Talvez a característica mais interessante de "Jogos Vorazes" seja esse aspecto meio metalinguístico. O filme é sobre um show de TV onde tributos são postos numa arena para se matarem uns aos outros. Mas o próprio filme é esse show. E se o espectador se pergunta como aquelas pessoas conseguem se enterter num espetáculo desses, ele, invariavelmente, também se vê entertido, envolvido e, por vezes, até feliz com algumas das mortes dos Jogos. O fato é que nós compartilhamos mais do gosto pela violência do que pensamos.
Já esperava de "Interestelar" um roteiro cerebral no nível de "A Origem", que provavelmente iria me forçar a rever o filme pra melhor absorvê-lo, além de um cuidado especial pelos efeitos visuais e sonoros (características que devem render alguns Oscars técnicos pra obra). O que me surpreendeu positivamente foi o nível de atuação do elenco em geral, especialmente do Matthew McConaughey, que tem se mostrado um dos grandes atores da nossa geração. Isso é importante porque, se "A Origem" parece, por vezes, frio e distante do espectador, "Interestelar" consegue criar um vínculo emocional com quem assiste, culminando em cenas realmente tocantes, como o reencontro do pai com a filha ao final da história.
Impossível não lembrar de "2001: Uma Odisseia no Espaço", especialmente em se tratando dos recursos visuais (a cena da viagem no buraco de minhoca e da viagem dentro do buraco negro recorrem diretamente ao final icônico do filme de Kubrick, sem falar na nave Endurance, que faz referência a uma das naves de "2001"). Mas, onde Kubrick chega com perguntas, encerrando num final bastante complexo (porém genial), Nolan entrega respostas bem definitivas. E, em se tratando de uma temática onde não há consenso geral (disroções no tempo-espaço, buracos negros, etc), é quase impossível evitar os furos na teoria (que não cabe a mim apontar, mas já existem textos na internet que o fazem).
Na Psicologia Social, existe um conceito chamado "distância emocional da vítima", usado pra explicar questões de conformismo e obediência. Esse conceito se exemplifica de maneira simples se perguntarmos quem você preferiria salvar: milhares de pessoas num terremoto no Irã ou o seu melhor amigo num acidente de carro? A mesma questão é posta dentro do filme quando Cooper é forçado a escolher entre a família e a humanidade (e, não fosse pela loucura do Dr. Mann, ele teria voltado pra casa e o plano teria ido por água abaixo). O que nos traz a questão chave do filme, sintetizada logo de início na explicação da Lei de Murphy: tudo que pode acontecer irá acontecer. Isso significa dizer que estamos presos dentro de um destino inevitável ou que, numa realidade de universos paralelos infinitos, todas as possibilidades estão acontecendo nesse momento?
Conhecendo as opiniões do Woody Allen sobre o "oculto" ou "místico", era muito provável que uma médium em um filme seu seria uma farsa, e ele não tem muita preocupação em esconder isso no roteiro (a mim pareceu óbvio, pelo menos). Mas acho que a discussão não deve girar em torno de "existe ou não vida após a morte". A questão mais importante diz respeito ao ponto de vista que uma pessoa tem sobre a vida, e como isso afeta a relação dela com o mundo. Como disse a tia de Stanley, "somos apenas seres humanos insignificantes", e, concordando com ela, diria que jamais saberemos realmente a verdade. Resta a nós escolher a alternativa mais confortável ou a mais dura.
O que mais me impressionou não foi o roteiro bem executado e cheio de turning points bem colocados, como já é comum na obra do David Fincher, mas sim duas coisas: o modo como a mídia norte-americana (e em outras partes do mundo, como no Brasil) afeta o julgamento das pessoas em relação a diversas coisas; e a problematização da vida de fachada que muitos casais levam, levada ao extremo no exemplo dentro do filme - duas questões bastante pertinentes pra se analisar a sociedade nos dias de hoje.
Esse é o primeiro filme que eu vejo do Kurosawa e confesso que fiquei meio decepcionado. À exceção de "A Raposa", "O Jardim dos Pessegueiros", "O Túnel" e o final de "Povoado dos Moinhos" (todos segmentos que explicitam diferentes aspectos da cultura japonesa, que eu admiro bastante), achei que "Sonhos" é um pouco superestimado. As críticas são válidas, mas por vezes superficiais e bobas, quando não repetitivas e até caindo em questões meio maniqueístas. Vou tentar assistir a outros filmes dele e espero me surpreender de maneira positiva.
