MANIFESTO DE RETORNO À ZHANG YIMOU: Coming Home (归来, 2014)
A grande Gong Li retomando os trabalhos com o diretor que no passado formava com ela uma das maiores, senão a maior parceria da história do cinema chinês. Esta nova pérola do diretor é muito diferente de seus últimos filmes. Não tem cores quentes, aquela fotografia pictórica pela qual o diretor ficou conhecido.
Pelo contrário, este trabalho concentra o poder de envolvimento da história quase que inteiramente na performance dos atores. Todavia, aquele distanciamento da narrativa com o espectador da fase inicial de Zhang Yimou se perdeu em seus filmes contemporâneos, não vemos mais aquela construção da emoção gradual envolvendo o distanciamento dos personagens e as particularidades hierárquicas da cultura chinesa, que outrora transcendiam a tela com metáforas e alusões, parecem agora vagar numa diluição, a possível consequência do olhar de Yimou filtrado pela linguagem do cinema hollywoodiano.
Como sugere o título americano, "Coming Home" parece ser um tentativa engajada de voltar para casa, de reencontrar aquela linguagem das sutilezas que fizeram o seu cinema ser conhecido. Lembremos de "Lanternas Vermelhas" (1991) ou de "Sorgo Vermelho" (1987), filmes do auge autoral de Zhang Yimou. Eles mostram com um olhar sensível e perspicaz a personalidade de seus indivíduos, a emoção pelo ator transforma-se numa ferramenta que precisou ser utilizada sob medida e com um distanciamento crucial a expressar a sutileza da história e daí, um desfecho inesquecível dava a impressão máxima de naturalismo.
A fotografia era um elemento que comunicava mais o interior dos personagens que o próprio diálogo, levando em consideração o vermelho em ambos aqueles filmes. Em "Coming Home", as cores cinzas conseguem também nos fazer imaginar os sentimentos daquelas pessoas, as angústias decorrentes da revolução cultural e o desespero das condições sociais que atormentavam os chineses. Entre os filmes iniciais e este, muito ocorreu para o diretor, as andanças pela cultura americana proporcionou maior reconhecimento e, no entanto, distanciamento da linguagem inicial na criação de um olhar americano que impregna as histórias chinesas com seu moralismo típico. São Filmes que de uma forma ou de outra parecem afetar o espectador com uma emoção vazia comum ao cinema hollywoodiano de certa época.
No entanto, a forma seca e realista - com a qual Zhang Yimou projeta a história desta mulher que sofre pela memória - questiona suas obras americanizadas como "Flores do Oriente" (2011), apontando o caminho que o diretor parece seguir de RETORNO. Tal déjà vu que temos aqui é de um cinema delicado, humano e - acima de tudo - autoral, podendo ser um pequeno presságio daquilo que nos aguarda.
É possível que seja meu filme favorito de Chabrol por várias questões: o trabalho com a sexualidade, a menção tão explícita deste assunto entre mulheres já naquela época, as desilusões vividas pelos protagonistas e, especialmente, a maneira como St. Tropez abraça todos estes personagens, cidade conhecida pelo luxo e pela ostentação, revelando aqui o elemento simbólico que auxilia na construção dessas aparências. Desvaindo-se lentamente, as máscaras caem e fica a escuridão daqueles sentimentos.
Quem esperava este prelúdio da obra-prima de Woody Allen - "Crimes e Pecados" (1989)? Claro que sempre foi um tema muito discutido desde a bíblia, desde a obra dostoievskiana, mas esta antecipação fílmica chabroliana me tirou o ar. Stéphane Audran fica nas sombras de Michel Bouquet que aparece nesta obra em toda subjetividade fílmica. Filme cheio de imagens interessantes e com uma fotografia ilustre. Achei de muito bom gosto as cenas filmadas na praia, elas remetem às cenas litorais de "Bela da Tarde" (1967), além da construção dos créditos (conhecido em francês como 'générique') que se dá de uma forma singular.
Absolutamente maravilhoso. A maneira com a qual Chabrol mélange o drama pelo olhar do marido, diante da situação traíra em que ele se encontra, com a identificação projetada pelo espectador diante da construção do suspense é fundamental ao cinema enquanto filme cinéfilo, aqueles filmes que criam odes às grandes obras hitchcockianas e a tantos outros suspenses que construíram a história da influência do cinema americano. É um filme de autor, indubitavelmente. Ele traz uma sensibilidade pela música que se diferencia de suspenses rotineiro a uma história que se foca nas subjetividades e na moral, especialmente, do marido, tema ético que ele iria problematizar ainda mais em "Ao Anoitecer" de 1971. Até agora, ao lado de "As Corças" de 1968, esta idílica mulher infiel permanece como as obras-chaves da trajetória chabroliana, em todo seu suspense subjetivo que a sessão permite.
Depois de Cruising virar INTERIOR, BAR DE COURO. O QUE SOBROU PARA A IMAGINAÇÃO? Pergunto. O filme é a discussão em si que ele propõe: a rejeição de um mundo que se aceitou heterocêntrico com as normas e suas necessidades pautadas na monogamia heterossexual, elas ditam aquilo que os outros devem ver e sentir. A execução de Franco pode se perder muitas vezes no fato de que o filme parece estar em dúvida se ele é um documentário ficcional ou uma ficção documental. Apreciadores de CRUISING, filme-bomba do início dos anos 80, poderão renegá-lo por isso até o momento de assisti-lo, admitindo que - de fato - não há intenção em recriar a obra de Friedkin, mas sim de utilizar ela apenas como um artifício para a sua discussão que perpassa os tais quarenta minutos cortados. A FARSA de Franco surpreende por nos mostrar que o ator principal, seu amigo de longa data e aquele que iria ser o primeiro a censurar o conceito do projeto, representaria naquele momento a mesma ferramenta que havia ceifado a liberdade artística de outra obra décadas antes. Expressão da sexualidade, os limites do ator e o papel social da ferramenta fílmica são os personagens desta discussão. Ao meu ver, a discussão é interessante até certo ponto, pois existe uma questão proposta pelo ator protagonista que, neste mundo do EXPLÍCITO, poderia por em cheque o norteador de Franco ("What about imagination?").
O exercício em cima da direção, acima do trabalho de atuação, proposto por Bresson, nas suas notas sobre o cinematógrafo, aparece com toda majestade em PICKPOCKET. Elemento que não é passageiro, mas gradual, diante do olhar construído em "Diário de um pároco de aldeia", atribuído a uma estética naturalista de suspense em "Um condenado escapa à morte". Seu olhar se apropria dos sons realistas, mas sem tornar-se completamente documentarista. A manipulação do som e seus efeitos marcam momentos específicos no drama de seus personagens. O tom seco e amargo não sente pena ou lhes consola, porém eles são vistos com uma verve humana, plena de amplitude e possibilidades, dentro daquilo que é singular e independe da razão. Estamos diante de uma obra atemporal.
