"Não há nada mais triste que emigrar, deixar o seu país violentamente, sem querer, sem ter pensado nisso; é um tormento que ninguém pode sentir sem ter experimentado por si mesmo; a emigração é a morte", lê Camila O'Morgan à Ignácio, seu pretendente de casamento, enquanto são guiados por uma luxuosa carruagem que corta as ruas, ainda rurais, da Buenos Aires de fins da década de 1840.
Mais que um filme sobre romance, ou amores proibidos conforme lemos nos comentários anteriores, a diretora Maria Luísa Bemberg traz pra cá todo um cenário que envolvia a sociedade bonaerense de meados do século XIX; o trecho lido por Camila é retirado do livro de Esteban Echeverría, escritor e poeta argentino encucado por ideias "modernas" vindas da Europa (cientificismo, por exemplo) mas que é, também, crítico ferrenho da ditadura do caudilho Juan Manuel de Rosas, que comandava à época a hoje capital argentina com punhos de ferro. E aqui é a sacada genial, pra mim, de Bemberg.
Desde seus primeiros minutos somos remetidos às relações com a guerra, ou ao menos com o conflito e a carnificina, entre unitários (opositores de Rosas e ninho político-ideológico de seus críticos, como o Echeverría lido por Camila, ou mesmo Sarmiento, citado em um jornal mais à frente no filme) e federalistas no cotidiano; estes últimos apoiadores rosistas que, para demonstrar apoio ao caudilho - mas também para não sofrerem a repressão da Mazorca (polícia secreta do caudilho), violenta
, que não tinha pudor algum na repressão aos "traidores da pátria"-, exibiam um trapo vermelho amarrado às vestes, como Bemberg faz questão de ressaltar por todo o filme, desde dos políticos bonachões, que conversam ao céu aberto ali no começo de "Camila", ao clero.
Ao trazer este recorte em específico, do caso de amor de um padre com uma moça de família tradicional e rica da então recém-emancipada do domínio espanhol Buenos Aires, Bemberg destila todo o entrelaçamento do discurso embalado em palavras como "ordem" e "desordem", "civilização" e "barbárie", "federais" e "unitários" neste caso que em uma sociedade dividida como a bonaerense e argentina à época assumiu contornos políticos muito bem delineados; vemos, por exemplo, como o próprio
Rosas transforma ao bel-prazer leis seculares, ainda espanholas, sobre o fuzilamento ou não dos "criminosos" que cometiam tal sacrilégio; também notamos a recepção de tal caso por rivais rosistas: é citado o Mercúrio, jornal editado pelo já citado Domingo Sarmiento (futuro presidente argentino), e demais periódicos opositores rosistas que, ao mesmo tempo em que pressionavam o governo de Rosas perante a tomada brusca de decisão envolvendo o casal, também fazia uma leitura política mordaz do caso.
É evidente este último ponto que abordei; em uma das falas do pai de Camila, ouvimos que "as mulheres solteiras são um caos [...], a desordem da natureza" e que "para suprimir esta anarquia, existem apenas duas maneiras: o convento, ou o casamento". O matrimônio "trará ordem, e nem as pessoas, nem um país, podem viver sem ordem", completa o velho. A leitura, absurda, entrelaça e expõe como muitas das famílias abastadas e intelectuais argentinas - e até brasileiras, porque não - da época liam seu seio familiar enquanto um microcosmo do Estado.
Apesar de pobre tecnicamente, pra mim, "Camila" é um exercício poderoso da falecida Bemberg; não é fácil transpor um caso, polêmico à sua época, para os cinemas e expô-lo em toda sua complexidade histórica, como vemos aqui. Não nos esqueçamos, também, que a Argentina neste ano de 1984 também se preparava para sair de uma ditadura, agora militar, e que, tal como os rosistas de um século antes, eliminavam famílias inteiras, destruíam casos de amor, se pautando em discursos "racionais" e "morais" que defendiam os valores tradicionais, de bem, da ordem, da pátria.
Lemos nos letreiros iniciais que o filme é feito à memória de "Camila O'Morgan e Ladislao Gutiérrez", mas não precisamos ser gênios para perceber o alcance passado por sua diretora; ao fim e ao cabo, milhares de argentinos - e sul-americanos -por este período viviam em situação semelhante ao dos réus apaixonados que assistimos aqui; muitos literalmente eliminados no plano físico, assassinados covardemente em nomes dos discursos já mencionados, e tantos outros simbolicamente mortos, conforme ouvimos da boca de Camila sobre a imigração forçada enquanto morte, a partir de Echeverría.
"Bem, a vida é colorida, mas preto-e-branco é mais realista".
É o que fala Joe, experiente assistente de direção, à um dos atores do "Survivors" que lhe dá uma carona ao Texas Bar, em Lisboa. Indica, também, o teor de O Estado das Coisas. Metáfora por metáfora, Wenders se faz da filmagem em preto-e-branco para apresentar ao seu espectador o cotidiano de uma equipe de filmagem em trabalho na metrópole lisboeta, criando uma atmosfera humana demasiado humana dos bastidores que nos acompanharão até ao final; da equipe técnica diversificada, entre atores, assistentes, câmeras, produtores e diretores, completamente heterogênea: dos boêmios aos workaholics, de uns que se mostram mais sensíveis ao que se passa ao redor até aqueles que preferem afundar-se em "selfies" numa banheira. Dos problemas financeiros, do sumiço do "mecenas", do jogo dos financiadores, da falta de filme pras câmeras, o improviso em passar a verdadeira (má) situação financeira da produção: tudo isto, em preto-e-branco; "realista", conforme a opinião do Joe.
Parece, antes de tudo, um desabafo. A reta final de filme, com
podem até dar pistas do que foi a "luta" de Wenders até ali: a competitividade acirradíssima com demais diretores europeus pelo mercado cinematográfico americano, a mente fechada dos investidores, o risco - e os perigos - de furar planos e promessas aos chefões da indústria (ou do dinheiro) que botaram fé e investiram em seu projeto esperando um gordo capital em retorno. "Sem uma história você não é nada",
Wenders, porém, assume o desafio. "As histórias só existem nelas mesmas", não é o que Friedrich chega a falar, já alto de álcool, no bar para sua equipe e atores? Não parece ser o mesmo espírito que compartilham financiadores/investidores, e a metáfora final de
Argumentos pautados no "irracional", em sessões bizarramente orquestradas que visam recuperar memórias de vidas passadas, seguida pela promessa de uma melhoria da sua qualidade de vida: a descoberta de si, de sua(s) identidade(s), a libertação "de traumas passados". Até a cura de doenças!
Thomas Anderson brinca, aqui, com o charlatanismo que se espalhou pelos EUA - e logo para outros continentes - do pós-guerra de 1945. Em um país repletos de Freddies (veteranos de guerra desamparados, bêbados, com a família em turbulência, sem companheiros/as, de futuro incerto e com distúrbios psíquicos - enfim, "homens de latitudes sem terras") a probabilidade de sentir-se amparado enquanto um Mestre, com promessas no mínimo cativantes como as já citadas mais acima, é atraente, não? É quase maldade o que P.T.A faz; não existe racionalidade em tais tipos de discurso, e isto é bem exposto: o rechaço por parte de seus seguidores - ou até do "mestre/líder" - àqueles que questionam a Causa é implacável:
e duas cenas compõem as duas faces dessa mesma moeda; na primeira, lá antes da primeira hora de filme, creio, um sujeito tenta racionalmente debater com Dodd e só recebes respostas evasivas, verborrágicas, mas sem conteúdo ou fundamento algum - em seguida o rapaz recebe até uma visita de um inflamado Freddie, que parece não aceitar bem quem não concorde com a Causa de seu Mestre! Em seguida uma fiel, Helen, busca entender uma mudança metodológica por parte do processo feito por Dodd, presente em seu segundo livro, perguntando diretamente ao autor: como recompensa, esta fã ardorosa, que cedeu até a casa para as sessões da Causa, recebe um coice de seu Mestre. Mais explícito, impossível.
Curioso como nos comentários daqui do Filmow poucos fizeram uma conexão da narrativa do roteiro do filme com o surgimento da cientologia, que se expandiu de forma abrupta no começo dos anos 1950 com as publicações do Lafayette Hubbard e que certamente parece ter sido uma das maiores inspirações - se não "a" inspiração - para o personagem do Lancaster Dodd (trejeitos, fotos, até a semelhança física: Seymour Hoffman aqui é impecável); também não devemos nos esquecer que em meados da década passada seguidores ardorosos do Hubbard surgiram lá pras bandas de L.A, principalmente em Hollywood. Por isso me parece que O Mestre foi uma brincadeira, uma trollada mesmo, por parte do P.T.A: tecnicamente de alto nível, mas que infelizmente teve um alcance tão longo quanto uma piada interna de um grupo de amigos.
"Como poderemos esquecer o sofrimento, as ansiedades, os medos? Cristo não nos vê?"
Não é nem de longe a Roma charmosa de filmes como De Roma com Amor, do Allen, ou do clássico 8 1/2 de Fellini; é uma cidade destruída, humilhada e pisada por uma ocupação criminosa. Ruas, vielas, becos, passagens secretas e salas burocráticas - da polícia, do trabalho - dividem cenas com locais fechados, espaços de medo, quando muito com um interior de um portentoso interior de igreja católica. Todos, entretanto, quase que cheirando a medo ou morte pro espectador.
Daqueles filmes que é sempre bom rever, de tempos em tempos. Aqui a violência de uma cidade sitiada por velhos aliados divide espaço com um cotidiano nada normalizado de seus habitantes: o medo de se atender o telefone, o toque de recolher, a preocupação com o sumiço dos filhos, a vigilância da polícia (e de seu braço secreto, a Gestapo) ítalo/alemã, a escassez de alimentos nos mercados - e seu submundo, o "mercado negro", escancarado até na frente de oficiais.
Roma, Cidade Aberta acaba por se diferir de seu primo germânico Alemanha Ano Zero por um motivo em especial:
apesar de todo o desenrolar da trama, com a captura do Padre Pietro, de Giorgio e Luigi Ferrari,
aqui temos uma mensagem mais forte de esperança. A cena de Pina com Francesco exemplifica tal ponto; apesar das ilusões de uma guerra passageira e de fim rápido estarem destroçados, Francesco dá seu alento quanto ao fim do "inverno interminável": "ele terminará, e virá a primavera e será mais bela que as outras porque seremos livres. Precisamos acreditar, precisamos querer. Não devemos ter medo, nem hoje e nem no futuro, porque estamos no caminho certo".
As lágrimas de Pina poderiam ser de italianos, húngaros, britânicos, alemães, chineses, brasileiros e de todos aqueles que tiveram sua vida estrangulada e virada de cabeça pra baixo pelo conflito. O ânimo passado por Francesco, aqui, é quase universal. E, porque não, atemporal.
"Hoje a minha vida parece ser só uma cadeia de falhas. As mulheres que não soube amar, as oportunidades que não agarrei, momentos de felicidade que deixei fugir. Uma corrida cujo resultado sei, mas sem acertar no vencedor. Estava cego e surdo, ou foi a necessária a luz da desgraça para eu ver a minha verdadeira natureza?"
Linda a opção narrativa escolhida por Schnabel para ilustrar o inferno astral de Dominique: se nos momentos de angústias, e que não são poucos, temos
takes de blocos de gelo se despedaçando quase que em câmera lenta, no final - após todas as situações e da redescoberta de viver por parte do Dominique - vemos a "corrente" se inverter e os blocos, como se alguém apertasse o botão de rebobinar da câmera, voltam em altíssima velocidade para seu lugar original.