Engraçado como Tarkovski consegue passar o sentimento de nostalgia através da própria estrutura do filme, esse misto de lembranças e descontetamento com o presente, numa organização tão ilógica quanto a própria nostalgia em si. Aliás, sobre a obra, ele mesmo declarou que não ficou "satisfeito com o roteiro até o momento em que ele se unisse finalmente numa espécie de todo metafísico”.
E, em meio a um trabalho de direção e fotografia realmente primorosos, as sequências que mais me chamaram a atenção são as duas que se relacionam com o fogo. Afinal, se atravessar uma piscina de águas termais segurando uma vela é, de certa forma, uma metáfora para manter aceso o desejo pela vida, atear fogo no próprio fogo é garantir que essa chama não se apague - ou melhor, se apague apenas com o fim da própria vida.
O que mais me incomodou no filme não é o fato de estereótipos reforçados (o ateu que odeia deus, o muçulmano intolerante), mas a falta de escolha sobre acreditar ou não nele. Fica claro que, dentro da premissa da obra, quem acredita em deus é, de alguma forma superior e quem não acredita será punido e, no fim das contas, irá acreditar (o que é retratado na cena da morte do professor, forçada demais, com o cara sendo convertido ali, se afogando no próprio sangue). Eu também penso que a existência de deus é questão de crença ou não-crença, mas o filme poderia ser mais imparcial nesse sentido, certamente atingiria um público maior.
O aspecto meio "infantil" de "Meu Amigo Totoro" é importante no que diz respeito a facilitar seu didatismo. Toda obra de Miyazaki possui esse viés educacional, algumas vezes mais disfarçado em meio à trama (como a importância da preservação do meio ambiente em Princesa Mononoke), mas nesse caso ele é explícito mesmo, nos discursos de reflorestamento, de participação paterna na família e empoderamento feminino (representado pelo protagonismo de duas garotas). Tornar a animação leve é facilitar o acesso das crianças a mensagens tão importantes. E vale ressaltar também a presença dessa "mitologia" de seres tão característicos do autor, como as bolinhas de fuligem e até mesmo o próprio Totoro, que lembra um espírito da casa de banho de "A Viagem de Chihiro" - isso sem falar nas claras referências a "Alice no País das Maravilhas", seja a corrida de Mei atrás do "coelho branco" (que foge para uma toca), seja o ônibus-gato, que em muito lembra o Gato Que Ri de Lewis Carrol.
Sobre incomunicabilidade e relacionamentos, e da relação humana com a beleza, seja interna ou externa, tudo de uma ótica bastante metafórica e não-convencional. E palmas pra essa trilha sonora meio kubrickiana, uma das melhores que eu já vi, quase um personagem à parte.
Me impressiona em "Tatuagem" a facilidade do realizador em conduzir uma trama de forma tão ousada, corajosa e ao mesmo tempo tão natural. É comum ver filmes brasileiros que se aventuram em terrenos menos tradicionais pecando pelo excesso, pelo caricato, mas aqui isso não ocorre. "Tatuagem" flui com uma facilidade enorme, tanto por conta de um roteiro muito bem escrito (vale destacar a qualidade das falas), quanto por ótimas atuações de todo o elenco, em especial do Irandhir Santos. É impossível não se deixar levar (e, por que não influenciar?) pela espontaneidade daquele grupo, em constante comunhão, tanto espiritual quanto carnal - até o momento em que o braço autoritário da ditadura corta o fluxo de maneira brusca (importante destacar a boa sacada do diretor em explorar o instante pelo não dito, ao invés de tomar um viés mais dramático).
"Tatuagem" parece datado, mas em tempos de extremo conservadorismo na nossa sociedade ele se faz mais do que atual. E, por mais ousado que possa ser, ele comunica com bastante clareza justamente por trazer características tão brasileiras (quem não lembrou de Dzi Croquettes?) e, mais especificamente, tão recifenses (o que me dá ainda mais orgulho).