PÉROLAS DA DÚVIDA Há sempre diálogos interessantes no trabalho de Cukor e eles provocam de alguma forma o pensamento de temáticas extremamente atuais, como é o caso da psicologia na personalidade e no caráter dos indivíduos em SYLVIA SCARLETT. A cena inicial em que Katharine Hepburn corta o cabelo pode ter sido uma das primeiras vezes que Hollywood viu tamanha questão de gênero ser colocada em prática pelas mãos de um personagem feminino. Transformando-se em Sylvester, ela pretende ajudar seu pai a sair de uma enrascada na França. No caminho, ela e seu pai encontram o trapaceiro personagem de Cary Grant. Depois disso, o filme vai costurando os comportamentos de seus personagens, os seus amores são tratados com tons de deboche, ninguém mais parece saber quem gosta de quem.
Típico de Cukor que sempre pareceu gostar de brincar um pouco com os nervos e a natureza humana, ainda com sua apreciação pelo teatro, ele vestiria os protagonistas de Pierrot num show meio mambembe. A criação é deliciosa, todavia tem apenas um drama que por de baixo dos manos pode vir a cutucar, especialmente, o espectador atual ao longo da sessão. Isto é, a questão de gênero proposta pelo filme, em cenas emblemáticas como um beijo entre duas mulheres, sendo uma tomada pelo seu disfarce na ficção e fora dela, todo mundo que assiste ao filme sabe que não se trata de um homem disfarçado e uma mulher, mas sim de Katharine Hepburn e outra mulher. Dá para dissecar também o momento em que a personagem deseja mostrar sua feminilidade com um vestido que consegue na praia, mas a primeira reação do pintor é a do deboche, ele não podia crer que um garoto se revelaria uma garota tão desajeitada. Tratamos aqui de um filme interessante a ser tratado e compreendido em seu contexto de produção, uma verdadeira pérola.
TEN FEET TALL. Descubro finalmente um filme parente de época & ideologia para "Tudo que o céu permite" de Douglas Sirk e não apenas pela recepção & ressignificação francesa dos anos 60. BIGGER THAN LIFE possui planos de extrema genialidade ao retratar obscurantismos, inúmeros críticos apontam para a vontade de Nicholas Ray em trabalhar a marginalidade, personagens que precisam escapar de alguma situação. Dentre os inúmeros momentos simbólicos, quando Ed diz a sua esposa que eles são "dull" como muitos outros casais, explode a principal ideia do filme, seu asco de início pelos personagens aos quais ele dá vida. O final, então, não poderia funcionar melhor, é justamente em sua artificialidade que fica a chave de uma caixa e ele não poderia agradar ninguém com três rostos apertados como para um retrato de festa de aniversário, este senso de felicidade contrapõe as pragas que saem da mesma caixa. Talvez apenas a droga principal não precisaria ser mencionada, como sugeriu posteriormente a decepção do autor, pois a grande questão do filme é o psicológico e o consumo do estilo de vida americana (e o resto? detalhes, detalhes..). Após a sessão, o estupro das imagens, das sombras expressionistas e do talentoso staging de Ray, que a imagem no espelho quebrado na face de James Mason permaneça intacta na minha memória como a de Jane Wyman refletida no televisor.
Um dos triunfos de MA VIE EN ROSE é saber conversar uma temática difícil por meio de uma linguagem inspirada pela sensibilidade KITSCH e ainda demonstrar fidelidade ao seu protagonista. Conhecer o imaginário de outra pessoa nem sempre é uma experiência primorosa, há no filme de Alain Berliner a virtude de uma experiência como essa, no caso de Ludovic, suas cores encontram balanço no exagero e os desejos encontram o escape pelos sonhos do mundo das bonecas, em que o entendimento do outro e o respeito a partir disso nos é pedido de maneira própria àquela que também acometem os indivíduos próximos do garçon-fille, um garoto que tem o seu olhar do mundo transposto filmicamente. Experiência do imaginário de outro em sutilezas, o cuidado francês do filme em dosar a militância gay prova uma outra faceta de humanidade também oferecida em filme.
Considerado o primeiro melodrama de peso produzido por Douglas Sirk antes de inventar-se através do cinema americano, quando ainda assinava seu trabalho como Detlef Sierck, "A Garota do Pântano" ("Das Mädchen vom Moorhof"/1935) abre caminhos cinematográficos a um dedicado diretor de montagens teatrais.
É um filme que se desvia dos elementos da obra em que se baseia, o livro da escritora sueca Selma Lagerlöf, transpondo à comando da UFA, estúdio emblemático de produção alemã da época, a história sueca para o norte campestre alemão. Trata-se de uma construção bucólica com camponeses e uma base religiosa enraizada, onde nasce uma paixão sirkiana, tipicamente impedida pelos moldes sociais ou como veríamos mais tarde em seus emblemáticos melodramas hollywoodianos.
Mesmo com o seu trabalho em realismo poético comparado à Renoir e Dreyer, já se pode ver as características de um filme sirkiano: o cuidado estético com a câmera, no que diz respeito ao trabalho simbólico dos objetos, do espaço, dos reflexos em função de seus personagens; mas acima de tudo, do entendimento da ironia por meio da narrativa, são personagens que fazem escolhas que muitas vezes são ridículas em troca de felicidades individualistas que dizem, então, sobre o coletivo.
A forma como Sierck-Sirk desde o início de sua carreira consegue construir suspense em torno de uma ironia é inestimável, torcemos para que o casal principal fique junto, a inventividade da estética nos intima às identificações antes da metade do filme para chegarmos ao final com o amargor de uma resolução aparentemente feliz, velada de ilusão e ironia.
