Dos filmes que eu vi com a Carmen Miranda, acho que é o que ela tem mais tempo válido em cena, para além das canções. Por não ser tão musical quanto os demais, a "pequena notável" brilha em instantes cômicos, ainda que sumamente estereotipados. O personagem de Phil Silvers é ainda mais estereotipado que ele, por vezes beirando o insuportável. E o roteiro força a barra para tornar o romance entre Vivian Blaine e Michael O'Shea plausível e defensável, em meio a tanto machismo, a tanto racismo subjacente... Quando a trama adere aos exercícios de guerra, fica ainda mais problemático, Mas é um filme simpático e entretenedor. Deu vontade de revê-lo, após a sessão - devidamente acompanhado, claro! (WPC>)
O ponto de partida é atemorizante e os efeitos visuais e de maquiagem são muito bem-feitos, mas o potencial horrífico deste filme, infelizmente, é estragado pelo excesso de racionalidade nalgumas situações (o conhecimento, por quase todos, sobre as sete regras na lida com a possessão, por exemplo), em oposição à irracionalidade comportamental dos personagens. É difícil "torcer" por alguém neste filme, quando todo mundo age de maneira tão agressiva, violenta e brutal: quando eles estão possuídos pelo demônio, ao menos há uma justificada externa. Enquanto "documentário" sobre o porquê de os argentinos terem escolhidos um demônio para a presidência do País, o filme é, ao menos, ilustrativo, mas a pretensa complexificação do roteiro só estraga a nossa imersão, tamanha a série de coincidências e clichês que ocorrem do meio para o final. As seqüências de impacto nojoso são progressivamente obliteradas pelas concatenações "racionais" entre os eventos, sendo o protagonista tão ou mais assustador que qualquer um dos possuídos. Em determinado momento, perdi o interesse, de tão estapafúrdio que torna-se o enredo, em suas explicações generalizadas acerca do que acontece (todo mundo na cidade conheciam as regras na lida com entidades satânicas?). Decepcionou-me bastante, infelizmente, mas possui uma ou outra cena com forte impacto, ainda que estas sejam logo sucedidas por forçações familiares de barra que as estragam. Uma pena. Mas sigo empolgado ao defender o Terror como um dos gêneros mais políticos que existem! (WPC>)
Quem gostou de A CAÇA, do Thomas Vinterberg, encontrará uma vigorosa continuidade aqui. Tal como acontece no filme sueco, lidamos com as tensões de acusações sem provas, mas que atiçam uma insegurança já em curso, a desconfiança quanto às pessoas que nos cercam. Há um ou outro exagero reativo, que talvez dê a impressão de inverossimilhança factual, mas quem já passou por um processo semelhante, sabe que nossos sentidos ficam atormentados, exacerbados e intensificados. É estranho, no filme, que a protagonista insista em dar aula, normalmente, após a eclosão do problema-chave, quando se sabe perfeitamente que novas ramificações explosivas ocorrerão diuturnamente: lidas com crianças, em momentos de choque emocional, é bastante delicado. Neste sentido, precisamos elogiar as ótimas interpretações infantis (principalmente, a de Oskar) e o final que nos obriga a "completar" algumas situações e julgamentos. A direção é muito exitosa na instauração aflitiva, através de uma trilha musical que acelera ainda mais o ritmo do filme e as (in)decisões da protagonista. É um tanto genérico, em encenação, mas bem conduzido, enquanto provocação. Recomendo-o sociologicamente, com urgência: precisa ser exibido em várias instituições! (WPC>)
Imperdoavelmente, não conhecia esta cineasta pioneira argentina. Cheguei a este filme graças a um cineclube deveras particular e amei a 'mise-en-scène' repleta de camadas, misturando cacoetes de George Cukor com tropos caros ao Walter Hugo Khouri (até mesmo o onipresente, ainda que ausente, Marcelo está lá). As atrizes são ótimas, sendo os duelos via diálogos entre elas maravilhosos (o confronto entre a filha e a irmã, perto do final, que o diga!). Há algo de teatral na disposição das marcações, na revelação do desfecho, mas é um filme que respira muita linguagem cinematográfica, ao ousar ser metalingüístico (fala-se sobre a audiência a outros filmes, às radionovelas, etc., além de haver cenas em cenários externos) e ao nacionalizar referências tipicamente hollywoodianas acerca das funções daquelas personagens femininas, não nomeadas, tamanho o peso de tradições sufocantes em seus papéis sociais e familiares. Amei o uso expressivo da trilha musical de Astor Piazzolla. Gratíssima descoberta: quero mais desta realizadora, uau! (WPC>)
Imperdoavelmente, não conhecia este personagem real - e fiquei imediatamente apaixonado por ele. Amei a sua auto-apresentação, bem como as suas frases de efeito. Anotei várias e gostei muito da audácia comportamental deste militante 'avant la lettre'. John Hurt está ótimo como protagonista, mas há algo muito esquisito nos exageros afetados das composições, dele e de todos os demais coadjuvantes, que parecem muito mais velhos que os personagens em si. Há uma melancolia inerente e crescente, em relação às constatações de Quentin quanto à sua inadequação no mundo. Mas ele nunca perde o senso de humor, a ironia, a vontade de seguir em frente e vestir-se exatamente como ele deseja. Aprendi bastante e inspirei-me neste modelo de homossexualismo corajoso, tão brilhante quanto o Guy Hocquenghem, mas em aplicação prática, vivendo para além de qualquer proibição. Amei essa descoberta, quero saber muito mais sobre o Mr. Crisp! (WPC>)
É muito difícil analisar esse tipo de proposta documental, visto que lidamos com as decisões e escolhas (ou falta de escolhas, a depender do caso) de uma pessoa em particular, estando todas as proposições fílmicas atreladas aos comportamentos desta pessoa retratada. Nesse caso, há uma agravante: a pessoa em si é mostrada menos por aquilo que ela é que por aquilo que acontece com ela, de modo que a abordagem sobre a sua vida passa a girar em torno de uma única situação - que, neste caso específico, é a obsessão de uma mãe solteira para identificar quem é o pai de sua criança. Por quê? Por que ela precisa de auxílio financeiro ou algo semelhante? Não, mas porque "em algum momento da vida, ele vai querer saber quem é o pai". Aí, eu respiro: além de espectador, sou também um filho de mãe solteira, de uma mulher que talvez tenha sido estuprada ou precisou se prostituir para nos alimentar. Como tal, sequer sei o nome de meu progenitor. Isso me dá suficiente "lugar de fala" para me posicionar contrariamente à procuração materna e sumamente classista da personagem deste documentário? Pelo sim, pelo não, o farei: independente de ser uma pessoa incrível e/ou uma artista competente, a mãe-personagem que estrela este filme é uma chantagista emocional, alguém que insiste que "quer resolver pelo amor", desde que esta resolução seja o que ela quer, apenas o que ela quer. Intransigente e julgamental, ela reclama que é julgada por exercer livremente a sua sexualidade, mas reclama da burocracia o tempo inteiro (enquanto obriga-nos a acompanhar as suas opções burocráticas pelos testes sucessivos de DNA). Julga "quem ainda decide marcar hora para casar" e pergunta a dois supostos pais "como eles podem deitar a cabeça no travesseiro por não quererem saber se puseram um filho no mundo ou não". Contraditória e impositiva, a personagem deste filme reclama que a vida "não tem ensaio" (oh!), que se sentiu sozinha nas situações em que fôra filmada o tempo inteiro (quando sabemos que ela é filha de médico, por