Um filósofo, um físico, um escritor, um palhaço, uma cineasta, uma senhora do sertão de Pernambuco, uma transexual, todos estão atrás das mesmas respostas para as mesmas perguntas, buscando os mesmos objetivos e, por mais que o caminho de cada um seja diferente, ele vai resultar no mesmo destino final. Como disse a Marina Silva, é a beleza do ser humano, esse paradoxo entre ser original e ser igual.
Incrível como os pais são capazes de moldar a cabeça de uma criança. Jerôme gosta de Ludovic e o defende diante dos outros, mas muda completamente de atitude quando seus pais dizem que ele vai pro inferno se um dia se casar com ele. Os irmãos de Ludovic o protegeriam em qualquer situação, mas diante do cenário de conflito familiar, decidem deixá-lo apanhar na rua para que assim, quem sabe, aprenda a ser homem. Até o próprio protagonista, com o desenrolar da história, começa a introjetar o pensamento determinista de que "nasceu com pênis, tem que ser menino". Com sorte, no final, os pais finalmente o aceitam, mas não é difícil imaginar que existem tantas crianças por aí com menos sorte do que ele teve. Filme pedagógico e necessário para a educação de qualquer um que queira ter um filho. Crianças naturalmente experimentam com os gêneros e demonizar isso só pode ter consequências trágicas no futuro. Nem toda história tem um final feliz como o de "Ma Vie en Rose".
Nada mais inusitado do que três drag queens glamurosas dentro de um ônibus prateado em contraste com a paisagem inóspita da Austrália. Adorei as três: Bernadette com aquele jeito meio blasé-chic, Mitzi sempre agindo como uma drama queen e Felicia, espontânea e irritante, mas sempre engraçada. Ótima trilha sonora e figurinos, filme leve, divertido e importante. E o Guy Pearce tá muito maravilhoso <3
"Santiago" é a prova de que a montagem e a narração em off ressignificam completamente as imagens de um filme (e, por consequência, o filme em si). Se a "primeira versão" da obra era engessada e não agradava fora do papel (segundo o próprio diretor), a versão final terminou por extrapolar os limites do personagem Santiago - acaba sendo um filme sobre as memórias que João Moreira Salles tinha do mordomo, incluindo aí as recordações das filmagens em 1992. O resgate desse material bruto invariavelmente colocaria o diretor em uma posição autorreflexiva e autocrítica (e o fato de que "Santiago" era um filme projetado para o âmbito familiar permitiu com que Salles fosse honesto nesse processo, o que, porém, não o livrou de exercer um certo controle mesmo sobre a versão final). Discutir o papel do documentário e do cinema em geral, além de questionar a relação do expectador com a "realidade" proposta faz-se necessário. A explicitação do método da autoficção (retratado nos sets fabricados e na maneira exaustiva com que o personagem central repetia suas falas, por exemplo) acaba denunciando uma prática que foge ao "fazer cinema". Afinal, quem de nós não é autoficcional no dia-a-dia, quem não interpreta a si mesmo?
Não há realidade absoluta em nada registrado em câmera, começando do enquadramento que opta por deixar objetos de fora. No entanto, não deixamos de nos envolver com aquilo que é retratado. E o personagem de Santiago prova ser invariavelmente cativante, com seu vasto conhecimento histórico, seus sonhos de nobreza, seus segredos (grupo de "seres malditos"?) e, acima de tudo, seu carinho com os que serviu. Dessa forma, impossível não ficar de coração partido com a forma que ele é tratado pelo diretor, por vezes cruel e arrogante - relação que se explicita mais ao final, quando Santiago busca uma aproximação ao chamar por "Joãozinho" e é duramente retrucado, além de ser interrompido grosseiramente ao tentar recitar um soneto. Se nunca houve um pedido de desculpas da parte de Salles, "Santiago" talvez seja a materialização desse arrependimento, algo que só ele poderia ter feito com as suas recordações e o seu olhar sobre os acontecimentos.
