter sido feito, até mesmo em termos de luz e sombras. O áudio possui os recorrentes problemas do cinema brasileiro: Má captação – por vezes o som ambiente, síncrono, sobrepõe as falas dos personagens – ou o mau direcionamento desta captação – ouvimos bem um personagem, mas não a outro -.
As atuações estão dentro da média, não há nada que se possa caracterizar como excepcional por aqui, embora haja algo que muito me incomoda no que diz respeito a escolha de elenco: Por que não colocar atores que realmente são nordestinos para representar os papéis cabíveis? Para um filme que se pretende crítico esta é uma escolha problemática em vários níveis. Pois vejam, nós vivemos em um país onde há uma supremacia da comunicação, em que toda nossa visão de mundo é formada pelo eixo Rio-SP. A forma como vemos aos nordestinos, ou outras regiões do Brasil e seus habitantes, é quase majoritariamente de acordo com a interpretação imposta a partir deste eixo dominante. Aliás, a própria escolha de um filme do sudeste para concorrer ao Oscar soa sintomática, já que o cinema pernambucano, unanimemente elogiado, não teve até agora esta mesma oportunidade. E isto não é acaso, não é à toa, é o poder que a hegemonia da comunicação Rio-SP possui. Não à toa também, este filme é uma co-produção Globo Filmes, e não pensem que a produtora deixaria de fazer um investimento considerável em marketing para alavancar a obra – e marketing, meus amigos, não significa apenas a publicidade mais óbvia. Pode-se esperar como propaganda velada muitas opiniões e resenhas encomendadas para elogiar o filme.
Voltando a este, o ponto mais importante, a crítica, é também o mais decepcionante. O filme É SIM eivado de estereótipos e clichês, e não apenas com relação aos patrões classe média – ainda que nada possa superar o arquétipo batido do marido banana infeliz casado com a mulher megera elitista -. Aliás, há certa novelização melodramática destes personagens “de classe” que chega a ser irritante, embora não constitua por si mesmo um grande problema, já que a classe média alta brasileira é algo realmente abominável. O fato é que faltou maior equilíbrio e aprofundamento nesta crítica, que em certos pontos não disse mais do que o óbvio ululante, e em outros se tornou cartunesca, bidimensional. Por isso, há SIM algo de superficial no filme, já que não se mexe o bastante na ferida – tanto é assim, que em grande medida o público da classe média é quem ovaciona a este filme -. Por que não ir além neste questionamento? Por que não questionar de forma contundente qual a razão destas pessoas economicamente privilegiadas agirem como se possuíssem “sangue azul” e precisassem de serviçais para atender aos seus caprichos mais esdrúxulos?
Para não dizer que só houve erros, há dois pontos não tão centrais da crítica que foram bem trabalhados: Primeiro, a forma como revolta a esta classe privilegiada assistir aos menos abastados terem acesso ao estudo superior, e mais, que isto se dê por MERITO – esqueçam todo o merdelhê batido sobre meritocracia. Não se inventou ainda falácia maior nesta terra. Porque, sinceramente, não existe meritocracia onde as oportunidades não são iguais. Ainda que não se possa diminuir o mérito de quem derruba as barreiras econômicas e sociais para alcançar objetivos tidos como “impossíveis”. E é justo neste momento em que a classe mérdia brasileira esquece o tal discursinho da meritocracia, pois na verdade acreditam numa ARISTOCRACIA, em um direito dos favorecidos que por sua posição social merecem ter todos os benefícios do mundo. Por isso tudo é bonito ver o rapazinho tonto não passar para a faculdade.
A segunda crítica acertada é a relação de Fabinho com Val, que demonstra como a classe média alta delega a criação de seus filhos à outras pessoas, ao ponto de não apenas o menino possuir uma relação mais materna com a empregada do que com a mãe, mas também da própria Val relacionar-se melhor e mais “maternalmente” com ele do que com a própria filha. E como a cereja no bolo da hipocrisia e contradição, as mães de classe que não querem criar seus filhos ainda assim exigem afeto. Como se o afeto fosse um direito e não uma conquista, uma consequência.
Finalmente, chegamos a Jéssica. Ah Jéssica... Convenhamos, a menina tinha momentos de inconveniência sim, e tratava a mãe de uma forma deprimente. Claro, entende-se que está dentro da trama os porquês desta relação não ser ideal, mas ainda assim há algumas atitudes injustificáveis por parte dela. O pior de tudo, no entanto, é Val deixar o emprego para virar empregada – ou babá – para a filha, é quase invalidar a mudança final da personagem. É aliás, outro ponto um tanto quanto discutível do filme que Jéssica, tão esperta, fruto desta geração da informação, não tenha sabido usar sua esperteza e informação para evitar uma gravidez precoce. Ela termina, afinal, por ser mais um estereótipo. Já que pobre e nordestina, não fugiria por completo ao destino que cabe à pobres e nordestinos, não é mesmo? Nisto o filme soa esquizofrênico e perde um pouco de sua força crítica.
Assim, o que concluo é que este filme não dá soco, ou tapa, em lugar nenhum de ninguém, por simples falta de coragem, porque se coloca até certo ponto de forma a ser digerível justamente para a classe que deveria criticar. Claro, trata-se de um filme leve, mas isto não é suficiente empecilho para apresentar algo mais contundente. Não nego que o filme tenha seus méritos, mas vejo claramente que falhou em diversos aspectos no qual poderia ter sido muito melhor.
Oscar? Melhor nacional da última década? Por favor...
Está aí um filme que não esperava que fosse me intrigar tanto. Para começar, a cinematografia inspirada pelas pinturas do período romântico é um bem vindo agrado aos olhos. O mais interessante, no entanto, e algo que é quase unanimemente negligenciado, é que este filme NÃO É um mistério de ordem sobrenatural, tampouco policial. Trata-se antes de uma bem elaborada representação psicanalítica da sexualidade feminina nos inícios do século passado. Não há um símbolo, cena, ou ideia, jogada à esmo neste filme. Tudo contribui afinal para uma interpretação psicológica da trama.
Um breve porém: Embora tudo esteja claro, não está ÓBVIO. Pois o filme narra de forma ora neurótica – os conflitos internos não são resolvidos –, ora histérica – conflitos internos recalcados geram sintomas de ordem física – e daí surge o seu tom de mistério. Que não se creia por conta disto que se trata de um filme hermético, porque definitivamente não é o caso.
Hanging Rock representa a sexualidade de forma geral. O mistério que se desdobrava tortuosamente junto com o século XXI. Este aspecto da vida humana foi, e em determinada medida continua sendo, motivo de medo e fascinação. As três meninas que adentram os labirintos entre as rochas são um símbolo da sexualidade que se inicia, enquanto aquela que foge desesperada representa o medo diante desta iniciação.
Miranda em determinado momento é comparada às pinturas de Botticelli, e a intenção não é apenas ressaltar sua beleza, mas relacioná-la àquela figura tão conhecida que vemos estampada no livro que lê a professora: O nascimento de Vênus. Deusa do amor, da feminilidade. Não gratuitamente, quando a personagem corta um bolo em forma de coração, o faz no seu ponto inferior, onde forma-se um cálice, símbolo já consagrado do feminino. Além disto o corte, de forma óbvia, mas não obscena, traz uma livre associação com o monte de Vênus. O filme todo se desenvolve desta forma: Uma referência dentro de outra referência. O sonho dentro de um sonho. O fantasma na máquina, o desejo não conscientizado da psique refletido fora da carne.
Quanto à única das garotas que sobrevive, ela é talvez a representante de uma sexualidade que se iniciava – e novamente, ainda se inicia em certos casos – como um evento traumático. Evento do qual é possível sobreviver, claro, mas será que era – será que é? – aceita a mulher que realmente possui sexualidade? Pensemos na cena em que Irma é hostilizada pelas outras estudantes que perguntam pelas meninas ainda desaparecidas. É como se a mulher sexual traísse à todas as outras que não sobreviveram, ou poderiam sobreviver, à sua iniciação sexual. Uma traição, enfim, às “perdidas” da expressão psicologicamente saudável de sua libido.
Mrs. Appleyard é outra forma de demonstrar esta resistência, indo de forma mais direta no que tange à repressão da época. O modo sisudo como se veste, seus trejeitos controlados, tudo denuncia sua própria repressão. O diálogo em que fala sobre o local em que passava os verões, um local em que 40 anos nada mudava, demonstra seu desgosto pelas mudanças que culminariam na revolução sexual. Trata-se de uma personagem que não admite o que seria à época uma mulher “moderna”. Pensemos por exemplo no momento em que questiona a professora se esta estaria usando “rouge”, como se houvesse nisto algo de escandaloso ou recriminável. Ao mesmo tempo, parece que a personagem nutria algum sentimento homo-afetivo pela professora que desapareceu junto com as alunas. Sua repressão é tão intensa, que perceber os mesmos impulsos homo-afetivos em Sara, a faz nutrir desprezo pela moça. Sendo assim, os motivos para querer que esta se distanciasse da escola não eram tanto financeiros, mas muito mais psicológicos. A aluna era a realização daquilo que a mulher reprimia em si mesma. Sara é, aliás, uma personagem particularmente torturada pelas repressões da época, e negligenciarei um tanto os comentários quanto a este ponto para não me estender demasiadamente, já que a personagem renderia uma análise razoável por si só.
Como se o exposto até aqui não bastasse, a repressão no filme é mostrada também em termos de vetos à simples palavras ou objetos. Dizer calcinha, ceroula, ou contar que a estudante foi achada sem espartilho parecem coisas obscenas, dignas de rubor, como se não dizendo e ignorando assim a coisa pudessem negar sua existência, ou ainda pior, negar que relacionado àquilo há um corpo e que neste corpo poderia haver sexualidade.
Por fim, a trilha sonora erudita não só combina muito com a estética apresentada, mas nos diz um pouco mais sobre o sentido da história. Acredito que Bach tenha sido o compositor melhor utilizado, pois é afinal representante maior do Barroco, este período de confusão e conflito tomados como tema da arte. E o que é a sexualidade no início do século passado senão esta confusão, senão este conflito entre o desejo e a norma, o possível e o desejável. Se as cenas finais do filme são idílicas, se remetem a um sonho, é porque remetem a um ideal de realização feminina. Simples, natural, sem empecilhos, sem complicações. Tão puro que se torna antítese do tom obsceno com que era tratada a sexualidade na época em que se insere o filme. É enfim, uma fuga do barroco para o romantismo que começa a ser esboçado na música com autores do período clássico, como Mozart e Beethoven, que complementam a trilha sonora do filme. É afinal uma elegia a um devir sexual e psicológico feminino.
Incrível como o excelente trabalho de Ayoade neste filme não é suficientemente valorizado. Pessoalmente já o via como um diretor promissor depois de assistir à Submarine, muito embora não tenha gostado dos personagens, nem do roteiro. Mas o que importa dizer é que não pude negar a qualidade cinematográfica do rapaz.
Quanto a “O Duplo”, um dos grandes méritos deste filme é o de traduzir com perfeição para a linguagem cinematográfica o arquétipo de Dostoievski que se convencionou chamar de “homem do subsolo”, surgido com o romance quase homônimo. Trata-se de uma espécie de criatura desajustada que investe introspectivamente contra a própria consciência e contra o mundo exterior. Um homem amargo, solitário, isolado, e sobretudo, inepto para a ação.
Outra interessante hipótese diz respeito ao nosso verdadeiro eu, vivendo nas sombras, inseguro em se mostrar, com medo de ser julgado, usado ou ferido. Escondendo este verdadeiro eu, escondemos nossas vontades e cada aspiração que possuímos torna-se menos realizável. E afinal, nosso mundo torna-se menos colorido, nossa vida, penumbrosa e solitária – sentimentos e sensações muito bem trabalhadas pela cinematografia rica em sombras, e no trabalho de arte que dá significação especial às cores primárias.
Muitos críticos comparam o subsolo em que o homem vive ao inconsciente. O que traria à tona a ideia de um sujeito em conflito com sentimentos a que ele não pode dar voz, ou mesmo ideias frequentemente reprimidas, desejos irrealizáveis, atitudes que se gostaria de tomar, mas para o qual não se tem coragem. É no inconsciente que vive o duplo, esta faceta quase perversa do personagem de Jesse Eisenberg.
Mas por fim, acho que o tal subsolo não se resume a um inconsciente simbólico, uma profundeza não controlada da psique, como se convencionou interpretar, mas diz muito mais respeito à uma condição social e espiritual de um indivíduo deslocado na sociedade.
Afinal naquele (sub)mundo burocrático e asséptico está o subsolo que comprime e oprime a existência do indivíduo. Naquela escuridão quase total, na constante noite em que vive o protagonista está nosso verdadeiro subsolo. Aliás, quanto a burocracia, é interessante o teor Kafkiano da cena em que o funcionário é considerado inexistente por uma falha de registro, como se um número, uma identificação formal, fosse tudo que define a existência de um indivíduo em uma sociedade de regras excessivas e alienantes.
Neste mesmo habitat, aliás, é comum que o verdadeiro mérito não seja recompensado, enquanto para o cinismo muitas portas se abrem com facilidade. Não importa conteúdo, não importa aquilo que trazemos por dentro, longe do conhecimento externo, e sim o que se ostenta por fora, a mera aparência, aquela atitude, que mesmo antiética, é valorizada. Está aí algo que qualquer introvertido em algum momento da vida sentiu na pele, sobretudo neste país de extroversão efusiva e descontrolada.