exemplo) e não percebe que seus pontos de partida reivindicativos são negados pela própria lógica de uma interlocutora em 'off'. "Nunca pensei que fosse tão importante um pai", argumenta ela, ao que alguém pergunta "e seu pai, não é importante para ti?". Enquanto alguém que trabalha com atendimento ao público, fiquei apavorado com a possibilidade de atender à pessoa mostrada neste documentário: ela expõe a funcionária do cartório, a técnica de enfermagem, um motorista de aplicativo e diversos outros profissionais às suas indignações perante a tal da burocracia, que, aparentemente, a obriga a furar a pele do seu filho diversas vezes, quando é ela que projeta isso, com base numa hipotética necessidade de explicar uma origem genealógica precisa para o seu bebê. Como não identificar tantas contradições problemáticas - além de caracteres hediondos da alta classe - neste filme se, infelizmente, é apenas isso que ele parece ter a nos oferecer? OK, admito que as seqüências do bebê caminhando pela praia são bonitas, bem como a conversa com uma mãe também solteira, com quem a personagem cogita morar, em determinado momento. Mas ela não quer ser convencida, ela não quer acordos, ela impõe, determina que as coisas ocorram exatamente como ela planejou e, se isso não acontece, serve-se de frases feitas (e lamentosamente procedentes) de que "o direito foi feito pelos homens e para os homens". Logicamente, essa é uma experiência aburguesada, privilegiada e entulhada de preconceitos de alta classe, que são obliterados pela "premência" feminista do filme, pelos momentos em que, sim, torcemos para que a personagem real descubra quem é o pai de seu filho e busque outro assunto para se ocupar, encontre um trabalho, tenha uma vida com preocupações generalizadas, sinta prazer, tenha algo a compartilhar, além das conseqüências de descuidos cumulativos, visto que, venhamos e convenhamos, tem-se suficiente esclarecimento de que o sexo com múltiplos parceiros, sem proteção e/ou cuidados, pode desencadear uma gravidez. Ah, é violento falar isso, é um julgamento machista, é uma opinião de quem não sente na pele o que aquela mãe sentiu. Pode ser. Sendo assim, que fique claro que a minha insatisfação é em relação ao que eu vi enquanto produto fílmico, deveras problemático, limitado e desinteressante. Arcarei com o desagrado de não ter gostado. E torço para que a Letícia esteja bem, tanto quanto o Pedro, a diretora e as demais pessoas envolvidas no projeto. Que ela goze, enfim - em mais de um sentido! (WPC>)
No terceiro contato, tive a bênção de estar cercado por outros espectadores, que reagiram com espanto quando souberam das condições de falecimento da protagonista. Para a minha gratíssima surpresa, ninguém abandonou a sessão, mesmo que eles tenham admitido a estranheza quanto à narrativa. De minha parte, fiquei ainda mais impressionado: não sei se o diretor foi muito sangue-frio, genial ao cafajeste (ou tudo ao mesmo tempo) ao conseguir finalizar este filme, nas condições mui atribuladas em que ele foi executado. Paradoxalmente, são justamente estas condições que confirmam a excelência da obra, em seu testemunho de brilhantismo frente á lógica do armengue. O elenco está soberbo (Anecy é diva, ranha, musa-mor) e a montagem é ótima em seus vais e véns carnavalescos. Ótimo aproveitamento da trilha cancional essencialmente carioca e momento de brilhantismo ímpar, na abordagem dos eventos da malandragem tupiniquim. Obviamente, muita coisa no registro de época incomoda, mas Paulo César Peréio comenta tudo de maneira inteligente e sumamente crítica: enquanto jornalista, projetei-me bastante nele. Filmaço! (WPC>)
Antes de assistir ao filme, soube que a canção "Holm", de Emel, viralizou na trilha sonora, de tão bonita que é e de tão bem utilizada que fôra. Concordo: a trilha cancional deste filme é primorosa, de fato, e, por causa dela (e dos comentários de alguns amigos), talvez eu tenha adentrado a sessão com muitas expectativas, logo frustradas. Não sei se o diretor estreante parte de uma situação autobiográfica, mas, se for o caso, é como se aproveitasse um roteiro escrito quando ainda era adolescente, tamanha a quantidade de firulas e problemas de execução e construção dos personagens: o protagonista é muito bonito, porém desenxabido, enquanto o seu interesse amoroso é pouco expressivo e desinteressante. Há algumas evidentes referências genetianas (rimas atualizadas para UMA CANÇÃO DE AMOR, por exemplo), que ficariam maravilhosas se o filme foi mais curto e/ou assumisse a sua faceta enquanto videoclipe. As situações, entretanto, são progressivamente inverossímeis, em sua pretensa utopia romântico-monogâmica: imaginar que os internos de um reformatório lidem com materiais tão perigosos, sem vigilância, é um defeito evidente. Outros se somam, como a estultice dos diálogos e das reações dos "namorados". É difícil levar a sério o que acontece, torcer por um casal sem química, imaginar que esse conjunto de inconseqüências terá um final feliz. Mas o diretor insiste, acredita, leva seu anseio conciliador à frente. E se equivoca cinematograficamente, claro: achei este filme um engodo completo, um porre! Vale pelas breves aparições da mui competente Eye Haidara, ao menos. (WPC>)
Na revisão, fiquei ainda mais encantado: é impressionante como o diretor parece ter ciência de que estava gestando uma obra-prima aqui, acompanhando todo o processo, desde aquilo que antecede os ensaios. Um funcionário acende as lâmpadas dos camarins, os atores entram e, pouco a pouco, os personagens surgem em cena, fazendo com que a trama lorquiana ultrapasse a técnica e tudo se torne intensa emoção, música em estado puro, dança em estágio sublime. Magnífico! (WPC>)
Bastante superior ao quarto capítulo da franquia, surpreendi-me, enquanto via o filme, em relação ao quão divertido ele é: perdi a chance de vê-lo no cinema, por mero pantim, mas faço aqui o 'mea culpa'. Dentro da conjuntura produtiva hollywoodiana hodierna, este filme executa muito bem a sua fórmula de aventuras, com Harrison Ford ainda em forma como protagonista (até porque a envergadura é mais emocional aqui, dado o pendor do cineasta James Mangold pelas reconciliações) e com um aproveitamento inteligente do senso de humor ouriçado da Phoebe Waller-Bridge. O roteiro é uma coleção de situações antinazistas, que desemboca nalgo que requer muita "suspensão da descrença", mas nada que ofenda o "contrato" associado ao gênero ou à trajetória do personagem famoso. O filme só não é melhor porque as aparições do garoto Ethann Isidore, cada vez mais ativo e/ou onipresente enquanto 'deus ex machina' adolescente, lembram--nos que esta produção presta contas com as exigências contemporâneas da audiência, servindo-se de um ponto de partida nostálgico para referendar os elogios massivos à infantilização das audiências. Seja como for, o humor do enredo não incomoda (lembra muito o estilo spielberguiano oitentista) e o desfecho neo-familiar fecha com afeto a saga. Deu até vontade de rever os filmes anteriores! (WPC>)
Ao término da sessão, fiquei muito curioso para comparar esta adaptação à obra literária original: o casal central é muito bom (como não se encantar pelo taciturno Tom Mercier?), mas é a narradora Béatrice Dalle quem mais fascina e chama a nossa atenção. As seqüências de dança, ao fundo das conversas, são ótimas, bem como a trilha musical específica, que emula as mudanças de tendência 'disco'/eletrônicas da "vida real". Os segmentos sobre o esvaziamento urbano provocado pela AIDS são ótimos e o desfecho é belíssimo. É estranha e fascinante a maneira como os personagens falam sobre "a coisa" que pode acontecer a qualquer momento, mas isso também favorece a nossa identificação emocional, pois podemos projetar inúmeras sensações, sentimentos e situações em relação a este conceito tão geral. Muito bonito! (WPC>)