"Os vampiros tem sorte, se alimentam dos outros. Nós temos que nos consumir. Consumir as pernas para ter energia e andar. Temos que vir para poder ir. Temos que nos sugar até o fundo. Consumirmos até que não reste mais nada além do próprio apetite":
Vício Frenético é a NY suja, corrupta, da guerra das drogas, das apostas, da máfia, a Grande Maçã apodrecida, perigosa, criminal e feia que imperou até meados do mandato do prefeito Rudy Giulani ali no final dos 1990 e que alimentou, por todo o século XX, o imaginário - cinema aqui incluso - social coletivo sobre a cidade: de filmes como Mean Streets do Scorsese ao Era uma Vez na América do Leone, do Poderoso Chefão do Coppola ao Taxi Driver do já citado Scorsese; de séries, como The Night Of - que mostra que a violência sentida na Big Apple e no centro de NYC foram apenas cirurgicamente removidas à periferia - às sitcoms como Seinfeld e Todo Mundo Odeia o Chris, no qual só o ato de você sair de casa e botar o pé na rua se traduz em furtos ou batidas de carteira.
O ponto é que Vício Frenético opta pela sacada incisiva: o filme é completamente uniforme no roteiro; não precisa ser um gênio para saber como acaba. Não é como o Serpico, no qual o policial interpretado por Al Pacino decide ser um mártir e um bastião da moralidade e justiça na polícia nova-iorquina corrupta e violenta; aqui, Ferrara partiu para a abordagem crua, cotidiana. Não há nem a necessidade de nomes de personagens; afinal, pra quê dar nome aos peões quando sabemos como o xeque-mate se dará?
"redenção" do tenente, na igreja, com sua moral ambivalente em atrito com a crença inabalável da freira e a visão de Cristo poderia marcar um final feliz, mas não marca.
O fim é rápido, quase indolor, mas é literalmente o fim, e não poderia ter sido mais simbólico do que como foi feito. Malditos Dodgers que não souberam segurar uma série e foderam com o mundo ao redor.
"Tentei ligar, mas não consegui, então agora estou fazendo esse vídeo porque você está totalmente certo. Foi uma estupidez o que fiz, e peço desculpas. Eu o acusei de ser ladrão.[...] Fui muito egoísta, descuidado e preconceituoso [...]. Francamente, eu tive medo; medo das pessoas que moram, das pessoas que imagino morarem num prédio como o seu. Essas expectativas negativas dizem algo sobre mim: elas dizem algo sobre nossa sociedade, pois tenho certeza que não sou o único preconceituoso. Vocês também tem preconceito sobre nós, provavelmente pela diferença de nossas vidas. [...] Não basta eu admitir o erro e pedir desculpas por vídeo. Há problemas maiores, estruturais, envolvidos, com os quais a sociedade precisa lidar".
O pedido de desculpas é de Christian, manager de um museu de arte contemporânea na capital sueca. Christian, maior de idade, ícone de sua profissão e pai de duas crianças, pede desculpas à um pré-adolescente, um molecote, de 13 anos, árabe, por um suposto roubo. Na cena em questão, de pouco menos de 10 minutos, The Square expõe o cerne sua essência: como uma sociedade como a sueca, considerada exemplar em X atributos ("bem-estar social", eficácia educacional etc), lida com questões como o racismo em relação aos árabe e/ou muçulmanos que emigraram para o país? E quanto aos usos e abusos da chamada liberdade de expressão, estandarte moral do museu capitaneado por Christian? Por fim, qual o limite da arte?
The Square opta por expor os problemas sociais - e até morais e éticos - do país nórdico por meio de sua classe média/alta, desconstruindo muito daquele imaginário social compartilhado por muitos que enxergam aquela sociedade como perfeita. As abordagens, por sua vez, são expostas quase que em formatos de esquete, remetendo muitas vezes à séries como Atlanta ou Todo Mundo Odeia o Chris: algumas, por exemplo, envoltas em situações que beiram o absurdo, como
no plano de Christian e Michael de espalharem cartazes ameaçadores no apartamento de todo o prédio onde estaria o celular roubado de Christian, ainda seguido pela intimidação sofrida por Michael no carro
Anne brincando com o sujeito com síndrome de tourette (e na própria cena hilária deste!) e que desemboca em sua discussão pós-sexo com Christian - que ainda parte de uma afirmação machista sobre "controle/poder sobre a mulher" mais à frente.
Por tal formato é que achei que Square poderia ter sido mais do que o produto que saiu. Muitas vezes me pareceu faltar um link, uma conexão, de tais "esquetes" com o fio narrativo que une o filme, quase que vácuos por entre o filme. Mas isso certamente não diminui o impacto e seu peso, que faz repensar muito além da perspectiva adotada: afinal, como nós, aqui no Brasil, lidamos com nossa liberdade de expressão? Vale literalmente tudo por likes e visualizações? O Cannes com certeza não foi à toa e Square ultrapassa seu próprio limite por zoar de seu espectador, fazendo-o terminar o filme com uma pulga atrás da orelha sobre o mundo - real e virtual - em que este está inserido.
"O que estou tentando dizer é que é preciso muito do bom dinheiro americano para fazer um destes filmes [...]. Você tem sua câmera, tem o seu filme, tem luzes, som, custos de laboratório, tem de desenvolver, cortar, editar, até se dar conta de que já gastou 20, 25, 30 mil dólares num filme. [...] Mas se fizer um bom, praticamente não tem fim a quantidade de dinheiro que pode ganhar".
É o que Jack, diretor de filmes pornográficos, fala pra Eddie, "calouro" da indústria, num diner tipicamente americano qualquer; o argumento do diretor já experiente é embalado pela confirmação, quase retórica, de Amber, a estrela pornográfica da companhia. A cabeça de Eddie, menor de idade e envolto numa relação de amor e ódio com sua mãe, tá feita, e a equação de "dinheiro (muito e rápido) + mulheres" quase que é materializada na tela, cuspida na cara do espectador.
Apesar de seus 21 anos, a mensagem de Boogie Nights é atualíssima: a ilusão do dinheiro rápido, da fama de "garanhão", do estrelato instantâneo além de uma rotina cotidiana de contracenar com as "melhores atrizes" do ramo - o que certamente faz a cabeça de muitos adolescentes, tal como Eddie - são escancaradas em menos de uma hora de filme. P.T.A faz aqui uma jogada interessante ao proporcionar uma
ascensão que à primeira vista parece imbatível de Eddie/Dick Diggler: a longa duração dessa primeira parte do filme, no qual parecemos ter a confirmação de uma decisão correta por parte do Eddie, proporciona esse sentimento
- e pelo qual até torcemos; afinal, Eddie não é um cara mal e age honestamente até num meio de profunda misoginia.
O fim dessa perspectiva romântica acerca da indústria pornográfica
é quando Jack, querendo dar um sopro de inovação no fazer pornô, decide investir na prática de apanhar anônimos na rua e fazê-los transar, de frente à câmera, com a atriz no carro que o apanhou; o impacto dessa cena, com o sujeito reconhecendo a Rollergirl, Brandy, como sua colega de classe, na medida em que, na mesma tomada, Eddie é atacado por homofóbicos
é fantástica. Todo o preconceito, misoginia e desrespeito com o ser humano é jogado nessa cena, fazendo um contraste perfeito com o universo romantizado apresentado na primeira parte.
P.T.A acertou a mão definitivamente aqui. Tecnicamente o filme é lindo e não é cansativo, apesar da duração; a condução dos atores em cena também entrega a qualidade de direção, com um Mark Wahlberg numa atuação irreconhecível de boa. Até a última cena, explorando algo evitado ao longo do filme, é perfeita. Não é qualquer um que tem uma cabeça pra fazer um roteiro e dirigir isso com 27 anos. Mas, bem, ele não é qualquer um, e esse seu segundo filme já apontava pra isto.
Haneke abusando - e tirando uma casquinha também, como bom filho de Deus - do "exploitation" que tomou conta do cinema de mass media/blockbuster da década de 1990, em que diretores como Robert Rodríguez, Tarantino e os Cohen fizeram sucesso ao extrapolar na violência gráfica e descabida em seus filmes, contando com protagonistas moralmente ambíguos e, em partes (como no caso dos Bons Companheiros ou Cassino, de Scorsese, também da década), com ações de uma violência descabida, desnecessária, literalmente gratuita.
Essa foi a impressão que me tomou assim que terminei; a brincadeira do Haneke ao colocar
a ação de "retroceder" no filme, em um diálogo ultra-aberto de Paul com o espectador sobre o quanto este é hipócrita ao exprimir a preferência por um final feliz ao invés de um violento,
explicita o ponto que comentei mais acima.
É uma provocação, aberta e chamativa; e o Haneke, como comprovaríamos mais tarde com Caché ou a Fita Branca, é simplesmente um mestre nisso.
"Nunca gostei muito de mim mesma. [...] Mas em seu trabalho me tornei perfeita. E me sinto bem".
P.T.A é um sujeito que admiro por sua capacidade de tornar o "ao redor" de seus personagens, aquilo que literalmente cerca sua história central, num ambiente vivo. Se em Sangue Negro ele esfrega na nossa cara um mundo no qual a mistura radical de discursos religiosos com o liberalismo total e sua fome pelo enriquecimento sem controle tomam conta de uma espaço do Oeste americano do século XIX, enquanto no Vício Inerente expõe, em torno de um "náufrago em terra conhecida", uma Califórnia quase sem os resquícios de uma utopia hippie que dominou muitos sonhos no estado uma década antes, por exemplo, é evidente que Trama Fantasma deveria seguir o fio do criador.
E o faz. O mundo da alta burguesia (e aristocrático!) inglesa tem uma pulsação incessante por todos os detalhes, tramas, cenas, linhas e costuras que dão vida ao filme; a inconfundível pontualidade britânica para trabalho/desjejum, do modo de se portar à mesa
com seu "não tenho tempo" (nem para o amor!) e sua atitude de levar o trabalho aonde for (típico das sociedades modernas - e, por excelência, dessa alta burguesia - que, infelizmente, se incrustaram nos nossos cotidianos)
tomam conta de todo o filme.
É divertido ver, também, como uma presença estranha a tal ambiente leva às pequenas transformações para este mundo,
e até ao impassível Reynolds; Alma, garçonete, vira elite e, graças a Deus, não se adapta ao mundo - rico - cão da elite britânica, e passa a moldá-lo à sua maneira.
Por fim, falar de Daniel Day-Lewis é clichê pra caralho, mas é absurdo como o cara navega por personagens tão distintos e deixa uma marca forte pra cada um. Reynolds Woodcock é simplesmente intragável: arrogante, perfeccionista, mimado, egoísta, rico. Seria um "personagem de uma vida" para qualquer outro ator, mas é mais um assim como todos os outros no histórico de Day-Lewis.
"Mentem sobre isso desde o início. Não apresentaram ao público americano uma prova de que não passa de uma legítima revolução camponesa. Não fale da santidade da inteligência militar. Não após o Chile e o Vietnã; eu fui lá".
Apesar de procurar trazer à maneira crua, como é natural de sua filmografia, a violência de conflitos militares e denúncias sobre a interferência clara do Tio Sam em locais que não lhe dizem respeito, Stone traz aqui um filme que parece ter sido feito às pressas: roteiro que escalona rápido demais, um personagem (Doc) que pouquíssimo acrescenta ao roteiro e ao seu objetivo - nesse caso humor, já que parece que a escalação de Belushi aqui foi daquelas pra "chamar público" - além das fracas atuações que acabam por não criar relação afetiva alguma do espectador com as personagens - como James Wood, fraquíssimo, como o jornalista picareta Rick Boyle, Cynthia Gibb como Cathy e os atores de María e John Savage como o companheiro de profissão de Rick, John Cassidy.
O único ponto positivo pra Salvador, ao meu ver, é trazer (ainda pouquíssimo, infelizmente) discursos que pautaram o apoio daqueles favoráveis à intervenção militar estadunidense, numa clara tentativa do Stone de alertar à selvageria e irracionalidade de tais argumentos que falam em "juventude de mente envenenada, comunistas assassinos, movimentos rurais de merda" e coisas do tipo; nem isso entretanto salva esse fraquíssimo filme, que não chega minimamente próximo de Platoon, apenas para ficarmos no parâmetro de trabalho do mesmo diretor.
Assim que terminei, vim seco dizer que Godard fez o melhor balanço dos pensamentos estudantis correntes no maio de 1968 que já vi, em qualquer mídia - livros, quadrinhos, filmes, o que for. Daí sou surpreendido ao notar que o filme foi produzido um ano antes, certamente já em meio à efervescência que estouraria no ano seguinte em Paris.