Assista esta raridade enquanto ela ainda nos é disponível:
Um filme brilhante, uma das obras mais modernas do Novo Cinema Alemão. Fassbinder conta em "Anarquia da Fantasia" (1988) da sua relação com a obra de A. Döblin e, especialmente, do celebre personagem de Franz Biberkopf. A maneira como Döblin constrói a decadência do personagem, além da sua impotência diante de um destino cruel, inspira Fassbinder a nomear homonimamente seu personagem. Em "O Direito do Mais Forte" (1975), acompanhamos a existência de um desgraçado, um homem envolto por dificuldades cruéis e obstáculos simbólicos (a sofisticação imposta pelo namorado, o conflito psicológico entre suas conquistas e interesses) que estão diluídos inteiramente pela vida social. Um filme que parece exercitar muitos dos elementos de "O Medo Devora a Alma" (1974), trazendo demasiadamente a estética metódica de Douglas Sirk e os enquadramentos cheios de significado, porém levando tudo isso ao fundo do poço, trazendo uma obscuridade poucas vezes vista no cinema, menos ainda se relacionada à homossexualidade. A marginalidade inunda a tela em discussões sociais, mostrando a própria delimitação do universo gay com a contradição entre exclusão e elitismo. Perceba como a câmera de Fassbinder atravessa os espaços e desnuda os seus personagens, construindo situações com uma frieza que não é necessariamente vazia, mas - pelo contrário - há uma atmosfera, um desejo que transita como um desespero em meio a tantas maldições. É um dos filmes mais maduros sobre a homossexualidade de que temos notícia e a sua discussão não cansa de se reproduzir mesmo hoje.
Um pré-code sem o menor pudor de cair na sordidez, daqueles que a gente adora quando vê tudo cair matando sem deixar por menos a ironia do destino do desfecho, daquelas em que o amoral triunfa ante ao bom moço! Três fumam o cigarro de um mesmo palito de fósforo, a metáfora deliciosa e inesquecível como o filme: que tudo acabe em fogo! Nesta obra particular de Mervyn LeRoy ("Little Caesar", 1930, assim como "Waterloo Brigde" 1940 e etc), a participação de Davis foi curta, porém enigmática para um começo de carreira.
Astaire e Rodgers transbordam a tela com graça e sofisticação, SWING TIME foi um dos melhores filmes de George Stevens e um dos mais populares do casal dançante. Com números luxuosos e belas interpretações, esta obra deleitosa fica na memória e imortaliza a simplicidade romântica dos anos 30 para os musicais, adentrando ao culto pop com gás total. Canções que fizeram outros artistas famosos mais tarde estavam já aqui, como "The way you look tonight" e "A fine romance", sem contar a belíssima "Never gonna dance".
Triunfo de displicência e incoerência fílmica, apesar de todos os esforços na contribuição entre Crawford e Sherman. A trama amorosa parece tão instigante quanto a ideia de imaginar a atriz como uma mulher do congresso, lê-se: nulo. Adeus à pertinência, deveria ser o título original de “Goodbye, My Fancy”. Sendo um fã, esforçamo-nos a ver de um tudo, quem sabe num futuro bem distante e noutra galáxia esta experiência revele outros frutos...
É daqueles melôs hollywoodianos adoráveis que por trás da carcaça idílica e plástica sandradee-iesca revelam solidão e tragédia humana com a dose certa e sem perder a pose no beijo do final feliz. É quase como um exercício que se repetiu em filmes sirkianos ou em filmes como, sei lá, PEYTON PLACE?! Num jornal da época, um comentarista brilhantemente disse que tem gente que foi só para ver uma classy Joan Crawford em alta estirpe mesmo como coadjuvante, na pele da editora-chefe que menos aparece em relação às protagonistas e que parece deixar o filme vazio ao sair de cena. É engraçado e campy o comentário, mas na verdade a tela fica bem cheia mesmo sem o douramento da cabeleira de Crawford, é quase como um Sex and the City milhões de anos atrás, quase como se tudo que o sexo representou ali em meio às traições e os dilemas do ser humano fosse capaz de diluir a tela em folhetinagem e vidas reboladas pelo glamourous way of the new-yorkers. Swell, né não?
Este é um verdadeiro MISTÉRIO, uma obra sombria e inspiradora. Les Yeux Sans Visage no auge da sua construção estética e, inspirando hoje a obra de Almodóvar, trará sempre milhões de questões à discussão. Com seus traquejos de linguagem e a belíssima fotografia em preto e branco, revela (ou esconde) muitas facetas da condição humana e provocações aos valores científicos, um filme que por trás de sua máscara de cirurgia e intervenção estética vai além para questionar a autoridade do CRIADOR e parece-me querer sutilmente arrepiar o espectador com a proeza das inúmeras QUESTÕES que levanta e a própria genialidade de não respondê-las.
Absolutamente brilhante direção de Josef Von Sternberg, nesta pérola com Marlene Dietrich que interpreta uma imperatriz martirizada por todos e que se desafia a virar o jogo. Dá para sair babando da decoração lúdica por onde a câmera deste diretor austríaco atravessa os seus atores com símbolos e representações que equivocam a arte barroca, além de todo aquilo uso simbólico da iluminação e do close-up que ninguém faz parecido. Doando agora os órgãos por esta obra magistral e soberba em sua moralidade que tece construções de valores a se pensar sobre, eternamente! A ser revisto com urgência.
É uma obra-prima [a ser redescoberta] no que diz respeito ao gênero musical, digna de outros como “O Picolino” e “Caçadoras de Ouro”. Daqueles filmes inesquecíveis dos anos 30 que transportam ainda o espectador à outra época. Esta da sensualidade feminina por trás de retilíneos vestidos com franjas, chapéus circulares; dos homens galanteadores com suas cartolas e gravatas borboletas e do *Let’s be “gay” and swell [american] way of life*. Dancing Lady possui um timing incrível e faz suas gags funcionarem de um maneira que não sobrepõe o trabalho dramático do trio principal: Joan Crawford, Franchot Tone e Clark Gable. O trabalho sensível de Crawford surpreende, mesmo no início de seus trabalhos como protagonista e mostra como outra atriz na época poderia ter tombado a personagem em exageros e maneirismos, porém até no olhar da atriz encontramos sutileza e sofisticação, assim como a construção dos números musicais e a indescritível participação de Fred Astaire como ele mesmo, um dos deuses da dança! Produção luxuosa de O. Selznick com números musicais fantásticos e muitos momentos inesquecíveis.
Tem algo de fascinante no roteiro de Sacha Gervasi e de cinéfilo também. A maneira com a qual a estética desta recente produção trouxe o fascínio pela figura do celebre realizador britânico ganha os holofotes que garante a notoriedade. De fato, tem muita coisa boa aqui que não passa em branco, pois vai além do que um documentário em extra de dvd faria, esta produção ousa dramaturgicamente a tramar dentro da cabeça do mestre.