Sou obcecado por musicais e discursivamente cristão. Como tal, este filme, depois que soube de sua existência, tornou-se um objeto imediato de desejo. Numa comparação com JESUS CRISTO SUPERSTAR, por conta do gênero e da temática, suas fraquezas ficam sobremaneira evidentes: trata-se de uma realização teatral e crente demais, cinematográfica e musical de menos. O elenco é versátil e as poucas canções têm seu interesse validado pela mensagem, mas a reconstituição um tanto infantilizada das parábolas bíblicas nem sempre entretém. O desfecho, por sua vez, é inspirado, na atualização da mensagem e no direcionamento de ensinamentos eternos às novas gerações. Inferior às outras 'óperas-rock' da década de 1970, mas não desprovido de algum charme. (WPC>)
Como não ficar fascinado por um título como este? A trama em si é esparsa, evanescente de propósito, no sentido de que interessa mais ao diretor a composição dos personagens, o surrealismo das situações e a mensagem sempre bem-vinda de aproveitamento da vida cotidiana. Há muitas referências ao seu universo afetivo pessoal e um trabalho de dublagem muito oportuno do trio principal. A equipe técnica acessória é ótima e os diálogos são hilários nas excentricidades proferidas, todas elas validadas pela eficaz pesquisa biológica do filme. Ri em mais de uma cena e fiquei hipnotizado pelo balé submarino da longa cena que justifica o título. Não conhecia este premiadíssimo animador, mas já quero imergir mais e mais em suas obras: impressionante. Minha identificação com a tartaruguinha com TOC foi total! (WPC>)
Muito estranha a opção por esse título brasileiro, visto que não se sabe se o que ocorre é precisamente um terremoto... É muito legal que não se explique a origem do desastre, inclusive: o roteiro está interessado em outras questões, nas "tentações" amorais ou imorais que acometem as pessoas em situações extremas. Quando os envolvidos são pessoas aquisitivamente bem-favorecidas, é ainda pior. Neste sentido, o filme é interessante desde o prólogo sobre a tendência progressiva ao confinamento voluntário em prédios cada vez mais altos. Gosto do modo como a trama se desenvolve, ainda que a duração estendida faça com que algumas situações se tornam repetitivas, sobretudo aquelas que envolvem a vilania do personagem de Lee Byung-hun, caricatural às vezes. A fotografia adota tons crepusculares, do meio para o final, muito bonitos enquanto preparação para a mensagem (humanista) do desfecho. Fica-se evidente que a tônica da produção é mais entretenedora que efetivamente reflexiva, mas funciona nos dois sentidos - e não fica a dever aos melhores 'blockbusters' estadunidenses, não: a direção de arte impressiona. Amei, por exemplo, o cinismo da seqüência em que as regras do comitê de segurança são explicadas com os personagens olhando diretamente para a câmera! (WPC>)
A profusão de cores realmente chama a nossa atenção, bem como o apuro técnico e algumas piadas referentes às diferenças de condições sociais dos personagens. Porém, o roteiro deste filme é um engodo: além de a situação geral envolvendo o vazamento ser ignorada, de uma hora para outra, justamente quando atinge o seu apogeu, as situações que justificam os encontros entre os personagens são forçadas e pouco desenvolvidas. Vide a necessidade do Gôta em relação à manutenção de seu emprego, por exemplo. Como tal, o descompasso incomodou-me, não consegui mergulhar a contento no filme, a despeito de ele continuar a clássica oposição entre desejos dos filhos X anseios dos pais no enredo. Minha mãe curtiu; eu fiquei desconfiado. Na pior das hipóteses aplicativas, serve como sintoma evidente de uma crise criativa! (WPC>)
Talvez por não ter apreciado o longa-metragem ficcional (igualmente indicado ao Oscar) anterior da diretora ou talvez por desconfiar do oba-oba mui elogioso, desde o Festival de Cannes, desconfiei deste filme e procrastinei a imersão espectatorial. Erro meu, completamente meu: o filme, além de ser inteligentíssimo em suas diversas camadas de metalinguagem e contestação feminista 'avant la lettre', é também muito intenso nas proposições afetivas que são negociadas (e permitidas) pelas personagens reais. Amei a coragem de uma das garotas ao insistir que já lidara com aquelas situações em terapia, de maneira que estava pronta para reconstituí-las cinematograficamente. As reviravoltas da trama são impressionantes, bem como a simpatia de todas as mulheres envolvidas, que encaram de maneira firme e bem-humorada situações que, noutra conjuntura fundamentalista, seriam consideradas "desonrosas". Montagem primorosa, entrosamento entre o elenco, idem: achei primorosa a idéia de fazer com que um único homem representasse todos os papéis masculinos. Genial em múltiplas escalas, fiquei impressionado! (WPC>)
Era óbvio que esta produção - que sequer assume os créditos de direção - adotaria um tom catequético na narração, com ênfase para as benesses heróicas dos religiosos mencionados no título. Porém, a despeito disso, a pesquisa histórica é bem fundamentada e os eventos - ainda que discursivamente exacerbados - procedem: de fato, os Testemunhas de jeová passaram por muitas perseguições, foram realmente confinados em campos de concentração e, conhecendo por dentro alguns membros, levam essa questão não-armamentista muito a sério. Estranhei o tom de alguns depoimentos (o de Thomas Mann, por exemplo) e o formato, claro, é extremamente convencional. Mas não é um filme de todo desprezível! (WPC>)
Fiquei chocado quando confirmei que a atriz que interpreta a protagonista tem apenas 15 anos, de fato: sua personagem parece bem mais velha e madura - e dotada de um otimismo profissional e excessivamente seguro que se insurge como primeiro problema, numa lista de defeitos que exige muita "concessão", por parte dos espectadores, em relação à excessiva ingenuidade (e à inverossimilhança de algumas seqüências) no roteiro. Primeiramente, não se nega que a também produtora associada Giulia Benitte é tão precoce e carismática quanto a personagem-título. Mas convertê-la numa heroína-líder súbita, como acontece no filme, é demais. Talvez se reclame que, por não ser uma pessoa com deficiência, ela não devesse interpretar uma cadeirante, mas não entrarei nesse mérito: afinal, salvo por uma ou outra frase de efeito sobre acessibilidade e inclusão, isso é espertamente secundarizado pelo enredo, conforme explicado na narração inicial. Porém, as contradições elementares da militância privilegiada são escancaradas aqui, no sentido de que, por mais bem intencionada que seja, Bebel enxerga apenas àquilo que tem acesso, e seu convívio social é predominantemente elitizada, mesmo que a tachem de pobre e/ou caipira. Segundamente, é mister elogiar o entrosamento do elenco, mesmo que os vilões sejam excessivamente caricatos (Marcos Breda imita alguns cacoetes bolsonaristas - gostei!). E, terceiramente, com todos os defeitos do filme e com os seus exageros ativos (o pantim de Zico, por exemplo, quando não quer mais ser amigo dos personagens), sua mensagem é afirmativa e necessária: gostei muito dos exemplos verídicos compartilhados nos créditos finais e, se analisarmos bem, a falta de punição para os criminosos, no filme, talvez ecoe a desesperança transformadora da realidade, no que tange à identificação dos efetivos culpados pela destruição dos bens naturais do planeta. Na verdade, isso também evidencia um discurso inassumidamente conciliador, típico da conjuntura classista em que se passa a ação. Mas esse talvez (talvez, talvez) seja outro debate, bem mais extensivo ao que o roteiro traz à tona... (WPC>)