É como se toda a esquerda marxista-leninista francesa que se engajaria em 68 estivesse morando naquele quartinho colorido com frases de ícones socialistas na parede; o balanço de Godard do movimento, suas contradições, radicalismos e exclusões ensinam em um pouquinho mais de uma hora mais que muitos livros de História sobre o movimento por aí.
O diálogo de Verônica com o professor universitário, no trem, é um tapa na cara com luvas de pelica nesse sentido: o discurso de alguns marxistas que insistem numa verborragia no qual muitas vezes não entendem, ou deixam escapar, seu próprio significado, (com certa arrogância até, como nesta própria cena já citada ou naquela em que Guillaume repreende Yvonne por ler uma revista voltada à ala feminina do Partido devido ao linguajar ali presente - "sem motivos em ser comunista para usar essa linguagem de entretenimento barato", chega a afirmar) ou que insistem em levar à "práxis" (prática) a palavra, o conceito, a categoria analítica crua do que leu, sem situar-se no contexto ou cenário de produção daquilo que foi escrito (lições que interpretadas dessas maneiras seriam certamente"abstratas", como afirma o professor durante a viagem do trem, "nos levando à uma rua sem saída").
Mas tudo isso significa abandonar a teoria marxista, desprezá-la enquanto um todo e por isso descartá-la totalmente? Godard joga uma luz maravilhosa nessa questão com a figura do Henri que, ao comentar sobre as faculdades de ciências humanas (daquela época, vejam bem!) diz que estas "estão retraçando o caminho para o marxismo, mas para trás. Não para apresentar os problemas da sociedade, mas para apresentar os problemas enquanto parte de algo que as vontades humanas e seus projetos não poderão mudar".
dialogarmos com mais Henris nos movimentos estudantis ao invés de excluí-los?
Godard aqui ensina acima de tudo que o diálogo com esse outro certamente nos faria, seja enquanto supostos intelectuais ou parte de movimentos muito maiores que nós enquanto sujeitos, crescer ainda mais -
The Truth escapa dos filmes mainstream sobre jornalismo (em que constam clássicos como Todos os Homens do Presidente, Spotlight e o recente The Post) em seu roteiro por um fator um tanto pequeno, que pode passar despercebido a todos nós em reflexões, escritos e debates sobre filmes do gênero: e se, apesar da conquista daquela fonte quentíssima que vai render discussões, ibope e mídia para o periódico e seus jornalistas, a fonte for falsa? O fato de eu manter uma prática não tão saudável quanto a filmes (não leio sinopses) certamente me faz surpreender com a construção de narrativas, e The Truth foi uma puta surpresa nesse quesito. Vi agora que até no perfil aqui do Filmow dele temos um "[...] que abala o emprego dos [...] contratados da CBS [...]", o que já pressupõe uma reviravolta, mas, pra mim, foi uma total surpresa; a montanha-russa da situação criada pelos esforços de Papes expõe o drama jornalístico do famoso tiro n'água (e que baita tiro perdido nesse caso), e a maneira como tal artifício é elaborado aqui pelo Vanderbilt é espetacular. Se em uma primeira metade de filme temos as apurações do fato e a construção de um clímax no qual acreditamos em que Papes e seus colegas irão usufruir dos louros da vitória - e em meio a cenas que beiram o clichê do clichê do clichê de Hollywood como
na montagem da equipe de averiguação da notícia, com o militar aposentado engraçadão, a jornalista envolvida na academia e o jornalista desacreditado, cada qual em cenas que realçam tais características -
, The Truth rompe completamente com o que vinha construindo e pegam aqueles que não leem sinopse (olá!) totalmente de surpresa, fugindo completamente até da esquemática de "filmes jornalísticos" já mencionados. O filme não tem a qualidade de um Spotlight, por exemplo, muito menos da monstruosidade de um quilate como Todos os Homens do Presidente (no qual nem de longe o Redford se aproxima da atuação de seu eu mais novo), mas é um belo acréscimo à esse nicho cinematográfico ao expor como a situação fica quando as coisas não saem tão bem quanto esperamos. E, não menos, Papes solta ao longo do filme uma das frases que certamente abraçam a situação atual do jornalismo, mídia e da propagação de notícias, mesmo que o cenário histórico seja da segunda metade de 2004: "Nossa história era como Bush cumpriu seu serviço. Ninguém quer falar a respeito. Querem falar das fontes, falsificações e teorias da conspiração. Porque é isso que as pessoas fazem hoje em dia se não gostam da história. Elas apontam e gritam; questionam suas políticas, seus objetivos, sua humanidade básica, e rogam a Deus que a história se perca na confusão. E aí, quando finalmente terminam, e eles berraram e espernearam tão alto, que nós nem conseguimos lembrar qual era a questão".
Atualíssimo nesses tempos malucos de fake news e sensacionalismos do qual fazemos parte.
Se o Clay desta versão do Marek Kanievska é prestativo, sentimental e solidário para com seus amigos e familiares, o original do livro do Easton Ellis é exatamente o oposto - em cinco minutos de leitura, qualquer um já notará sua frieza calculada e distante para com todos ao seu redor, Julian e Blair aqui incluídos -. A versão em filme deixou escapar aquilo que marca tanto as obras do Bret, sendo esta, O Psicopata Americano e Suítes Imperiais (continuação direta de Abaixo de Zero), aquela marca a ferro que expõe sua característica principal: o desprezo por valores morais e éticos da chamada geração yuppie estadunidense dos anos 1980, no qual o dinheiro em caixa mais movimentado que nunca e sempre proporcional ao uso (e abuso) das drogas dão a tônica da principal diversão desses sujeitos, tão bem representadas na própria versão de Psicopata Americano, ou então no Lobo de Wall Street do Scorsese. A alteridade de Clay aqui é comovente: sua preocupação com Julian demonstra aquela verdadeira relação de amizade que todos nós buscamos, e que realmente imagino que comoveu os telespectadores quando de seu lançamento, mas no fim é risível comparado ao que vemos nos livros, no qual a distância afetiva impera e a auto-satisfação por meio de drogas, pornôs snuff e MTV é o que realmente importava pra Clay e sua trupe. Acho que os anos 80 não estavam preparados para uma adaptação cinematográfica verdadeiramente fiel do livro, assim como o começo dos anos 2000 não estavam pro Psicopata Americano. Destaque pra trilha sonora, escolhida à dedo por Rick Rubin e hoje produtor musical conceituadíssimo no cenário de música norte-americano; a New Wave que embala esse Clay de Kanievska certamente embalaria o original do Ellis, e este é um dos (poucos) pontos positivos desta adaptação.
A estética e as escolhas de cores; as tomadas em espaço fechado, com a câmera meio que inclinada, por cima, como se grudada no teto, acompanhando os personagens pelos corredores, quartos ou salas; as tomadas de espaço fechado, com um take pegando o frontal de modo amplo mas quase sempre composto de poucas pessoas e à distância, em sua maioria; as cenas de saída de Stevens e Matthews do primeiro pós-operatório, seguido da discussão sobre relógio, ou Nicole Kidman atendendo as fantasias de seu marido. Isso, e muito mais, fazem O Sacrifício pra mim o filme mais "kubrickiano-não-feito-pelo-Kubrick" que já vi; as semelhanças técnicas, e até de roteiro, lembram muito O Iluminado e De Olhos bem Fechados, sendo quase que um primo distante e mais novo (mas não menos familiar) desses dois. Nicole aqui é quase Alice no último do Kubrick. Colin Farrell parece um misto de Jack Torrance com Bill Hartford, encarnando um sujeito atolado numa paranoia que, gradualmente, vai atingindo todos ao seu redor. A cena de Martin
inocência perdida e ignorante no maremoto de terror que o vai envolvendo aos poucos, como nas discussões sobre o mp3 com Kim ou sobre a suposta chegada do piano à mansão.
O Sacríficio me faz esse elo: liga as boas referências - técnicas, de roteiro - consolidadas no século passado a um frescor de inovação do chamado "terror psicológico/mistério" que vem se expandindo no cinema de uns dez anos pra cá, com filmes como Precisamos Falar sobre o Kevin ou A Bruxa. Foi uma surpresa realmente agradabilíssima.
A câmera estaciona frontalmente um centro de sala, focando exatamente o meio de uma pequena mesa. Cara a cara, sentados em lados opostos,dois comparsas discutem princípios, razões e, evidentemente, o que a vida fez de cada um de si até ali. Em meio a várias baforadas de cigarro, memórias de infância vem à tona: espaços de diversão, locais conhecidos em comum, os amigos. Os sujeitos em questão são um integrante do I.R.A, grupo que por meio do terrorismo buscava ter sua causa pela secessão da Irlanda do Norte da Grã-Bretanha ouvida, e um, olhem só, padre.
O cerne da discussão é o de que como a proposta de uma greve de fome pode pressionar ou não o governo da Margaret Thatcher, cuja postura de repressão colocou diversos integrantes do movimento atrás das grades; e a discussão dá-se neste local, com Bobby sendo o inquilino de tal instituição e o padre seu porta-voz para o mundo do lado de fora. Em um take longuíssimo de mais de trinta minutos, passamos a ter uma tal visão do cenário dali que nenhum livro de História ou aula daria conta. A estréia de McQueen em longa metragens foi certamente um tiro arriscado: a ferida causada da luta do I.R.A, das mortes causadas pelas explosões em Belfast e nos centros industriais britânicos, sem falar nos resquícios do reinado de horror da Tchatcher ainda mexem intensamente com o coração dos habitantes da Ilha; são questões que continuam em aberto, marcas não cicatrizadas pelo tempo. Em 2008, ano de Hunger, nem I.R.A nem Thatcher chamavam mais o apelo midiático que outrora já haviam tido: o I.R.A por ter encerrado suas atividades em 2005, e Thatcher por estar, em toda sua mediocridade, finalmente isolada e esquecida do cenário político inglês. Hunger, porém, veio em bom tempo: ainda com a Bruxa viva, McQueen soltou seu filme expondo como a política de repressão e intimidação praticadas pelo governo Thatcher e suas ramificações institucionais afetavam TODOS ali envolvidos nas chamadas "ações anti-terroristas" postas em prática na Grã-Bretanha dos anos 1980. É nítida, por exemplo, a
jovem policial, certamente afetado por todo o cenário no qual agora se encontra para ação; visualmente nervoso, ansioso e temendo até pela própria vida, mesmo que cercado por companheiros mais experientes - que aguardam o momento de espancar prisioneiros com uma calma tremenda -, vemos o descarrego de todos os seus pudores quando agride covardemente os sujeitos presos para, enfim, desafogar a chorar, escondido, do lado de fora do prédio.
Abordando por diversos olhares uma questão que vinha até então esquecida dos meios midiáticos - e até do cinema - McQueen inicia sua carreira chutando a porta e escancarando o terrorismo legalizado e a humanidade desumanizada do governo Thatcher, que enveredou pelos caminhos mais errados para combater a ação dos norte-irlandeses extremistas. Destaque certamente para o Fassbender, que literalmente se provou enquanto ator aqui. Cenas da greve de fome posta em prática pelos prisioneiros, seus cotidianos nas celas imundas, suas relações familiares e suas táticas de sobrevivência na prisão; o cotidiano das forças da lei, o risco de tal trabalho e de sua execução. No fim, parecem dois lados que poderiam dialogar entre si, tal como na cena que abordei no início do comentário; mas, no fim, seria o melhor caminho? O é?
Uma repórter - uma das pouquíssimas de seu gênero - em meio à um ambiente de trabalho predominantemente masculino, dá o parecer do juiz da Corte do caso envolvendo uma enxurrada de fontes top secret que acabaram publicadas em dois dos maiores jornais da Costa Leste; a opinião do meritíssimo acompanhamos seguidos de um close, à lentidão, do rosto da repórter que narra o resultado que acabara de sair: "os Pais Fundadores deram à imprensa livre a proteção de que precisa para exercer seu papel essencial em nossa democracia. A imprensa serve aos governados, não aos governantes", diz. Um estouro de alegria na sala, abraços, congratulações.