E afinal, o que é necessário para ser reconhecido? É um algo que estamos dispostos a fazer? É necessário deixar nossos princípios de lado – supondo que tenhamos algum – para tanto? O clímax nos traz alguma resposta. Uma colocação moral exige que enfrentemos nossos próprios demônios. Mas até que ponto podemos levar este embate? Será possível que matemos nosso duplo sem que isso mate a nós mesmos?
Se não nos resta mais nada, que ao menos reste o consolo, ainda que ilusório, de nos pensarmos únicos. Para que o nosso fim não seja um abraçar de vez o vazio, mas um descanso particular, um voltar-se a si mesmo para encontrar um valor primordial que já não existe lá fora. E que eloquência há no último olhar que Jesse Eisenberg lança à tela!
Sempre que vejo alguém criticar este filme, noto certo comportamento que não me desce, e algumas palavras me parecem necessárias.
Para princípio de conversa, falo com conhecimento de causa, porque eu mesmo nutria uma série de preconceitos antes de ter assistido com mais carinho a estes filmes do universo Marvel. Tratava-se de um preconceito a despeito mesmo de eu já ser um fan de quadrinhos, portanto, assumo que era algo completamente injustificado.
O fato é: Acho que as pessoas têm um pedantismo muito do mal direcionado na hora de criticar este filme. Onde a critica é realmente necessária, não se vê tanta assiduidade e vontade quanto se vê por aqui.
É o melhor filme já feito? Claro que não. O pior? Passa ainda mais longe. A primeira coisa que eu penso, e que parece ignorado por muita gente, é que blockbusters sempre existiram, e pasmem vocês!, sempre existirão. O que não é razão de preocupação, porque não reduz a inteligência se divertir de vez em quando, desde que haja alguma qualidade envolvida nesta distração. Além disso, o cinema antes de ser arte é entretenimento. Por isto não cabe criticar um trabalho que não tem intenção de ser arte, como se fosse, partindo de pressupostos rebuscados, ou puramente pedantes, mas que não dizem absolutamente nada enquanto ARGUMENTAÇÃO.
Há também, no geral, uma ignorância recorrente das pessoas que apedrejam os filmes de super heróis, porque fica um tanto patente que estas pessoas não conhecem muito sobre o desenvolvimento do cinema e dos quadrinhos. Consideram o segundo inferior, enquanto o primeiro é tido como exemplo inconteste de arte. Baita engano. Mas o interessante é observar como ambos surgiram de modo ingênuo, muitas vezes com intenções propagandistas discutíveis e objetivos claramente conformistas ou escapistas. Mas o tempo fez com que estas duas formas florescessem enquanto arte, porque mesmo dentro do escapismo, ao tempo certo, pode surgir uma obra de tamanho fôlego, que só possa ser chamada de arte. É preciso TEMPO, para que o escapismo, o mero entretenimento, desenvolva-se em formas mais elaboradas, artísticas enfim. Estes filmes simples da Marvel, são um começo. Talvez em décadas futuras um filme de super-herói possa até romper este limite entre entretenimento e arte.
Enquanto isso, meu único conselho aos críticos de plantão é bastante simples: Relaxem. Se não gostam, não assistam. Se acharem falho, considerem que este não é um entretenimento com altas pretensões. E quem sabe se vocês esperarem o suficiente possam ver, em tempo, surgir algo que os cale ou satisfaça. Mas é preciso tempo. É preciso esperar o pleno desenvolvimento deste encontro entre sétima e nona arte.
Afinal, criticar uma criança que mal engatinha por não andar suficientemente bem é, no mínimo, perda de tempo, e seguramente, uma baita falta de noção.
Acho que as pessoas tem uma interpretação um tanto equivocada deste filme. Não me parece possível que seja uma crítica contundente ao mundo do entretenimento quando ela é feita de forma tão condescendente. Utilizar-se de tantos atores que participaram de filmes de heróis é sinal expressivo deste argumento, afinal, eles não deixam de ser atores, nem se tornam menos capazes por isto. O desenvolvimento do roteiro aponta para um caminho inverso ao que o senso comum apontou como significado para as críticas de Birdman.
Aos argumentos.
Se vocês derem atenção aos personagens que representam o meio obviamente artístico do filme, vão entender para quem a crítica mais intensa se endereça. O personagem de Edward Norton, por exemplo, queridinho da crítica e ator aclamado, é um baita de um cuzão. Além de ser um sujeito bem antiprofissional. Já a crítica profissional cujo artigo é subtítulo do filme, não passa de uma pessoa amargurada e cheia de preconceitos. O ponto principal: É justo o personagem de Michael Keaton, o símbolo decadente do entretenimento, que dá o “sangue” pela arte. É justamente dele, de quem ninguém espera nada, que vêm o que surpreende à todos.
Levemos a metáfora adiante: Toda alucinação fantasiosa que faz com que pensemos que ele tem “poderes” é mais um reforço a esta mensagem: Vocês, que se dizem da arte, são incapazes de transcender a normalidade. Acredito que o mais importante dito pelo filme, não é afirmativo, mas sim um questionamento: Vocês sabem REALMENTE o que é arte e vocês estão realmente preparados para julgar como se deve a uma obra de arte e as pessoas envolvidas no processo? A resposta é NÃO. Basta um acidente, um subterfúgio, e se cria o deslumbre geral. Parece, no fim das contas, que é o mundo autoproclamado artístico ou crítico, que necessita mais do que nunca se reeducar.
E aí está a genialidade de Birdman. Uma crítica direta e simples ao entretenimento, convenhamos, seria fácil, pueril. Há alvos maiores, há alvos mais necessários, mais interessantes. Por isso reitero a interpretação: NÃO É uma crítica aos atores que interpretam super heróis, e sim ao ESTIGMA ilógico que eles podem carregar a partir disto, em outras palavras, é uma crítica à crítica, uma crítica à pretensão. Daí a tal inesperada virtude da ignorância.
Logo de cara o que me fisgou e surpreendeu n’O Jogo da Imitação foi o roteiro. É um trabalho que merece todo reconhecimento por sua qualidade narrativa. Há um recurso metalinguístico fantástico na “entrevista” que inicia o filme, já que o sentido das palavras se expande quando o que é direcionado ao investigador termina sendo o ponto de partida para atrair a atenção do expectador. Alan Turing fala diretamente a cada um de nós.
A cinematografia também é maravilhosa, com um bom uso de cores e sombras, além de possuir uma fotografia das mais bonitas. O que dizer das atuações? Benedict Cumberbatch prova mais uma vez porque é um dos atores de maior calibre na atualidade. Não fosse pela magnífica personificação de Stephen Hawking feita por Eddie Redmayne em “A teoria de tudo”, acredito que seria bem possível que Cumberbatch fosse agraciado com o Oscar. Quanto à Keira Knightley como atriz coadjuvante, devo confessar que me agradou mais do que Patricia Arquette em Boyhood – um filme que não ofereceu lá muitas oportunidades para uma grande atuação, convenhamos.
Por último, e definitivamente, não menos importante, impossível ignorar a reflexão que este filme traz. Como bom nerd criado por um analista de sistemas, Turing – assim como Tesla, outra figura esquecida da história até pouco tempo – não era alguém desconhecido para mim. Mas acredito que o filme expanda a percepção a cerca das consequências desta história – Trazendo à tona alguns fatos até recentemente ocultos -. É aterrador pensar que um homem que pode ter contribuído para salvar 14 milhões de vidas, encurtando a guerra em pelo menos 2 anos, tenha sido simplesmente castrado quimicamente por ser homossexual. É triste como a normalidade e o senso comum podem ser ávidos em condenar – e levando-se em conta os 50 anos passados até que viessem as desculpas oficiais, como são lentos para reconhecer o próprio erro.
Acho interessante que mais filmes e histórias como esta sejam representadas também para que se desfaça a mitologia da segunda guerra mundial. Nunca houve um embate literal entre bem e mal. O mal que se praticava abertamente em um lado, rastejava nas sombras de outro – por muito tempo inclusive os britânicos foram anti-semitas -. Importante lembrar também as palavras do roteirista Graham Moore na cerimonia do Oscar. Visto que a diferença desencorajada e menosprezada pela normose geral da sociedade é justamente o que permite que esta mesma sociedade, de tempos em tempos, evolua. É importante, não só permanecer “estranho” e se aceitar, mas também fazer com que o grosso da sociedade perceba os danos que pode cometer com seus (pré)conceitos.
Enfim, O Jogo da Imitação é um filme maravilhoso, sobre um homem ímpar, e carregado de uma reflexão necessária ainda hoje. Favorito para a vida.
Olha, até entendo que muitas pessoas gostem deste filme por conta do fator identificação, já que é algo emocional, pessoal e intransferível. Há de fato toda uma geração que cresceu neste mesmo período e partilha de certas experiências comuns ao filme. Mas com toda a sinceridade, para além do parâmetro emocional particular de uma geração, não há razão que justifique tanto barulho em torno de Boyhood. Direção ok, produção legal, mas no fim das contas nada é realmente expressivo e ainda há o problema latente da falta absurda de um roteiro mais consistente – por mais que Linklater queira de alguma forma mimetizar a realidade, seu propósito é falho, até mesmo pela quantidade de clichês presentes na obra.
Definitivamente foi muito ter sido indicado ao Oscar em tantas categorias, quando qualquer outro dos filmes, em qualquer categoria, poderia facilmente superá-lo – a exceção de suas últimas linhas, é até discutível se Patricia Arquette merecia a estatueta -. Muito se diz sobre a simplicidade aqui contida, mas me perdoem, o filme não é simples, e sim prosaico. E embora seja um projeto de longa duração, não apresenta a mais remota dificuldade em termos de montagem e edição. Pois é bom corrigir o engano: Não são 12 anos de filmagens, e sim filmagens homeopáticas distribuídas ao longo deste período. O que no fim das contas, dá no mesmo para editar e montar. Curiosamente, o filme começa com um ritmo muito melhor do que aquele que adquire do meio para o final.
Fico pasmo também que ninguém tenha percebido o quão machista Boyhood é. Todas as personagens femininas são terríveis, mal elaboradas, irritantes, e nem mesmo Patricia Arquette se salva, já que é uma personagem, que embora real, não faz mais do que caracterizar uma mulher vítima de relacionamentos abusivos intermitentes, e que sequer recebe suficiente reconhecimento pelo seu papel de mãe durante o filme. No mais, a intenção de diálogos “realistas” de Linklater se torna bastante irritante com o tempo e parece reforçar o machismo inerente ao filme – já que se subentende o “a vida é assim” com isto, e não se toma o erro como um ponto de vista particular ou uma crítica.
O final, assim como o resultado final da obra, é no mínimo broxante. Digo e repito, entendo que muita gente tenha se identificado, mas este filme não é técnica, temática, nem conceitualmente, relevante.
Embora ainda carregue em seu desenvolvimento os erros iniciados no filme anterior, e tenha pecado em não estender o ataque de Smaug à cidade do lago, considero que BOFA supera a “Desolação” por uma série de fatores – embora também possua seus próprios defeitos, que acredito, sejam menos graves do que os apresentados pelo capítulo anterior -. Acho, por exemplo, que este filme teve os efeitos especiais mais equilibrados do que o anterior se o analisarmos de uma forma geral – Mas sim, P.J não foge a certos exageros visuais que poderiam ser evitados -. Temos aqui mais material para compensar os desvios, como a “visita” do conselho branco à Dol Guldur, que manteve uma belíssima essência do original de Tolkien. Quanto à sequência que abre o filme, concordo que talvez sua brevidade e inserção no início deste último capítulo atenda à intenção de continuidade, afinal, os filmes não são “fechados” em si mesmos, mas uma coisa só.
Cabe lembrar também o crasso erro em que recaem alguns críticos desta trilogia, que de críticos pouco ou nada têm, visto que repetem opiniões nada originais ao invés de elaborarem argumentos próprios. Comum mesmo é demonstrarem não possuir um mínimo conhecimento a respeito do que dizem. O que importa é: O Hobbit, ainda que seja um único livro, e tenha 300 e tantas páginas, é uma história cuja narrativa CONDENSA inúmeros acontecimentos em poucas palavras. Para qualquer leitor que se preze o número ao final da folha diz muito menos do que o CONTEÚDO impresso nesta. Além do mais, o argumento batido de que um livro “infantil” tão breve – que não, não é precisamente infantil – deveria ter somente um, no máximo dois filmes, ignora o montante de acontecimentos que se inserem nestas páginas. Afinal, narrar determinados acontecimentos de forma breve leva muito menos tempo do que MOSTRAR estes mesmos acontecimentos em tempo corrente. O que não significa, é claro, que todas as escolhas de Peter Jackson nesta adaptação tenham sido felizes. No entanto, repito o que disse ao assistir o segundo filme: O saldo geral continua positivo. Sobretudo quando começamos a ver este trabalho como o prelúdio da irretocável saga do anel.