De coração, fico imaginando o que este diretor sente ao despertar: para que tanta amargura e desconfiança nas pessoas, meu Deus? Para que tanta misantropia? A despeito disso, o cara sabe sabe dirigir muito bem, ainda que os pressupostos de roteiro nem sempre sejam os melhores, no seu afã pelo choque. Aqui, ele acerta em cheio, ao criar um paradoxo de múltiplas repulsas, no sentido de que, por mais aberrante que sejam as motivações e comportamentos do protagonista, há pessoas ainda piores que ele. De fato, há muita polêmica e controvérsia acerca de como foi consentido que os atores mirins (que nem eram atores, em verdade) fossem expostos daquele jeito, mas há "justificativas internas" para as situações. Isso as justifica? Não saberei responder, mas achei ótima a maneira como o filme é conduzido. Hipnótico e divisivo do início ao fim. Perturbador e reflexivo. Um trabalho a ser debatido, portanto. (WPC>)
Vi SPARTA antes desse e gostei bastante. Achei ótimas as rimas e/ou situações mui similares entre os dois filmes, nas seqüências passadas no asilo, sobretudo. Mas achei a trama cansativa e repetitiva aqui: o protagonista possui uma simpatia dúbia, e quase cheguei a torcer por ele, no sentido de manifestações esperançosas de afeto eram percebidas nalguns momentos. Porém, o mote tramático da filha cobrando dinheiro ao pai ausente não se sustenta como interesse roteirístico dominante. Na maior parte do tempo, o filme é um porre, infelizmente. Gosto dos enquadramentos, da fotografia sardônica da praia em neve, de alguns números musicais... Mas a longa duração atrapalha um pouco! (WPC>)
Depois de vários roteiros explicitamente misóginos, o diretor permite um protagonismo feminino, merecidamente agraciado em premiações: Anouk Grinberg está maravilhosa, como uma protagonista voluntária com "uma mente feliz e uma bunda feliz". A primeira cena de sexo com Gérard Lanvin é magnífica (que entrega, que coreografia de corpos, que uso eloqüente da trilha musical elegíaca!) e a entrada em cena do Olivier Martinez é mui oportuna. Ri nalguns momentos e projetei-me emocionalmente na maior parte deles. A amoralidade do realizador permanece manifesta, mas condicionada aos anseios de sua protagonista, cujo ponto de vista é respeitado, antes daquelas reviravoltas espantosas que o Bertrand Blier concebe como ninguém. Muito boas aos chistes cancionais envolvendo o Barry White e é encantadora a simpatia de Valeria Bruni Tedeschi. Uma graça de filme! (WPC>)
Li, nalgumas publicações, que este seria "o filme mais acessível" do diretor. Paradoxalmente. achei o mais difícil de ser acompanhado, por causa de sua atmosfera onírica, que mistura vários tempos distintos, desaguando num desfecho que beira o surrealismo, na maneira como os personagens reagem ás músicas schubertianas, que às vezes são executadas diegeticamente; às vezes, não. A cena em que Josiane Balasko tenta assobiar algo deste compositor e, ao invés disso, sai a trilha de Francis Lai para UMA HISTÓRIA DE AMOR é ótima, no que diz respeito às diferenças de classe entre ela e o seu amado, demonstrando que, apesar de título e diálogos insistirem em comparações sobre aparência física. há muito mais em evidência nas escolhas românticas que fazemos. Carole Bouquet está esplêndida e Gerard Depardieu incorpora uma personificação bem mais insegura, no cotejo com as colaborações anteriores e numerosas com este diretor. O clima é de pesadelo, com momentos belíssimos de breve felicidade erótica. Mexeu pessoalmente comigo, irei revê-lo, eis uma certeza! (WPC>)
Incitado por alguns cinéfilos mais conhecedores desta filmografia inusitada, resolvei empreender uma mini-maratona com seus filmes, já conhecendo o lastro amoral de seus enredos e uma tendência inequívoca à misoginia. E, como tal, surpreendi-me com o que acontece aqui: como a Academia conseguiu premiar um filme tão provocativo? (risos) E, diversos momentos, parece que as seqüências foram filmadas como se fossem "pegadinhas", com vários transeuntes olhando persistentemente para a câmera, enquanto as situações acontecem. Gerard Depardieu está lindo e intransigente (risos) e Patrick Dewaere é um ótimo contraponto. Cabe a Carole Laure uma personificação mui delicada, que fica ainda mais complexa quando o garotinho precoce entra em cena. Amei a progressiva conversão das músicas de Mozart como uma espécie de personagem coletivo à parte. Graças a este efeito, o desfecho é ainda mais impactante, em sua aparência de traição schubertiana. A fotografia cria quadros maravilhosos, nas cenas da biblioteca e naquela conclusão surpreendente. Gostei muitíssimo: fiquei com muita vontade de ver mais filmes do diretor, mesmo incomodado com a fetichização e objetificação da mulher, ofertada como um mero bibelô para outrem... (WPC>)
É perigoso falar mais de filmes baseados em eventos reais, mas... Vamos lá: não gosto desse diretor. Acho-o um carniceiro, que está para o drama tanto quanto o Roland Emmerich está para a ficção científica. Ele não hesita em fetichistar ao máximo - com suas habilidades técnicas mui premiadas - as cenas de catástrofes e acidentes, privilegiando os destinos salvacionistas de alguns personagens, em prol de dezenas de pessoas que morrem, para satisfazer a sua sanha carniceira. E encontra um prato cheio aqui: se já existem versões marcantes de René Cardona (que ainda não vi, mas conheço a repercussão) e de Frank Marshall (que marcou a minha geração) para a mesma trama, para que canibalizar midiaticamente esta situação, mais uma vez? O diretor justifica esta necessidade de "toque pessoal" através do impacto que sentiu quando leu o livro no qual o roteiro foi baseado, mas... Para quê? E a resposta surge de maneira descarada: para fazer exatamente aquilo de que acusaram o Steven Spielberg quando encetou A LISTA DE SCHINDLER. Mas sem a mesma competência ou entrega íntima. O Bayona é um preciosista sem o lastro humanista requerido, por mais que exercite isso de maneira ainda tímida em SETE MINUTOS APÓS A MEIA-NOITE. E o resultado, como não poderia deixar de ser, e catastrófico, em todos os sentidos: a abertura e o desfecho são muito bons, por explorar os sentimentos legítimos dos personagens, enquanto pessoas (não apenas sobreviventes), mas o longo miolo sádico é sobremaneira problemático, pois faz com que o prazer do diretor na contagem de mortos fique escancarado. Fosse o Lucio Fulci ou o Jörg Buttgereit na condução, eu acharia o resultado mais honesto. É um filme que tortura o espectador, quiçá de maneira intencional, a fim de evidenciar que o que está sendo narrado é doloroso, de modo que, ao final, condoemo-nos em relação aos destinos de quem sobrevive, naquelas condições, mas... Puxa, que perversidade. Que sanha cumulativa de malevolências. Detestei O IMPOSSÍVEL, senti algo parecido aqui. Admito que a trilha musical do Michael Giacchino é linda e que vários aspectos deste filme merece os prêmios que receberá, mas... A que custo emocional e moral, urgh! (WPC>)
Alegria, Rapazes!