O clímax - mais hollywoodiano impossível - de The Post marca o tom daquilo que Spielberg elegeu enquanto tarefa: reforçar o papel da imprensa no que se refere aos atos, ações e atitudes do Estado e seus representantes, mesmo que isso evidentemente os desagrade (e irá); trazendo ao nosso tempo, é um recado (quase que em Caps Lock) ao governo do laranjudo da América do Norte e sua administração. Para tanto, Spielberg se usou de uma fonte (olha só!) e inspirações um tanto quanto clichês no cinema que versa sobre o jornalismo e suas tensões: o vazamento, contínuo, de fontes norte-americanas sobre como a guerra contra os vietnamitas, e a interferência em sua antiga região, Indochina, poderia dar merda. E ia dando. E deu. The Post é daqueles típicos filmes de grandes cineastas que, mesmo que tu não goste, acaba amando certas cenas; como não criar tensão com as cenas da
verdadeira luta de Ben Bagdikian para achar seu "source", que desviou milhares de páginas ultra-secretas do governo?
Ou como não refletir, envergonhado, sobre a figura solitária de Katherine Graham (precisa dizer que é bem interpretada por Meryl?) em meio à um bando de sujeitos que juram que o Post só irá
degringolar ladeira abaixo sob seu comando, já que "bom mesmo era Phil" (seu falecido marido) que não se deixava tomar atitudes precipitadas ou que colocavam em risco o jornal?
E evidentemente, como não se remeter ao clássico Todos os Homens do Presidente quando vemos
empolgadíssimos repórteres secos por um documento inédito, que estavam agora a suas mãos, prontos para a escrita de uma matéria bombástica?
No fim me pareceu que a indicação de The Post ao Oscar deu-se, em grande verdade, pelos nomes ali envolvidos. Um Spielberg no letreiro de direção, acompanhado de nomes como Tom Hanks e Meryl Streep e Bob Odenkirk e tudo mais certamente chama atenção de crítica e público; isso, evidentemente, não tira em nada o mérito do bom filme que é, com um significado muito maior e mais importante por trás, principalmente neste tempo de acusações, leviandades e idiotices daqueles que deveriam nos servir.
O primeiro impacto é o da gênese, da marca mesmo, de um diretor: Quem Bate à Minha Porta traz todos aqueles estilos de cena e técnicas inconfundíveis do Scorsese e daquela que seria chamada de "Nova Geração" de Hollywood da década de 1960. É impossível não ver a tomada da
festa dos amigos no apartamento e não nos lembrarmos, evidentemente, de O Lobo de Wall Street
, com seus posicionamentos de câmera e uso de slow-motion; também me remeti, vendo esse filme, aos trejeitos soturnos de Travis Bickle em Taxi Driver, com as reflexões e meditações
Mais que isso: traz também todo o empenho do início de carreira scorsesiano de abordar, em seus filmes, o cotidiano dos jovens/adultos dos bairros italianos nova-iorquinos e como, na selva de pedra misturada à uma Torre de Babel que a cidade era (e é) no século passado, as mais diversas relações étnicas, raciais e de gênero se davam. Neste quesito, vemos por exemplo o aspecto misógino que incrustava-se fortemente nos jovens daquela sociedade; aqui, mais uma vez, remeto à lembrança de um filme futuro de um outro sujeito da "Nova Geração", quando vemos
J. R agredir verbalmente sua companheira. Nesse caso, lembrei imediatamente de Michael Corleone, do Poderoso Chefão de Coppola, com Kay, e na imagem do jovem de ascendência italiana que tal cinema produzido à época fabricou: católico e com forte apego e respeito pela religião mas, ao mesmo tempo, covarde para com as companheiras.
A técnica de filmagem é bizarramente semelhante, e é isso que faz Quem Bate à Minha Porta tão bom, gostoso mesmo, de se assistir. É como daqueles trabalhos clássicos que muitos vão se usando de citações em seus próprios trabalhos e ajudando a criar uma identidade muito maior do sujeito que os fez originalmente; e é isso que este filme é: a primeira marca da mão forte de Scorsese no cinema.
"É 6 de dezembro, 1976. Não há nada a se temer além do medo em si. Sei menos e menos sobre quem eu sou, ou quem qualquer outra pessoa seja".
A angústia e excitação do Zimmermann me lembrou, por várias vezes, a de Travis Bickle no Taxi Driver. De início, movido pelo medo das ações ilegais e desconhecidas para si: é notável o nervoso de Jonathan no metrô parisiense para cumprir sua missão primeira, o
. Me assusta - e surpreende - o frenesi no qual Jonathan, em si mesmo, entra em tais atividades ao longo do filme. Podemos ver, aqui e acolá em algumas cenas, a "naturalização" do processo assassino, do instinto, no psicológico do moldurista que, até então, era um pacato trabalhador, homem de família - mas enfermo. Terminei o filme com aquela sensação de que o Ripley
certamente passou por tais processos, também. Se na narrativa presente do filme, na cena de execução do trem que parte de Munique, se mostra já frio e exímio na arte de matar, percebemos, principalmente nas cenas com o velho pintor e em algumas com Raoul como existe uma recusa sua para continuar em tais atividades com tais ações. Como diz no fim, sobre Jonathan, "não somos tão diferentes".
Aparentemente pelo que já li, é bater em água falar da fotografia dos filmes do Wenders, e O Amigo Americano é maravilhoso nesse quesito. O domínio de câmera, a sequência e escolha dos cortes, tudo aqui é impecável. Pessoalmente, me surpreendeu mais que Paris, Texas nesse ponto. Um thriller belíssimo.
Tem uma questão que precisa ser levantada por esse filme: grande parte de críticos e de suas análises o taxaram, marcaram, pegaram um ferro quente e estamparam na testa como sendo o filme mais "romântico" sobre o Churchill. E é partindo desse ponto que que quero basear meu comentário. O Destino de uma Nação é historicamente fiel em sua grande parte: em uma hora e vinte, vemos o cenário de uma Inglaterra desolada com os avanços alemães por sobre a Europa, a crise política reinando na ilhota do rei, Neville Chamberlain ainda acreditando piamente numa via de paz com a Alemanha nazista e uma "disputa" pelo cargo de primeiro-ministro, acirrando ainda mais a crise já citada, com a renúncia do Neville em meados de 1940, acarretando numa onda de incertezas sobre os futuros da monarquia, da classe política e daqueles da sociedade que tinham esperança numa reviravolta rápida frente às ofensivas nazistas: temos tudo isso, trabalhado muito bem, até este ponto do filme. Nesta primeira hora e tanto, vemos quase que um retrato totalmente fiel ao clima hostil da política inglesa pós-renúncia do Chamberlain: partidos se digladiando e sem uma unidade para seguir em frente, o Halifax como favorito para assumir o cargo (e que já tinha planos de uma rendição, o nome é esse mesmo, perante o Eixo) e um Churchill literalmente desmoralizado: lembranças - breves, infelizmente - de Galipoli (o ataque totalmente malsucedido comandado por ele na Grande Guerra de 1918, quando quis surpreender os otomanos atacando um arquipélago próximo de Instambul), do genocídio hindu a fogo baixo na Índia e uma opinião pública contrária à qualquer aparição/frase solta/foto sua. Em uma hora e meia, não vemos uma versão romântica do Churchill em tela: vemos, sim, uma figura pública desmoralizada, impopular, temente aos rivais, ignorante frente às notícias do conflito moderno
- destaque para a cena hilária do representante francês, quando Churchill já exerce o cargo de primeiro ministro, sobre os tanques alemães -
e completamente alheio à qualquer sensibilidade, seja em vida privada, seja pública. Fantástico... até aí. É aqui que Destino se torna daqueles filmes que, quando termina, tu olha, pensa e comenta com quem tá a teu lado: "por quê porra esses caras não continuaram fiéis ao que vinham fazendo?". E aí entramos na fase decisiva do filme. A ruptura é a cena do
Churchill realmente ficou conhecido, durante a guerra, por conversar casualmente com civis pelas ruas (ou abaixo delas, no caso), comentando a situação financeira e militar do país àquela altura, mas
não existe registro algum de que pegou o metrô naquele momento e, pior, fez algo tão dramático como aquilo! A apelação (a palavra que encontrei é essa mesmo) cresce aqui: um Churchill praticamente inverso daquilo que foi apresentado (e como ele realmente era) até esta parte toma conta do filme. Se apresenta sensível, conversa com todos ali, até se inspira -e chora! - com a bravura de uma criancinha corajosa e nacionalista no metrô vazio.
E é aqui que me identifico com muito das críticas veiculadas pelas mídias sobre o filme. A questão pra mim então se torna: porque não manter-se fiel àquilo que vinha sendo posto em prática até então? Pra evitar o textão (mais do que já está), basta dizer que houveram casos quase que cinematográficos mesmo do Churchill e suas ações um tanto inusitadas naquele período - uma breve caçada pela internet e encontramos várias; pra quê, então, não filmá-las e manter uma credibilidade que estava sendo tão bem construída? Por quê optar por fazer uma figura caricata como aquela, que o Churchill, personagem cinematográfico aqui, se tornou?
E esse foi o peso determinante pra mim: como já comentaram mais abaixo, o filme é muito bom tecnicamente, Gary Oldman carrega a narrativa mas, caralho, o puxa-saquismo deve ir até a página 2.
A melhor definição do que é esse filme e sobre do quê ele trata pra mim quem deu foi, curiosamente, Stanley Kubrick, o "rival" criado pela crítica cinematográfica (com seu 2001) ao gênio do outro lado da Cortina de Ferro; e o melhor de tudo: aparentemente sem a intenção, como se inconscientemente tivesse feito tal link ao acaso que, magicamente, se adapta ao Solaris. Em uma entrevista pra Playboy, perguntado o "por que de se dar valor à vida", mesmo que "ela seja sem propósito", Kubrick respondeu que o "fato mais aterrorizante do universo não é que ele seja hostil, mas indiferente", sendo que o "significado da vida é forçar o homem a criar seus próprios significados". Se conseguirmos chegar em "acordo com estas indiferenças e aceitarmos os desafios da vida com as fronteiras da morte", continua, "nossa existência como espécie pode ter um significado genuíno e compreensível".
Kris lida com tais questões, cujo clímax se dá com aquele final, no qual notamos que ele escolhe viver em Solaris com suas imaginações, sentimentos, aquilo que lhe dá conforto, sua sensibilidade.
Uma crônica de mais de uma hora em formato de filme. A Polônia cinzenta, burocrática, comunista, na visão de Kieslowski. Daqueles filmes que vale dedicar uma atenção maior ao "redor" do protagonista, e perceber um recorte temporal, um cenário, que nos parece tão distante e praticamente inexistente dos dias atuais.
Impressionante como o cinema de "cotidiano adolescente" (isso é gênero?) tem um respeito de crítica e admiração do público no cenário estadunidense. Lady Bird não foge desse tema, se colocando ao lado do pedestal de alguns filmes de sucesso de público ou crítica do Richard Linklater (Dazed and Confused e Slacker, por exemplo, de temáticas semelhantes com conteúdos bem distintos), ou até de produtos televisivos como Anos Incríveis ou Malcolm in the Middle. Respeito, mas como uma menina comentou mais abaixo foi um tanto "simplista" demais, manjado. Apesar de escancarar de modo sincero as dificuldades de "voar" de uma adolescente classe média baixa típica (dos EUA - e branca, evidentemente), pra mim pareceu mais do mesmo; fiz até um comentário anterior de que seria um "As Melhores Coisas do Mundo" estadunidense, e pra mim ainda segue nessa tônica mesmo acabando de o rever. Seria Lady Bird um alter-ego da Greta Gerwig? Um exercício curioso, uma experiência um tanto enriquecedora, por fim: colocar Lady Bird e Moonlight, cada qual com suas temáticas e recortes de história, para se pensar/analisar as adolescências (no plural mesmo) estadunidenses, em suas dificuldades, problemas, cenários e contextos sócio-econômicos.