Com intrigas e um leque aberto de diferentes emoções expressas, o filme Hitchcock (2012) triunfa em seu engajamento de pesquisar a vida do mestre e entrevistar todos aqueles vivos que permitiriam se conhecer um pouco mais de como era Hitch em sua vida pessoal e, porém, fica por aí. Há coisas que se transbordam no filme, como a insistência em sugerir traição de casamento e banalizar a questão da figura da loira misteriosa para o mestre. Tem uma coisa de charme, quando se pega para ler estes livros que pesquisam as loiras da vida de HItchcock, o melhor que conseguimos ali é um distância necessária do ponto de vista da narrativa para não banalizar aquele fascínio ou qualquer coisa que nunca poderíamos de fato descrever, não caindo no erro deste filme de torná-la apenas uma tara de um velho gordo e sem nuanças. Ainda que fosse isso ou que o seu casamento tivesse sido abalado na época, talvez outras abordagens sejam mais propícias.
Existe no universo do cinema um segredo que não falha, o da sugestão. Antes se tivesse aprofundado os mistérios de um diretor obcecado com o seu filme, como pareceu brilhantemente realizar em muitos momentos. A banalização distancia o espectador do universo fílmico e da impressão de realidade, tornando aqueles suspenses mais dignos de série policial de segunda mão do que de um bom filme. Citando HItch dentro deste filme, sabe aquele filme que foi feito e ficou lá sentado, mas nunca veio à vida. Exceto pelas belas imagens e pela construção de época, demasiadamente divertidas.
É uma obra-prima a ser encontrada nas listas dos filmes mais emblemáticos da história do cinema americano. É interessante como John Huston tinha um potencial para fazer filmes que não eram esquecidos. Bogart genial em seu portrait pleno de nuanças da ganância e das ambições humanas. O clima árido da história se transpõe através da fotografia e chega ao espectador como uma experiência única, vivemos a trajetória daqueles homens em suas misérias e emoções. Que presente idílico este de John Huston de permitir ao pai de estrelar num papel tão ressignificante, genial, magnífico e inesquecível: Walter Huston trouxe uma comicidade inexplicável ao seu personagem que se mostra complexo e maduro. O entrelaçar da vida entre estes indivíduos nos revela um significado universal da relação entre os seres humanos e por trás da música de Max Steiner aquele gostinho de assistir a um filme atemporal.
Imperdível a oportunidade de assistir ao filme pela edição da Warner em Blu-ray 3D+2D que está impecável! Pela primeira vez no Brasil, o filme foi lançado com o formato de tela original de cinema, widescreen e com uma resolução impecável. Todos sabem do carinho que Hitchcock tinha pelas suas peças teatrais, ele sempre dizia que quando faltava-lhe ideia para realizar um novo filme o grande truque erar pegar uma peça de sucesso e adaptá-la. No entanto, o celebre diretor não modificava muito os textos originais teatrais, o que ele tinha o dom de fazer era transformá-los em linguagem de cinema com sabedoria e um talento imensurável na hora de enquadrar e montar as suas obras. Um filme cheio de truques deliciosos e uma decoração formidável, palco de Grace Kelly e seus amantes, neste suspense lendário e inesquecível.
Há poucas histórias no mundo que foram contadas com a frequência de Casablanca e a minoria delas compartilham do impacto deste filme para a época. Em sua ideologia, sensibilidade e técnica, uma obra onde as peças se encaixam e um time gigantesco conseguiu encontrar sintonia ao conceber uma filme atemporal. A estrutura da narrativa conduzida com uma proficiência nunca mais vista, tempos de ouro na Warner Bros. Cada elemento aparece como se estivessem numa pintura neoclássica, dando sentido às formas e tornando imagens em ícones. Rick melancólico em seu bar derrama a bebida, sugerindo aquele mesmo deslize de Ilsa quando se beijaram na Paris dos dias felizes. Um filme que se faz metonímia de outros milhares de sua mesma época, em que o desespero assolava os corações de cada estadunidense. O triunfo de Casablanca está na sua maneira justa de nos mostrar o desespero daquelas pessoas, com doses homeopáticas de olhar documental, mas tratando o seu palco com um belo romance, símbolo de muitas coisas além do entretenimento da indústria do cinema: emblemas de sacrifício e maturidade ao longo de uma das canções mais inesquecíveis do cinema. A ser revisto para sempre! <3
Exemplo emblemático das comédias lançadas durante a guerra: divertidas e escapistas. Ingênuas? Apenas se desconsiderarmos o discurso ideológico oculto por trás delas, mas além disso está a necessidade da época de fuga aos desesperos e à grande crise de uma grande guerra. I MARRIED A WITCH é um filme a ser destacado pela sua duração, um filme exímio em montagem, honrado por suas atuações deliciosamente teatrais.
NASCIDAS EM VERMELHO ESCARLATE Uma narrativa absolutamente fascinante, na qual Jean Harlow ascende à tela em chamas de perversão, sensualidade e ambição. É um filme que me faz pensar na obra enigmática de Bette Davis, Jezebel (1938). Ambas obras discutem o papel da mulher numa sociedade patriarcal de épocas distintas, diante do desejo de transgredir as próprias amarras para exercer o próprio desejo e a própria feminilidade. No entanto, os limites dos próprios estúdios hollywoodianos, fundados em valores sexistas e conservadores ceifam de alguma forma a possibilidade fílmica de relatar a vida dessas mulheres. No filme de Davis, fica claro como a insubmissão da personagem aos valores tradicionais se desapegam na criação de uma heroína romântica e todos os valores amorais são cancelados pelo idílio de ser fiel ao seu homem. Nada disso é um dissabor, pois o filme é nada mais que um reflexo das suas condições de produção. O caso de Jean Harlow é completamente diferente, já que esta obra data de pouquíssimo tempo depois do código de censura e nos envolve em toda sua explícita perversão. Ambas as personagens possuem uma construção de personalidade moldada na cor vermelha e como são filmes em preto e branco, está aí o momento-chave em que precisamos trabalhar a imaginação. É se deliciar em todas aquelas sugestões fílmicas.
Amor Para a Eternidade
4.0 52 Assista AgoraMANIFESTO DE RETORNO À ZHANG YIMOU: Coming Home (归来, 2014)
A grande Gong Li retomando os trabalhos com o diretor que no passado formava com ela uma das maiores, senão a maior parceria da história do cinema chinês. Esta nova pérola do diretor é muito diferente de seus últimos filmes. Não tem cores quentes, aquela fotografia pictórica pela qual o diretor ficou conhecido.