Acredito também que este filme mais do que um pretexto para uma grande e épica batalha, tem por intuito ser uma despedida, como colocou muito bem um camarada mais abaixo. Para os fans - e digo fans mesmo e não a gurizada xiita que mal aterrissou no universo de Tolkien e se acha muito sabedora -, este derradeiro capítulo na saga do Hobbit Bilbo – e da Terra média por consequência – representa emocionalmente, o que o fim dos episódios em Acapulco representa para os fans de Chaves. A saber: uma melancólica despedida, que aqui toma também as proporções de canto do cisne, pois sabemos, não voltaremos a este incrível universo tão cedo, se é que um dia voltaremos. É claro que resta despedir-nos desta nossa comitiva de hobbits, anões, magos e homens, mas sem perder a esperança de um fortuito, ainda que diferente, encontro futuro. Portanto, é hora de despedir-nos da Terra-média nos cinemas, “mas sem dizer adeus jamais”.
Olha, analisando única e somente enquanto filme, não é de todo mal, é, sobretudo, muito bem produzido, e possui uma boa trilha sonora também – embora pareça que John Willians se manteve expressivo em dois temas, para não fazer nada muito relevante no resto das composições.
Agora, se empreendermos a análise enquanto ADAPTAÇÃO, é um DESASTRE completo. Trata-se basicamente de um resumo apressado e pasteurizado do livro. Há uma falta de desenvolvimento, tanto dos personagens, quanto do ambiente peculiar da Rua Himmel e seus moradores, que prejudica sobremaneira a narrativa. Muitos personagens, detalhes e situações foram omitidos - ao passo em que criaram um inútil projeto de antagonista -, e o resultado final foi um filme absurdamente genérico. A impressão maior é de que a essência da obra não foi transposta de todo nesta adaptação.
Faltou também tato para representar a introspecção que marcava o livro, os personagens se apresentam de forma excessivamente simples, aberta, bidimensional. E se você conhece a cultura alemã ou ao menos assistiu a alguns filmes alemães, nada nesse filme convence, afinal ele recende à americanismo –
repare na propaganda não muito sutil que se inscreve na ocupação dos soldados americanos, onde há uma cena breve em que mulheres acenam alegremente para os caminhões onde esses militares são transportados. Irônico, já que o material de origem traz uma mensagem anti-maniqueísta, sobretudo no que tange à considerar o papel americano na guerra como heroico, pois não esqueçam, eles bombardearam a Rua Himmel e causaram a morte de civis.
A morte poderia ter sido muito melhor trabalhada. O livro abre uma oportunidade ímpar para uma exploração conceitual e participativa desta personagem, mas aqui tudo se resumiu a isso: Uma narração – e das mais breves -. O clímax foi talvez o maior de todos os erros deste filme: Apressado, anticlimático e o pior de tudo, FORÇADO.
Para quê manter Rudy vivo e criar uma cena boçalmente clichê onde ele tenta dizer que ama Liesel?
Uma escolha risível e absolutamente desnecessária, e afinal, onde fica a sutileza emocional do livro?
Eu diria que até a escolha de elenco é discutível. Mas enfim, não me decepcionou porque realmente não criei grandes expectativas. Já sabia que seria um filme mastigado para as massas e muito aquém das possibilidades artísticas e cinematográficas do livro.
Basicamente o filme só vale pela hipnotizante Rita Hayworth – Gilda é de fato inesquecível. Como noir não é lá grandes coisas, embora os claro-escuros característicos do gênero sejam muito bem trabalhados. No mais, os personagens masculinos tacanhos e o inconfundível ranço machista impedem o filme de ser bem digerido. O final açucarado, submisso, incongruente, é mais que decepcionante.
Independente de qualquer análise crítica que se possa fazer deste anime, uma coisa qualquer cidadão é obrigado a admitir: A arte deste filme – cenários sobretudo – é um carinho para os olhos.
Sinceramente a média desse filme se encontra bastante avacalhada se pararmos para pensar que chorumes hollywoodianos como a série Transformers de Michael Bay possuem média acima de 3.0. Também não sei o que se passa com essa galerinha – muito provavelmente criada à ovo maltino e leite com pêra – que decide bancar o híper crítico cinematográfico para julgar um filme simples e descompromissado - Contexto para que, não é?
Para mim, e digo sem hesitar, este é o filme mais divertido dos 3, mas acima de tudo, é um trabalho sui generis da dublagem brasileira. Não é só uma dublagem marcante, mas também um trabalho que dá verdadeira alma aos personagens. Como esquecer da voz de Michelangelo, por exemplo? Nos anos 80 e início dos 90, aliás, a dublagem brasileira passou por uma fase de ouro, muitas vezes menosprezada pela mesma galerinha sabe-tudo que mal parou de tomar Toddynho na mamadeira.
Marcou infância e continua divertindo – afinal não se propõe a mais que isso – pouco importa se falta uma explicação cabal que faça Stephen Hawking considerar a viagem no tempo crível.
Ah, e como ignorar os bons tempos em que nem tudo era feito em computador? Menos tela verde é mais alegria. Sinceramente.
The Wall antes de ser Floydiano, é inegavelmente Freudiano. Todo o desenvolvimento de Pink, de sua melancolia derivada da ausência paterna, ao apego à mãe, pode ser psicanaliticamente analisado. É relevante notar o constante retorno que há ao materno como fonte de conforto, retorno este que inclusive impede uma vida afetiva saudável – é certo que nenhum “filhinho da mamãe” poderá jamais viver satisfatoriamente com uma mulher que não seja aquela que o pôs no mundo. Mesmo que isto se opere no nível simbólico, os efeitos beiram o literal.
Ainda assim, esse retorno ao materno tem sua razão de ser, não se trata de simples resistência edípica ao processo de crescer. Não é simples fuga covarde da realidade para o refúgio aconchegante das asas – ou útero – maternas. Frente a um mundo violento, a uma educação repressiva, que desmasculiniza, castra, o menininho jamais poderá se tornar homem. Assim cresce o muro, assim o personagem se isola cada vez mais, percebendo tardiamente sua ligação com este mesmo mundo na figura da esposa.
O conforto materno para o sujeito crescido não vem. Uma mulher "safada" parece a solução fácil e rápida para um entorpecente acerto libidinal com a vida. Mas basta o sujeito tê-la para descobrir que não ajuda. Não é aquilo que realmente deseja. Vem a crise, a loucura, o grito insano à janela quebrada, a mão enterrada nos cacos de vidro, o sangue... Todo o resto envolto em sombras.
Não bastasse este rico fundo psicológico, ainda há as belas referências visuais à Magritte, Dali e Di Chirico, sobretudo nas sequências animadas. E o modo “videoclipe” como o filme se desenrola, guarda semelhanças estreitas com a técnica do fluxo de consciência na literatura.
Um ponto, no entanto, me chamou demais a atenção, por sua atualidade e contundência. Quando Pink, após a tentativa de suicídio, se converte em um ditador fascista – e não é mera coincidência a mimese de Adolf Hitler, um sabido artista fracassado – ele se transforma em algo que encontra eco em certos polemistas do cinema atual. Vejam, que o modo como ele se dirige ao público é doutrinário, e dentro em pouco, descamba para o absurdo segregacional ao retirar da platéia negros, gays, usuários de drogas, etc.
A arte, que deveria em sua natureza elevar, ou fazer ao menos sentir, pensar, perde o seu poder libertador. Assim diretores – e da mesma forma comediantes, escritores, músicos -, aprisionam o público tosco aos seus preconceitos limitantes, não suscitando outro sentimento além do ódio obediente, da normalização do grotesco. A massa aplaude, se uniformiza, se descaracteriza – muito simbólico que ressurjam neste momento as máscaras disformes de Another Brick In The Wall, Parte II - e o absurdo do preconceito passa despercebido, é assimilado. Se Lars Von Trier, não é a encarnação de um Pink fascista, “macacos me mordam, eu estou louco.”
É também interessante a extensão da metáfora do muro, por vezes analisada de forma incompleta. O Muro é o que separa o indivíduo da sociedade, o artista do público – estes rostos indistintos na platéia, como tijolos em um muro – e a mensagem apresentada pelo longa é inequívoca: Se o artista se fecha atrás do muro, cai na solidão, na loucura. Ou se afasta tanto do que é realmente humano, que se torna um ditador incapaz de arte, tomado apenas pelo desejo de domínio e violência. Se termina por derrubar o muro, se expõe, ao ridículo talvez, mas também se apresenta humano, nu em nervo e carne, falho, enfim, como qualquer um de nós.
E “Afinal de contas, não é fácil fazer seu coração bater contra um muro amaldiçoado. E ao lhe darem tudo o que têm, alguns tropeçam e caem...”
Mas nos destroços do muro, nasce a esperança. Crianças recolhem o entulho. A vida recomeça... Outside The Wall.
Depois de uma breve, e panorâmica, leitura nos comentários deste filme, não posso conter a decepção que me causam as respectivas opiniões. De um lado, há quem pareça ter buscado o filme errado, esperando uma produção trivial de ação e nada mais. De outro, críticas extensas e elaboradas – bem elaboradas, sim -, mas que escondem certa análise pedante que termina unicamente por dizer: O filme é bom, mas não é o clássico do Paul Verhoeven.
Enquanto isso eu, que não simpatizo com Padilha, não posso deixar de me admirar pelo trabalho competente que ele apresenta aqui. Por se tratar de uma releitura – termo que se aplica muito melhor a este filme do que “remake” – de um ícone dos anos 80, era de se esperar que o resultado fosse sofrer com as comparações. No entanto, a forma como muitos parecem reconhecer as qualidades do filme sem reconhecê-lo como bom em si mesmo, parece aos meus olhos uma covardia intelectual de quem não pode admitir que este e o original possam coexistir como duas obras de qualidade do cinema.
Querer, por exemplo, o tom satírico dos anos 80 hoje, é como exigir que um filme atual do Batman reviva as esdruxulias da série protagonizada por Adam West nos anos 60. Descabido, e acima de tudo, DEFASADO.
Há também de se pensar, que em uma cultura de extrema banalização, uma cultura em que a violência já há muito se tornou mais uma forma de entretenimento, vivendo um momento em que mesmo estilizada já não tem qualquer significado per se, - um cenário em que Tarantino, um dos ícones dessa mesma violência, é tão popular -; nesta cultura, a força CRÍTICA do recurso é quase nula, há muita acomodação à ele para que seja efetivo. Um novo Robocop com violência estilizada e humor negro seria mais do mesmo. Beiraria o ridículo.
O Robocop original, dentro de sua estilística de violência humorística, não era um homem e muito menos um robô. Era um meme. Uma célula humorística que sobrevive ao filme independente de sua função. Já o personagem humano, preso à máquina, que nos apresenta Padilha, não só se torna mais adequado e humanizado para os dias de hoje, como se inscreve numa tradição importante da ficção – basta conferir Ghost in The Shell, por exemplo -.
Curioso, nesse contexto, é pensar na origem do termo Robô, que vem do verbo russo “rabotat”, que significa trabalhar, trazendo em sua raiz a palavra rab, escravo. Levando isto em conta, o escritor tcheco Karel Capek, em sua peça R.U.R, cunha o termo que hoje é tão popular, usando uma derivada em sua própria língua “robota” – trabalho forçado -, designando assim o trabalhador mecânico, escravo por excelência: O robô.
Entramos, então, nos questionamentos do filme. Um ser mecânico aplicado à prática bélica, incapaz de pequenas distinções morais e éticas, é algo seguro e desejável? É um preço que podemos pagar? Pensemos também: Os EUA não hesitam em aplicar tal tecnologia em países conflituosos do terceiro mundo. Consideram inclusive sua utilização um sucesso, mas trazem à vista sua cara hipócrita quando aplicar o mesmo recurso no próprio território americano parece um absurdo. A medida é clara: Um cidadão americano, mesmo um criminoso potencial, vale mais do que um país subdesenvolvido inteiro. E fazer tal crítica corajosa em um filme Hollywoodiano é um mérito e tanto do diretor José Padilha.
Mas então, prosseguindo, e se o robô fosse humano, ou enganosamente humano? Pode o homem, mesmo se tornando majoritariamente máquina, transformar-se em um trabalhador puramente mecânico? Em um escravo do estado e das organizações, incorruptível, mas também incapaz de empatia? A resposta é já um clássico na ficção científica: O fantasma na máquina se recusa à morrer – e é expressivo que o Robocop de Padilha esteja reduzido, dentro de sua armadura, à algo tão visceral, como nos mostram as cenas em que é desmontado.
O início e o fim comandados pelo programa sensacionalista de Samuel L. Jackson são um importante lembrete do papel que a mídia possui no cenário político atual – não só brasileiro, mas mundial -. Transformando a notícia em uma espécie bizarra de entretenimento – não é a gravação ao vivo aparentada dos realities shows? – e discursando de forma tonitruante, a mídia tornou-se o quarto poder do estado – que age contra a sociedade e com frequência, em defesa de interesses escusos e inconfessáveis –. Quem quiser ver, verá a estranha dança encetada em um misto de amizade e repelência, entre mídia executivo, legislativo e judiciário.
Robocop é no fim das contas um filme simbólico na medida, sem didatismo e bem executado. Acredito, sinceramente, que este é um filme que merecia mais reconhecimento.
Acredito que foram raras as vezes em que o suspense e a ficção científica tiveram um casamento tão feliz. Já na caprichada introdução, com sua lenta volta ao redor do planeta e o título se formando aos poucos, percebemos a sensação que o diretor vai imprimir ao resto do filme: A expectativa constante, a revelação gradual e crescente. Tudo está representado nesta simples sequência.