E não faz o mínimo sentido pra mim de como a Margot Robbie, em Eu, Tônia, perdeu pra Saoirse o Globo de Ouro. O jeito é esperar uma justiça no Oscar - o que, convenhamos, é improvável.
Camila: O Símbolo de uma Mulher Apaixonada
3.5 17"Não há nada mais triste que emigrar, deixar o seu país violentamente, sem querer, sem ter pensado nisso; é um tormento que ninguém pode sentir sem ter experimentado por si mesmo; a emigração é a morte", lê Camila O'Morgan à Ignácio, seu pretendente de casamento, enquanto são guiados por uma luxuosa carruagem que corta as ruas, ainda rurais, da Buenos Aires de fins da década de 1840.
Mais que um filme sobre romance, ou amores proibidos conforme lemos nos comentários anteriores, a diretora Maria Luísa Bemberg traz pra cá todo um cenário que envolvia a sociedade bonaerense de meados do século XIX; o trecho lido por Camila é retirado do livro de Esteban Echeverría, escritor e poeta argentino encucado por ideias "modernas" vindas da Europa (cientificismo, por exemplo) mas que é, também, crítico ferrenho da ditadura do caudilho Juan Manuel de Rosas, que comandava à época a hoje capital argentina com punhos de ferro. E aqui é a sacada genial, pra mim, de Bemberg.
Desde seus primeiros minutos somos remetidos às relações com a guerra, ou ao menos com o conflito e a carnificina, entre unitários (opositores de Rosas e ninho político-ideológico de seus críticos, como o Echeverría lido por Camila, ou mesmo Sarmiento, citado em um jornal mais à frente no filme) e federalistas no cotidiano; estes últimos apoiadores rosistas que, para demonstrar apoio ao caudilho - mas também para não sofrerem a repressão da Mazorca (polícia secreta do caudilho), violenta
tal qual como a morte do pobre Mariano
Ao trazer este recorte em específico, do caso de amor de um padre com uma moça de família tradicional e rica da então recém-emancipada do domínio espanhol Buenos Aires, Bemberg destila todo o entrelaçamento do discurso embalado em palavras como "ordem" e "desordem", "civilização" e "barbárie", "federais" e "unitários" neste caso que em uma sociedade dividida como a bonaerense e argentina à época assumiu contornos políticos muito bem delineados; vemos, por exemplo, como o próprio
Rosas transforma ao bel-prazer leis seculares, ainda espanholas, sobre o fuzilamento ou não dos "criminosos" que cometiam tal sacrilégio; também notamos a recepção de tal caso por rivais rosistas: é citado o Mercúrio, jornal editado pelo já citado Domingo Sarmiento (futuro presidente argentino), e demais periódicos opositores rosistas que, ao mesmo tempo em que pressionavam o governo de Rosas perante a tomada brusca de decisão envolvendo o casal, também fazia uma leitura política mordaz do caso.
É evidente este último ponto que abordei; em uma das falas do pai de Camila, ouvimos que "as mulheres solteiras são um caos [...], a desordem da natureza" e que "para suprimir esta anarquia, existem apenas duas maneiras: o convento, ou o casamento". O matrimônio "trará ordem, e nem as pessoas, nem um país, podem viver sem ordem", completa o velho. A leitura, absurda, entrelaça e expõe como muitas das famílias abastadas e intelectuais argentinas - e até brasileiras, porque não - da época liam seu seio familiar enquanto um microcosmo do Estado.
Apesar de pobre tecnicamente, pra mim, "Camila" é um exercício poderoso da falecida Bemberg; não é fácil transpor um caso, polêmico à sua época, para os cinemas e expô-lo em toda sua complexidade histórica, como vemos aqui. Não nos esqueçamos, também, que a Argentina neste ano de 1984 também se preparava para sair de uma ditadura, agora militar, e que, tal como os rosistas de um século antes, eliminavam famílias inteiras, destruíam casos de amor, se pautando em discursos "racionais" e "morais" que defendiam os valores tradicionais, de bem, da ordem, da pátria.
Lemos nos letreiros iniciais que o filme é feito à memória de "Camila O'Morgan e Ladislao Gutiérrez", mas não precisamos ser gênios para perceber o alcance passado por sua diretora; ao fim e ao cabo, milhares de argentinos - e sul-americanos -por este período viviam em situação semelhante ao dos réus apaixonados que assistimos aqui; muitos literalmente eliminados no plano físico, assassinados covardemente em nomes dos discursos já mencionados, e tantos outros simbolicamente mortos, conforme ouvimos da boca de Camila sobre a imigração forçada enquanto morte, a partir de Echeverría.
O Estado das Coisas
4.1 35 Assista Agora"Bem, a vida é colorida, mas preto-e-branco é mais realista".
É o que fala Joe, experiente assistente de direção, à um dos atores do "Survivors" que lhe dá uma carona ao Texas Bar, em Lisboa. Indica, também, o teor de O Estado das Coisas.
Metáfora por metáfora, Wenders se faz da filmagem em preto-e-branco para apresentar ao seu espectador o cotidiano de uma equipe de filmagem em trabalho na metrópole lisboeta, criando uma atmosfera humana demasiado humana dos bastidores que nos acompanharão até ao final; da equipe técnica diversificada, entre atores, assistentes, câmeras, produtores e diretores, completamente heterogênea: dos boêmios aos workaholics, de uns que se mostram mais sensíveis ao que se passa ao redor até aqueles que preferem afundar-se em "selfies" numa banheira. Dos problemas financeiros, do sumiço do "mecenas", do jogo dos financiadores, da falta de filme pras câmeras, o improviso em passar a verdadeira (má) situação financeira da produção: tudo isto, em preto-e-branco; "realista", conforme a opinião do Joe.
Parece, antes de tudo, um desabafo. A reta final de filme, com
Gordon e Friedrich no motorhome,
"Sem uma história você não é nada",
insiste Gordon.
Wenders, porém, assume o desafio. "As histórias só existem nelas mesmas", não é o que Friedrich chega a falar, já alto de álcool, no bar para sua equipe e atores?
Não parece ser o mesmo espírito que compartilham financiadores/investidores, e a metáfora final de
Gordon sendo assassinado e Friedrich empunhando sua câmera, tal como um revólver, para se proteger destes tubarões da indústria,
O Mestre
3.7 1,0K Assista AgoraArgumentos pautados no "irracional", em sessões bizarramente orquestradas que visam recuperar memórias de vidas passadas, seguida pela promessa de uma melhoria da sua qualidade de vida: a descoberta de si, de sua(s) identidade(s), a libertação "de traumas passados". Até a cura de doenças!
Thomas Anderson brinca, aqui, com o charlatanismo que se espalhou pelos EUA - e logo para outros continentes - do pós-guerra de 1945. Em um país repletos de Freddies (veteranos de guerra desamparados, bêbados, com a família em turbulência, sem companheiros/as, de futuro incerto e com distúrbios psíquicos - enfim, "homens de latitudes sem terras") a probabilidade de sentir-se amparado enquanto um Mestre, com promessas no mínimo cativantes como as já citadas mais acima, é atraente, não? É quase maldade o que P.T.A faz; não existe racionalidade em tais tipos de discurso, e isto é bem exposto: o rechaço por parte de seus seguidores - ou até do "mestre/líder" - àqueles que questionam a Causa é implacável:
e duas cenas compõem as duas faces dessa mesma moeda; na primeira, lá antes da primeira hora de filme, creio, um sujeito tenta racionalmente debater com Dodd e só recebes respostas evasivas, verborrágicas, mas sem conteúdo ou fundamento algum - em seguida o rapaz recebe até uma visita de um inflamado Freddie, que parece não aceitar bem quem não concorde com a Causa de seu Mestre! Em seguida uma fiel, Helen, busca entender uma mudança metodológica por parte do processo feito por Dodd, presente em seu segundo livro, perguntando diretamente ao autor: como recompensa, esta fã ardorosa, que cedeu até a casa para as sessões da Causa, recebe um coice de seu Mestre.
Mais explícito, impossível.
Curioso como nos comentários daqui do Filmow poucos fizeram uma conexão da narrativa do roteiro do filme com o surgimento da cientologia, que se expandiu de forma abrupta no começo dos anos 1950 com as publicações do Lafayette Hubbard e que certamente parece ter sido uma das maiores inspirações - se não "a" inspiração - para o personagem do Lancaster Dodd (trejeitos, fotos, até a semelhança física: Seymour Hoffman aqui é impecável); também não devemos nos esquecer que em meados da década passada seguidores ardorosos do Hubbard surgiram lá pras bandas de L.A, principalmente em Hollywood.
Por isso me parece que O Mestre foi uma brincadeira, uma trollada mesmo, por parte do P.T.A: tecnicamente de alto nível, mas que infelizmente teve um alcance tão longo quanto uma piada interna de um grupo de amigos.
Roma, Cidade Aberta
4.3 119 Assista Agora"Como poderemos esquecer o sofrimento, as ansiedades, os medos? Cristo não nos vê?"
Não é nem de longe a Roma charmosa de filmes como De Roma com Amor, do Allen, ou do clássico 8 1/2 de Fellini; é uma cidade destruída, humilhada e pisada por uma ocupação criminosa. Ruas, vielas, becos, passagens secretas e salas burocráticas - da polícia, do trabalho - dividem cenas com locais fechados, espaços de medo, quando muito com um interior de um portentoso interior de igreja católica. Todos, entretanto, quase que cheirando a medo ou morte pro espectador.
Daqueles filmes que é sempre bom rever, de tempos em tempos. Aqui a violência de uma cidade sitiada por velhos aliados divide espaço com um cotidiano nada normalizado de seus habitantes: o medo de se atender o telefone, o toque de recolher, a preocupação com o sumiço dos filhos, a vigilância da polícia (e de seu braço secreto, a Gestapo) ítalo/alemã, a escassez de alimentos nos mercados - e seu submundo, o "mercado negro", escancarado até na frente de oficiais.
Roma, Cidade Aberta acaba por se diferir de seu primo germânico Alemanha Ano Zero por um motivo em especial:
apesar de todo o desenrolar da trama, com a captura do Padre Pietro, de Giorgio e Luigi Ferrari,
As lágrimas de Pina poderiam ser de italianos, húngaros, britânicos, alemães, chineses, brasileiros e de todos aqueles que tiveram sua vida estrangulada e virada de cabeça pra baixo pelo conflito.
O ânimo passado por Francesco, aqui, é quase universal. E, porque não, atemporal.
O Escafandro e a Borboleta
4.2 1,2K"Hoje a minha vida parece ser só uma cadeia de falhas. As mulheres que não soube amar, as oportunidades que não agarrei, momentos de felicidade que deixei fugir. Uma corrida cujo resultado sei, mas sem acertar no vencedor.
Estava cego e surdo, ou foi a necessária a luz da desgraça para eu ver a minha verdadeira natureza?"
Linda a opção narrativa escolhida por Schnabel para ilustrar o inferno astral de Dominique: se nos momentos de angústias, e que não são poucos, temos
takes de blocos de gelo se despedaçando quase que em câmera lenta, no final - após todas as situações e da redescoberta de viver por parte do Dominique - vemos a "corrente" se inverter e os blocos, como se alguém apertasse o botão de rebobinar da câmera, voltam em altíssima velocidade para seu lugar original.
Daqueles filmes que te arrancam do lugar, sem dó.
Vício Frenético
3.9 124"Os vampiros tem sorte, se alimentam dos outros. Nós temos que nos consumir. Consumir as pernas para ter energia e andar. Temos que vir para poder ir. Temos que nos sugar até o fundo. Consumirmos até que não reste mais nada além do próprio apetite":
Vício Frenético é a NY suja, corrupta, da guerra das drogas, das apostas, da máfia, a Grande Maçã apodrecida, perigosa, criminal e feia que imperou até meados do mandato do prefeito Rudy Giulani ali no final dos 1990 e que alimentou, por todo o século XX, o imaginário - cinema aqui incluso - social coletivo sobre a cidade: de filmes como Mean Streets do Scorsese ao Era uma Vez na América do Leone, do Poderoso Chefão do Coppola ao Taxi Driver do já citado Scorsese; de séries, como The Night Of - que mostra que a violência sentida na Big Apple e no centro de NYC foram apenas cirurgicamente removidas à periferia - às sitcoms como Seinfeld e Todo Mundo Odeia o Chris, no qual só o ato de você sair de casa e botar o pé na rua se traduz em furtos ou batidas de carteira.