Pelo contrário, este trabalho concentra o poder de envolvimento da história quase que inteiramente na performance dos atores. Todavia, aquele distanciamento da narrativa com o espectador da fase inicial de Zhang Yimou se perdeu em seus filmes contemporâneos, não vemos mais aquela construção da emoção gradual envolvendo o distanciamento dos personagens e as particularidades hierárquicas da cultura chinesa, que outrora transcendiam a tela com metáforas e alusões, parecem agora vagar numa diluição, a possível consequência do olhar de Yimou filtrado pela linguagem do cinema hollywoodiano.
Como sugere o título americano, "Coming Home" parece ser um tentativa engajada de voltar para casa, de reencontrar aquela linguagem das sutilezas que fizeram o seu cinema ser conhecido. Lembremos de "Lanternas Vermelhas" (1991) ou de "Sorgo Vermelho" (1987), filmes do auge autoral de Zhang Yimou. Eles mostram com um olhar sensível e perspicaz a personalidade de seus indivíduos, a emoção pelo ator transforma-se numa ferramenta que precisou ser utilizada sob medida e com um distanciamento crucial a expressar a sutileza da história e daí, um desfecho inesquecível dava a impressão máxima de naturalismo.
A fotografia era um elemento que comunicava mais o interior dos personagens que o próprio diálogo, levando em consideração o vermelho em ambos aqueles filmes. Em "Coming Home", as cores cinzas conseguem também nos fazer imaginar os sentimentos daquelas pessoas, as angústias decorrentes da revolução cultural e o desespero das condições sociais que atormentavam os chineses. Entre os filmes iniciais e este, muito ocorreu para o diretor, as andanças pela cultura americana proporcionou maior reconhecimento e, no entanto, distanciamento da linguagem inicial na criação de um olhar americano que impregna as histórias chinesas com seu moralismo típico. São Filmes que de uma forma ou de outra parecem afetar o espectador com uma emoção vazia comum ao cinema hollywoodiano de certa época.
No entanto, a forma seca e realista - com a qual Zhang Yimou projeta a história desta mulher que sofre pela memória - questiona suas obras americanizadas como "Flores do Oriente" (2011), apontando o caminho que o diretor parece seguir de RETORNO. Tal déjà vu que temos aqui é de um cinema delicado, humano e - acima de tudo - autoral, podendo ser um pequeno presságio daquilo que nos aguarda.
As Corças
3.7 20 Assista AgoraÉ possível que seja meu filme favorito de Chabrol por várias questões: o trabalho com a sexualidade, a menção tão explícita deste assunto entre mulheres já naquela época, as desilusões vividas pelos protagonistas e, especialmente, a maneira como St. Tropez abraça todos estes personagens, cidade conhecida pelo luxo e pela ostentação, revelando aqui o elemento simbólico que auxilia na construção dessas aparências. Desvaindo-se lentamente, as máscaras caem e fica a escuridão daqueles sentimentos.
Ao Anoitecer
3.8 7Quem esperava este prelúdio da obra-prima de Woody Allen - "Crimes e Pecados" (1989)? Claro que sempre foi um tema muito discutido desde a bíblia, desde a obra dostoievskiana, mas esta antecipação fílmica chabroliana me tirou o ar. Stéphane Audran fica nas sombras de Michel Bouquet que aparece nesta obra em toda subjetividade fílmica. Filme cheio de imagens interessantes e com uma fotografia ilustre. Achei de muito bom gosto as cenas filmadas na praia, elas remetem às cenas litorais de "Bela da Tarde" (1967), além da construção dos créditos (conhecido em francês como 'générique') que se dá de uma forma singular.
A Mulher Infiel
3.8 12Absolutamente maravilhoso. A maneira com a qual Chabrol mélange o drama pelo olhar do marido, diante da situação traíra em que ele se encontra, com a identificação projetada pelo espectador diante da construção do suspense é fundamental ao cinema enquanto filme cinéfilo, aqueles filmes que criam odes às grandes obras hitchcockianas e a tantos outros suspenses que construíram a história da influência do cinema americano. É um filme de autor, indubitavelmente. Ele traz uma sensibilidade pela música que se diferencia de suspenses rotineiro a uma história que se foca nas subjetividades e na moral, especialmente, do marido, tema ético que ele iria problematizar ainda mais em "Ao Anoitecer" de 1971. Até agora, ao lado de "As Corças" de 1968, esta idílica mulher infiel permanece como as obras-chaves da trajetória chabroliana, em todo seu suspense subjetivo que a sessão permite.
Interior. Leather Bar.
2.5 116Depois de Cruising virar INTERIOR, BAR DE COURO.
O QUE SOBROU PARA A IMAGINAÇÃO? Pergunto.
O filme é a discussão em si que ele propõe: a rejeição de um mundo que se aceitou heterocêntrico com as normas e suas necessidades pautadas na monogamia heterossexual, elas ditam aquilo que os outros devem ver e sentir. A execução de Franco pode se perder muitas vezes no fato de que o filme parece estar em dúvida se ele é um documentário ficcional ou uma ficção documental. Apreciadores de CRUISING, filme-bomba do início dos anos 80, poderão renegá-lo por isso até o momento de assisti-lo, admitindo que - de fato - não há intenção em recriar a obra de Friedkin, mas sim de utilizar ela apenas como um artifício para a sua discussão que perpassa os tais quarenta minutos cortados. A FARSA de Franco surpreende por nos mostrar que o ator principal, seu amigo de longa data e aquele que iria ser o primeiro a censurar o conceito do projeto, representaria naquele momento a mesma ferramenta que havia ceifado a liberdade artística de outra obra décadas antes.
Expressão da sexualidade, os limites do ator e o papel social da ferramenta fílmica são os personagens desta discussão. Ao meu ver, a discussão é interessante até certo ponto, pois existe uma questão proposta pelo ator protagonista que, neste mundo do EXPLÍCITO, poderia por em cheque o norteador de Franco ("What about imagination?").
O Batedor de Carteiras
3.9 117O exercício em cima da direção, acima do trabalho de atuação, proposto por Bresson, nas suas notas sobre o cinematógrafo, aparece com toda majestade em PICKPOCKET. Elemento que não é passageiro, mas gradual, diante do olhar construído em "Diário de um pároco de aldeia", atribuído a uma estética naturalista de suspense em "Um condenado escapa à morte". Seu olhar se apropria dos sons realistas, mas sem tornar-se completamente documentarista. A manipulação do som e seus efeitos marcam momentos específicos no drama de seus personagens. O tom seco e amargo não sente pena ou lhes consola, porém eles são vistos com uma verve humana, plena de amplitude e possibilidades, dentro daquilo que é singular e independe da razão. Estamos diante de uma obra atemporal.