Alien vai completando seus 35 anos de idade e os efeitos ainda constituem um ponto forte. Difícil não notar como a utilização de efeitos práticos, em lugar da computação gráfica, se mostra uma escolha muito superior à pornografia digital que impera nos dias de hoje – e que bem sabemos: Não vai demorar a ficar defasada, envelhecendo, no mínimo, muito mal.
Ridley Scott faz também um trabalho maravilhoso de luz e sombras, novamente, em oposição à tendência de iluminação hospitalar que dominou a ficção científica faz uns bons anos. O elenco é competente, e até o gato Jones dá a sua parcela de show.
Elogios à parte, fato é que este primeiro filme da franquia Alien é merecidamente um clássico.
Eis um filme encantador. Mesmo não sendo um grande admirador de ballet – paradoxo de alguém que se deleita ao ouvir Tchaikovsky e Aram Khachaturian -, sou obrigado a admitir o valor técnico e estético deste filme, que antes de ser a respeito da dança clássica, é uma pequena peça de arte do cinema. Os Sapatinhos Vermelhos não só apresenta uma direção de arte impecável como hipnotiza o espectador ao exibir a extensa cena do espetáculo que dá nome ao filme – e como tirar os olhos da belíssima Moira? -.
Também é interessante notar como alguns filmes se beneficiaram d’Os Sapatinhos vermelhos enquanto referência – Moulin Rouge é provavelmente o exemplo mais bem sucedido à beber nesta fonte.
Mas não é tanto deste filme que eu gostaria de falar. Que me perdoem o pecado, mas achei pertinente, sobretudo pelo que percebo de análogo entre este filme e o meu alvo: O superestimado “Cisne Negro”¹.
“Mas não tem comparação”, já vejo alguém objetar. Para mim parece impossível não comparar os dois quando é bastante claro que o Objetivo de Aronofsky era criar um filme que atualizasse o drama aqui apresentado e extirpasse todo o resquício de magia e glamour da coisa. O que seria interessante, não fosse o filme em questão uma peça de polêmica fajuta e direção viciada. No fundo, é um filme sem originalidade, nem substância. Aliás, voltando aos Sapatinhos, o momento em que a bailarina faz o seu giro sob o palco – ironicamente, em uma apresentação d’O Cisne Negro - e é apresentado o seu ponto de vista, ou seja, rápidos vislumbres da plateia, temos algo que foi copiado sem cerimônia por Cisne Negro. E como ignorar a semelhança entre os argumentos? Ambos os lados têm suas bailarinas encarnando na própria pele o trágico de seus papéis na dança.
Depois de assistir Aos Sapatinhos Vermelhos, o supracitado Cisne me parece um fracasso ainda mais retumbante. Em parte, reconheço que nos dias de hoje um filme na mesma temática, mas com este algo de ingenuidade, tão marcante no cinema clássico, seria algo impensável. Mas não sendo o trabalho de Aronofsky tão competente ou relevante quanto se diz e somando-se à isso a inconfundível sensação de que subtraídas as polêmicas, seria um filme que não chamaria tanta atenção, não posso evitar o sentimento de engodo passado por este.
Definitivamente, fico com “Os Sapatinhos Vermelhos” que não precisa adicionar lesbianismo fetichista – e não creio que se possa objetar a isto com a época em que foi feito, se você entende aonde eu quero chegar - ou dramas psicológicos inconsistentes² para mascarar a fraqueza do filme. Há pura e simplesmente uma parábola, que é ao mesmo tempo mimese e revisão, do conto de Hans Christian Andersen que inspira o ballet – e embora cisne negro siga um caminho muito similar, reitero, é sem sucesso.
Enfim, encerro aqui com minha admiração a este filme e acrescento a curiosidade: À época o diretor teria afirmado que depois de duas guerras mundiais era hora de incutir diferentes sentimentos ao público. O objetivo era apresentar a ideia de que não era mais tempo de morrer por um país, mas por algo maior: A arte. Que me permitam: O trabalho foi bem feito.
1. Não me levem a mal, a atuação de Natalie Portman no papel principal é soberba. Levou um Oscar de melhor atriz muito merecido. Mas não muda o fato: Cisne negro é um filme fraco. E não, não acho que uma boa – excelente – atuação baste para compensar todo o resto. 2. Sério, se alguém que se diz entendido de psicologia afirmar encontrar alguma consistência psicológica no filme do Aronofsky, se faça um favor: Não acredite.
Tá certo que ninguém assiste à Piranhaconda sem ter noção prévia da superdosagem de tosqueira que constitui o filme. Mas não há nada que prepare o cidadão para o grau elevado de putrefação dessa bagaça. Até as risadas que ele rende são amarelas, apesar das sempre divertidas aparições da criatura – feita pelo mesmo time que deu vida ao Dollynho -. Um dos males de Piranhaconda é tentar se levar à sério, o que arruína o que já é desde o nascimento arruinado. Vê-se aqui que alguns diretores da moda beberam dessa fonte – como Lars Von Trier ou Abdellatif Kechiche -, ainda assim é um filme que dentro do próprio gênero é profundamente ruim.
O que me intriga mais é: Como pode qualquer filme do Ed Wood ser considerado “o pior de todos os tempos” quando existe isso aqui?
Trash é uma coisa maravilhosa e divertida, mas convenhamos, Piranhaconda é câncer em forma de filme.
Mais um ótimo trabalho do Spike Jonze – Oscar de melhor roteiro original muito merecido.
A essa altura é difícil encontrar algo que se dizer, que não caia em redundância, mas não deixo de registrar meu elogio a esse trabalho. Não há muita gente que possa trabalhar de forma tão sensível e bem humorada uma crítica ao vazio solitário em que vive o homem moderno. Suas duas válvulas de escape mais comuns – o sexo e a tecnologia – não preenchem vazios: Alargam. E quantos conflitos fúteis não existem entre as pessoas nesses nossos tempos por simples imaturidade e falta de uma visão mais clara de como funciona a vida? No mais, é interessante como o conflito emocional retratado fica patente no contraste entre cores frias e quentes no filme. O final termina por ser um belo alívio de tanto sofrimento e confusão.
Dos filmes que assisti até o momento este é o mais tenso do Argento. Talvez pela sempre-agonienta combinação de agulhas e olhos, talvez pela impotência do espectador que observa aos horrores que se passam, assim espelhando a própria incapacidade de ação da protagonista. O final é também algo à parte, feito para expurgar toda a tensão que o precede. Opera é menos estético do que Suspiria, mas possui uma direção habilidosa, de planos inesquecíveis, e uma tensão que nunca cessa por completo e por isso creio ser quase, ou arrisco até ser de fato, tão bom quanto seu irmão mais velho e conceituado.
Ao contrário do bostelhê de quem diz que os filmes americanos da época – e até os passados – estavam tecnicamente superiores, discordo veementemente de tal absurdo. Godzilla é tecnicamente superior e não se perde na história como os roteiros pouco convincentes do ufanismo americano. Aqui não há bandeira estrelada tremulando ao fundo dos heróis, e sim uma mensagem. Anos luz à frente de roliude e seus macaquinhos de massinha.
Se eu já considerava o filme de 76 ruim – embora tenha seus bons momentos, é sim, absurdamente superestimado – este aqui fica difícil adjetivar. Falta imprecação para tamanho desastre. É uma cópia barata e muito da mal feita do filme do De Palma, com alguns exageros visuais de doer os bagos. Como sempre parte do elenco é fraca e a outra mal aproveitada. O horror... O horror...
Incrível como um livro que não deveria causar grandes problemas para ser adaptado, rende filmes tão tenebrosos de ruins.
Que roteiro primoroso, afiadíssimo, consciente de si e mais atual do que nunca! Uma preciosidade na história do cinema. Há tanto que se pode traçar de paralelo entre as falas deste filme e a nossa realidade atual, que seria redundante citar tudo, e ocuparia mais espaço do que o desejável para um comentário no filmow. Em vista do tanto que já foi dito nesta página, acho que não poderia acrescentar nada de relevante também.
Há apenas dois pontos interessantes que não posso deixar de ressaltar. Primeiro, é curioso ver como a internet se tornou uma espécie de “braço” da alienação midiática que era antes exclusividade, ou ao menos prioridade, televisiva, e como os próprios usuários muitas vezes são os responsáveis por propagar o catecismo da ignorância e da alienação.
Em segundo, quando Max Schumacher diz “e essas coisas que você acha que são piegas, mas que minha geração chamou simplesmente de decência humana.” há aí algo que cai como uma luva para a geração atual, que pode ser facilmente diagnosticada como portadora de um cinismo crônico, que faria com que os yuppies dos anos 80 se questionassem sobre o que é ser realmente um “babaca”.
Mais filmes contundentes como esse são necessários, por favor.
Gravidade é, em essência, o que deveria ser um filme de terror: Uma agonia continua e bem administrada. Mas, apesar do trabalho cinematográfico competente de Emmanuel Lubezki – também responsável pela fotografia de Árvore da vida – e da direção precisa de Alfonso Cuarón, o filme não supera suas limitações blockbusterianas. O que significa dizer, que embora os méritos técnicos estejam sim, muito dignos da sétima arte – e passíveis de ser tachados como arte por si mesmos – o filme como um todo não poderia ser considerado como tal. De qualquer forma, vale a pena sentar e relaxar para assistir. Afinal, quem dera todos os blockbusters fossem tão bem feitos.
Ps: Pro diabo com os detalhismos da física espacial. Se eu quiser a realidade não assisto a um filme de ficção e sim à um documentário.
As Pequenas Margaridas
4.2 267 Assista AgoraSe o surrealismo enquanto movimento artístico era majoritária e sufocantemente masculino em sua constituição, o que a diretora Věra Chytilová entrega em “As Pequenas Margaridas” é provavelmente o que há de mais próximo ao que se poderia chamar de um “surrealismo à feminina”. Toda a construção simbólica e estrutural do filme diz algo a respeito deste universo em particular.
Podemos pensar, por exemplo, que se de forma geral no surrealismo se pretendia romper com os valores sociais da burguesia, como status, família e pátria, “As pequenas margaridas” pretendem romper com as engrenagens masculinas que regem um mundo de violência e constrição. E é por isto que as desventuras das duas moças começam com a maçã da discórdia. O bom e velho fruto proibido que nasce da árvore do bem e do mal é a modernidade, que explicitou para as mulheres novas formas de ser no mundo, onde já não se poderia mais aceitar a subordinação feminina à estruturas patriarcais em franca decadência.
Assim temos que se o ideário moderno da masculinidade era um baluarte contra a decadência e degeneração dos costumes, um símbolo de permanência que manteria a vida social, familiar e tradicional, então nada mais natural do que apresentar um mundo de significantes femininos que buscam romper com esta tradição.
É por isso que se os personagens masculinos nos parecem velhos bobos e enfatuados, é porque o mundo masculino está muito distante, atrasado, e longe de compreender a existência feminina que vai desabrochar por meados do século XX – Pense, por exemplo, naquele momento em que diversos ciclistas passam pelas personagens como se estas não fossem nada e as moças começam a se questionar se estariam invisíveis. Depois olham para trás e constatam o rastro de comida que deixaram pela rua e se convencem de que sim, de fato existem. A mensagem é que muito embora os homens negligenciem a situação feminina, há uma história, um percurso, um agir e fazer no mundo, que sempre a tornará válida e visível, ou em outros termos, simplesmente real.
É, portanto, através destas construções simbólicas que o filme explicita seu rompimento com o mundo fálico. A emancipação das personagens é evidente, visto que não há dependência emocional, ou em qualquer outro nível, de homens – não é à toa que neste filme surrealista, cheio de livres associações, as moças cortam linguiças, bananas e ovos com uma tesoura. É nada mais do que uma forma irônica e debochada de romper com um universo fálico onde elas seriam dominadas. Também é simbólico que elas prefiram o prazer da comida à qualquer outra coisa. É um meio de negar também o prazer que por muito tempo era prerrogativa masculina: O prazer sexual. Se este não pertence às margaridas, elas buscarão outro prazer mais acessível.
Por ser constituído de uma estrutura essencial, profunda e indissociavelmente feminina, a mensagem do filme é ampla e sempre atual: Não importa o que uma mulher faça, seja uma depravação facilmente reconhecida ou uma ação de ordem simbólica, sempre que ela não agir conforme o esperado por uma sociedade retrograda - seja esta velada ou explicitamente conservadora - ela estará condenada. Ou ela deve se conformar a cumprir o papel servil que lhe é imposto, ou será deixada para afogar-se sem ajuda dentro deste sistema.
Na sombria resolução de “consertar” as coisas que surge ao final do filme, há a sombra das relações entre gêneros que se estabeleciam até à época – e que muitos gostariam que voltasse a imperar -, onde a mulher resumia-se à escrava doméstica obediente e submissa, falsamente satisfeita em sua condição limitante.
Mas apesar de toda esta significação, ainda há mais mensagens a se extrair do filme além da questão feminina. As “depravações” das personagens não são apenas travessuras que explicitam o quão chocante era para a sociedade da época a emancipação feminina. A questão aqui acredito que vai muito além do que se imagina, pois Chytilová colocou em cheque uma mensagem ainda mais profunda e muito mais moderna do que a grande maioria poderia conceber. O raciocínio é enganosamente simples: As protagonistas querem ser depravadas. E o que assistimos, é óbvio, não se encaixa no que naturalmente consideramos como depravação. Assim a desconstrução feita pela autora nos permite entender o que é verdadeiramente uma subversão.