O ponto é que Vício Frenético opta pela sacada incisiva: o filme é completamente uniforme no roteiro; não precisa ser um gênio para saber como acaba. Não é como o Serpico, no qual o policial interpretado por Al Pacino decide ser um mártir e um bastião da moralidade e justiça na polícia nova-iorquina corrupta e violenta; aqui, Ferrara partiu para a abordagem crua, cotidiana. Não há nem a necessidade de nomes de personagens; afinal, pra quê dar nome aos peões quando sabemos como o xeque-mate se dará?
As cenas finais carregaram o filme: a
"redenção" do tenente, na igreja, com sua moral ambivalente em atrito com a crença inabalável da freira e a visão de Cristo poderia marcar um final feliz, mas não marca.
Malditos Dodgers que não souberam segurar uma série e foderam com o mundo ao redor.
The Square - A Arte da Discórdia
3.6 318 Assista Agora"Tentei ligar, mas não consegui, então agora estou fazendo esse vídeo porque você está totalmente certo. Foi uma estupidez o que fiz, e peço desculpas. Eu o acusei de ser ladrão.[...] Fui muito egoísta, descuidado e preconceituoso [...]. Francamente, eu tive medo; medo das pessoas que moram, das pessoas que imagino morarem num prédio como o seu. Essas expectativas negativas dizem algo sobre mim: elas dizem algo sobre nossa sociedade, pois tenho certeza que não sou o único preconceituoso. Vocês também tem preconceito sobre nós, provavelmente pela diferença de nossas vidas. [...] Não basta eu admitir o erro e pedir desculpas por vídeo. Há problemas maiores, estruturais, envolvidos, com os quais a sociedade precisa lidar".
O pedido de desculpas é de Christian, manager de um museu de arte contemporânea na capital sueca. Christian, maior de idade, ícone de sua profissão e pai de duas crianças, pede desculpas à um pré-adolescente, um molecote, de 13 anos, árabe, por um suposto roubo.
Na cena em questão, de pouco menos de 10 minutos, The Square expõe o cerne sua essência: como uma sociedade como a sueca, considerada exemplar em X atributos ("bem-estar social", eficácia educacional etc), lida com questões como o racismo em relação aos árabe e/ou muçulmanos que emigraram para o país? E quanto aos usos e abusos da chamada liberdade de expressão, estandarte moral do museu capitaneado por Christian? Por fim, qual o limite da arte?
The Square opta por expor os problemas sociais - e até morais e éticos - do país nórdico por meio de sua classe média/alta, desconstruindo muito daquele imaginário social compartilhado por muitos que enxergam aquela sociedade como perfeita. As abordagens, por sua vez, são expostas quase que em formatos de esquete, remetendo muitas vezes à séries como Atlanta ou Todo Mundo Odeia o Chris: algumas, por exemplo, envoltas em situações que beiram o absurdo, como
no plano de Christian e Michael de espalharem cartazes ameaçadores no apartamento de todo o prédio onde estaria o celular roubado de Christian, ainda seguido pela intimidação sofrida por Michael no carro
espetáculo do "homem-monstro", que termina em confusão num jantar com vários dos mecenas do museu;
Anne brincando com o sujeito com síndrome de tourette (e na própria cena hilária deste!) e que desemboca em sua discussão pós-sexo com Christian - que ainda parte de uma afirmação machista sobre "controle/poder sobre a mulher" mais à frente.
Por tal formato é que achei que Square poderia ter sido mais do que o produto que saiu. Muitas vezes me pareceu faltar um link, uma conexão, de tais "esquetes" com o fio narrativo que une o filme, quase que vácuos por entre o filme. Mas isso certamente não diminui o impacto e seu peso, que faz repensar muito além da perspectiva adotada: afinal, como nós, aqui no Brasil, lidamos com nossa liberdade de expressão? Vale literalmente tudo por likes e visualizações?
O Cannes com certeza não foi à toa e Square ultrapassa seu próprio limite por zoar de seu espectador, fazendo-o terminar o filme com uma pulga atrás da orelha sobre o mundo - real e virtual - em que este está inserido.
Boogie Nights: Prazer Sem Limites
4.0 551 Assista Agora"O que estou tentando dizer é que é preciso muito do bom dinheiro americano para fazer um destes filmes [...]. Você tem sua câmera, tem o seu filme, tem luzes, som, custos de laboratório, tem de desenvolver, cortar, editar, até se dar conta de que já gastou 20, 25, 30 mil dólares num filme. [...] Mas se fizer um bom, praticamente não tem fim a quantidade de dinheiro que pode ganhar".
É o que Jack, diretor de filmes pornográficos, fala pra Eddie, "calouro" da indústria, num diner tipicamente americano qualquer; o argumento do diretor já experiente é embalado pela confirmação, quase retórica, de Amber, a estrela pornográfica da companhia. A cabeça de Eddie, menor de idade e envolto numa relação de amor e ódio com sua mãe, tá feita, e a equação de "dinheiro (muito e rápido) + mulheres" quase que é materializada na tela, cuspida na cara do espectador.
Apesar de seus 21 anos, a mensagem de Boogie Nights é atualíssima: a ilusão do dinheiro rápido, da fama de "garanhão", do estrelato instantâneo além de uma rotina cotidiana de contracenar com as "melhores atrizes" do ramo - o que certamente faz a cabeça de muitos adolescentes, tal como Eddie - são escancaradas em menos de uma hora de filme. P.T.A faz aqui uma jogada interessante ao proporcionar uma
ascensão que à primeira vista parece imbatível de Eddie/Dick Diggler: a longa duração dessa primeira parte do filme, no qual parecemos ter a confirmação de uma decisão correta por parte do Eddie, proporciona esse sentimento
O fim dessa perspectiva romântica acerca da indústria pornográfica
- com o conhecimento das drogas por Eddie, da ainda não-guarda do filho da Amber, até com a morte de Bill ainda na fase "romântica" -
é quando Jack, querendo dar um sopro de inovação no fazer pornô, decide investir na prática de apanhar anônimos na rua e fazê-los transar, de frente à câmera, com a atriz no carro que o apanhou; o impacto dessa cena, com o sujeito reconhecendo a Rollergirl, Brandy, como sua colega de classe, na medida em que, na mesma tomada, Eddie é atacado por homofóbicos
P.T.A acertou a mão definitivamente aqui. Tecnicamente o filme é lindo e não é cansativo, apesar da duração; a condução dos atores em cena também entrega a qualidade de direção, com um Mark Wahlberg numa atuação irreconhecível de boa.
Até a última cena, explorando algo evitado ao longo do filme, é perfeita. Não é qualquer um que tem uma cabeça pra fazer um roteiro e dirigir isso com 27 anos.
Mas, bem, ele não é qualquer um, e esse seu segundo filme já apontava pra isto.
Violência Gratuita
3.8 738 Assista AgoraHaneke abusando - e tirando uma casquinha também, como bom filho de Deus - do "exploitation" que tomou conta do cinema de mass media/blockbuster da década de 1990, em que diretores como Robert Rodríguez, Tarantino e os Cohen fizeram sucesso ao extrapolar na violência gráfica e descabida em seus filmes, contando com protagonistas moralmente ambíguos e, em partes (como no caso dos Bons Companheiros ou Cassino, de Scorsese, também da década), com ações de uma violência descabida, desnecessária, literalmente gratuita.
Essa foi a impressão que me tomou assim que terminei; a brincadeira do Haneke ao colocar
a ação de "retroceder" no filme, em um diálogo ultra-aberto de Paul com o espectador sobre o quanto este é hipócrita ao exprimir a preferência por um final feliz ao invés de um violento,
É uma provocação, aberta e chamativa; e o Haneke, como comprovaríamos mais tarde com Caché ou a Fita Branca, é simplesmente um mestre nisso.
Trama Fantasma
3.7 803 Assista Agora"Nunca gostei muito de mim mesma. [...] Mas em seu trabalho me tornei perfeita. E me sinto bem".
P.T.A é um sujeito que admiro por sua capacidade de tornar o "ao redor" de seus personagens, aquilo que literalmente cerca sua história central, num ambiente vivo. Se em Sangue Negro ele esfrega na nossa cara um mundo no qual a mistura radical de discursos religiosos com o liberalismo total e sua fome pelo enriquecimento sem controle tomam conta de uma espaço do Oeste americano do século XIX, enquanto no Vício Inerente expõe, em torno de um "náufrago em terra conhecida", uma Califórnia quase sem os resquícios de uma utopia hippie que dominou muitos sonhos no estado uma década antes, por exemplo, é evidente que Trama Fantasma deveria seguir o fio do criador.
E o faz. O mundo da alta burguesia (e aristocrático!) inglesa tem uma pulsação incessante por todos os detalhes, tramas, cenas, linhas e costuras que dão vida ao filme; a inconfundível pontualidade britânica para trabalho/desjejum, do modo de se portar à mesa
- destaque pra cena na qual Alma, uma "intrusa" àquele mundo, toma seu primeiro café da manhã junto aos Woodcock explicita este ponto -
com seu "não tenho tempo" (nem para o amor!) e sua atitude de levar o trabalho aonde for (típico das sociedades modernas - e, por excelência, dessa alta burguesia - que, infelizmente, se incrustaram nos nossos cotidianos)
É divertido ver, também, como uma presença estranha a tal ambiente leva às pequenas transformações para este mundo,
e até ao impassível Reynolds; Alma, garçonete, vira elite e, graças a Deus, não se adapta ao mundo - rico - cão da elite britânica, e passa a moldá-lo à sua maneira.
Por fim, falar de Daniel Day-Lewis é clichê pra caralho, mas é absurdo como o cara navega por personagens tão distintos e deixa uma marca forte pra cada um. Reynolds Woodcock é simplesmente intragável: arrogante, perfeccionista, mimado, egoísta, rico.
Seria um "personagem de uma vida" para qualquer outro ator, mas é mais um assim como todos os outros no histórico de Day-Lewis.
Salvador: O Martírio de um Povo
3.7 33 Assista Agora"Mentem sobre isso desde o início. Não apresentaram ao público americano uma prova de que não passa de uma legítima revolução camponesa. Não fale da santidade da inteligência militar. Não após o Chile e o Vietnã; eu fui lá".
Apesar de procurar trazer à maneira crua, como é natural de sua filmografia, a violência de conflitos militares e denúncias sobre a interferência clara do Tio Sam em locais que não lhe dizem respeito, Stone traz aqui um filme que parece ter sido feito às pressas: roteiro que escalona rápido demais, um personagem (Doc) que pouquíssimo acrescenta ao roteiro e ao seu objetivo - nesse caso humor, já que parece que a escalação de Belushi aqui foi daquelas pra "chamar público" - além das fracas atuações que acabam por não criar relação afetiva alguma do espectador com as personagens - como James Wood, fraquíssimo, como o jornalista picareta Rick Boyle, Cynthia Gibb como Cathy e os atores de María e John Savage como o companheiro de profissão de Rick, John Cassidy.
O único ponto positivo pra Salvador, ao meu ver, é trazer (ainda pouquíssimo, infelizmente) discursos que pautaram o apoio daqueles favoráveis à intervenção militar estadunidense, numa clara tentativa do Stone de alertar à selvageria e irracionalidade de tais argumentos que falam em "juventude de mente envenenada, comunistas assassinos, movimentos rurais de merda" e coisas do tipo; nem isso entretanto salva esse fraquíssimo filme, que não chega minimamente próximo de Platoon, apenas para ficarmos no parâmetro de trabalho do mesmo diretor.