É nítido como Hermila se sente deslocada do lugar onde vive, e isso se verifica principalmente de duas formas. A primeira mora no modo como ela busca ter autonomia sobre o próprio corpo indo de encontro a uma sociedade tradicionalmente patriarcal, mesmo que essa seja a única maneira de dar uma vida digna a ela e ao filho. Todos os homens a procuram pela rifa, mas nenhum deles é difamado por isso, ao contrário dela, que experimenta todo o tipo de violência. Já a segunda diz respeito ao lugar que ela sempre frequenta, o posto, que simboliza a porta de saída da cidade. Afinal, pra Hermila, Iguatu é a fonte de toda a miséria pelo qual ela passa, não só material. Não é a toa que ela quer ir pro lugar mais distante de lá possível, não importa onde.
Acho que o aspecto mais notável de "Álbum de Família" é a progressão com a qual a história se desenrola, em especial dois aspectos: a crescente solidão de Violet (interpretada por uma Meryl Streep em excelente forma, que lembrou a atuação de Elizabeth Taylor em "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?") e a gradativa transformação de Barbara em sua mãe. Filme intenso, ótimo elenco, e a sequência do jantar pós-funeral é impressionante.
Em tempos de machismo explícito na cultura brasileira, é importante se apropriar de um dos símbolos mais notáveis de expressão masculina e ressignificá-lo. E é isso que Karim Aïnouz faz ao escalar o Wagner Moura (invariavelmente associado à figura do Capitão Nascimento) para o papel de um homossexual. Dessa forma, a reação exagerada de alguns ao ver as cenas de sexo gay não surpreende, só expõe uma ferida que ainda precisamos curar.
Jogos Vorazes: Em Chamas
4.0 3,3K Assista AgoraNão caiu o forninho, caiu a cozinha inteira na minha cara. Precisando ver o terceiro urgente.
Jogos Vorazes
3.8 5,0K Assista AgoraTalvez a característica mais interessante de "Jogos Vorazes" seja esse aspecto meio metalinguístico. O filme é sobre um show de TV onde tributos são postos numa arena para se matarem uns aos outros. Mas o próprio filme é esse show. E se o espectador se pergunta como aquelas pessoas conseguem se enterter num espetáculo desses, ele, invariavelmente, também se vê entertido, envolvido e, por vezes, até feliz com algumas das mortes dos Jogos. O fato é que nós compartilhamos mais do gosto pela violência do que pensamos.
Interestelar
4.3 5,7K Assista AgoraJá esperava de "Interestelar" um roteiro cerebral no nível de "A Origem", que provavelmente iria me forçar a rever o filme pra melhor absorvê-lo, além de um cuidado especial pelos efeitos visuais e sonoros (características que devem render alguns Oscars técnicos pra obra). O que me surpreendeu positivamente foi o nível de atuação do elenco em geral, especialmente do Matthew McConaughey, que tem se mostrado um dos grandes atores da nossa geração. Isso é importante porque, se "A Origem" parece, por vezes, frio e distante do espectador, "Interestelar" consegue criar um vínculo emocional com quem assiste, culminando em cenas realmente tocantes, como o reencontro do pai com a filha ao final da história.
Impossível não lembrar de "2001: Uma Odisseia no Espaço", especialmente em se tratando dos recursos visuais (a cena da viagem no buraco de minhoca e da viagem dentro do buraco negro recorrem diretamente ao final icônico do filme de Kubrick, sem falar na nave Endurance, que faz referência a uma das naves de "2001"). Mas, onde Kubrick chega com perguntas, encerrando num final bastante complexo (porém genial), Nolan entrega respostas bem definitivas. E, em se tratando de uma temática onde não há consenso geral (disroções no tempo-espaço, buracos negros, etc), é quase impossível evitar os furos na teoria (que não cabe a mim apontar, mas já existem textos na internet que o fazem).
Na Psicologia Social, existe um conceito chamado "distância emocional da vítima", usado pra explicar questões de conformismo e obediência. Esse conceito se exemplifica de maneira simples se perguntarmos quem você preferiria salvar: milhares de pessoas num terremoto no Irã ou o seu melhor amigo num acidente de carro? A mesma questão é posta dentro do filme quando Cooper é forçado a escolher entre a família e a humanidade (e, não fosse pela loucura do Dr. Mann, ele teria voltado pra casa e o plano teria ido por água abaixo). O que nos traz a questão chave do filme, sintetizada logo de início na explicação da Lei de Murphy: tudo que pode acontecer irá acontecer. Isso significa dizer que estamos presos dentro de um destino inevitável ou que, numa realidade de universos paralelos infinitos, todas as possibilidades estão acontecendo nesse momento?