Porque se simplesmente exageramos aquilo que transita no status quo, não estamos subvertendo absolutamente nada, quando muito nos mostramos simplesmente como sujeitos cínicos. Em outras palavras, mostramos o contrário da moeda, mas uma reflexão cuidadosa nos mostrará que o contrário é parte do mesmo sistema. Para cunhar algo verdadeiramente diferente é necessário negar por completo o status quo. Aí está a genialidade d’As pequenas margaridas. Ser subversivo, ou depravado, é fazer justamente o oposto do facilmente entendido como depravação. O choque pelo choque não subverte, em verdade e com frequência, não faz mais do que anestesiar e iludir. É possível ser rebelde e cínico, mas nunca subversivo e niilista ao mesmo tempo.
Negando o status quo, negando mesmo a estrutura narrativa convencional, a diretora entrega a mais pura obra subversiva do cinema. E para isto bastou uma série de desventuras e “desobediências”. É, enfim, um exemplo a ser pensado, absorvido e praticado.
Que Horas Ela Volta?
4.3 3,0K Assista AgoraOlha, sinto constatar, mas definitivamente QHEV não é tudo isso, e dificilmente tem porte para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro – sequer levo muita fé em uma indicação. Não que o Oscar seja grande parâmetro, ou defina a qualidade de um filme, deixemos isso BEM CLARO. O que acontece é que não se trata de uma obra excepcional, e sim de algo dentro da média dos filmes brasileiros.
Antes é claro, devo dizer que não entendo porque filmes brasileiros têm de despertar reações tão passionais no público, afinal ou são amados incondicionalmente ou odiados com veemência. O necessário para que tenhamos um cinema melhor é algo deveras mais simples: Um posicionamento crítico e equilibrado, já que afinal e lamentavelmente, nosso cinema ainda tem muito que desenvolver em técnica e argumento.
Quanto à QHEV propriamente dito comecemos por um de seus méritos: A direção de Muylaert, embora muito básica, acerta ao abusar dos enquadramentos fragmentados, claustrofóbicos, que demonstram de forma visual as distâncias que se constroem nos planos subjetivo e social daqueles personagens – não que seja uma novidade, pois o recurso já há décadas foi utilizado com maestria por diretores chineses e japoneses -. A fotografia, no entanto, é preguiçosa, e não chega a merecer elogios, já que permanece a clara sensação de que algo melhor poderia ter sido feito, até mesmo em termos de luz e sombras. O áudio possui os recorrentes problemas do cinema brasileiro: Má captação – por vezes o som ambiente, síncrono, sobrepõe as falas dos personagens – ou o mau direcionamento desta captação – ouvimos bem um personagem, mas não a outro -.
As atuações estão dentro da média, não há nada que se possa caracterizar como excepcional por aqui, embora haja algo que muito me incomoda no que diz respeito a escolha de elenco: Por que não colocar atores que realmente são nordestinos para representar os papéis cabíveis? Para um filme que se pretende crítico esta é uma escolha problemática em vários níveis. Pois vejam, nós vivemos em um país onde há uma supremacia da comunicação, em que toda nossa visão de mundo é formada pelo eixo Rio-SP. A forma como vemos aos nordestinos, ou outras regiões do Brasil e seus habitantes, é quase majoritariamente de acordo com a interpretação imposta a partir deste eixo dominante. Aliás, a própria escolha de um filme do sudeste para concorrer ao Oscar soa sintomática, já que o cinema pernambucano, unanimemente elogiado, não teve até agora esta mesma oportunidade. E isto não é acaso, não é à toa, é o poder que a hegemonia da comunicação Rio-SP possui. Não à toa também, este filme é uma co-produção Globo Filmes, e não pensem que a produtora deixaria de fazer um investimento considerável em marketing para alavancar a obra – e marketing, meus amigos, não significa apenas a publicidade mais óbvia. Pode-se esperar como propaganda velada muitas opiniões e resenhas encomendadas para elogiar o filme.
Voltando a este, o ponto mais importante, a crítica, é também o mais decepcionante. O filme É SIM eivado de estereótipos e clichês, e não apenas com relação aos patrões classe média – ainda que nada possa superar o arquétipo batido do marido banana infeliz casado com a mulher megera elitista -. Aliás, há certa novelização melodramática destes personagens “de classe” que chega a ser irritante, embora não constitua por si mesmo um grande problema, já que a classe média alta brasileira é algo realmente abominável. O fato é que faltou maior equilíbrio e aprofundamento nesta crítica, que em certos pontos não disse mais do que o óbvio ululante, e em outros se tornou cartunesca, bidimensional. Por isso, há SIM algo de superficial no filme, já que não se mexe o bastante na ferida – tanto é assim, que em grande medida o público da classe média é quem ovaciona a este filme -. Por que não ir além neste questionamento? Por que não questionar de forma contundente qual a razão destas pessoas economicamente privilegiadas agirem como se possuíssem “sangue azul” e precisassem de serviçais para atender aos seus caprichos mais esdrúxulos?
Para não dizer que só houve erros, há dois pontos não tão centrais da crítica que foram bem trabalhados: Primeiro, a forma como revolta a esta classe privilegiada assistir aos menos abastados terem acesso ao estudo superior, e mais, que isto se dê por MERITO – esqueçam todo o merdelhê batido sobre meritocracia. Não se inventou ainda falácia maior nesta terra. Porque, sinceramente, não existe meritocracia onde as oportunidades não são iguais. Ainda que não se possa diminuir o mérito de quem derruba as barreiras econômicas e sociais para alcançar objetivos tidos como “impossíveis”. E é justo neste momento em que a classe mérdia brasileira esquece o tal discursinho da meritocracia, pois na verdade acreditam numa ARISTOCRACIA, em um direito dos favorecidos que por sua posição social merecem ter todos os benefícios do mundo. Por isso tudo é bonito ver o rapazinho tonto não passar para a faculdade.
A segunda crítica acertada é a relação de Fabinho com Val, que demonstra como a classe média alta delega a criação de seus filhos à outras pessoas, ao ponto de não apenas o menino possuir uma relação mais materna com a empregada do que com a mãe, mas também da própria Val relacionar-se melhor e mais “maternalmente” com ele do que com a própria filha. E como a cereja no bolo da hipocrisia e contradição, as mães de classe que não querem criar seus filhos ainda assim exigem afeto. Como se o afeto fosse um direito e não uma conquista, uma consequência.
Finalmente, chegamos a Jéssica. Ah Jéssica... Convenhamos, a menina tinha momentos de inconveniência sim, e tratava a mãe de uma forma deprimente. Claro, entende-se que está dentro da trama os porquês desta relação não ser ideal, mas ainda assim há algumas atitudes injustificáveis por parte dela. O pior de tudo, no entanto, é Val deixar o emprego para virar empregada – ou babá – para a filha, é quase invalidar a mudança final da personagem. É aliás, outro ponto um tanto quanto discutível do filme que Jéssica, tão esperta, fruto desta geração da informação, não tenha sabido usar sua esperteza e informação para evitar uma gravidez precoce. Ela termina, afinal, por ser mais um estereótipo. Já que pobre e nordestina, não fugiria por completo ao destino que cabe à pobres e nordestinos, não é mesmo?
Nisto o filme soa esquizofrênico e perde um pouco de sua força crítica.
Assim, o que concluo é que este filme não dá soco, ou tapa, em lugar nenhum de ninguém, por simples falta de coragem, porque se coloca até certo ponto de forma a ser digerível justamente para a classe que deveria criticar. Claro, trata-se de um filme leve, mas isto não é suficiente empecilho para apresentar algo mais contundente. Não nego que o filme tenha seus méritos, mas vejo claramente que falhou em diversos aspectos no qual poderia ter sido muito melhor.
Oscar? Melhor nacional da última década? Por favor...
Picnic na Montanha Misteriosa
3.8 175 Assista AgoraEstá aí um filme que não esperava que fosse me intrigar tanto. Para começar, a cinematografia inspirada pelas pinturas do período romântico é um bem vindo agrado aos olhos. O mais interessante, no entanto, e algo que é quase unanimemente negligenciado, é que este filme NÃO É um mistério de ordem sobrenatural, tampouco policial. Trata-se antes de uma bem elaborada representação psicanalítica da sexualidade feminina nos inícios do século passado. Não há um símbolo, cena, ou ideia, jogada à esmo neste filme. Tudo contribui afinal para uma interpretação psicológica da trama.
Um breve porém: Embora tudo esteja claro, não está ÓBVIO. Pois o filme narra de forma ora neurótica – os conflitos internos não são resolvidos –, ora histérica – conflitos internos recalcados geram sintomas de ordem física – e daí surge o seu tom de mistério. Que não se creia por conta disto que se trata de um filme hermético, porque definitivamente não é o caso.
Hanging Rock representa a sexualidade de forma geral. O mistério que se desdobrava tortuosamente junto com o século XXI. Este aspecto da vida humana foi, e em determinada medida continua sendo, motivo de medo e fascinação. As três meninas que adentram os labirintos entre as rochas são um símbolo da sexualidade que se inicia, enquanto aquela que foge desesperada representa o medo diante desta iniciação.
Miranda em determinado momento é comparada às pinturas de Botticelli, e a intenção não é apenas ressaltar sua beleza, mas relacioná-la àquela figura tão conhecida que vemos estampada no livro que lê a professora: O nascimento de Vênus. Deusa do amor, da feminilidade. Não gratuitamente, quando a personagem corta um bolo em forma de coração, o faz no seu ponto inferior, onde forma-se um cálice, símbolo já consagrado do feminino. Além disto o corte, de forma óbvia, mas não obscena, traz uma livre associação com o monte de Vênus. O filme todo se desenvolve desta forma: Uma referência dentro de outra referência. O sonho dentro de um sonho. O fantasma na máquina, o desejo não conscientizado da psique refletido fora da carne.
Quanto à única das garotas que sobrevive, ela é talvez a representante de uma sexualidade que se iniciava – e novamente, ainda se inicia em certos casos – como um evento traumático. Evento do qual é possível sobreviver, claro, mas será que era – será que é? – aceita a mulher que realmente possui sexualidade? Pensemos na cena em que Irma é hostilizada pelas outras estudantes que perguntam pelas meninas ainda desaparecidas. É como se a mulher sexual traísse à todas as outras que não sobreviveram, ou poderiam sobreviver, à sua iniciação sexual. Uma traição, enfim, às “perdidas” da expressão psicologicamente saudável de sua libido.
Mrs. Appleyard é outra forma de demonstrar esta resistência, indo de forma mais direta no que tange à repressão da época. O modo sisudo como se veste, seus trejeitos controlados, tudo denuncia sua própria repressão. O diálogo em que fala sobre o local em que passava os verões, um local em que 40 anos nada mudava, demonstra seu desgosto pelas mudanças que culminariam na revolução sexual. Trata-se de uma personagem que não admite o que seria à época uma mulher “moderna”. Pensemos por exemplo no momento em que questiona a professora se esta estaria usando “rouge”, como se houvesse nisto algo de escandaloso ou recriminável. Ao mesmo tempo, parece que a personagem nutria algum sentimento homo-afetivo pela professora que desapareceu junto com as alunas. Sua repressão é tão intensa, que perceber os mesmos impulsos homo-afetivos em Sara, a faz nutrir desprezo pela moça. Sendo assim, os motivos para querer que esta se distanciasse da escola não eram tanto financeiros, mas muito mais psicológicos. A aluna era a realização daquilo que a mulher reprimia em si mesma.
Sara é, aliás, uma personagem particularmente torturada pelas repressões da época, e negligenciarei um tanto os comentários quanto a este ponto para não me estender demasiadamente, já que a personagem renderia uma análise razoável por si só.
Como se o exposto até aqui não bastasse, a repressão no filme é mostrada também em termos de vetos à simples palavras ou objetos. Dizer calcinha, ceroula, ou contar que a estudante foi achada sem espartilho parecem coisas obscenas, dignas de rubor, como se não dizendo e ignorando assim a coisa pudessem negar sua existência, ou ainda pior, negar que relacionado àquilo há um corpo e que neste corpo poderia haver sexualidade.
Por fim, a trilha sonora erudita não só combina muito com a estética apresentada, mas nos diz um pouco mais sobre o sentido da história. Acredito que Bach tenha sido o compositor melhor utilizado, pois é afinal representante maior do Barroco, este período de confusão e conflito tomados como tema da arte. E o que é a sexualidade no início do século passado senão esta confusão, senão este conflito entre o desejo e a norma, o possível e o desejável. Se as cenas finais do filme são idílicas, se remetem a um sonho, é porque remetem a um ideal de realização feminina. Simples, natural, sem empecilhos, sem complicações. Tão puro que se torna antítese do tom obsceno com que era tratada a sexualidade na época em que se insere o filme. É enfim, uma fuga do barroco para o romantismo que começa a ser esboçado na música com autores do período clássico, como Mozart e Beethoven, que complementam a trilha sonora do filme.
É afinal uma elegia a um devir sexual e psicológico feminino.