A Chinesa
3.9 135Assim que terminei, vim seco dizer que Godard fez o melhor balanço dos pensamentos estudantis correntes no maio de 1968 que já vi, em qualquer mídia - livros, quadrinhos, filmes, o que for. Daí sou surpreendido ao notar que o filme foi produzido um ano antes, certamente já em meio à efervescência que estouraria no ano seguinte em Paris.
É como se toda a esquerda marxista-leninista francesa que se engajaria em 68 estivesse morando naquele quartinho colorido com frases de ícones socialistas na parede; o balanço de Godard do movimento, suas contradições, radicalismos e exclusões ensinam em um pouquinho mais de uma hora mais que muitos livros de História sobre o movimento por aí.
O diálogo de Verônica com o professor universitário, no trem, é um tapa na cara com luvas de pelica nesse sentido: o discurso de alguns marxistas que insistem numa verborragia no qual muitas vezes não entendem, ou deixam escapar, seu próprio significado, (com certa arrogância até, como nesta própria cena já citada ou naquela em que Guillaume repreende Yvonne por ler uma revista voltada à ala feminina do Partido devido ao linguajar ali presente - "sem motivos em ser comunista para usar essa linguagem de entretenimento barato", chega a afirmar) ou que insistem em levar à "práxis" (prática) a palavra, o conceito, a categoria analítica crua do que leu, sem situar-se no contexto ou cenário de produção daquilo que foi escrito (lições que interpretadas dessas maneiras seriam certamente"abstratas", como afirma o professor durante a viagem do trem, "nos levando à uma rua sem saída").
Mas tudo isso significa abandonar a teoria marxista, desprezá-la enquanto um todo e por isso descartá-la totalmente? Godard joga uma luz maravilhosa nessa questão com a figura do Henri que, ao comentar sobre as faculdades de ciências humanas (daquela época, vejam bem!) diz que estas "estão retraçando o caminho para o marxismo, mas para trás. Não para apresentar os problemas da sociedade, mas para apresentar os problemas enquanto parte de algo que as vontades humanas e seus projetos não poderão mudar".
Por fim, porque não
dialogarmos com mais Henris nos movimentos estudantis ao invés de excluí-los?
e que crítica poderosíssima este faz a alguns marxistas de seu tempo ao criar uma analogia com as crianças egípcias da Antiguidade
Conspiração e Poder
3.7 108 Assista AgoraThe Truth escapa dos filmes mainstream sobre jornalismo (em que constam clássicos como Todos os Homens do Presidente, Spotlight e o recente The Post) em seu roteiro por um fator um tanto pequeno, que pode passar despercebido a todos nós em reflexões, escritos e debates sobre filmes do gênero: e se, apesar da conquista daquela fonte quentíssima que vai render discussões, ibope e mídia para o periódico e seus jornalistas, a fonte for falsa?
O fato de eu manter uma prática não tão saudável quanto a filmes (não leio sinopses) certamente me faz surpreender com a construção de narrativas, e The Truth foi uma puta surpresa nesse quesito. Vi agora que até no perfil aqui do Filmow dele temos um "[...] que abala o emprego dos [...] contratados da CBS [...]", o que já pressupõe uma reviravolta, mas, pra mim, foi uma total surpresa; a montanha-russa da situação criada pelos esforços de Papes expõe o drama jornalístico do famoso tiro n'água (e que baita tiro perdido nesse caso), e a maneira como tal artifício é elaborado aqui pelo Vanderbilt é espetacular.
Se em uma primeira metade de filme temos as apurações do fato e a construção de um clímax no qual acreditamos em que Papes e seus colegas irão usufruir dos louros da vitória - e em meio a cenas que beiram o clichê do clichê do clichê de Hollywood como
na montagem da equipe de averiguação da notícia, com o militar aposentado engraçadão, a jornalista envolvida na academia e o jornalista desacreditado, cada qual em cenas que realçam tais características -
O filme não tem a qualidade de um Spotlight, por exemplo, muito menos da monstruosidade de um quilate como Todos os Homens do Presidente (no qual nem de longe o Redford se aproxima da atuação de seu eu mais novo), mas é um belo acréscimo à esse nicho cinematográfico ao expor como a situação fica quando as coisas não saem tão bem quanto esperamos.
E, não menos, Papes solta ao longo do filme uma das frases que certamente abraçam a situação atual do jornalismo, mídia e da propagação de notícias, mesmo que o cenário histórico seja da segunda metade de 2004:
"Nossa história era como Bush cumpriu seu serviço. Ninguém quer falar a respeito. Querem falar das fontes, falsificações e teorias da conspiração. Porque é isso que as pessoas fazem hoje em dia se não gostam da história. Elas apontam e gritam; questionam suas políticas, seus objetivos, sua humanidade básica, e rogam a Deus que a história se perca na confusão. E aí, quando finalmente terminam, e eles berraram e espernearam tão alto, que nós nem conseguimos lembrar qual era a questão".
Atualíssimo nesses tempos malucos de fake news e sensacionalismos do qual fazemos parte.
Abaixo de Zero
3.5 49Se o Clay desta versão do Marek Kanievska é prestativo, sentimental e solidário para com seus amigos e familiares, o original do livro do Easton Ellis é exatamente o oposto - em cinco minutos de leitura, qualquer um já notará sua frieza calculada e distante para com todos ao seu redor, Julian e Blair aqui incluídos -.
A versão em filme deixou escapar aquilo que marca tanto as obras do Bret, sendo esta, O Psicopata Americano e Suítes Imperiais (continuação direta de Abaixo de Zero), aquela marca a ferro que expõe sua característica principal: o desprezo por valores morais e éticos da chamada geração yuppie estadunidense dos anos 1980, no qual o dinheiro em caixa mais movimentado que nunca e sempre proporcional ao uso (e abuso) das drogas dão a tônica da principal diversão desses sujeitos, tão bem representadas na própria versão de Psicopata Americano, ou então no Lobo de Wall Street do Scorsese. A alteridade de Clay aqui é comovente: sua preocupação com Julian demonstra aquela verdadeira relação de amizade que todos nós buscamos, e que realmente imagino que comoveu os telespectadores quando de seu lançamento, mas no fim é risível comparado ao que vemos nos livros, no qual a distância afetiva impera e a auto-satisfação por meio de drogas, pornôs snuff e MTV é o que realmente importava pra Clay e sua trupe.
Acho que os anos 80 não estavam preparados para uma adaptação cinematográfica verdadeiramente fiel do livro, assim como o começo dos anos 2000 não estavam pro Psicopata Americano.
Destaque pra trilha sonora, escolhida à dedo por Rick Rubin e hoje produtor musical conceituadíssimo no cenário de música norte-americano; a New Wave que embala esse Clay de Kanievska certamente embalaria o original do Ellis, e este é um dos (poucos) pontos positivos desta adaptação.
O Sacrifício do Cervo Sagrado
3.7 1,2K Assista AgoraA estética e as escolhas de cores; as tomadas em espaço fechado, com a câmera meio que inclinada, por cima, como se grudada no teto, acompanhando os personagens pelos corredores, quartos ou salas; as tomadas de espaço fechado, com um take pegando o frontal de modo amplo mas quase sempre composto de poucas pessoas e à distância, em sua maioria; as cenas de saída de Stevens e Matthews do primeiro pós-operatório, seguido da discussão sobre relógio, ou Nicole Kidman atendendo as fantasias de seu marido.
Isso, e muito mais, fazem O Sacrifício pra mim o filme mais "kubrickiano-não-feito-pelo-Kubrick" que já vi; as semelhanças técnicas, e até de roteiro, lembram muito O Iluminado e De Olhos bem Fechados, sendo quase que um primo distante e mais novo (mas não menos familiar) desses dois.
Nicole aqui é quase Alice no último do Kubrick. Colin Farrell parece um misto de Jack Torrance com Bill Hartford, encarnando um sujeito atolado numa paranoia que, gradualmente, vai atingindo todos ao seu redor. A cena de Martin
comendo espaguete é daquelas que o cara vê e pensa "porra, isso poderia facilmente ser Nicholson no Iluminado" -
inocência perdida e ignorante no maremoto de terror que o vai envolvendo aos poucos, como nas discussões sobre o mp3 com Kim ou sobre a suposta chegada do piano à mansão.
O Sacríficio me faz esse elo: liga as boas referências - técnicas, de roteiro - consolidadas no século passado a um frescor de inovação do chamado "terror psicológico/mistério" que vem se expandindo no cinema de uns dez anos pra cá, com filmes como Precisamos Falar sobre o Kevin ou A Bruxa. Foi uma surpresa realmente agradabilíssima.
Fome
4.0 310A câmera estaciona frontalmente um centro de sala, focando exatamente o meio de uma pequena mesa. Cara a cara, sentados em lados opostos,dois comparsas
discutem princípios, razões e, evidentemente, o que a vida fez de cada um de si até ali. Em meio a várias baforadas de cigarro, memórias de infância vem à tona: espaços de diversão, locais conhecidos em comum, os amigos. Os sujeitos em questão são um integrante do I.R.A, grupo que por meio do terrorismo buscava ter sua causa pela secessão da Irlanda do Norte da Grã-Bretanha ouvida, e um, olhem só, padre.
A estréia de McQueen em longa metragens foi certamente um tiro arriscado: a ferida causada da luta do I.R.A, das mortes causadas pelas explosões em Belfast e nos centros industriais britânicos, sem falar nos resquícios do reinado de horror da Tchatcher ainda mexem intensamente com o coração dos habitantes da Ilha; são questões que continuam em aberto, marcas não cicatrizadas pelo tempo. Em 2008, ano de Hunger, nem I.R.A nem Thatcher chamavam mais o apelo midiático que outrora já haviam tido: o I.R.A por ter encerrado suas atividades em 2005, e Thatcher por estar, em toda sua mediocridade, finalmente isolada e esquecida do cenário político inglês.
Hunger, porém, veio em bom tempo: ainda com a Bruxa viva, McQueen soltou seu filme expondo como a política de repressão e intimidação praticadas pelo governo Thatcher e suas ramificações institucionais afetavam TODOS ali envolvidos nas chamadas "ações anti-terroristas" postas em prática na Grã-Bretanha dos anos 1980. É nítida, por exemplo, a
depressão do policial apresentado na primeira parte do filme, pelo que vemos de sua rotina de casa e de corporação,
jovem policial, certamente afetado por todo o cenário no qual agora se encontra para ação; visualmente nervoso, ansioso e temendo até pela própria vida, mesmo que cercado por companheiros mais experientes - que aguardam o momento de espancar prisioneiros com uma calma tremenda -, vemos o descarrego de todos os seus pudores quando agride covardemente os sujeitos presos para, enfim, desafogar a chorar, escondido, do lado de fora do prédio.
Abordando por diversos olhares uma questão que vinha até então esquecida dos meios midiáticos - e até do cinema - McQueen inicia sua carreira chutando a porta e escancarando o terrorismo legalizado e a humanidade desumanizada do governo Thatcher, que enveredou pelos caminhos mais errados para combater a ação dos norte-irlandeses extremistas. Destaque certamente para o Fassbender, que literalmente se provou enquanto ator aqui.
Cenas da greve de fome posta em prática pelos prisioneiros, seus cotidianos nas celas imundas, suas relações familiares e suas táticas de sobrevivência na prisão; o cotidiano das forças da lei, o risco de tal trabalho e de sua execução. No fim, parecem dois lados que poderiam dialogar entre si, tal como na cena que abordei no início do comentário; mas, no fim, seria o melhor caminho? O é?
E ah!
"Ding Dong! The witch is dead!"
The Post: A Guerra Secreta
3.5 607 Assista AgoraUma repórter - uma das pouquíssimas de seu gênero - em meio à um ambiente de trabalho predominantemente masculino, dá o parecer do juiz da Corte do caso envolvendo uma enxurrada de fontes top secret que acabaram publicadas em dois dos maiores jornais da Costa Leste; a opinião do meritíssimo acompanhamos seguidos de um close, à lentidão, do rosto da repórter que narra o resultado que acabara
de sair: "os Pais Fundadores deram à imprensa livre a proteção de que precisa para exercer seu papel essencial em nossa democracia. A imprensa serve aos governados, não aos governantes", diz. Um estouro de alegria na sala, abraços, congratulações.