Björk: Biophilia Live
4.7 24Ela é um gênio <3
Magia ao Luar
3.4 569 Assista AgoraConhecendo as opiniões do Woody Allen sobre o "oculto" ou "místico", era muito provável que uma médium em um filme seu seria uma farsa, e ele não tem muita preocupação em esconder isso no roteiro (a mim pareceu óbvio, pelo menos). Mas acho que a discussão não deve girar em torno de "existe ou não vida após a morte". A questão mais importante diz respeito ao ponto de vista que uma pessoa tem sobre a vida, e como isso afeta a relação dela com o mundo. Como disse a tia de Stanley, "somos apenas seres humanos insignificantes", e, concordando com ela, diria que jamais saberemos realmente a verdade. Resta a nós escolher a alternativa mais confortável ou a mais dura.
Comer Rezar Amar
3.3 2,3K Assista Agoradá uma vontade enorme de viajar
Garota Exemplar
4.2 5,0K Assista AgoraO que mais me impressionou não foi o roteiro bem executado e cheio de turning points bem colocados, como já é comum na obra do David Fincher, mas sim duas coisas: o modo como a mídia norte-americana (e em outras partes do mundo, como no Brasil) afeta o julgamento das pessoas em relação a diversas coisas; e a problematização da vida de fachada que muitos casais levam, levada ao extremo no exemplo dentro do filme - duas questões bastante pertinentes pra se analisar a sociedade nos dias de hoje.
Sonhos
4.4 380 Assista AgoraEsse é o primeiro filme que eu vejo do Kurosawa e confesso que fiquei meio decepcionado. À exceção de "A Raposa", "O Jardim dos Pessegueiros", "O Túnel" e o final de "Povoado dos Moinhos" (todos segmentos que explicitam diferentes aspectos da cultura japonesa, que eu admiro bastante), achei que "Sonhos" é um pouco superestimado. As críticas são válidas, mas por vezes superficiais e bobas, quando não repetitivas e até caindo em questões meio maniqueístas. Vou tentar assistir a outros filmes dele e espero me surpreender de maneira positiva.
Nebraska
4.1 1,0K Assista AgoraEngraçado, fofo, melancólico, bucólico e muito bem filmado.
Nostalgia
4.3 185Engraçado como Tarkovski consegue passar o sentimento de nostalgia através da própria estrutura do filme, esse misto de lembranças e descontetamento com o presente, numa organização tão ilógica quanto a própria nostalgia em si. Aliás, sobre a obra, ele mesmo declarou que não ficou "satisfeito com o roteiro até o momento em que ele se unisse finalmente numa espécie de todo metafísico”.
E, em meio a um trabalho de direção e fotografia realmente primorosos, as sequências que mais me chamaram a atenção são as duas que se relacionam com o fogo. Afinal, se atravessar uma piscina de águas termais segurando uma vela é, de certa forma, uma metáfora para manter aceso o desejo pela vida, atear fogo no próprio fogo é garantir que essa chama não se apague - ou melhor, se apague apenas com o fim da própria vida.
Deus Não Está Morto
2.8 1,4K Assista AgoraO que mais me incomodou no filme não é o fato de estereótipos reforçados (o ateu que odeia deus, o muçulmano intolerante), mas a falta de escolha sobre acreditar ou não nele. Fica claro que, dentro da premissa da obra, quem acredita em deus é, de alguma forma superior e quem não acredita será punido e, no fim das contas, irá acreditar (o que é retratado na cena da morte do professor, forçada demais, com o cara sendo convertido ali, se afogando no próprio sangue). Eu também penso que a existência de deus é questão de crença ou não-crença, mas o filme poderia ser mais imparcial nesse sentido, certamente atingiria um público maior.