Vivendo em Dúvida
3.4 9PÉROLAS DA DÚVIDA
Há sempre diálogos interessantes no trabalho de Cukor e eles provocam de alguma forma o pensamento de temáticas extremamente atuais, como é o caso da psicologia na personalidade e no caráter dos indivíduos em SYLVIA SCARLETT. A cena inicial em que Katharine Hepburn corta o cabelo pode ter sido uma das primeiras vezes que Hollywood viu tamanha questão de gênero ser colocada em prática pelas mãos de um personagem feminino. Transformando-se em Sylvester, ela pretende ajudar seu pai a sair de uma enrascada na França. No caminho, ela e seu pai encontram o trapaceiro personagem de Cary Grant. Depois disso, o filme vai costurando os comportamentos de seus personagens, os seus amores são tratados com tons de deboche, ninguém mais parece saber quem gosta de quem.
Típico de Cukor que sempre pareceu gostar de brincar um pouco com os nervos e a natureza humana, ainda com sua apreciação pelo teatro, ele vestiria os protagonistas de Pierrot num show meio mambembe. A criação é deliciosa, todavia tem apenas um drama que por de baixo dos manos pode vir a cutucar, especialmente, o espectador atual ao longo da sessão. Isto é, a questão de gênero proposta pelo filme, em cenas emblemáticas como um beijo entre duas mulheres, sendo uma tomada pelo seu disfarce na ficção e fora dela, todo mundo que assiste ao filme sabe que não se trata de um homem disfarçado e uma mulher, mas sim de Katharine Hepburn e outra mulher. Dá para dissecar também o momento em que a personagem deseja mostrar sua feminilidade com um vestido que consegue na praia, mas a primeira reação do pintor é a do deboche, ele não podia crer que um garoto se revelaria uma garota tão desajeitada. Tratamos aqui de um filme interessante a ser tratado e compreendido em seu contexto de produção, uma verdadeira pérola.
Delírio de Loucura
3.9 36TEN FEET TALL.
Descubro finalmente um filme parente de época & ideologia para "Tudo que o céu permite" de Douglas Sirk e não apenas pela recepção & ressignificação francesa dos anos 60. BIGGER THAN LIFE possui planos de extrema genialidade ao retratar obscurantismos, inúmeros críticos apontam para a vontade de Nicholas Ray em trabalhar a marginalidade, personagens que precisam escapar de alguma situação. Dentre os inúmeros momentos simbólicos, quando Ed diz a sua esposa que eles são "dull" como muitos outros casais, explode a principal ideia do filme, seu asco de início pelos personagens aos quais ele dá vida. O final, então, não poderia funcionar melhor, é justamente em sua artificialidade que fica a chave de uma caixa e ele não poderia agradar ninguém com três rostos apertados como para um retrato de festa de aniversário, este senso de felicidade contrapõe as pragas que saem da mesma caixa. Talvez apenas a droga principal não precisaria ser mencionada, como sugeriu posteriormente a decepção do autor, pois a grande questão do filme é o psicológico e o consumo do estilo de vida americana (e o resto? detalhes, detalhes..). Após a sessão, o estupro das imagens, das sombras expressionistas e do talentoso staging de Ray, que a imagem no espelho quebrado na face de James Mason permaneça intacta na minha memória como a de Jane Wyman refletida no televisor.
Minha Vida em Cor-de-Rosa
4.3 394 Assista AgoraUm dos triunfos de MA VIE EN ROSE é saber conversar uma temática difícil por meio de uma linguagem inspirada pela sensibilidade KITSCH e ainda demonstrar fidelidade ao seu protagonista. Conhecer o imaginário de outra pessoa nem sempre é uma experiência primorosa, há no filme de Alain Berliner a virtude de uma experiência como essa, no caso de Ludovic, suas cores encontram balanço no exagero e os desejos encontram o escape pelos sonhos do mundo das bonecas, em que o entendimento do outro e o respeito a partir disso nos é pedido de maneira própria àquela que também acometem os indivíduos próximos do garçon-fille, um garoto que tem o seu olhar do mundo transposto filmicamente. Experiência do imaginário de outro em sutilezas, o cuidado francês do filme em dosar a militância gay prova uma outra faceta de humanidade também oferecida em filme.
A Garota do Pântano
3.9 1Considerado o primeiro melodrama de peso produzido por Douglas Sirk antes de inventar-se através do cinema americano, quando ainda assinava seu trabalho como Detlef Sierck, "A Garota do Pântano" ("Das Mädchen vom Moorhof"/1935) abre caminhos cinematográficos a um dedicado diretor de montagens teatrais.
É um filme que se desvia dos elementos da obra em que se baseia, o livro da escritora sueca Selma Lagerlöf, transpondo à comando da UFA, estúdio emblemático de produção alemã da época, a história sueca para o norte campestre alemão. Trata-se de uma construção bucólica com camponeses e uma base religiosa enraizada, onde nasce uma paixão sirkiana, tipicamente impedida pelos moldes sociais ou como veríamos mais tarde em seus emblemáticos melodramas hollywoodianos.
Mesmo com o seu trabalho em realismo poético comparado à Renoir e Dreyer, já se pode ver as características de um filme sirkiano: o cuidado estético com a câmera, no que diz respeito ao trabalho simbólico dos objetos, do espaço, dos reflexos em função de seus personagens; mas acima de tudo, do entendimento da ironia por meio da narrativa, são personagens que fazem escolhas que muitas vezes são ridículas em troca de felicidades individualistas que dizem, então, sobre o coletivo.
A forma como Sierck-Sirk desde o início de sua carreira consegue construir suspense em torno de uma ironia é inestimável, torcemos para que o casal principal fique junto, a inventividade da estética nos intima às identificações antes da metade do filme para chegarmos ao final com o amargor de uma resolução aparentemente feliz, velada de ilusão e ironia.