3.6 17Dos filmes que eu vi com a Carmen Miranda, acho que é o que ela tem mais tempo válido em cena, para além das canções. Por não ser tão musical quanto os demais, a "pequena notável" brilha em instantes cômicos, ainda que sumamente estereotipados. O personagem de Phil Silvers é ainda mais estereotipado que ele, por vezes beirando o insuportável. E o roteiro força a barra para tornar o romance entre Vivian Blaine e Michael O'Shea plausível e defensável, em meio a tanto machismo, a tanto racismo subjacente... Quando a trama adere aos exercícios de guerra, fica ainda mais problemático, Mas é um filme simpático e entretenedor. Deu vontade de revê-lo, após a sessão - devidamente acompanhado, claro! (WPC>)
O Mal Que Nos Habita
3.6 537 Assista AgoraO ponto de partida é atemorizante e os efeitos visuais e de maquiagem são muito bem-feitos, mas o potencial horrífico deste filme, infelizmente, é estragado pelo excesso de racionalidade nalgumas situações (o conhecimento, por quase todos, sobre as sete regras na lida com a possessão, por exemplo), em oposição à irracionalidade comportamental dos personagens. É difícil "torcer" por alguém neste filme, quando todo mundo age de maneira tão agressiva, violenta e brutal: quando eles estão possuídos pelo demônio, ao menos há uma justificada externa. Enquanto "documentário" sobre o porquê de os argentinos terem escolhidos um demônio para a presidência do País, o filme é, ao menos, ilustrativo, mas a pretensa complexificação do roteiro só estraga a nossa imersão, tamanha a série de coincidências e clichês que ocorrem do meio para o final. As seqüências de impacto nojoso são progressivamente obliteradas pelas concatenações "racionais" entre os eventos, sendo o protagonista tão ou mais assustador que qualquer um dos possuídos. Em determinado momento, perdi o interesse, de tão estapafúrdio que torna-se o enredo, em suas explicações generalizadas acerca do que acontece (todo mundo na cidade conheciam as regras na lida com entidades satânicas?). Decepcionou-me bastante, infelizmente, mas possui uma ou outra cena com forte impacto, ainda que estas sejam logo sucedidas por forçações familiares de barra que as estragam. Uma pena. Mas sigo empolgado ao defender o Terror como um dos gêneros mais políticos que existem! (WPC>)
A Sala dos Professores
3.9 139 Assista AgoraQuem gostou de A CAÇA, do Thomas Vinterberg, encontrará uma vigorosa continuidade aqui. Tal como acontece no filme sueco, lidamos com as tensões de acusações sem provas, mas que atiçam uma insegurança já em curso, a desconfiança quanto às pessoas que nos cercam. Há um ou outro exagero reativo, que talvez dê a impressão de inverossimilhança factual, mas quem já passou por um processo semelhante, sabe que nossos sentidos ficam atormentados, exacerbados e intensificados. É estranho, no filme, que a protagonista insista em dar aula, normalmente, após a eclosão do problema-chave, quando se sabe perfeitamente que novas ramificações explosivas ocorrerão diuturnamente: lidas com crianças, em momentos de choque emocional, é bastante delicado. Neste sentido, precisamos elogiar as ótimas interpretações infantis (principalmente, a de Oskar) e o final que nos obriga a "completar" algumas situações e julgamentos. A direção é muito exitosa na instauração aflitiva, através de uma trilha musical que acelera ainda mais o ritmo do filme e as (in)decisões da protagonista. É um tanto genérico, em encenação, mas bem conduzido, enquanto provocação. Recomendo-o sociologicamente, com urgência: precisa ser exibido em várias instituições! (WPC>)
Las Furias
4.0 1Imperdoavelmente, não conhecia esta cineasta pioneira argentina. Cheguei a este filme graças a um cineclube deveras particular e amei a 'mise-en-scène' repleta de camadas, misturando cacoetes de George Cukor com tropos caros ao Walter Hugo Khouri (até mesmo o onipresente, ainda que ausente, Marcelo está lá). As atrizes são ótimas, sendo os duelos via diálogos entre elas maravilhosos (o confronto entre a filha e a irmã, perto do final, que o diga!). Há algo de teatral na disposição das marcações, na revelação do desfecho, mas é um filme que respira muita linguagem cinematográfica, ao ousar ser metalingüístico (fala-se sobre a audiência a outros filmes, às radionovelas, etc., além de haver cenas em cenários externos) e ao nacionalizar referências tipicamente hollywoodianas acerca das funções daquelas personagens femininas, não nomeadas, tamanho o peso de tradições sufocantes em seus papéis sociais e familiares. Amei o uso expressivo da trilha musical de Astor Piazzolla. Gratíssima descoberta: quero mais desta realizadora, uau! (WPC>)
Vida Nua
3.8 8Imperdoavelmente, não conhecia este personagem real - e fiquei imediatamente apaixonado por ele. Amei a sua auto-apresentação, bem como as suas frases de efeito. Anotei várias e gostei muito da audácia comportamental deste militante 'avant la lettre'. John Hurt está ótimo como protagonista, mas há algo muito esquisito nos exageros afetados das composições, dele e de todos os demais coadjuvantes, que parecem muito mais velhos que os personagens em si. Há uma melancolia inerente e crescente, em relação às constatações de Quentin quanto à sua inadequação no mundo. Mas ele nunca perde o senso de humor, a ironia, a vontade de seguir em frente e vestir-se exatamente como ele deseja. Aprendi bastante e inspirei-me neste modelo de homossexualismo corajoso, tão brilhante quanto o Guy Hocquenghem, mas em aplicação prática, vivendo para além de qualquer proibição. Amei essa descoberta, quero saber muito mais sobre o Mr. Crisp! (WPC>)
Eu Também Não Gozei
0.5 1É muito difícil analisar esse tipo de proposta documental, visto que lidamos com as decisões e escolhas (ou falta de escolhas, a depender do caso) de uma pessoa em particular, estando todas as proposições fílmicas atreladas aos comportamentos desta pessoa retratada. Nesse caso, há uma agravante: a pessoa em si é mostrada menos por aquilo que ela é que por aquilo que acontece com ela, de modo que a abordagem sobre a sua vida passa a girar em torno de uma única situação - que, neste caso específico, é a obsessão de uma mãe solteira para identificar quem é o pai de sua criança. Por quê? Por que ela precisa de auxílio financeiro ou algo semelhante? Não, mas porque "em algum momento da vida, ele vai querer saber quem é o pai". Aí, eu respiro: além de espectador, sou também um filho de mãe solteira, de uma mulher que talvez tenha sido estuprada ou precisou se prostituir para nos alimentar. Como tal, sequer sei o nome de meu progenitor. Isso me dá suficiente "lugar de fala" para me posicionar contrariamente à procuração materna e sumamente classista da personagem deste documentário? Pelo sim, pelo não, o farei: independente de ser uma pessoa incrível e/ou uma artista competente, a mãe-personagem que estrela este filme é uma chantagista emocional, alguém que insiste que "quer resolver pelo amor", desde que esta resolução seja o que ela quer, apenas o que ela quer. Intransigente e julgamental, ela reclama que é julgada por exercer livremente a sua sexualidade, mas reclama da burocracia o tempo inteiro (enquanto obriga-nos a acompanhar as suas opções burocráticas pelos testes sucessivos de DNA). Julga "quem ainda decide marcar hora para casar" e pergunta a dois supostos pais "como eles podem deitar a cabeça no travesseiro por não quererem saber se puseram um filho no mundo ou não". Contraditória e impositiva, a personagem deste filme reclama que a vida "não tem ensaio" (oh!), que se sentiu sozinha nas situações em que fôra filmada o tempo inteiro (quando sabemos que ela é filha de médico, por exemplo) e não percebe que seus