O Anjo Exterminador
4.3 376 Assista Agora"a burguesia fede"
Meu Amigo Totoro
4.3 1,3K Assista AgoraO aspecto meio "infantil" de "Meu Amigo Totoro" é importante no que diz respeito a facilitar seu didatismo. Toda obra de Miyazaki possui esse viés educacional, algumas vezes mais disfarçado em meio à trama (como a importância da preservação do meio ambiente em Princesa Mononoke), mas nesse caso ele é explícito mesmo, nos discursos de reflorestamento, de participação paterna na família e empoderamento feminino (representado pelo protagonismo de duas garotas). Tornar a animação leve é facilitar o acesso das crianças a mensagens tão importantes. E vale ressaltar também a presença dessa "mitologia" de seres tão característicos do autor, como as bolinhas de fuligem e até mesmo o próprio Totoro, que lembra um espírito da casa de banho de "A Viagem de Chihiro" - isso sem falar nas claras referências a "Alice no País das Maravilhas", seja a corrida de Mei atrás do "coelho branco" (que foge para uma toca), seja o ônibus-gato, que em muito lembra o Gato Que Ri de Lewis Carrol.
Sob a Pele
3.2 1,4K Assista AgoraSobre incomunicabilidade e relacionamentos, e da relação humana com a beleza, seja interna ou externa, tudo de uma ótica bastante metafórica e não-convencional. E palmas pra essa trilha sonora meio kubrickiana, uma das melhores que eu já vi, quase um personagem à parte.
O Grande Hotel Budapeste
4.2 3,0K"As Horas" segundo Wes Anderson
Tatuagem
4.2 923Me impressiona em "Tatuagem" a facilidade do realizador em conduzir uma trama de forma tão ousada, corajosa e ao mesmo tempo tão natural. É comum ver filmes brasileiros que se aventuram em terrenos menos tradicionais pecando pelo excesso, pelo caricato, mas aqui isso não ocorre. "Tatuagem" flui com uma facilidade enorme, tanto por conta de um roteiro muito bem escrito (vale destacar a qualidade das falas), quanto por ótimas atuações de todo o elenco, em especial do Irandhir Santos. É impossível não se deixar levar (e, por que não influenciar?) pela espontaneidade daquele grupo, em constante comunhão, tanto espiritual quanto carnal - até o momento em que o braço autoritário da ditadura corta o fluxo de maneira brusca (importante destacar a boa sacada do diretor em explorar o instante pelo não dito, ao invés de tomar um viés mais dramático).
"Tatuagem" parece datado, mas em tempos de extremo conservadorismo na nossa sociedade ele se faz mais do que atual. E, por mais ousado que possa ser, ele comunica com bastante clareza justamente por trazer características tão brasileiras (quem não lembrou de Dzi Croquettes?) e, mais especificamente, tão recifenses (o que me dá ainda mais orgulho).
Valsa com Bashir
4.2 305 Assista Agora"Quer saber? Dê poder."
Eu Maior
4.4 138 Assista AgoraUm filósofo, um físico, um escritor, um palhaço, uma cineasta, uma senhora do sertão de Pernambuco, uma transexual, todos estão atrás das mesmas respostas para as mesmas perguntas, buscando os mesmos objetivos e, por mais que o caminho de cada um seja diferente, ele vai resultar no mesmo destino final. Como disse a Marina Silva, é a beleza do ser humano, esse paradoxo entre ser original e ser igual.
Minha Vida em Cor-de-Rosa
4.3 394 Assista AgoraIncrível como os pais são capazes de moldar a cabeça de uma criança. Jerôme gosta de Ludovic e o defende diante dos outros, mas muda completamente de atitude quando seus pais dizem que ele vai pro inferno se um dia se casar com ele. Os irmãos de Ludovic o protegeriam em qualquer situação, mas diante do cenário de conflito familiar, decidem deixá-lo apanhar na rua para que assim, quem sabe, aprenda a ser homem. Até o próprio protagonista, com o desenrolar da história, começa a introjetar o pensamento determinista de que "nasceu com pênis, tem que ser menino". Com sorte, no final, os pais finalmente o aceitam, mas não é difícil imaginar que existem tantas crianças por aí com menos sorte do que ele teve. Filme pedagógico e necessário para a educação de qualquer um que queira ter um filho. Crianças naturalmente experimentam com os gêneros e demonizar isso só pode ter consequências trágicas no futuro. Nem toda história tem um final feliz como o de "Ma Vie en Rose".