O Duplo
3.5 518 Assista AgoraIncrível como o excelente trabalho de Ayoade neste filme não é suficientemente valorizado. Pessoalmente já o via como um diretor promissor depois de assistir à Submarine, muito embora não tenha gostado dos personagens, nem do roteiro. Mas o que importa dizer é que não pude negar a qualidade cinematográfica do rapaz.
Quanto a “O Duplo”, um dos grandes méritos deste filme é o de traduzir com perfeição para a linguagem cinematográfica o arquétipo de Dostoievski que se convencionou chamar de “homem do subsolo”, surgido com o romance quase homônimo. Trata-se de uma espécie de criatura desajustada que investe introspectivamente contra a própria consciência e contra o mundo exterior. Um homem amargo, solitário, isolado, e sobretudo, inepto para a ação.
Outra interessante hipótese diz respeito ao nosso verdadeiro eu, vivendo nas sombras, inseguro em se mostrar, com medo de ser julgado, usado ou ferido. Escondendo este verdadeiro eu, escondemos nossas vontades e cada aspiração que possuímos torna-se menos realizável. E afinal, nosso mundo torna-se menos colorido, nossa vida, penumbrosa e solitária – sentimentos e sensações muito bem trabalhadas pela cinematografia rica em sombras, e no trabalho de arte que dá significação especial às cores primárias.
Muitos críticos comparam o subsolo em que o homem vive ao inconsciente. O que traria à tona a ideia de um sujeito em conflito com sentimentos a que ele não pode dar voz, ou mesmo ideias frequentemente reprimidas, desejos irrealizáveis, atitudes que se gostaria de tomar, mas para o qual não se tem coragem. É no inconsciente que vive o duplo, esta faceta quase perversa do personagem de Jesse Eisenberg.
Mas por fim, acho que o tal subsolo não se resume a um inconsciente simbólico, uma profundeza não controlada da psique, como se convencionou interpretar, mas diz muito mais respeito à uma condição social e espiritual de um indivíduo deslocado na sociedade.
Afinal naquele (sub)mundo burocrático e asséptico está o subsolo que comprime e oprime a existência do indivíduo. Naquela escuridão quase total, na constante noite em que vive o protagonista está nosso verdadeiro subsolo. Aliás, quanto a burocracia, é interessante o teor Kafkiano da cena em que o funcionário é considerado inexistente por uma falha de registro, como se um número, uma identificação formal, fosse tudo que define a existência de um indivíduo em uma sociedade de regras excessivas e alienantes.
Neste mesmo habitat, aliás, é comum que o verdadeiro mérito não seja recompensado, enquanto para o cinismo muitas portas se abrem com facilidade. Não importa conteúdo, não importa aquilo que trazemos por dentro, longe do conhecimento externo, e sim o que se ostenta por fora, a mera aparência, aquela atitude, que mesmo antiética, é valorizada. Está aí algo que qualquer introvertido em algum momento da vida sentiu na pele, sobretudo neste país de extroversão efusiva e descontrolada.
E afinal, o que é necessário para ser reconhecido? É um algo que estamos dispostos a fazer? É necessário deixar nossos princípios de lado – supondo que tenhamos algum – para tanto?
O clímax nos traz alguma resposta. Uma colocação moral exige que enfrentemos nossos próprios demônios. Mas até que ponto podemos levar este embate? Será possível que matemos nosso duplo sem que isso mate a nós mesmos?
Se não nos resta mais nada, que ao menos reste o consolo, ainda que ilusório, de nos pensarmos únicos. Para que o nosso fim não seja um abraçar de vez o vazio, mas um descanso particular, um voltar-se a si mesmo para encontrar um valor primordial que já não existe lá fora. E que eloquência há no último olhar que Jesse Eisenberg lança à tela!
No mais, Fade out. Fim de história.
Os Vingadores
4.0 6,9K Assista AgoraSempre que vejo alguém criticar este filme, noto certo comportamento que não me desce, e algumas palavras me parecem necessárias.
Para princípio de conversa, falo com conhecimento de causa, porque eu mesmo nutria uma série de preconceitos antes de ter assistido com mais carinho a estes filmes do universo Marvel. Tratava-se de um preconceito a despeito mesmo de eu já ser um fan de quadrinhos, portanto, assumo que era algo completamente injustificado.
O fato é: Acho que as pessoas têm um pedantismo muito do mal direcionado na hora de criticar este filme. Onde a critica é realmente necessária, não se vê tanta assiduidade e vontade quanto se vê por aqui.
É o melhor filme já feito? Claro que não. O pior? Passa ainda mais longe. A primeira coisa que eu penso, e que parece ignorado por muita gente, é que blockbusters sempre existiram, e pasmem vocês!, sempre existirão. O que não é razão de preocupação, porque não reduz a inteligência se divertir de vez em quando, desde que haja alguma qualidade envolvida nesta distração. Além disso, o cinema antes de ser arte é entretenimento. Por isto não cabe criticar um trabalho que não tem intenção de ser arte, como se fosse, partindo de pressupostos rebuscados, ou puramente pedantes, mas que não dizem absolutamente nada enquanto ARGUMENTAÇÃO.
Há também, no geral, uma ignorância recorrente das pessoas que apedrejam os filmes de super heróis, porque fica um tanto patente que estas pessoas não conhecem muito sobre o desenvolvimento do cinema e dos quadrinhos. Consideram o segundo inferior, enquanto o primeiro é tido como exemplo inconteste de arte. Baita engano. Mas o interessante é observar como ambos surgiram de modo ingênuo, muitas vezes com intenções propagandistas discutíveis e objetivos claramente conformistas ou escapistas. Mas o tempo fez com que estas duas formas florescessem enquanto arte, porque mesmo dentro do escapismo, ao tempo certo, pode surgir uma obra de tamanho fôlego, que só possa ser chamada de arte. É preciso TEMPO, para que o escapismo, o mero entretenimento, desenvolva-se em formas mais elaboradas, artísticas enfim. Estes filmes simples da Marvel, são um começo. Talvez em décadas futuras um filme de super-herói possa até romper este limite entre entretenimento e arte.
Enquanto isso, meu único conselho aos críticos de plantão é bastante simples: Relaxem. Se não gostam, não assistam. Se acharem falho, considerem que este não é um entretenimento com altas pretensões. E quem sabe se vocês esperarem o suficiente possam ver, em tempo, surgir algo que os cale ou satisfaça. Mas é preciso tempo. É preciso esperar o pleno desenvolvimento deste encontro entre sétima e nona arte.
Afinal, criticar uma criança que mal engatinha por não andar suficientemente bem é, no mínimo, perda de tempo, e seguramente, uma baita falta de noção.
Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
3.8 3,4K Assista AgoraAcho que as pessoas tem uma interpretação um tanto equivocada deste filme. Não me parece possível que seja uma crítica contundente ao mundo do entretenimento quando ela é feita de forma tão condescendente. Utilizar-se de tantos atores que participaram de filmes de heróis é sinal expressivo deste argumento, afinal, eles não deixam de ser atores, nem se tornam menos capazes por isto. O desenvolvimento do roteiro aponta para um caminho inverso ao que o senso comum apontou como significado para as críticas de Birdman.
Aos argumentos.
Se vocês derem atenção aos personagens que representam o meio obviamente artístico do filme, vão entender para quem a crítica mais intensa se endereça. O personagem de Edward Norton, por exemplo, queridinho da crítica e ator aclamado, é um baita de um cuzão. Além de ser um sujeito bem antiprofissional. Já a crítica profissional cujo artigo é subtítulo do filme, não passa de uma pessoa amargurada e cheia de preconceitos. O ponto principal: É justo o personagem de Michael Keaton, o símbolo decadente do entretenimento, que dá o “sangue” pela arte. É justamente dele, de quem ninguém espera nada, que vêm o que surpreende à todos.
Levemos a metáfora adiante: Toda alucinação fantasiosa que faz com que pensemos que ele tem “poderes” é mais um reforço a esta mensagem: Vocês, que se dizem da arte, são incapazes de transcender a normalidade. Acredito que o mais importante dito pelo filme, não é afirmativo, mas sim um questionamento: Vocês sabem REALMENTE o que é arte e vocês estão realmente preparados para julgar como se deve a uma obra de arte e as pessoas envolvidas no processo? A resposta é NÃO. Basta um acidente, um subterfúgio, e se cria o deslumbre geral. Parece, no fim das contas, que é o mundo autoproclamado artístico ou crítico, que necessita mais do que nunca se reeducar.
E aí está a genialidade de Birdman. Uma crítica direta e simples ao entretenimento, convenhamos, seria fácil, pueril. Há alvos maiores, há alvos mais necessários, mais interessantes. Por isso reitero a interpretação: NÃO É uma crítica aos atores que interpretam super heróis, e sim ao ESTIGMA ilógico que eles podem carregar a partir disto, em outras palavras, é uma crítica à crítica, uma crítica à pretensão.
Daí a tal inesperada virtude da ignorância.
O Jogo da Imitação
4.3 3,0K Assista AgoraLogo de cara o que me fisgou e surpreendeu n’O Jogo da Imitação foi o roteiro. É um trabalho que merece todo reconhecimento por sua qualidade narrativa. Há um recurso metalinguístico fantástico na “entrevista” que inicia o filme, já que o sentido das palavras se expande quando o que é direcionado ao investigador termina sendo o ponto de partida para atrair a atenção do expectador. Alan Turing fala diretamente a cada um de nós.
A cinematografia também é maravilhosa, com um bom uso de cores e sombras, além de possuir uma fotografia das mais bonitas. O que dizer das atuações? Benedict Cumberbatch prova mais uma vez porque é um dos atores de maior calibre na atualidade. Não fosse pela magnífica personificação de Stephen Hawking feita por Eddie Redmayne em “A teoria de tudo”, acredito que seria bem possível que Cumberbatch fosse agraciado com o Oscar. Quanto à Keira Knightley como atriz coadjuvante, devo confessar que me agradou mais do que Patricia Arquette em Boyhood – um filme que não ofereceu lá muitas oportunidades para uma grande atuação, convenhamos.
Por último, e definitivamente, não menos importante, impossível ignorar a reflexão que este filme traz. Como bom nerd criado por um analista de sistemas, Turing – assim como Tesla, outra figura esquecida da história até pouco tempo – não era alguém desconhecido para mim. Mas acredito que o filme expanda a percepção a cerca das consequências desta história – Trazendo à tona alguns fatos até recentemente ocultos -. É aterrador pensar que um homem que pode ter contribuído para salvar 14 milhões de vidas, encurtando a guerra em pelo menos 2 anos, tenha sido simplesmente castrado quimicamente por ser homossexual. É triste como a normalidade e o senso comum podem ser ávidos em condenar – e levando-se em conta os 50 anos passados até que viessem as desculpas oficiais, como são lentos para reconhecer o próprio erro.
Acho interessante que mais filmes e histórias como esta sejam representadas também para que se desfaça a mitologia da segunda guerra mundial. Nunca houve um embate literal entre bem e mal. O mal que se praticava abertamente em um lado, rastejava nas sombras de outro – por muito tempo inclusive os britânicos foram anti-semitas -. Importante lembrar também as palavras do roteirista Graham Moore na cerimonia do Oscar. Visto que a diferença desencorajada e menosprezada pela normose geral da sociedade é justamente o que permite que esta mesma sociedade, de tempos em tempos, evolua. É importante, não só permanecer “estranho” e se aceitar, mas também fazer com que o grosso da sociedade perceba os danos que pode cometer com seus (pré)conceitos.
Enfim, O Jogo da Imitação é um filme maravilhoso, sobre um homem ímpar, e carregado de uma reflexão necessária ainda hoje.
Favorito para a vida.
Boyhood: Da Infância à Juventude
4.0 3,7K Assista AgoraOlha, até entendo que muitas pessoas gostem deste filme por conta do fator identificação, já que é algo emocional, pessoal e intransferível. Há de fato toda uma geração que cresceu neste mesmo período e partilha de certas experiências comuns ao filme. Mas com toda a sinceridade, para além do parâmetro emocional particular de uma geração, não há razão que justifique tanto barulho em torno de Boyhood. Direção ok, produção legal, mas no fim das contas nada é realmente expressivo e ainda há o problema latente da falta absurda de um roteiro mais consistente – por mais que Linklater queira de alguma forma mimetizar a realidade, seu propósito é falho, até mesmo pela quantidade de clichês presentes na obra.
Definitivamente foi muito ter sido indicado ao Oscar em tantas categorias, quando qualquer outro dos filmes, em qualquer categoria, poderia facilmente superá-lo – a exceção de suas últimas linhas, é até discutível se Patricia Arquette merecia a estatueta -. Muito se diz sobre a simplicidade aqui contida, mas me perdoem, o filme não é simples, e sim prosaico. E embora seja um projeto de longa duração, não apresenta a mais remota dificuldade em termos de montagem e edição. Pois é bom corrigir o engano: Não são 12 anos de filmagens, e sim filmagens homeopáticas distribuídas ao longo deste período. O que no fim das contas, dá no mesmo para editar e montar. Curiosamente, o filme começa com um ritmo muito melhor do que aquele que adquire do meio para o final.