O clímax - mais hollywoodiano impossível - de The Post marca o tom daquilo que Spielberg elegeu enquanto tarefa: reforçar o papel da imprensa no que se refere aos atos, ações e atitudes do Estado e seus representantes, mesmo que isso evidentemente os desagrade (e irá); trazendo ao nosso tempo, é um recado (quase que em Caps Lock) ao governo do laranjudo da América do Norte e sua administração. Para tanto, Spielberg se usou de uma fonte (olha só!) e inspirações um tanto quanto clichês no cinema que versa sobre o jornalismo e suas tensões: o vazamento, contínuo, de fontes norte-americanas sobre como a guerra contra os vietnamitas, e a interferência em sua antiga região, Indochina, poderia dar merda. E ia dando. E deu.
The Post é daqueles típicos filmes de grandes cineastas que, mesmo que tu não goste, acaba amando certas cenas; como não criar tensão com as cenas da
verdadeira luta de Ben Bagdikian para achar seu "source", que desviou milhares de páginas ultra-secretas do governo?
degringolar ladeira abaixo sob seu comando, já que "bom mesmo era Phil" (seu falecido marido) que não se deixava tomar atitudes precipitadas ou que colocavam em risco o jornal?
empolgadíssimos repórteres secos por um documento inédito, que estavam agora a suas mãos, prontos para a escrita de uma matéria bombástica?
No fim me pareceu que a indicação de The Post ao Oscar deu-se, em grande verdade, pelos nomes ali envolvidos. Um Spielberg no letreiro de direção, acompanhado de nomes como Tom Hanks e Meryl Streep e Bob Odenkirk e tudo mais certamente chama atenção de crítica e público; isso, evidentemente, não tira em nada o mérito do bom filme que é, com um significado muito maior e mais importante por trás, principalmente neste tempo de acusações, leviandades e idiotices daqueles que deveriam nos servir.
Quem Bate à Minha Porta?
3.4 54 Assista AgoraO primeiro impacto é o da gênese, da marca mesmo, de um diretor: Quem Bate à Minha Porta traz todos aqueles estilos de cena e técnicas inconfundíveis do Scorsese e daquela que seria chamada de "Nova Geração" de Hollywood da década de 1960. É impossível não ver a tomada da
festa dos amigos no apartamento e não nos lembrarmos, evidentemente, de O Lobo de Wall Street
de J. R na igreja (católica) ao fim do filme.
Mais que isso: traz também todo o empenho do início de carreira scorsesiano de abordar, em seus filmes, o cotidiano dos jovens/adultos dos bairros italianos nova-iorquinos e como, na selva de pedra misturada à uma Torre de Babel que a cidade era (e é) no século passado, as mais diversas relações étnicas, raciais e de gênero se davam. Neste quesito, vemos por exemplo o aspecto misógino que incrustava-se fortemente nos jovens daquela sociedade; aqui, mais uma vez, remeto à lembrança de um filme futuro de um outro sujeito da "Nova Geração", quando vemos
J. R agredir verbalmente sua companheira. Nesse caso, lembrei imediatamente de Michael Corleone, do Poderoso Chefão de Coppola, com Kay, e na imagem do jovem de ascendência italiana que tal cinema produzido à época fabricou: católico e com forte apego e respeito pela religião mas, ao mesmo tempo, covarde para com as companheiras.
É como daqueles trabalhos clássicos que muitos vão se usando de citações em seus próprios trabalhos e ajudando a criar uma identidade muito maior do sujeito que os fez originalmente; e é isso que este filme é: a primeira marca da mão forte de Scorsese no cinema.
E ah!
Que climão de prefácio de Caminhos Perigosos, do próprio Scorsese, temos com esse filme não? ; )
O Amigo Americano
3.9 70 Assista Agora"É 6 de dezembro, 1976. Não há nada a se temer além do medo em si. Sei menos e menos sobre quem eu sou, ou quem qualquer outra pessoa seja".
A angústia e excitação do Zimmermann me lembrou, por várias vezes, a de Travis Bickle no Taxi Driver. De início, movido pelo medo das ações ilegais e desconhecidas para si: é notável o nervoso de Jonathan no metrô parisiense para cumprir sua missão primeira, o
o assassinato de um judeu estadunidense da máfia.
Me assusta - e surpreende - o frenesi no qual Jonathan, em si mesmo, entra em tais atividades ao longo do filme. Podemos ver, aqui e acolá em algumas cenas, a "naturalização" do processo assassino, do instinto, no psicológico do moldurista que, até então, era um pacato trabalhador, homem de família - mas enfermo.
Terminei o filme com aquela sensação de que o Ripley
certamente passou por tais processos, também. Se na narrativa presente do filme, na cena de execução do trem que parte de Munique, se mostra já frio e exímio na arte de matar, percebemos, principalmente nas cenas com o velho pintor e em algumas com Raoul como existe uma recusa sua para continuar em tais atividades com tais ações. Como diz no fim, sobre Jonathan, "não somos tão diferentes".
Aparentemente pelo que já li, é bater em água falar da fotografia dos filmes do Wenders, e O Amigo Americano é maravilhoso nesse quesito. O domínio de câmera, a sequência e escolha dos cortes, tudo aqui é impecável. Pessoalmente, me surpreendeu mais que Paris, Texas nesse ponto. Um thriller belíssimo.
Artista do Desastre
3.8 554 Assista AgoraE temos o Ed Wood do século XXI.
O Destino de Uma Nação
3.7 723 Assista AgoraTem uma questão que precisa ser levantada por esse filme: grande parte de críticos e de suas análises o taxaram, marcaram, pegaram um ferro quente e estamparam na testa como sendo o filme mais "romântico" sobre o Churchill. E é partindo desse ponto que que quero basear meu comentário.
O Destino de uma Nação é historicamente fiel em sua grande parte: em uma hora e vinte, vemos o cenário de uma Inglaterra desolada com os avanços alemães por sobre a Europa, a crise política reinando na ilhota do rei, Neville Chamberlain ainda acreditando piamente numa via de paz com a Alemanha nazista e uma "disputa" pelo cargo de primeiro-ministro, acirrando ainda mais a crise já citada, com a renúncia do Neville em meados de 1940, acarretando numa onda de incertezas sobre os futuros da monarquia, da classe política e daqueles da sociedade que tinham esperança numa reviravolta rápida frente às ofensivas nazistas: temos tudo isso, trabalhado muito bem, até este ponto do filme.
Nesta primeira hora e tanto, vemos quase que um retrato totalmente fiel ao clima hostil da política inglesa pós-renúncia do Chamberlain: partidos se digladiando e sem uma unidade para seguir em frente, o Halifax como favorito para assumir o cargo (e que já tinha planos de uma rendição, o nome é esse mesmo, perante o Eixo) e um Churchill literalmente desmoralizado: lembranças - breves, infelizmente - de Galipoli (o ataque totalmente malsucedido comandado por ele na Grande Guerra de 1918, quando quis surpreender os otomanos atacando um arquipélago próximo de Instambul), do genocídio hindu a fogo baixo na Índia e uma opinião pública contrária à qualquer aparição/frase solta/foto sua. Em uma hora e meia, não vemos uma versão romântica do Churchill em tela: vemos, sim, uma figura pública desmoralizada, impopular, temente aos rivais, ignorante frente às notícias do conflito moderno
- destaque para a cena hilária do representante francês, quando Churchill já exerce o cargo de primeiro ministro, sobre os tanques alemães -
Fantástico... até aí. É aqui que Destino se torna daqueles filmes que, quando termina, tu olha, pensa e comenta com quem tá a teu lado: "por quê porra esses caras não continuaram fiéis ao que vinham fazendo?". E aí entramos na fase decisiva do filme.
A ruptura é a cena do
underground, o metrô londrino.
não existe registro algum de que pegou o metrô naquele momento e, pior, fez algo tão dramático como aquilo! A apelação (a palavra que encontrei é essa mesmo) cresce aqui: um Churchill praticamente inverso daquilo que foi apresentado (e como ele realmente era) até esta parte toma conta do filme. Se apresenta sensível, conversa com todos ali, até se inspira -e chora! - com a bravura de uma criancinha corajosa e nacionalista no metrô vazio.
A questão pra mim então se torna: porque não manter-se fiel àquilo que vinha sendo posto em prática até então? Pra evitar o textão (mais do que já está), basta dizer que houveram casos quase que cinematográficos mesmo do Churchill e suas ações um tanto inusitadas naquele período - uma breve caçada pela internet e encontramos várias; pra quê, então, não filmá-las e manter uma credibilidade que estava sendo tão bem construída? Por quê optar por fazer uma figura caricata como aquela, que o Churchill, personagem cinematográfico aqui, se tornou?
E esse foi o peso determinante pra mim: como já comentaram mais abaixo, o filme é muito bom tecnicamente, Gary Oldman carrega a narrativa mas, caralho, o puxa-saquismo deve ir até a página 2.
Solaris
4.2 368 Assista AgoraA melhor definição do que é esse filme e sobre do quê ele trata pra mim quem deu foi, curiosamente, Stanley Kubrick, o "rival" criado pela crítica cinematográfica (com seu 2001) ao gênio do outro lado da Cortina de Ferro; e o melhor de tudo: aparentemente sem a intenção, como se inconscientemente tivesse feito tal link ao acaso que, magicamente, se adapta ao Solaris.
Em uma entrevista pra Playboy, perguntado o "por que de se dar valor à vida", mesmo que "ela seja sem propósito", Kubrick respondeu que o "fato mais aterrorizante do universo não é que ele seja hostil, mas indiferente", sendo que o "significado da vida é forçar o homem a criar seus próprios significados".
Se conseguirmos chegar em "acordo com estas indiferenças e aceitarmos os desafios da vida com as fronteiras da morte", continua, "nossa existência como espécie pode ter um significado genuíno e compreensível".
Sabemos como
Kris lida com tais questões, cujo clímax se dá com aquele final, no qual notamos que ele escolhe viver em Solaris com suas imaginações, sentimentos, aquilo que lhe dá conforto, sua sensibilidade.
É isto.
Cinemaníaco
4.2 43Uma crônica de mais de uma hora em formato de filme.
A Polônia cinzenta, burocrática, comunista, na visão de Kieslowski.
Daqueles filmes que vale dedicar uma atenção maior ao "redor" do protagonista, e perceber um recorte temporal, um cenário, que nos parece tão distante e praticamente inexistente dos dias atuais.
Lady Bird: A Hora de Voar
3.8 2,1K Assista AgoraImpressionante como o cinema de "cotidiano adolescente" (isso é gênero?) tem um respeito de crítica e admiração do público no cenário estadunidense.
Lady Bird não foge desse tema, se colocando ao lado do pedestal de alguns filmes de sucesso de público ou crítica do Richard Linklater (Dazed and Confused e Slacker, por exemplo, de temáticas semelhantes com conteúdos bem distintos), ou até de produtos televisivos como Anos Incríveis ou Malcolm in the Middle.
Respeito, mas como uma menina comentou mais abaixo foi um tanto "simplista" demais, manjado. Apesar de escancarar de modo sincero as dificuldades de "voar" de uma adolescente classe média baixa típica (dos EUA - e branca, evidentemente), pra mim pareceu mais do mesmo; fiz até um comentário anterior de que seria um "As Melhores Coisas do Mundo" estadunidense, e pra mim ainda segue nessa tônica mesmo acabando de o rever. Seria Lady Bird um alter-ego da Greta Gerwig?
Um exercício curioso, uma experiência um tanto enriquecedora, por fim: colocar Lady Bird e Moonlight, cada qual com suas temáticas e recortes de história, para se pensar/analisar as adolescências (no plural mesmo) estadunidenses, em suas dificuldades, problemas, cenários e contextos sócio-econômicos.
E não faz o mínimo sentido pra mim de como a Margot Robbie, em Eu, Tônia, perdeu pra Saoirse o Globo de Ouro. O jeito é esperar uma justiça no Oscar - o que, convenhamos, é improvável.