Priscilla, a Rainha do Deserto
3.8 608 Assista AgoraNada mais inusitado do que três drag queens glamurosas dentro de um ônibus prateado em contraste com a paisagem inóspita da Austrália. Adorei as três: Bernadette com aquele jeito meio blasé-chic, Mitzi sempre agindo como uma drama queen e Felicia, espontânea e irritante, mas sempre engraçada. Ótima trilha sonora e figurinos, filme leve, divertido e importante. E o Guy Pearce tá muito maravilhoso <3
Santiago
4.1 134"Santiago" é a prova de que a montagem e a narração em off ressignificam completamente as imagens de um filme (e, por consequência, o filme em si). Se a "primeira versão" da obra era engessada e não agradava fora do papel (segundo o próprio diretor), a versão final terminou por extrapolar os limites do personagem Santiago - acaba sendo um filme sobre as memórias que João Moreira Salles tinha do mordomo, incluindo aí as recordações das filmagens em 1992. O resgate desse material bruto invariavelmente colocaria o diretor em uma posição autorreflexiva e autocrítica (e o fato de que "Santiago" era um filme projetado para o âmbito familiar permitiu com que Salles fosse honesto nesse processo, o que, porém, não o livrou de exercer um certo controle mesmo sobre a versão final). Discutir o papel do documentário e do cinema em geral, além de questionar a relação do expectador com a "realidade" proposta faz-se necessário. A explicitação do método da autoficção (retratado nos sets fabricados e na maneira exaustiva com que o personagem central repetia suas falas, por exemplo) acaba denunciando uma prática que foge ao "fazer cinema". Afinal, quem de nós não é autoficcional no dia-a-dia, quem não interpreta a si mesmo?
Não há realidade absoluta em nada registrado em câmera, começando do enquadramento que opta por deixar objetos de fora. No entanto, não deixamos de nos envolver com aquilo que é retratado. E o personagem de Santiago prova ser invariavelmente cativante, com seu vasto conhecimento histórico, seus sonhos de nobreza, seus segredos (grupo de "seres malditos"?) e, acima de tudo, seu carinho com os que serviu. Dessa forma, impossível não ficar de coração partido com a forma que ele é tratado pelo diretor, por vezes cruel e arrogante - relação que se explicita mais ao final, quando Santiago busca uma aproximação ao chamar por "Joãozinho" e é duramente retrucado, além de ser interrompido grosseiramente ao tentar recitar um soneto. Se nunca houve um pedido de desculpas da parte de Salles, "Santiago" talvez seja a materialização desse arrependimento, algo que só ele poderia ter feito com as suas recordações e o seu olhar sobre os acontecimentos.
O Céu de Suely
3.9 464 Assista AgoraÉ nítido como Hermila se sente deslocada do lugar onde vive, e isso se verifica principalmente de duas formas. A primeira mora no modo como ela busca ter autonomia sobre o próprio corpo indo de encontro a uma sociedade tradicionalmente patriarcal, mesmo que essa seja a única maneira de dar uma vida digna a ela e ao filho. Todos os homens a procuram pela rifa, mas nenhum deles é difamado por isso, ao contrário dela, que experimenta todo o tipo de violência. Já a segunda diz respeito ao lugar que ela sempre frequenta, o posto, que simboliza a porta de saída da cidade. Afinal, pra Hermila, Iguatu é a fonte de toda a miséria pelo qual ela passa, não só material. Não é a toa que ela quer ir pro lugar mais distante de lá possível, não importa onde.
Álbum de Família
3.9 1,4K Assista AgoraAcho que o aspecto mais notável de "Álbum de Família" é a progressão com a qual a história se desenrola, em especial dois aspectos: a crescente solidão de Violet (interpretada por uma Meryl Streep em excelente forma, que lembrou a atuação de Elizabeth Taylor em "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?") e a gradativa transformação de Barbara em sua mãe. Filme intenso, ótimo elenco, e a sequência do jantar pós-funeral é impressionante.
Praia do Futuro
3.4 933 Assista AgoraEm tempos de machismo explícito na cultura brasileira, é importante se apropriar de um dos símbolos mais notáveis de expressão masculina e ressignificá-lo. E é isso que Karim Aïnouz faz ao escalar o Wagner Moura (invariavelmente associado à figura do Capitão Nascimento) para o papel de um homossexual. Dessa forma, a reação exagerada de alguns ao ver as cenas de sexo gay não surpreende, só expõe uma ferida que ainda precisamos curar.