pontos de partida reivindicativos são negados pela própria lógica de uma interlocutora em 'off'. "Nunca pensei que fosse tão importante um pai", argumenta ela, ao que alguém pergunta "e seu pai, não é importante para ti?". Enquanto alguém que trabalha com atendimento ao público, fiquei apavorado com a possibilidade de atender à pessoa mostrada neste documentário: ela expõe a funcionária do cartório, a técnica de enfermagem, um motorista de aplicativo e diversos outros profissionais às suas indignações perante a tal da burocracia, que, aparentemente, a obriga a furar a pele do seu filho diversas vezes, quando é ela que projeta isso, com base numa hipotética necessidade de explicar uma origem genealógica precisa para o seu bebê. Como não identificar tantas contradições problemáticas - além de caracteres hediondos da alta classe - neste filme se, infelizmente, é apenas isso que ele parece ter a nos oferecer? OK, admito que as seqüências do bebê caminhando pela praia são bonitas, bem como a conversa com uma mãe também solteira, com quem a personagem cogita morar, em determinado momento. Mas ela não quer ser convencida, ela não quer acordos, ela impõe, determina que as coisas ocorram exatamente como ela planejou e, se isso não acontece, serve-se de frases feitas (e lamentosamente procedentes) de que "o direito foi feito pelos homens e para os homens". Logicamente, essa é uma experiência aburguesada, privilegiada e entulhada de preconceitos de alta classe, que são obliterados pela "premência" feminista do filme, pelos momentos em que, sim, torcemos para que a personagem real descubra quem é o pai de seu filho e busque outro assunto para se ocupar, encontre um trabalho, tenha uma vida com preocupações generalizadas, sinta prazer, tenha algo a compartilhar, além das conseqüências de descuidos cumulativos, visto que, venhamos e convenhamos, tem-se suficiente esclarecimento de que o sexo com múltiplos parceiros, sem proteção e/ou cuidados, pode desencadear uma gravidez. Ah, é violento falar isso, é um julgamento machista, é uma opinião de quem não sente na pele o que aquela mãe sentiu. Pode ser. Sendo assim, que fique claro que a minha insatisfação é em relação ao que eu vi enquanto produto fílmico, deveras problemático, limitado e desinteressante. Arcarei com o desagrado de não ter gostado. E torço para que a Letícia esteja bem, tanto quanto o Pedro, a diretora e as demais pessoas envolvidas no projeto. Que ela goze, enfim - em mais de um sentido! (WPC>)
A Lira do Delírio
3.7 24No terceiro contato, tive a bênção de estar cercado por outros espectadores, que reagiram com espanto quando souberam das condições de falecimento da protagonista. Para a minha gratíssima surpresa, ninguém abandonou a sessão, mesmo que eles tenham admitido a estranheza quanto à narrativa. De minha parte, fiquei ainda mais impressionado: não sei se o diretor foi muito sangue-frio, genial ao cafajeste (ou tudo ao mesmo tempo) ao conseguir finalizar este filme, nas condições mui atribuladas em que ele foi executado. Paradoxalmente, são justamente estas condições que confirmam a excelência da obra, em seu testemunho de brilhantismo frente á lógica do armengue. O elenco está soberbo (Anecy é diva, ranha, musa-mor) e a montagem é ótima em seus vais e véns carnavalescos. Ótimo aproveitamento da trilha cancional essencialmente carioca e momento de brilhantismo ímpar, na abordagem dos eventos da malandragem tupiniquim. Obviamente, muita coisa no registro de época incomoda, mas Paulo César Peréio comenta tudo de maneira inteligente e sumamente crítica: enquanto jornalista, projetei-me bastante nele. Filmaço! (WPC>)
O Paraíso
3.3 16 Assista AgoraAntes de assistir ao filme, soube que a canção "Holm", de Emel, viralizou na trilha sonora, de tão bonita que é e de tão bem utilizada que fôra. Concordo: a trilha cancional deste filme é primorosa, de fato, e, por causa dela (e dos comentários de alguns amigos), talvez eu tenha adentrado a sessão com muitas expectativas, logo frustradas. Não sei se o diretor estreante parte de uma situação autobiográfica, mas, se for o caso, é como se aproveitasse um roteiro escrito quando ainda era adolescente, tamanha a quantidade de firulas e problemas de execução e construção dos personagens: o protagonista é muito bonito, porém desenxabido, enquanto o seu interesse amoroso é pouco expressivo e desinteressante. Há algumas evidentes referências genetianas (rimas atualizadas para UMA CANÇÃO DE AMOR, por exemplo), que ficariam maravilhosas se o filme foi mais curto e/ou assumisse a sua faceta enquanto videoclipe. As situações, entretanto, são progressivamente inverossímeis, em sua pretensa utopia romântico-monogâmica: imaginar que os internos de um reformatório lidem com materiais tão perigosos, sem vigilância, é um defeito evidente. Outros se somam, como a estultice dos diálogos e das reações dos "namorados". É difícil levar a sério o que acontece, torcer por um casal sem química, imaginar que esse conjunto de inconseqüências terá um final feliz. Mas o diretor insiste, acredita, leva seu anseio conciliador à frente. E se equivoca cinematograficamente, claro: achei este filme um engodo completo, um porre! Vale pelas breves aparições da mui competente Eye Haidara, ao menos. (WPC>)
Bodas de Sangue
4.1 46 Assista AgoraNa revisão, fiquei ainda mais encantado: é impressionante como o diretor parece ter ciência de que estava gestando uma obra-prima aqui, acompanhando todo o processo, desde aquilo que antecede os ensaios. Um funcionário acende as lâmpadas dos camarins, os atores entram e, pouco a pouco, os personagens surgem em cena, fazendo com que a trama lorquiana ultrapasse a técnica e tudo se torne intensa emoção, música em estado puro, dança em estágio sublime. Magnífico! (WPC>)
Indiana Jones e a Relíquia do Destino
3.2 331 Assista AgoraBastante superior ao quarto capítulo da franquia, surpreendi-me, enquanto via o filme, em relação ao quão divertido ele é: perdi a chance de vê-lo no cinema, por mero pantim, mas faço aqui o 'mea culpa'. Dentro da conjuntura produtiva hollywoodiana hodierna, este filme executa muito bem a sua fórmula de aventuras, com Harrison Ford ainda em forma como protagonista (até porque a envergadura é mais emocional aqui, dado o pendor do cineasta James Mangold pelas reconciliações) e com um aproveitamento inteligente do senso de humor ouriçado da Phoebe Waller-Bridge. O roteiro é uma coleção de situações antinazistas, que desemboca nalgo que requer muita "suspensão da descrença", mas nada que ofenda o "contrato" associado ao gênero ou à trajetória do personagem famoso. O filme só não é melhor porque as aparições do garoto Ethann Isidore, cada vez mais ativo e/ou onipresente enquanto 'deus ex machina' adolescente, lembram--nos que esta produção presta contas com as exigências contemporâneas da audiência, servindo-se de um ponto de partida nostálgico para referendar os elogios massivos à infantilização das audiências. Seja como for, o humor do enredo não incomoda (lembra muito o estilo spielberguiano oitentista) e o desfecho neo-familiar fecha com afeto a saga. Deu até vontade de rever os filmes anteriores! (WPC>)
A Fera na Selva
2.8 4 Assista AgoraAo término da sessão, fiquei muito curioso para comparar esta adaptação à obra literária original: o casal central é muito bom (como não se encantar pelo taciturno Tom Mercier?), mas é a narradora Béatrice Dalle quem mais fascina e chama a nossa atenção. As seqüências de dança, ao fundo das conversas, são ótimas, bem como a trilha musical específica, que emula as mudanças de tendência 'disco'/eletrônicas da "vida real". Os segmentos sobre o esvaziamento urbano provocado pela AIDS são ótimos e o desfecho é belíssimo. É estranha e fascinante a maneira como os personagens falam sobre "a coisa" que pode acontecer a qualquer momento, mas isso também favorece a nossa identificação emocional, pois podemos projetar inúmeras sensações, sentimentos e situações em relação a este conceito tão geral. Muito bonito! (WPC>)