Assista esta raridade enquanto ela ainda nos é disponível:
http://www.youtube.com/watch?v=YUkoC72cmfo
O Direito do Mais Forte é a Liberdade
4.0 43Um filme brilhante, uma das obras mais modernas do Novo Cinema Alemão. Fassbinder conta em "Anarquia da Fantasia" (1988) da sua relação com a obra de A. Döblin e, especialmente, do celebre personagem de Franz Biberkopf. A maneira como Döblin constrói a decadência do personagem, além da sua impotência diante de um destino cruel, inspira Fassbinder a nomear homonimamente seu personagem. Em "O Direito do Mais Forte" (1975), acompanhamos a existência de um desgraçado, um homem envolto por dificuldades cruéis e obstáculos simbólicos (a sofisticação imposta pelo namorado, o conflito psicológico entre suas conquistas e interesses) que estão diluídos inteiramente pela vida social. Um filme que parece exercitar muitos dos elementos de "O Medo Devora a Alma" (1974), trazendo demasiadamente a estética metódica de Douglas Sirk e os enquadramentos cheios de significado, porém levando tudo isso ao fundo do poço, trazendo uma obscuridade poucas vezes vista no cinema, menos ainda se relacionada à homossexualidade. A marginalidade inunda a tela em discussões sociais, mostrando a própria delimitação do universo gay com a contradição entre exclusão e elitismo. Perceba como a câmera de Fassbinder atravessa os espaços e desnuda os seus personagens, construindo situações com uma frieza que não é necessariamente vazia, mas - pelo contrário - há uma atmosfera, um desejo que transita como um desespero em meio a tantas maldições. É um dos filmes mais maduros sobre a homossexualidade de que temos notícia e a sua discussão não cansa de se reproduzir mesmo hoje.
Três... Ainda é Bom
3.7 15Um pré-code sem o menor pudor de cair na sordidez, daqueles que a gente adora quando vê tudo cair matando sem deixar por menos a ironia do destino do desfecho, daquelas em que o amoral triunfa ante ao bom moço! Três fumam o cigarro de um mesmo palito de fósforo, a metáfora deliciosa e inesquecível como o filme: que tudo acabe em fogo! Nesta obra particular de Mervyn LeRoy ("Little Caesar", 1930, assim como "Waterloo Brigde" 1940 e etc), a participação de Davis foi curta, porém enigmática para um começo de carreira.
Ritmo Louco
3.9 59 Assista AgoraAstaire e Rodgers transbordam a tela com graça e sofisticação, SWING TIME foi um dos melhores filmes de George Stevens e um dos mais populares do casal dançante. Com números luxuosos e belas interpretações, esta obra deleitosa fica na memória e imortaliza a simplicidade romântica dos anos 30 para os musicais, adentrando ao culto pop com gás total. Canções que fizeram outros artistas famosos mais tarde estavam já aqui, como "The way you look tonight" e "A fine romance", sem contar a belíssima "Never gonna dance".
Adeus, Meu Amor
3.5 4Triunfo de displicência e incoerência fílmica, apesar de todos os esforços na contribuição entre Crawford e Sherman. A trama amorosa parece tão instigante quanto a ideia de imaginar a atriz como uma mulher do congresso, lê-se: nulo. Adeus à pertinência, deveria ser o título original de “Goodbye, My Fancy”. Sendo um fã, esforçamo-nos a ver de um tudo, quem sabe num futuro bem distante e noutra galáxia esta experiência revele outros frutos...
Sob o Signo do Sexo
3.5 4É daqueles melôs hollywoodianos adoráveis que por trás da carcaça idílica e plástica sandradee-iesca revelam solidão e tragédia humana com a dose certa e sem perder a pose no beijo do final feliz. É quase como um exercício que se repetiu em filmes sirkianos ou em filmes como, sei lá, PEYTON PLACE?! Num jornal da época, um comentarista brilhantemente disse que tem gente que foi só para ver uma classy Joan Crawford em alta estirpe mesmo como coadjuvante, na pele da editora-chefe que menos aparece em relação às protagonistas e que parece deixar o filme vazio ao sair de cena. É engraçado e campy o comentário, mas na verdade a tela fica bem cheia mesmo sem o douramento da cabeleira de Crawford, é quase como um Sex and the City milhões de anos atrás, quase como se tudo que o sexo representou ali em meio às traições e os dilemas do ser humano fosse capaz de diluir a tela em folhetinagem e vidas reboladas pelo glamourous way of the new-yorkers. Swell, né não?
Os Olhos Sem Rosto
4.0 232Este é um verdadeiro MISTÉRIO, uma obra sombria e inspiradora. Les Yeux Sans Visage no auge da sua construção estética e, inspirando hoje a obra de Almodóvar, trará sempre milhões de questões à discussão. Com seus traquejos de linguagem e a belíssima fotografia em preto e branco, revela (ou esconde) muitas facetas da condição humana e provocações aos valores científicos, um filme que por trás de sua máscara de cirurgia e intervenção estética vai além para questionar a autoridade do CRIADOR e parece-me querer sutilmente arrepiar o espectador com a proeza das inúmeras QUESTÕES que levanta e a própria genialidade de não respondê-las.
A Imperatriz Vermelha
4.1 22Absolutamente brilhante direção de Josef Von Sternberg, nesta pérola com Marlene Dietrich que interpreta uma imperatriz martirizada por todos e que se desafia a virar o jogo. Dá para sair babando da decoração lúdica por onde a câmera deste diretor austríaco atravessa os seus atores com símbolos e representações que equivocam a arte barroca, além de todo aquilo uso simbólico da iluminação e do close-up que ninguém faz parecido. Doando agora os órgãos por esta obra magistral e soberba em sua moralidade que tece construções de valores a se pensar sobre, eternamente! A ser revisto com urgência.
Amor de Dançarina
3.9 15É uma obra-prima [a ser redescoberta] no que diz respeito ao gênero musical, digna de outros como “O Picolino” e “Caçadoras de Ouro”. Daqueles filmes inesquecíveis dos anos 30 que transportam ainda o espectador à outra época. Esta da sensualidade feminina por trás de retilíneos vestidos com franjas, chapéus circulares; dos homens galanteadores com suas cartolas e gravatas borboletas e do *Let’s be “gay” and swell [american] way of life*. Dancing Lady possui um timing incrível e faz suas gags funcionarem de um maneira que não sobrepõe o trabalho dramático do trio principal: Joan Crawford, Franchot Tone e Clark Gable. O trabalho sensível de Crawford surpreende, mesmo no início de seus trabalhos como protagonista e mostra como outra atriz na época poderia ter tombado a personagem em exageros e maneirismos, porém até no olhar da atriz encontramos sutileza e sofisticação, assim como a construção dos números musicais e a indescritível participação de Fred Astaire como ele mesmo, um dos deuses da dança! Produção luxuosa de O. Selznick com números musicais fantásticos e muitos momentos inesquecíveis.
Hitchcock
3.7 1,1K Assista AgoraTem algo de fascinante no roteiro de Sacha Gervasi e de cinéfilo também. A maneira com a qual a estética desta recente produção trouxe o fascínio pela figura do celebre realizador britânico ganha os holofotes que garante a notoriedade. De fato, tem muita coisa boa aqui que não passa em branco, pois vai além do que um documentário em extra de dvd faria, esta produção ousa dramaturgicamente a tramar dentro da cabeça do mestre.