Fico pasmo também que ninguém tenha percebido o quão machista Boyhood é. Todas as personagens femininas são terríveis, mal elaboradas, irritantes, e nem mesmo Patricia Arquette se salva, já que é uma personagem, que embora real, não faz mais do que caracterizar uma mulher vítima de relacionamentos abusivos intermitentes, e que sequer recebe suficiente reconhecimento pelo seu papel de mãe durante o filme. No mais, a intenção de diálogos “realistas” de Linklater se torna bastante irritante com o tempo e parece reforçar o machismo inerente ao filme – já que se subentende o “a vida é assim” com isto, e não se toma o erro como um ponto de vista particular ou uma crítica.
O final, assim como o resultado final da obra, é no mínimo broxante. Digo e repito, entendo que muita gente tenha se identificado, mas este filme não é técnica, temática, nem conceitualmente, relevante.
O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos
3.9 2,0K Assista AgoraEmbora ainda carregue em seu desenvolvimento os erros iniciados no filme anterior, e tenha pecado em não estender o ataque de Smaug à cidade do lago, considero que BOFA supera a “Desolação” por uma série de fatores – embora também possua seus próprios defeitos, que acredito, sejam menos graves do que os apresentados pelo capítulo anterior -. Acho, por exemplo, que este filme teve os efeitos especiais mais equilibrados do que o anterior se o analisarmos de uma forma geral – Mas sim, P.J não foge a certos exageros visuais que poderiam ser evitados -. Temos aqui mais material para compensar os desvios, como a “visita” do conselho branco à Dol Guldur, que manteve uma belíssima essência do original de Tolkien. Quanto à sequência que abre o filme, concordo que talvez sua brevidade e inserção no início deste último capítulo atenda à intenção de continuidade, afinal, os filmes não são “fechados” em si mesmos, mas uma coisa só.
Cabe lembrar também o crasso erro em que recaem alguns críticos desta trilogia, que de críticos pouco ou nada têm, visto que repetem opiniões nada originais ao invés de elaborarem argumentos próprios. Comum mesmo é demonstrarem não possuir um mínimo conhecimento a respeito do que dizem. O que importa é: O Hobbit, ainda que seja um único livro, e tenha 300 e tantas páginas, é uma história cuja narrativa CONDENSA inúmeros acontecimentos em poucas palavras. Para qualquer leitor que se preze o número ao final da folha diz muito menos do que o CONTEÚDO impresso nesta. Além do mais, o argumento batido de que um livro “infantil” tão breve – que não, não é precisamente infantil – deveria ter somente um, no máximo dois filmes, ignora o montante de acontecimentos que se inserem nestas páginas. Afinal, narrar determinados acontecimentos de forma breve leva muito menos tempo do que MOSTRAR estes mesmos acontecimentos em tempo corrente. O que não significa, é claro, que todas as escolhas de Peter Jackson nesta adaptação tenham sido felizes. No entanto, repito o que disse ao assistir o segundo filme: O saldo geral continua positivo. Sobretudo quando começamos a ver este trabalho como o prelúdio da irretocável saga do anel.
Acredito também que este filme mais do que um pretexto para uma grande e épica batalha, tem por intuito ser uma despedida, como colocou muito bem um camarada mais abaixo. Para os fans - e digo fans mesmo e não a gurizada xiita que mal aterrissou no universo de Tolkien e se acha muito sabedora -, este derradeiro capítulo na saga do Hobbit Bilbo – e da Terra média por consequência – representa emocionalmente, o que o fim dos episódios em Acapulco representa para os fans de Chaves. A saber: uma melancólica despedida, que aqui toma também as proporções de canto do cisne, pois sabemos, não voltaremos a este incrível universo tão cedo, se é que um dia voltaremos. É claro que resta despedir-nos desta nossa comitiva de hobbits, anões, magos e homens, mas sem perder a esperança de um fortuito, ainda que diferente, encontro futuro. Portanto, é hora de despedir-nos da Terra-média nos cinemas, “mas sem dizer adeus jamais”.
A Menina que Roubava Livros
4.0 3,4K Assista AgoraOlha, analisando única e somente enquanto filme, não é de todo mal, é, sobretudo, muito bem produzido, e possui uma boa trilha sonora também – embora pareça que John Willians se manteve expressivo em dois temas, para não fazer nada muito relevante no resto das composições.
Agora, se empreendermos a análise enquanto ADAPTAÇÃO, é um DESASTRE completo. Trata-se basicamente de um resumo apressado e pasteurizado do livro. Há uma falta de desenvolvimento, tanto dos personagens, quanto do ambiente peculiar da Rua Himmel e seus moradores, que prejudica sobremaneira a narrativa. Muitos personagens, detalhes e situações foram omitidos - ao passo em que criaram um inútil projeto de antagonista -, e o resultado final foi um filme absurdamente genérico. A impressão maior é de que a essência da obra não foi transposta de todo nesta adaptação.
Faltou também tato para representar a introspecção que marcava o livro, os personagens se apresentam de forma excessivamente simples, aberta, bidimensional. E se você conhece a cultura alemã ou ao menos assistiu a alguns filmes alemães, nada nesse filme convence, afinal ele recende à americanismo –
repare na propaganda não muito sutil que se inscreve na ocupação dos soldados americanos, onde há uma cena breve em que mulheres acenam alegremente para os caminhões onde esses militares são transportados. Irônico, já que o material de origem traz uma mensagem anti-maniqueísta, sobretudo no que tange à considerar o papel americano na guerra como heroico, pois não esqueçam, eles bombardearam a Rua Himmel e causaram a morte de civis.
A morte poderia ter sido muito melhor trabalhada. O livro abre uma oportunidade ímpar para uma exploração conceitual e participativa desta personagem, mas aqui tudo se resumiu a isso: Uma narração – e das mais breves -. O clímax foi talvez o maior de todos os erros deste filme: Apressado, anticlimático e o pior de tudo, FORÇADO.
Para quê manter Rudy vivo e criar uma cena boçalmente clichê onde ele tenta dizer que ama Liesel?
Eu diria que até a escolha de elenco é discutível. Mas enfim, não me decepcionou porque realmente não criei grandes expectativas. Já sabia que seria um filme mastigado para as massas e muito aquém das possibilidades artísticas e cinematográficas do livro.
Gilda
4.0 225 Assista AgoraBasicamente o filme só vale pela hipnotizante Rita Hayworth – Gilda é de fato inesquecível. Como noir não é lá grandes coisas, embora os claro-escuros característicos do gênero sejam muito bem trabalhados. No mais, os personagens masculinos tacanhos e o inconfundível ranço machista impedem o filme de ser bem digerido. O final açucarado, submisso, incongruente, é mais que decepcionante.
Viagem Para Agartha
4.0 157 Assista AgoraIndependente de qualquer análise crítica que se possa fazer deste anime, uma coisa qualquer cidadão é obrigado a admitir: A arte deste filme – cenários sobretudo – é um carinho para os olhos.
As Tartarugas Ninja III
2.9 110 Assista AgoraSinceramente a média desse filme se encontra bastante avacalhada se pararmos para pensar que chorumes hollywoodianos como a série Transformers de Michael Bay possuem média acima de 3.0. Também não sei o que se passa com essa galerinha – muito provavelmente criada à ovo maltino e leite com pêra – que decide bancar o híper crítico cinematográfico para julgar um filme simples e descompromissado - Contexto para que, não é?
Para mim, e digo sem hesitar, este é o filme mais divertido dos 3, mas acima de tudo, é um trabalho sui generis da dublagem brasileira. Não é só uma dublagem marcante, mas também um trabalho que dá verdadeira alma aos personagens. Como esquecer da voz de Michelangelo, por exemplo? Nos anos 80 e início dos 90, aliás, a dublagem brasileira passou por uma fase de ouro, muitas vezes menosprezada pela mesma galerinha sabe-tudo que mal parou de tomar Toddynho na mamadeira.
Marcou infância e continua divertindo – afinal não se propõe a mais que isso – pouco importa se falta uma explicação cabal que faça Stephen Hawking considerar a viagem no tempo crível.
Ah, e como ignorar os bons tempos em que nem tudo era feito em computador? Menos tela verde é mais alegria. Sinceramente.
Pink Floyd - The Wall
4.4 702The Wall antes de ser Floydiano, é inegavelmente Freudiano. Todo o desenvolvimento de Pink, de sua melancolia derivada da ausência paterna, ao apego à mãe, pode ser psicanaliticamente analisado. É relevante notar o constante retorno que há ao materno como fonte de conforto, retorno este que inclusive impede uma vida afetiva saudável – é certo que nenhum “filhinho da mamãe” poderá jamais viver satisfatoriamente com uma mulher que não seja aquela que o pôs no mundo. Mesmo que isto se opere no nível simbólico, os efeitos beiram o literal.
Ainda assim, esse retorno ao materno tem sua razão de ser, não se trata de simples resistência edípica ao processo de crescer. Não é simples fuga covarde da realidade para o refúgio aconchegante das asas – ou útero – maternas. Frente a um mundo violento, a uma educação repressiva, que desmasculiniza, castra, o menininho jamais poderá se tornar homem. Assim cresce o muro, assim o personagem se isola cada vez mais, percebendo tardiamente sua ligação com este mesmo mundo na figura da esposa.
O conforto materno para o sujeito crescido não vem. Uma mulher "safada" parece a solução fácil e rápida para um entorpecente acerto libidinal com a vida. Mas basta o sujeito tê-la para descobrir que não ajuda. Não é aquilo que realmente deseja. Vem a crise, a loucura, o grito insano à janela quebrada, a mão enterrada nos cacos de vidro, o sangue... Todo o resto envolto em sombras.
Não bastasse este rico fundo psicológico, ainda há as belas referências visuais à Magritte, Dali e Di Chirico, sobretudo nas sequências animadas. E o modo “videoclipe” como o filme se desenrola, guarda semelhanças estreitas com a técnica do fluxo de consciência na literatura.
Um ponto, no entanto, me chamou demais a atenção, por sua atualidade e contundência. Quando Pink, após a tentativa de suicídio, se converte em um ditador fascista – e não é mera coincidência a mimese de Adolf Hitler, um sabido artista fracassado – ele se transforma em algo que encontra eco em certos polemistas do cinema atual. Vejam, que o modo como ele se dirige ao público é doutrinário, e dentro em pouco, descamba para o absurdo segregacional ao retirar da platéia negros, gays, usuários de drogas, etc.
A arte, que deveria em sua natureza elevar, ou fazer ao menos sentir, pensar, perde o seu poder libertador. Assim diretores – e da mesma forma comediantes, escritores, músicos -, aprisionam o público tosco aos seus preconceitos limitantes, não suscitando outro sentimento além do ódio obediente, da normalização do grotesco. A massa aplaude, se uniformiza, se descaracteriza – muito simbólico que ressurjam neste momento as máscaras disformes de Another Brick In The Wall, Parte II - e o absurdo do preconceito passa despercebido, é assimilado. Se Lars Von Trier, não é a encarnação de um Pink fascista, “macacos me mordam, eu estou louco.”
É também interessante a extensão da metáfora do muro, por vezes analisada de forma incompleta. O Muro é o que separa o indivíduo da sociedade, o artista do público – estes rostos indistintos na platéia, como tijolos em um muro – e a mensagem apresentada pelo longa é inequívoca: Se o artista se fecha atrás do muro, cai na solidão, na loucura. Ou se afasta tanto do que é realmente humano, que se torna um ditador incapaz de arte, tomado apenas pelo desejo de domínio e violência. Se termina por derrubar o muro, se expõe, ao ridículo talvez, mas também se apresenta humano, nu em nervo e carne, falho, enfim, como qualquer um de nós.
E “Afinal de contas, não é fácil fazer seu coração bater contra um muro amaldiçoado. E ao lhe darem tudo o que têm, alguns tropeçam e caem...”
Mas nos destroços do muro, nasce a esperança. Crianças recolhem o entulho. A vida recomeça... Outside The Wall.
RoboCop
3.3 2,0K Assista AgoraDepois de uma breve, e panorâmica, leitura nos comentários deste filme, não posso conter a decepção que me causam as respectivas opiniões. De um lado, há quem pareça ter buscado o filme errado, esperando uma produção trivial de ação e nada mais. De outro, críticas extensas e elaboradas – bem elaboradas, sim -, mas que escondem certa análise pedante que termina unicamente por dizer: O filme é bom, mas não é o clássico do Paul Verhoeven.
Enquanto isso eu, que não simpatizo com Padilha, não posso deixar de me admirar pelo trabalho competente que ele apresenta aqui. Por se tratar de uma releitura – termo que se aplica muito melhor a este filme do que “remake” – de um ícone dos anos 80, era de se esperar que o resultado fosse sofrer com as comparações. No entanto, a forma como muitos parecem reconhecer as qualidades do filme sem reconhecê-lo como bom em si mesmo, parece aos meus olhos uma covardia intelectual de quem não pode admitir que este e o original possam coexistir como duas obras de qualidade do cinema.
Querer, por exemplo, o tom satírico dos anos 80 hoje, é como exigir que um filme atual do Batman reviva as esdruxulias da série protagonizada por Adam West nos anos 60. Descabido, e acima de tudo, DEFASADO.
Há também de se pensar, que em uma cultura de extrema banalização, uma cultura em que a violência já há muito se tornou mais uma forma de entretenimento, vivendo um momento em que mesmo estilizada já não tem qualquer significado per se, - um cenário em que Tarantino, um dos ícones dessa mesma violência, é tão popular -; nesta cultura, a força CRÍTICA do recurso é quase nula, há muita acomodação à ele para que seja efetivo. Um novo Robocop com violência estilizada e humor negro seria mais do mesmo. Beiraria o ridículo.