Godspell - A Esperança
4.0 11 Assista AgoraSou obcecado por musicais e discursivamente cristão. Como tal, este filme, depois que soube de sua existência, tornou-se um objeto imediato de desejo. Numa comparação com JESUS CRISTO SUPERSTAR, por conta do gênero e da temática, suas fraquezas ficam sobremaneira evidentes: trata-se de uma realização teatral e crente demais, cinematográfica e musical de menos. O elenco é versátil e as poucas canções têm seu interesse validado pela mensagem, mas a reconstituição um tanto infantilizada das parábolas bíblicas nem sempre entretém. O desfecho, por sua vez, é inspirado, na atualização da mensagem e no direcionamento de ensinamentos eternos às novas gerações. Inferior às outras 'óperas-rock' da década de 1970, mas não desprovido de algum charme. (WPC>)
Bizarros Peixes das Fossas Abissais
3.7 14Como não ficar fascinado por um título como este? A trama em si é esparsa, evanescente de propósito, no sentido de que interessa mais ao diretor a composição dos personagens, o surrealismo das situações e a mensagem sempre bem-vinda de aproveitamento da vida cotidiana. Há muitas referências ao seu universo afetivo pessoal e um trabalho de dublagem muito oportuno do trio principal. A equipe técnica acessória é ótima e os diálogos são hilários nas excentricidades proferidas, todas elas validadas pela eficaz pesquisa biológica do filme. Ri em mais de uma cena e fiquei hipnotizado pelo balé submarino da longa cena que justifica o título. Não conhecia este premiadíssimo animador, mas já quero imergir mais e mais em suas obras: impressionante. Minha identificação com a tartaruguinha com TOC foi total! (WPC>)
Sobreviventes: Depois do Terremoto
3.2 43 Assista AgoraMuito estranha a opção por esse título brasileiro, visto que não se sabe se o que ocorre é precisamente um terremoto... É muito legal que não se explique a origem do desastre, inclusive: o roteiro está interessado em outras questões, nas "tentações" amorais ou imorais que acometem as pessoas em situações extremas. Quando os envolvidos são pessoas aquisitivamente bem-favorecidas, é ainda pior. Neste sentido, o filme é interessante desde o prólogo sobre a tendência progressiva ao confinamento voluntário em prédios cada vez mais altos. Gosto do modo como a trama se desenvolve, ainda que a duração estendida faça com que algumas situações se tornam repetitivas, sobretudo aquelas que envolvem a vilania do personagem de Lee Byung-hun, caricatural às vezes. A fotografia adota tons crepusculares, do meio para o final, muito bonitos enquanto preparação para a mensagem (humanista) do desfecho. Fica-se evidente que a tônica da produção é mais entretenedora que efetivamente reflexiva, mas funciona nos dois sentidos - e não fica a dever aos melhores 'blockbusters' estadunidenses, não: a direção de arte impressiona. Amei, por exemplo, o cinismo da seqüência em que as regras do comitê de segurança são explicadas com os personagens olhando diretamente para a câmera! (WPC>)
Elementos
3.7 470A profusão de cores realmente chama a nossa atenção, bem como o apuro técnico e algumas piadas referentes às diferenças de condições sociais dos personagens. Porém, o roteiro deste filme é um engodo: além de a situação geral envolvendo o vazamento ser ignorada, de uma hora para outra, justamente quando atinge o seu apogeu, as situações que justificam os encontros entre os personagens são forçadas e pouco desenvolvidas. Vide a necessidade do Gôta em relação à manutenção de seu emprego, por exemplo. Como tal, o descompasso incomodou-me, não consegui mergulhar a contento no filme, a despeito de ele continuar a clássica oposição entre desejos dos filhos X anseios dos pais no enredo. Minha mãe curtiu; eu fiquei desconfiado. Na pior das hipóteses aplicativas, serve como sintoma evidente de uma crise criativa! (WPC>)
As 4 Filhas de Olfa
3.8 35 Assista AgoraTalvez por não ter apreciado o longa-metragem ficcional (igualmente indicado ao Oscar) anterior da diretora ou talvez por desconfiar do oba-oba mui elogioso, desde o Festival de Cannes, desconfiei deste filme e procrastinei a imersão espectatorial. Erro meu, completamente meu: o filme, além de ser inteligentíssimo em suas diversas camadas de metalinguagem e contestação feminista 'avant la lettre', é também muito intenso nas proposições afetivas que são negociadas (e permitidas) pelas personagens reais. Amei a coragem de uma das garotas ao insistir que já lidara com aquelas situações em terapia, de maneira que estava pronta para reconstituí-las cinematograficamente. As reviravoltas da trama são impressionantes, bem como a simpatia de todas as mulheres envolvidas, que encaram de maneira firme e bem-humorada situações que, noutra conjuntura fundamentalista, seriam consideradas "desonrosas". Montagem primorosa, entrosamento entre o elenco, idem: achei primorosa a idéia de fazer com que um único homem representasse todos os papéis masculinos. Genial em múltiplas escalas, fiquei impressionado! (WPC>)
As Testemunhas de Jeová Resistem ao Ataque Nazista
2.7 6Era óbvio que esta produção - que sequer assume os créditos de direção - adotaria um tom catequético na narração, com ênfase para as benesses heróicas dos religiosos mencionados no título. Porém, a despeito disso, a pesquisa histórica é bem fundamentada e os eventos - ainda que discursivamente exacerbados - procedem: de fato, os Testemunhas de jeová passaram por muitas perseguições, foram realmente confinados em campos de concentração e, conhecendo por dentro alguns membros, levam essa questão não-armamentista muito a sério. Estranhei o tom de alguns depoimentos (o de Thomas Mann, por exemplo) e o formato, claro, é extremamente convencional. Mas não é um filme de todo desprezível! (WPC>)
Chama a Bebel
1.9 2Fiquei chocado quando confirmei que a atriz que interpreta a protagonista tem apenas 15 anos, de fato: sua personagem parece bem mais velha e madura - e dotada de um otimismo profissional e excessivamente seguro que se insurge como primeiro problema, numa lista de defeitos que exige muita "concessão", por parte dos espectadores, em relação à excessiva ingenuidade (e à inverossimilhança de algumas seqüências) no roteiro. Primeiramente, não se nega que a também produtora associada Giulia Benitte é tão precoce e carismática quanto a personagem-título. Mas convertê-la numa heroína-líder súbita, como acontece no filme, é demais. Talvez se reclame que, por não ser uma pessoa com deficiência, ela não devesse interpretar uma cadeirante, mas não entrarei nesse mérito: afinal, salvo por uma ou outra frase de efeito sobre acessibilidade e inclusão, isso é espertamente secundarizado pelo enredo, conforme explicado na narração inicial. Porém, as contradições elementares da militância privilegiada são escancaradas aqui, no sentido de que, por mais bem intencionada que seja, Bebel enxerga apenas àquilo que tem acesso, e seu convívio social é predominantemente elitizada, mesmo que a tachem de pobre e/ou caipira. Segundamente, é mister elogiar o entrosamento do elenco, mesmo que os vilões sejam excessivamente caricatos (Marcos Breda imita alguns cacoetes bolsonaristas - gostei!). E, terceiramente, com todos os defeitos do filme e com os seus exageros ativos (o pantim de Zico, por exemplo, quando não quer mais ser amigo dos personagens), sua mensagem é afirmativa e necessária: gostei muito dos exemplos verídicos compartilhados nos créditos finais e, se analisarmos bem, a falta de punição para os criminosos, no filme, talvez ecoe a desesperança transformadora da realidade, no que tange à identificação dos efetivos culpados pela destruição dos bens naturais do planeta. Na verdade, isso também evidencia um discurso inassumidamente conciliador, típico da conjuntura classista em que se passa a ação. Mas esse talvez (talvez, talvez) seja outro debate, bem mais extensivo ao que o roteiro traz à tona... (WPC>)