Com intrigas e um leque aberto de diferentes emoções expressas, o filme Hitchcock (2012) triunfa em seu engajamento de pesquisar a vida do mestre e entrevistar todos aqueles vivos que permitiriam se conhecer um pouco mais de como era Hitch em sua vida pessoal e, porém, fica por aí. Há coisas que se transbordam no filme, como a insistência em sugerir traição de casamento e banalizar a questão da figura da loira misteriosa para o mestre. Tem uma coisa de charme, quando se pega para ler estes livros que pesquisam as loiras da vida de HItchcock, o melhor que conseguimos ali é um distância necessária do ponto de vista da narrativa para não banalizar aquele fascínio ou qualquer coisa que nunca poderíamos de fato descrever, não caindo no erro deste filme de torná-la apenas uma tara de um velho gordo e sem nuanças. Ainda que fosse isso ou que o seu casamento tivesse sido abalado na época, talvez outras abordagens sejam mais propícias.
Existe no universo do cinema um segredo que não falha, o da sugestão. Antes se tivesse aprofundado os mistérios de um diretor obcecado com o seu filme, como pareceu brilhantemente realizar em muitos momentos. A banalização distancia o espectador do universo fílmico e da impressão de realidade, tornando aqueles suspenses mais dignos de série policial de segunda mão do que de um bom filme. Citando HItch dentro deste filme, sabe aquele filme que foi feito e ficou lá sentado, mas nunca veio à vida. Exceto pelas belas imagens e pela construção de época, demasiadamente divertidas.
Assim como a construção do personagem.
O Tesouro de Sierra Madre
4.4 168 Assista AgoraÉ uma obra-prima a ser encontrada nas listas dos filmes mais emblemáticos da história do cinema americano. É interessante como John Huston tinha um potencial para fazer filmes que não eram esquecidos. Bogart genial em seu portrait pleno de nuanças da ganância e das ambições humanas. O clima árido da história se transpõe através da fotografia e chega ao espectador como uma experiência única, vivemos a trajetória daqueles homens em suas misérias e emoções. Que presente idílico este de John Huston de permitir ao pai de estrelar num papel tão ressignificante, genial, magnífico e inesquecível: Walter Huston trouxe uma comicidade inexplicável ao seu personagem que se mostra complexo e maduro. O entrelaçar da vida entre estes indivíduos nos revela um significado universal da relação entre os seres humanos e por trás da música de Max Steiner aquele gostinho de assistir a um filme atemporal.
Disque M Para Matar
4.4 680 Assista AgoraImperdível a oportunidade de assistir ao filme pela edição da Warner em Blu-ray 3D+2D que está impecável! Pela primeira vez no Brasil, o filme foi lançado com o formato de tela original de cinema, widescreen e com uma resolução impecável. Todos sabem do carinho que Hitchcock tinha pelas suas peças teatrais, ele sempre dizia que quando faltava-lhe ideia para realizar um novo filme o grande truque erar pegar uma peça de sucesso e adaptá-la. No entanto, o celebre diretor não modificava muito os textos originais teatrais, o que ele tinha o dom de fazer era transformá-los em linguagem de cinema com sabedoria e um talento imensurável na hora de enquadrar e montar as suas obras. Um filme cheio de truques deliciosos e uma decoração formidável, palco de Grace Kelly e seus amantes, neste suspense lendário e inesquecível.
Casablanca
4.3 1,0K Assista AgoraHá poucas histórias no mundo que foram contadas com a frequência de Casablanca e a minoria delas compartilham do impacto deste filme para a época. Em sua ideologia, sensibilidade e técnica, uma obra onde as peças se encaixam e um time gigantesco conseguiu encontrar sintonia ao conceber uma filme atemporal. A estrutura da narrativa conduzida com uma proficiência nunca mais vista, tempos de ouro na Warner Bros. Cada elemento aparece como se estivessem numa pintura neoclássica, dando sentido às formas e tornando imagens em ícones. Rick melancólico em seu bar derrama a bebida, sugerindo aquele mesmo deslize de Ilsa quando se beijaram na Paris dos dias felizes. Um filme que se faz metonímia de outros milhares de sua mesma época, em que o desespero assolava os corações de cada estadunidense. O triunfo de Casablanca está na sua maneira justa de nos mostrar o desespero daquelas pessoas, com doses homeopáticas de olhar documental, mas tratando o seu palco com um belo romance, símbolo de muitas coisas além do entretenimento da indústria do cinema: emblemas de sacrifício e maturidade ao longo de uma das canções mais inesquecíveis do cinema. A ser revisto para sempre! <3
Casei-me Com Uma Feiticeira
3.6 34 Assista AgoraExemplo emblemático das comédias lançadas durante a guerra: divertidas e escapistas. Ingênuas? Apenas se desconsiderarmos o discurso ideológico oculto por trás delas, mas além disso está a necessidade da época de fuga aos desesperos e à grande crise de uma grande guerra. I MARRIED A WITCH é um filme a ser destacado pela sua duração, um filme exímio em montagem, honrado por suas atuações deliciosamente teatrais.
A Mulher Parisiense dos Cabelos de Fogo
3.9 7NASCIDAS EM VERMELHO ESCARLATE
Uma narrativa absolutamente fascinante, na qual Jean Harlow ascende à tela em chamas de perversão, sensualidade e ambição. É um filme que me faz pensar na obra enigmática de Bette Davis, Jezebel (1938). Ambas obras discutem o papel da mulher numa sociedade patriarcal de épocas distintas, diante do desejo de transgredir as próprias amarras para exercer o próprio desejo e a própria feminilidade. No entanto, os limites dos próprios estúdios hollywoodianos, fundados em valores sexistas e conservadores ceifam de alguma forma a possibilidade fílmica de relatar a vida dessas mulheres. No filme de Davis, fica claro como a insubmissão da personagem aos valores tradicionais se desapegam na criação de uma heroína romântica e todos os valores amorais são cancelados pelo idílio de ser fiel ao seu homem. Nada disso é um dissabor, pois o filme é nada mais que um reflexo das suas condições de produção. O caso de Jean Harlow é completamente diferente, já que esta obra data de pouquíssimo tempo depois do código de censura e nos envolve em toda sua explícita perversão. Ambas as personagens possuem uma construção de personalidade moldada na cor vermelha e como são filmes em preto e branco, está aí o momento-chave em que precisamos trabalhar a imaginação. É se deliciar em todas aquelas sugestões fílmicas.