O Robocop original, dentro de sua estilística de violência humorística, não era um homem e muito menos um robô. Era um meme. Uma célula humorística que sobrevive ao filme independente de sua função. Já o personagem humano, preso à máquina, que nos apresenta Padilha, não só se torna mais adequado e humanizado para os dias de hoje, como se inscreve numa tradição importante da ficção – basta conferir Ghost in The Shell, por exemplo -.
Curioso, nesse contexto, é pensar na origem do termo Robô, que vem do verbo russo “rabotat”, que significa trabalhar, trazendo em sua raiz a palavra rab, escravo. Levando isto em conta, o escritor tcheco Karel Capek, em sua peça R.U.R, cunha o termo que hoje é tão popular, usando uma derivada em sua própria língua “robota” – trabalho forçado -, designando assim o trabalhador mecânico, escravo por excelência: O robô.
Entramos, então, nos questionamentos do filme. Um ser mecânico aplicado à prática bélica, incapaz de pequenas distinções morais e éticas, é algo seguro e desejável? É um preço que podemos pagar? Pensemos também: Os EUA não hesitam em aplicar tal tecnologia em países conflituosos do terceiro mundo. Consideram inclusive sua utilização um sucesso, mas trazem à vista sua cara hipócrita quando aplicar o mesmo recurso no próprio território americano parece um absurdo. A medida é clara: Um cidadão americano, mesmo um criminoso potencial, vale mais do que um país subdesenvolvido inteiro. E fazer tal crítica corajosa em um filme Hollywoodiano é um mérito e tanto do diretor José Padilha.
Mas então, prosseguindo, e se o robô fosse humano, ou enganosamente humano? Pode o homem, mesmo se tornando majoritariamente máquina, transformar-se em um trabalhador puramente mecânico? Em um escravo do estado e das organizações, incorruptível, mas também incapaz de empatia? A resposta é já um clássico na ficção científica: O fantasma na máquina se recusa à morrer – e é expressivo que o Robocop de Padilha esteja reduzido, dentro de sua armadura, à algo tão visceral, como nos mostram as cenas em que é desmontado.
O início e o fim comandados pelo programa sensacionalista de Samuel L. Jackson são um importante lembrete do papel que a mídia possui no cenário político atual – não só brasileiro, mas mundial -. Transformando a notícia em uma espécie bizarra de entretenimento – não é a gravação ao vivo aparentada dos realities shows? – e discursando de forma tonitruante, a mídia tornou-se o quarto poder do estado – que age contra a sociedade e com frequência, em defesa de interesses escusos e inconfessáveis –. Quem quiser ver, verá a estranha dança encetada em um misto de amizade e repelência, entre mídia executivo, legislativo e judiciário.
Robocop é no fim das contas um filme simbólico na medida, sem didatismo e bem executado. Acredito, sinceramente, que este é um filme que merecia mais reconhecimento.
Alien: O Oitavo Passageiro
4.1 1,3K Assista AgoraAcredito que foram raras as vezes em que o suspense e a ficção científica tiveram um casamento tão feliz. Já na caprichada introdução, com sua lenta volta ao redor do planeta e o título se formando aos poucos, percebemos a sensação que o diretor vai imprimir ao resto do filme: A expectativa constante, a revelação gradual e crescente. Tudo está representado nesta simples sequência.
Alien vai completando seus 35 anos de idade e os efeitos ainda constituem um ponto forte. Difícil não notar como a utilização de efeitos práticos, em lugar da computação gráfica, se mostra uma escolha muito superior à pornografia digital que impera nos dias de hoje – e que bem sabemos: Não vai demorar a ficar defasada, envelhecendo, no mínimo, muito mal.
Ridley Scott faz também um trabalho maravilhoso de luz e sombras, novamente, em oposição à tendência de iluminação hospitalar que dominou a ficção científica faz uns bons anos.
O elenco é competente, e até o gato Jones dá a sua parcela de show.
Elogios à parte, fato é que este primeiro filme da franquia Alien é merecidamente um clássico.
Os Sapatinhos Vermelhos
4.3 171 Assista AgoraEis um filme encantador. Mesmo não sendo um grande admirador de ballet – paradoxo de alguém que se deleita ao ouvir Tchaikovsky e Aram Khachaturian -, sou obrigado a admitir o valor técnico e estético deste filme, que antes de ser a respeito da dança clássica, é uma pequena peça de arte do cinema. Os Sapatinhos Vermelhos não só apresenta uma direção de arte impecável como hipnotiza o espectador ao exibir a extensa cena do espetáculo que dá nome ao filme – e como tirar os olhos da belíssima Moira? -.
Também é interessante notar como alguns filmes se beneficiaram d’Os Sapatinhos vermelhos enquanto referência – Moulin Rouge é provavelmente o exemplo mais bem sucedido à beber nesta fonte.
Mas não é tanto deste filme que eu gostaria de falar. Que me perdoem o pecado, mas achei pertinente, sobretudo pelo que percebo de análogo entre este filme e o meu alvo: O superestimado “Cisne Negro”¹.
“Mas não tem comparação”, já vejo alguém objetar. Para mim parece impossível não comparar os dois quando é bastante claro que o Objetivo de Aronofsky era criar um filme que atualizasse o drama aqui apresentado e extirpasse todo o resquício de magia e glamour da coisa. O que seria interessante, não fosse o filme em questão uma peça de polêmica fajuta e direção viciada. No fundo, é um filme sem originalidade, nem substância. Aliás, voltando aos Sapatinhos, o momento em que a bailarina faz o seu giro sob o palco – ironicamente, em uma apresentação d’O Cisne Negro - e é apresentado o seu ponto de vista, ou seja, rápidos vislumbres da plateia, temos algo que foi copiado sem cerimônia por Cisne Negro. E como ignorar a semelhança entre os argumentos? Ambos os lados têm suas bailarinas encarnando na própria pele o trágico de seus papéis na dança.
Depois de assistir Aos Sapatinhos Vermelhos, o supracitado Cisne me parece um fracasso ainda mais retumbante. Em parte, reconheço que nos dias de hoje um filme na mesma temática, mas com este algo de ingenuidade, tão marcante no cinema clássico, seria algo impensável. Mas não sendo o trabalho de Aronofsky tão competente ou relevante quanto se diz e somando-se à isso a inconfundível sensação de que subtraídas as polêmicas, seria um filme que não chamaria tanta atenção, não posso evitar o sentimento de engodo passado por este.
Definitivamente, fico com “Os Sapatinhos Vermelhos” que não precisa adicionar lesbianismo fetichista – e não creio que se possa objetar a isto com a época em que foi feito, se você entende aonde eu quero chegar - ou dramas psicológicos inconsistentes² para mascarar a fraqueza do filme. Há pura e simplesmente uma parábola, que é ao mesmo tempo mimese e revisão, do conto de Hans Christian Andersen que inspira o ballet – e embora cisne negro siga um caminho muito similar, reitero, é sem sucesso.
Enfim, encerro aqui com minha admiração a este filme e acrescento a curiosidade: À época o diretor teria afirmado que depois de duas guerras mundiais era hora de incutir diferentes sentimentos ao público. O objetivo era apresentar a ideia de que não era mais tempo de morrer por um país, mas por algo maior: A arte.
Que me permitam: O trabalho foi bem feito.
1. Não me levem a mal, a atuação de Natalie Portman no papel principal é soberba. Levou um Oscar de melhor atriz muito merecido. Mas não muda o fato: Cisne negro é um filme fraco. E não, não acho que uma boa – excelente – atuação baste para compensar todo o resto.
2. Sério, se alguém que se diz entendido de psicologia afirmar encontrar alguma consistência psicológica no filme do Aronofsky, se faça um favor: Não acredite.
Piranhaconda
1.7 93Tá certo que ninguém assiste à Piranhaconda sem ter noção prévia da superdosagem de tosqueira que constitui o filme. Mas não há nada que prepare o cidadão para o grau elevado de putrefação dessa bagaça. Até as risadas que ele rende são amarelas, apesar das sempre divertidas aparições da criatura – feita pelo mesmo time que deu vida ao Dollynho -. Um dos males de Piranhaconda é tentar se levar à sério, o que arruína o que já é desde o nascimento arruinado. Vê-se aqui que alguns diretores da moda beberam dessa fonte – como Lars Von Trier ou Abdellatif Kechiche -, ainda assim é um filme que dentro do próprio gênero é profundamente ruim.
O que me intriga mais é: Como pode qualquer filme do Ed Wood ser considerado “o pior de todos os tempos” quando existe isso aqui?
Trash é uma coisa maravilhosa e divertida, mas convenhamos, Piranhaconda é câncer em forma de filme.
Ela
4.2 5,8K Assista AgoraMais um ótimo trabalho do Spike Jonze – Oscar de melhor roteiro original muito merecido.
A essa altura é difícil encontrar algo que se dizer, que não caia em redundância, mas não deixo de registrar meu elogio a esse trabalho. Não há muita gente que possa trabalhar de forma tão sensível e bem humorada uma crítica ao vazio solitário em que vive o homem moderno. Suas duas válvulas de escape mais comuns – o sexo e a tecnologia – não preenchem vazios: Alargam. E quantos conflitos fúteis não existem entre as pessoas nesses nossos tempos por simples imaturidade e falta de uma visão mais clara de como funciona a vida? No mais, é interessante como o conflito emocional retratado fica patente no contraste entre cores frias e quentes no filme. O final termina por ser um belo alívio de tanto sofrimento e confusão.
Terror na Ópera
3.6 114 Assista AgoraDos filmes que assisti até o momento este é o mais tenso do Argento. Talvez pela sempre-agonienta combinação de agulhas e olhos, talvez pela impotência do espectador que observa aos horrores que se passam, assim espelhando a própria incapacidade de ação da protagonista. O final é também algo à parte, feito para expurgar toda a tensão que o precede. Opera é menos estético do que Suspiria, mas possui uma direção habilidosa, de planos inesquecíveis, e uma tensão que nunca cessa por completo e por isso creio ser quase, ou arrisco até ser de fato, tão bom quanto seu irmão mais velho e conceituado.
Godzilla
3.8 124 Assista AgoraAo contrário do bostelhê de quem diz que os filmes americanos da época – e até os passados – estavam tecnicamente superiores, discordo veementemente de tal absurdo. Godzilla é tecnicamente superior e não se perde na história como os roteiros pouco convincentes do ufanismo americano. Aqui não há bandeira estrelada tremulando ao fundo dos heróis, e sim uma mensagem. Anos luz à frente de roliude e seus macaquinhos de massinha.
Carrie, a Estranha
2.8 3,5K Assista AgoraSe eu já considerava o filme de 76 ruim – embora tenha seus bons momentos, é sim, absurdamente superestimado – este aqui fica difícil adjetivar. Falta imprecação para tamanho desastre. É uma cópia barata e muito da mal feita do filme do De Palma, com alguns exageros visuais de doer os bagos. Como sempre parte do elenco é fraca e a outra mal aproveitada. O horror... O horror...
Incrível como um livro que não deveria causar grandes problemas para ser adaptado, rende filmes tão tenebrosos de ruins.
Rede de Intrigas
4.2 359 Assista AgoraQue roteiro primoroso, afiadíssimo, consciente de si e mais atual do que nunca! Uma preciosidade na história do cinema. Há tanto que se pode traçar de paralelo entre as falas deste filme e a nossa realidade atual, que seria redundante citar tudo, e ocuparia mais espaço do que o desejável para um comentário no filmow. Em vista do tanto que já foi dito nesta página, acho que não poderia acrescentar nada de relevante também.
Há apenas dois pontos interessantes que não posso deixar de ressaltar. Primeiro, é curioso ver como a internet se tornou uma espécie de “braço” da alienação midiática que era antes exclusividade, ou ao menos prioridade, televisiva, e como os próprios usuários muitas vezes são os responsáveis por propagar o catecismo da ignorância e da alienação.
Em segundo, quando Max Schumacher diz “e essas coisas que você acha que são piegas, mas que minha geração chamou simplesmente de decência humana.” há aí algo que cai como uma luva para a geração atual, que pode ser facilmente diagnosticada como portadora de um cinismo crônico, que faria com que os yuppies dos anos 80 se questionassem sobre o que é ser realmente um “babaca”.
Mais filmes contundentes como esse são necessários, por favor.
Gravidade
3.9 5,1K Assista AgoraGravidade é, em essência, o que deveria ser um filme de terror: Uma agonia continua e bem administrada. Mas, apesar do trabalho cinematográfico competente de Emmanuel Lubezki – também responsável pela fotografia de Árvore da vida – e da direção precisa de Alfonso Cuarón, o filme não supera suas limitações blockbusterianas. O que significa dizer, que embora os méritos técnicos estejam sim, muito dignos da sétima arte – e passíveis de ser tachados como arte por si mesmos – o filme como um todo não poderia ser considerado como tal. De qualquer forma, vale a pena sentar e relaxar para assistir. Afinal, quem dera todos os blockbusters fossem tão bem feitos.
Ps: Pro diabo com os detalhismos da física espacial. Se eu quiser a realidade não assisto a um filme de ficção e sim à um documentário.