Sparta
3.8 2De coração, fico imaginando o que este diretor sente ao despertar: para que tanta amargura e desconfiança nas pessoas, meu Deus? Para que tanta misantropia? A despeito disso, o cara sabe sabe dirigir muito bem, ainda que os pressupostos de roteiro nem sempre sejam os melhores, no seu afã pelo choque. Aqui, ele acerta em cheio, ao criar um paradoxo de múltiplas repulsas, no sentido de que, por mais aberrante que sejam as motivações e comportamentos do protagonista, há pessoas ainda piores que ele. De fato, há muita polêmica e controvérsia acerca de como foi consentido que os atores mirins (que nem eram atores, em verdade) fossem expostos daquele jeito, mas há "justificativas internas" para as situações. Isso as justifica? Não saberei responder, mas achei ótima a maneira como o filme é conduzido. Hipnótico e divisivo do início ao fim. Perturbador e reflexivo. Um trabalho a ser debatido, portanto. (WPC>)
Rimini
3.5 3 Assista AgoraVi SPARTA antes desse e gostei bastante. Achei ótimas as rimas e/ou situações mui similares entre os dois filmes, nas seqüências passadas no asilo, sobretudo. Mas achei a trama cansativa e repetitiva aqui: o protagonista possui uma simpatia dúbia, e quase cheguei a torcer por ele, no sentido de manifestações esperançosas de afeto eram percebidas nalguns momentos. Porém, o mote tramático da filha cobrando dinheiro ao pai ausente não se sustenta como interesse roteirístico dominante. Na maior parte do tempo, o filme é um porre, infelizmente. Gosto dos enquadramentos, da fotografia sardônica da praia em neve, de alguns números musicais... Mas a longa duração atrapalha um pouco! (WPC>)
Meu homem
3.3 6Depois de vários roteiros explicitamente misóginos, o diretor permite um protagonismo feminino, merecidamente agraciado em premiações: Anouk Grinberg está maravilhosa, como uma protagonista voluntária com "uma mente feliz e uma bunda feliz". A primeira cena de sexo com Gérard Lanvin é magnífica (que entrega, que coreografia de corpos, que uso eloqüente da trilha musical elegíaca!) e a entrada em cena do Olivier Martinez é mui oportuna. Ri nalguns momentos e projetei-me emocionalmente na maior parte deles. A amoralidade do realizador permanece manifesta, mas condicionada aos anseios de sua protagonista, cujo ponto de vista é respeitado, antes daquelas reviravoltas espantosas que o Bertrand Blier concebe como ninguém. Muito boas aos chistes cancionais envolvendo o Barry White e é encantadora a simpatia de Valeria Bruni Tedeschi. Uma graça de filme! (WPC>)
Linda Demais para Você
3.5 9Li, nalgumas publicações, que este seria "o filme mais acessível" do diretor. Paradoxalmente. achei o mais difícil de ser acompanhado, por causa de sua atmosfera onírica, que mistura vários tempos distintos, desaguando num desfecho que beira o surrealismo, na maneira como os personagens reagem ás músicas schubertianas, que às vezes são executadas diegeticamente; às vezes, não. A cena em que Josiane Balasko tenta assobiar algo deste compositor e, ao invés disso, sai a trilha de Francis Lai para UMA HISTÓRIA DE AMOR é ótima, no que diz respeito às diferenças de classe entre ela e o seu amado, demonstrando que, apesar de título e diálogos insistirem em comparações sobre aparência física. há muito mais em evidência nas escolhas românticas que fazemos. Carole Bouquet está esplêndida e Gerard Depardieu incorpora uma personificação bem mais insegura, no cotejo com as colaborações anteriores e numerosas com este diretor. O clima é de pesadelo, com momentos belíssimos de breve felicidade erótica. Mexeu pessoalmente comigo, irei revê-lo, eis uma certeza! (WPC>)
Preparem seus Lenços
3.6 23Incitado por alguns cinéfilos mais conhecedores desta filmografia inusitada, resolvei empreender uma mini-maratona com seus filmes, já conhecendo o lastro amoral de seus enredos e uma tendência inequívoca à misoginia. E, como tal, surpreendi-me com o que acontece aqui: como a Academia conseguiu premiar um filme tão provocativo? (risos) E, diversos momentos, parece que as seqüências foram filmadas como se fossem "pegadinhas", com vários transeuntes olhando persistentemente para a câmera, enquanto as situações acontecem. Gerard Depardieu está lindo e intransigente (risos) e Patrick Dewaere é um ótimo contraponto. Cabe a Carole Laure uma personificação mui delicada, que fica ainda mais complexa quando o garotinho precoce entra em cena. Amei a progressiva conversão das músicas de Mozart como uma espécie de personagem coletivo à parte. Graças a este efeito, o desfecho é ainda mais impactante, em sua aparência de traição schubertiana. A fotografia cria quadros maravilhosos, nas cenas da biblioteca e naquela conclusão surpreendente. Gostei muitíssimo: fiquei com muita vontade de ver mais filmes do diretor, mesmo incomodado com a fetichização e objetificação da mulher, ofertada como um mero bibelô para outrem... (WPC>)
A Sociedade da Neve
4.2 720 Assista AgoraÉ perigoso falar mais de filmes baseados em eventos reais, mas... Vamos lá: não gosto desse diretor. Acho-o um carniceiro, que está para o drama tanto quanto o Roland Emmerich está para a ficção científica. Ele não hesita em fetichistar ao máximo - com suas habilidades técnicas mui premiadas - as cenas de catástrofes e acidentes, privilegiando os destinos salvacionistas de alguns personagens, em prol de dezenas de pessoas que morrem, para satisfazer a sua sanha carniceira. E encontra um prato cheio aqui: se já existem versões marcantes de René Cardona (que ainda não vi, mas conheço a repercussão) e de Frank Marshall (que marcou a minha geração) para a mesma trama, para que canibalizar midiaticamente esta situação, mais uma vez? O diretor justifica esta necessidade de "toque pessoal" através do impacto que sentiu quando leu o livro no qual o roteiro foi baseado, mas... Para quê? E a resposta surge de maneira descarada: para fazer exatamente aquilo de que acusaram o Steven Spielberg quando encetou A LISTA DE SCHINDLER. Mas sem a mesma competência ou entrega íntima. O Bayona é um preciosista sem o lastro humanista requerido, por mais que exercite isso de maneira ainda tímida em SETE MINUTOS APÓS A MEIA-NOITE. E o resultado, como não poderia deixar de ser, e catastrófico, em todos os sentidos: a abertura e o desfecho são muito bons, por explorar os sentimentos legítimos dos personagens, enquanto pessoas (não apenas sobreviventes), mas o longo miolo sádico é sobremaneira problemático, pois faz com que o prazer do diretor na contagem de mortos fique escancarado. Fosse o Lucio Fulci ou o Jörg Buttgereit na condução, eu acharia o resultado mais honesto. É um filme que tortura o espectador, quiçá de maneira intencional, a fim de evidenciar que o que está sendo narrado é doloroso, de modo que, ao final, condoemo-nos em relação aos destinos de quem sobrevive, naquelas condições, mas... Puxa, que perversidade. Que sanha cumulativa de malevolências. Detestei O IMPOSSÍVEL, senti algo parecido aqui. Admito que a trilha musical do Michael Giacchino é linda e que vários aspectos deste filme merece os prêmios que receberá, mas... A que custo emocional e moral, urgh! (WPC>)